A ESCRITURA SAGRADA E A REVOLUÇÃO
FRANCESA
No
século XVI, a Reforma, apresentando ao povo uma Bíblia aberta, procurava
admissão em todos os países da Europa. Algumas nações receberam-na com alegria,
como um mensageiro do Céu. Em outras terras o papado conseguiu em grande parte
impedir-lhe a entrada; e a luz do conhecimento da Escritura Sagrada, com sua
enobrecedora influência, foi quase totalmente excluída. Em um país, posto que a
luz encontrasse entrada, não foi compreendida por causa das muitas trevas.
Durante séculos a verdade e o erro lutaram pelo predomínio. Finalmente o mal
triunfou e a verdade divina foi rejeitada. "Esta é a condenação, que a luz
veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz." João 3:19.
Permitiu-se que a nação colhesse os resultados da conduta que adotara. A
restrição do Espírito de Deus foi removida de um povo que tinha desprezado o
dom de Sua graça. Consentiu-se que o mal chegasse a sazonar. E todo o mundo viu
os frutos da rejeição voluntária da luz.
Esta
guerra contra a Escritura Sagrada, prosseguida durante tantos séculos na
França, culminou nas cenas da Revolução. Aquela terrível carnificina foi apenas
o resultado legítimo da supressão da Escritura por parte de Roma. Apresentou ao
mundo o mais flagrante exemplo da operação dos princípios papais – exemplo dos
resultados a que por mais de mil anos tendia o ensino da Igreja de Roma.
A
supressão das Escrituras durante o período da supremacia papal, foi predita pelos
profetas; e o Revelador (o apóstolo João) indica também os terríveis resultados
que deveriam sobrevir especialmente à França pelo domínio do "homem do
pecado".
Disse
o anjo do Senhor: "Pisarão a santa cidade por quarenta e dois meses. E
darei poder às Minhas duas Testemunhas, e profetizarão por mil, duzentos e
sessenta dias, vestidas de saco. … E, quando acabarem o seu testemunho, a besta
que sobe do abismo lhes fará guerra, e os vencerá, e os matará. E jazerão seus
corpos mortos na praça da grande cidade que espiritualmente se chama Sodoma e
Egito, onde o seu Senhor também foi crucificado. … E os que habitam na Terra se
regozijarão sobre eles, e se alegrarão, e mandarão presentes uns aos outros;
porquanto estes dois profetas tinham atormentado os que habitam sobre a Terra.
E depois daqueles três dias e meio o espírito de vida, vindo de Deus, entrou
neles; e puseram-se sobre seus pés, e caiu grande temor sobre os que os
viram." Apoc. 11:2-11.
Os
períodos aqui mencionados – "quarenta e dois meses" e "mil, duzentos
e sessenta dias" – são o mesmo, representando igualmente o tempo em que a
igreja de Cristo deveria sofrer opressão de Roma. Os 1.260 anos da supremacia
papal começaram em 538 de nossa era e terminariam, portanto, em 1798. Nessa
ocasião um exército francês entrou em Roma e tomou prisioneiro o papa, que
morreu no exílio. Posto que logo depois fosse eleito novo papa, a hierarquia
papal nunca pôde desde então exercer o poder que antes possuíra.
A
perseguição da igreja não continuou durante o período todo dos 1.260 anos.
Deus, em misericórdia para com Seu povo, abreviou o tempo de sua dolorosa
prova. Predizendo a "grande tribulação" a sobrevir à igreja, disse o
Salvador: "Se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se
salvaria; mas por causa dos escolhidos serão abreviados aqueles dias."
Mat. 24:22. Pela influência da Reforma, a perseguição veio a termo antes de
1798.
Relativamente
às duas testemunhas, declara mais o profeta: "Estas são as duas oliveiras,
e os dois castiçais que estão diante do Deus de toda a Terra." "Tua
Palavra", diz o salmista, "é lâmpada para meus pés, e luz para o meu
caminho." Apoc. 11:4; Sal. 119:105. As duas testemunhas representam as
Escrituras do Antigo e Novo Testamentos. Ambos são importantes testemunhas
quanto à origem e perpetuidade da lei de Deus. Ambos são também testemunhas do
plano da salvação. Os tipos, sacrifícios e profecias do Antigo Testamento
apontam para um Salvador por vir. Os evangelhos e as epístolas do Novo
Testamento falam acerca de um Salvador que veio exatamente da maneira predita
pelos tipos e profecias.
"Profetizarão
por mil, duzentos e sessenta dias, vestidas de saco." Durante a maior
parte deste período, as testemunhas de Deus permaneceram em estado de
obscuridade. O poder papal procurava ocultar do povo a Palavra da verdade e
colocar diante dele testemunhas falsas para contradizerem o testemunho daquela.
Quando a Bíblia foi proscrita pela autoridade religiosa e secular; quando seu
testemunho foi pervertido, fazendo homens e demônios todos os esforços para
descobrir como desviar da mesma o espírito do povo; quando os que ousavam
proclamar suas sagradas verdades eram perseguidos, traídos, torturados,
sepultados nas celas das masmorras, martirizados por sua fé, ou obrigados a
fugir para a fortaleza das montanhas e para as covas e cavernas da Terra –
então profetizavam as fiéis testemunhas vestidas de saco. Contudo, continuaram
com seu testemunho por todo o período de 1.260 anos. Nos mais obscuros tempos
houve fiéis que amavam a Palavra de Deus e eram ciosos de Sua honra. A esses
fiéis servos foram dados sabedoria, autoridade e poder para anunciar Sua
verdade durante aquele tempo todo.
"Se
alguém lhes quiser fazer mal, fogo sairá da sua boca e devorará os seus
inimigos; e, se alguém lhes quiser fazer mal, importa que assim seja
morto." Os homens não poderão impunemente espezinhar a Palavra de Deus. O
sentido desta terrível declaração é apresentado no capítulo final do
Apocalipse: "Eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia
deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre
ele as pragas que estão escritas neste livro; e, se alguém tirar quaisquer
palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, e
da cidade santa, que estão escritas neste livro." Apoc. 11:5; 22:18 e 19.
Estas
são as advertências que Deus deu para guardar os homens de mudar de qualquer
maneira o que revelou ou ordenou. Essas solenes declarações de castigo se
aplicam a todos os que por sua influência levam os homens a considerar
levianamente a lei de Deus. Deveriam fazer tremer aos que declaram ser coisa de
pouca monta obedecer ou não à lei de Deus. Todos os que exaltem suas próprias
opiniões acima da revelação divina, todos os que mudem o sentido claro das
Escrituras para acomodá-lo à sua própria conveniência, ou pelo motivo de se
conformar com o mundo, estão a trazer sobre si terrível responsabilidade. A
Palavra escrita, a lei de Deus, aferirá o caráter de todo homem, e condenará a
todos a quem esta infalível prova declarar em falta.
"Quando
acabarem [estiverem acabando] seu testemunho." O período em que as duas
testemunhas deveriam profetizar vestidas de saco, finalizou-se em 1798.
Aproximando-se elas do termo de sua obra em obscuridade, deveria fazer guerra
contra elas o poder representado pela "besta que sobe do abismo". Em
muitas das nações da Europa os poderes que governaram na Igreja e no Estado
foram durante séculos dirigidos por Satanás, por intermédio do papado. Aqui,
porém, se faz referência a uma nova manifestação do poder satânico.
Fora
a política de Roma, sob profissão de reverência para com a Bíblia, conservá-la
encerrada numa língua desconhecida, ocultando-a do povo. Sob seu domínio as
testemunhas profetizaram "vestidas de saco". Mas um outro poder – a
besta do abismo – deveria surgir para fazer guerra aberta e declarada contra a
Palavra de Deus.
A
"grande cidade" em cujas ruas as testemunhas foram mortas, e onde
seus corpos mortos jazeram, é "espiritualmente" o Egito. De todas as
nações apresentadas na história bíblica, o Egito, de maneira mais ousada, negou
a existência do Deus vivo e resistiu aos Seus preceitos. Nenhum monarca já se
aventurou a rebelião mais aberta e arrogante contra a autoridade do Céu do que
o fez o rei do Egito. Quando, em nome do Senhor, a mensagem lhe fora levada por
Moisés, Faraó orgulhosamente, respondeu: "Quem é o Senhor cuja voz eu
ouvirei, para deixar ir Israel? Não conheço o Senhor, nem tão pouco deixarei ir
Israel." Êxo. 5:2. Isto é ateísmo; e a nação representada pelo Egito daria
expressão a uma negação idêntica às reivindicações do Deus vivo, e manifestaria
idêntico espírito de incredulidade e desafio. A "grande cidade" é
também comparada "espiritualmente" com Sodoma. A corrupção de Sodoma
na violação da lei de Deus, manifestou-se especialmente na licenciosidade. E
este pecado também deveria ser característico preeminente da nação que
cumpriria as especificações deste texto.
Segundo
as palavras do profeta, pois, um pouco antes do ano 1798, algum poder de origem
e caráter satânico se levantaria para fazer guerra à Escritura Sagrada. E na
terra em que o testemunho das duas testemunhas de Deus deveria assim ser
silenciado, manifestar-se-ia o ateísmo de Faraó e a licenciosidade de Sodoma.
Esta
profecia teve exatíssimo e preciso cumprimento na história da França. Durante a
Revolução, em 1793, "o mundo pela primeira vez ouviu uma assembléia de
homens, nascidos e educados na civilização, e assumindo o direito de governar
uma das maiores nações européias, levantar a voz em coro para negar a mais
solene verdade que a alma do homem recebe, e renunciar unanimemente à crença na
Divindade e culto à mesma". – Vida de Napoleão Bonaparte, de Sir Walter
Scott. "A França é a única nação do mundo relativamente à qual se conserva
registro autêntico de que, como nação, se levantou em aberta rebelião contra o
Autor do Universo. Profusão de blasfemos, profusão de incrédulos, tem havido e
ainda continua a haver, na Inglaterra, Alemanha, Espanha e em outras terras;
mas a França fica à parte, na história universal, como o único Estado que, por
decreto da Assembléia Legislativa, declarou não haver Deus, e em cuja capital a
população inteira, e vasta maioria em toda parte, mulheres assim como homens,
dançaram e cantaram com alegria ao ouvirem a declaração." – Blackwood’s
Magazine, de novembro de 1870.
A
França também apresentou as características que mais distinguiram Sodoma.
Durante o período revolucionário mostrou-se um estado de rebaixamento moral e
corrupção semelhante ao que trouxera destruição às cidades da planície. E o
historiador apresenta juntamente o ateísmo e a licenciosidade da França,
conforme os dá a profecia: "Ligada intimamente a estas leis que afetam a
religião, estava a que reduzia a união pelo casamento – o mais sagrado ajuste
que seres humanos podem formar, cuja indissolubilidade contribui da maneira
mais eficaz para a consolidação da sociedade – à condição de mero contrato
civil de caráter transitório, em que quaisquer duas pessoas poderiam
empenhar-se e que, à vontade, poderiam desfazer. … Se os demônios se houvessem
disposto a trabalhar para descobrir o modo mais eficaz de destruir o que quer
que seja venerável, belo ou perdurável na vida doméstica, e de obter ao mesmo
tempo certeza de que o mal que era seu objetivo criar se perpetuaria de uma geração
a outra, não poderiam ter inventado plano mais eficiente do que a degradação do
casamento. … Sofia Arnoult, atriz famosa pelos ditos espirituosos que proferia,
descreveu o casamento republicano como sendo ‘o sacramento do adultério’."
– Scott.
"Onde
o seu Senhor também foi crucificado." Esta especificação da profecia
também foi cumprida pela França. Em nenhum país fora o espírito de inimizade
contra Cristo ostentado mais surpreendentemente. Em nenhum país encontrara a
verdade mais atroz e cruel oposição. Na perseguição que a França infligiu aos
que professavam o evangelho, crucificou a Cristo na pessoa de Seus discípulos.
Século
após século o sangue dos santos fora derramado. Enquanto os valdenses,
"pela palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus Cristo", depunham a
vida nas montanhas do Piemonte, idêntico testemunho da verdade era dado por
seus irmãos, os albigenses da França. Nos dias da Reforma seus discípulos foram
mortos com horríveis torturas. Rei e nobres, senhoras de alto nascimento e delicadas
moças, o orgulho e a nobreza da nação, haviam recreado os olhos com as agonias
dos mártires de Jesus. Os bravos huguenotes, batendo-se pelos direitos que o
coração humano preza como os mais sagrados, tinham derramado seu sangue em
muitos campos de rudes combates. Os protestantes eram tidos na conta de
proscritos, punha-se a preço a sua cabeça e eram perseguidos como animais
selvagens.
A
"igreja no deserto", os poucos descendentes dos antigos cristãos que
ainda penavam na França no século XVIII, ocultando-se nas montanhas do sul,
acariciavam ainda a fé de seus pais. Aventurando-se a reunir-se à noite ao lado
das montanhas ou dos pantanais solitários, eram caçados por cavalarianos e
arrastados para a escravidão nas galeras, por toda a vida. "Os mais puros,
cultos e inteligentes dos franceses, foram acorrentados, em horríveis torturas,
entre ladrões e assassinos." – Wylie. Outros, tratados com mais
misericórdia, eram fuzilados a sangue frio, caindo, indefesos e desamparados,
de joelhos, em
oração. Centenas de homens idosos, indefesas mulheres e
inocentes crianças eram deixados mortos sobre a terra em seu lugar de reunião.
Atravessando-se a encosta das montanhas ou a floresta, onde estavam acostumados
a reunir-se, não era raro encontrarem-se "a cada passo corpos mortos,
pontilhando a relva, e cadáveres a balançar suspensos das árvores". Seu
território, devastado pela espada, pelo machado, pela fogueira,
"converteu-se em vasto e triste deserto". "Estas atrocidades não
eram ordenadas … em qualquer época obscura, mas na era brilhante de Luís XIV.
Cultivavam-se então as ciências, as letras floresciam, os teólogos da corte e
da capital eram homens doutos e eloqüentes, aparentando perfeitamente as graças
da humildade e caridade." – Wylie.
O
mais negro, porém, do negro catálogo de crimes, a mais horrível entre as ações
diabólicas de todos os hediondos séculos, foi o massacre de São Bartolomeu. O
mundo ainda recorda com estremecimento de horror as cenas daquele assalto
covardíssimo e cruel. O rei da França, com quem sacerdotes e prelados romanos
insistiram, sancionou a hedionda obra. Um sino badalando à noite dobres
fúnebres, foi o sinal para o morticínio. Milhares de protestantes que dormiam
tranqüilamente em suas casas, confiando na honra empenhada de seu rei, eram
arrastados para fora sem aviso prévio e assassinados a sangue frio.
Como
Cristo fora o chefe invisível de Seu povo ao ser tirado do cativeiro egípcio,
assim foi Satanás o chefe invisível de seus súditos na horrível obra de
multiplicar os mártires. Durante sete dias perdurou o massacre em Paris, sendo
os primeiros três com inconcebível fúria. E não se limitou unicamente à cidade,
mas por ordem especial do rei estendeu-se a todas as províncias e cidades onde
se encontravam protestantes. Não se respeitava nem idade nem sexo. Não se
poupava nem a inocente criancinha, nem o homem de cabelos brancos. Nobres e
camponeses, velhos e jovens, mães e filhos, eram juntamente abatidos. Por toda
a França a carnificina durou dois meses. Pereceram setenta mil da legítima flor
da nação.
"Quando
as notícias do massacre chegaram a Roma, a exultação entre o clero não teve
limites. O cardeal de Lorena recompensou o mensageiro com mil coroas; o canhão
de Santo Ângelo reboou em alegre salva; os sinos tangeram em todos os
campanários; fogueiras festivas tornaram a noite em dia; e Gregório XIII,
acompanhado dos cardeais e outros dignitários eclesiásticos, foi, em longa
procissão, à igreja de São Luís, onde o cardeal de Lorena cantou o Te Deum. …
Uma medalha foi cunhada para comemorar o massacre, e no Vaticano ainda se podem
ver três quadros de Vasari descrevendo o ataque ao almirante, o rei em conselho
urdindo a matança, e o próprio morticínio. Gregório enviou a Carlos a Rosa de
Ouro; e quatro meses depois da carnificina, … ouviu complacentemente ao sermão
de um padre francês, … que falou daquele ‘dia tão cheio de felicidade e
regozijo, em que o santíssimo padre recebeu a notícia, e foi em aparato solene
dar graças a Deus e a São Luís’." – O Massacre de São Bartolomeu, de Henry
White.
O
mesmo espírito sobrenatural que instigou o massacre de São Bartolomeu, dirigiu
também as cenas da Revolução. Foi declarado ser Jesus Cristo um impostor e o
grito de zombaria dos incrédulos franceses era: "Esmagai o
Miserável!" querendo dizer Cristo. Blasfêmia que desafiava o Céu e
abominável impiedade iam de mãos dadas, e os mais vis dentre os homens, os mais
execráveis monstros de crueldade e vício, eram elevados aos mais altos postos.
Em tudo isto, prestava-se suprema homenagem a Satanás, enquanto Cristo, em Seus
característicos de verdade, pureza e amor abnegado, era crucificado.
"A
besta que sobe do abismo lhes fará guerra, e os vencerá, e os matará." O
poder ateísta que governou na França durante a Revolução e reinado do terror,
desencadeou contra Deus e Sua santa Palavra uma guerra como jamais o
testemunhara o mundo. O culto à Divindade fora abolido pela Assembléia
Nacional. Bíblias eram recolhidas e publicamente queimadas com toda a
manifestação de escárnio possível. A lei de Deus era calcada a pés. As instituições
das Escrituras Sagradas, abolidas. O dia de repouso semanal foi posto de lado,
e em seu lugar cada décimo dia era dedicado à orgia e blasfêmia. O batismo e a
comunhão foram proibidos. E anúncios afixados visivelmente nos cemitérios,
declaravam ser a morte um sono eterno.
Disseram
estar o temor de Deus tão longe do princípio da sabedoria que era o princípio
da loucura. Todo culto foi proibido, exceto o da liberdade e do país. O
"bispo constitucional de Paris foi obrigado a desempenhar a parte principal
na farsa mais impudente e escandalosa que já se levou à cena em face de uma
representação nacional. … Em plena procissão foi ele empurrado a fim de
declarar à Convenção que a religião por ele ensinada durante tantos anos, era,
em todo o sentido, uma peça de artimanha padresca, destituída de fundamento
tanto na História como na verdade sagrada. Negou em termos solenes e explícitos
a existência da Divindade a cujo culto fora consagrado, dedicando-se, para o
futuro, à homenagem da liberdade, igualdade, virtude e moralidade. Depôs então
sobre a mesa os paramentos episcopais, recebendo fraternal abraço do presidente
da Convenção. Vários padres apóstatas seguiram o exemplo deste prelado". –
Scott.
"E
os que habitam na Terra se regozijarão sobre eles, e se alegrarão, e mandarão
presentes uns aos outros; porquanto estes dois profetas tinham atormentado os
que habitam sobre a Terra." A França incrédula fizera silenciar a voz
reprovadora das duas testemunhas de Deus. A Palavra da verdade jazeu morta em
suas ruas, e os que odiavam as restrições e exigências da lei de Deus estavam
jubilosos. Os homens publicamente desafiavam o rei dos Céus. Semelhantes aos
pecadores da antiguidade, clamavam: "Como o sabe Deus? ou há conhecimentos
no Altíssimo?" Sal. 73:11.
Com
blasfema ousadia, que se diria incrível, disse um dos padres da nova ordem:
"Deus, se existis, vingai Vosso nome injuriado. Eu Vos desafio!
Conservais-Vos em silêncio; não ousais fazer uso de Vossos trovões. Quem depois
disso crerá em Vossa existência?" – História, de Lacretelle, e História da
Europa, de Alison. Que eco fiel é isto, da pergunta de Faraó: "Quem é o
Senhor para que eu obedeça a Sua voz?" "Não conheço o Senhor!"
"Disse
o néscio em seu coração: Não há Deus." Sal. 14:1. E declara o Senhor
relativamente aos que pervertem a verdade: "A todos será manifesto o seu
desvario." II Tim. 3:9. Depois que a França renunciou ao culto do Deus
vivo, "o Alto e o Sublime que habita na eternidade", pouco tempo se
passou até descer ela à idolatria degradante, pelo culto da deusa da Razão, na
pessoa de uma mulher dissoluta. E isto na assembléia representativa da nação, e
pelas suas mais altas autoridades civis e legislativas! Diz o historiador:
"Uma das cerimônias deste tempo de loucuras permanece sem rival pelo absurdo
combinado com a impiedade. As portas da convenção foram abertas de par em par a
uma banda de música, seguida dos membros da corporação municipal, que entraram
em solene procissão, cantando um hino de louvor à liberdade e escoltando, como
o objeto de seu futuro culto, uma mulher coberta com um véu, a quem denominavam
a deusa da Razão. Levada à tribuna, tirou-se-lhe o véu com grande pompa, e foi
colocada à direita do presidente, sendo por todos reconhecida como dançarina de
ópera. … A essa pessoa, como mais apropriada representante da razão a que
adoravam, a Convenção Nacional da França prestou homenagem pública.
"Essa
momice, ímpia e ridícula, entrou em voga; e o instituir a deusa da Razão foi repetido
e imitado, por todo o país, nos lugares em que os habitantes desejavam
mostrar-se à altura da Revolução." – Scott.
Disse
o orador que apresentou o culto da Razão: "Legisladores! O fanatismo foi
substituído pela razão. Seus turvos olhos não poderiam suportar o brilho da
luz. Neste dia, imenso público se congregou sob aquelas abóbadas góticas que,
pela primeira vez, fizeram ecoar a verdade. Ali, os franceses celebraram o
único culto verdadeiro – o da Liberdade, o da Razão. Ali formulamos votos de prosperidade
às armas da República. Ali abandonamos ídolos inanimados para seguir a Razão,
esta imagem animada, a obra-prima da Natureza." – História da Revolução
Francesa, de Thiers, vol. 2, págs. 370 e 371.
Ao
ser a deusa apresentada à Convenção, o orador tomou-a pela mão e, voltando-se à
assembléia, disse: "Mortais, cessai de tremer perante os trovões
impotentes de um Deus que vossos temores criaram. Não reconheçais, doravante,
outra divindade senão a Razão. Ofereço-vos sua mais nobre e pura imagem; se
haveis de ter ídolos, sacrificai apenas aos que sejam como este. … Caí perante
o augusto Senado da Liberdade, ó Véu da Razão! …
"A
deusa, depois de ser abraçada pelo presidente, foi elevada a um carro suntuoso
e conduzida, por entre vasta multidão, à catedral de Notre Dame para tomar o
lugar da Divindade. Ali foi ela erguida ao altar-mor e recebeu a adoração de
todos os presentes." – Alison.
Não
muito depois, seguiu-se a queima pública da Escritura Sagrada. Em uma ocasião,
"a Sociedade Popular do Museu" entrou no salão da municipalidade,
exclamando: "Vive La
Raison !" e carregando na extremidade de um mastro os
restos meio queimados de vários livros, entre os quais breviários, missais, e o
Antigo e Novo Testamentos, livros que "expiavam em grande fogo",
disse o presidente, "todas as loucuras que tinham feito a raça humana
cometer". – Journal de Paris, 14 de novembro de 1793 (nº 318).
Foi
o papado que começara a obra que o ateísmo estava a completar: A política de
Roma produzira aquelas condições sociais, políticas e religiosas, que estavam
precipitando a França na ruína. Referindo-se aos horrores da Revolução, dizem
escritores que esses excessos devem ser atribuídos ao trono e à igreja. Com
estrita justiça devem ser atribuídos à igreja. O papado envenenara a mente dos
reis contra a Reforma, como inimiga da coroa, elemento de discórdia que seria
fatal à paz e harmonia da nação. Foi o gênio de Roma que por este meio inspirou
a mais espantosa crueldade e mortificante opressão que procediam do trono.
O
espírito de liberdade acompanhava a Bíblia. Onde quer que o evangelho era
recebido, despertava-se o povo. Começavam os homens a romper as algemas que os
haviam conservado escravos da ignorância, vício e superstição. Começavam a
pensar e agir como homens. Os monarcas, ao verem isto, temeram pelo seu
despotismo.
Roma
não foi tardia em inflamar seus ciosos temores. Disse o papa ao regente da
França em 1525: "Esta mania [o protestantismo], não somente confundirá e
destruirá a religião, mas todos os principados, nobreza, leis, ordens e classes
juntamente." – História dos Protestantes da França, G. de Félice. Poucos
anos mais tarde um núncio papal advertiu ao rei: "Majestade, não vos
enganeis. Os protestantes subverterão toda a ordem civil e religiosa. … O trono
está em tão grande perigo como o altar. … A introdução de uma nova religião
deve necessariamente introduzir novo governo." – História da Reforma no
Tempo de Calvino, D’Aubigné. E os teólogos apelavam para os preconceitos do
povo, declarando que a doutrina protestante "instiga os homens à novidade
e loucura; despoja o rei da dedicada afeição de seus súditos e devasta tanto a
Igreja como o Estado". Assim Roma conseguiu predispor a França contra a
Reforma. "Foi para manter o trono, preservar os nobres e conservar as
leis, que pela primeira vez se desembainhou na França a espada da
perseguição." – Wylie.
Mal
imaginavam os governantes do país os resultados daquela política fatal. O
ensino da Escritura Sagrada teria implantado no espírito e no coração do povo
os princípios de justiça, temperança, verdade, eqüidade e benevolência, que são
a própria pedra basilar da prosperidade da nação. "A justiça exalta as
nações." Donde, "com justiça se estabelece o trono". Prov.
14:34; 16:12. "O efeito da justiça será paz, e a operação da justiça
repouso e segurança, para sempre." Isa. 32:17. O que obedece à lei divina
é o que melhor respeitará e obedecerá às leis de seu país. O que teme a Deus
honrará ao rei no exercício de toda a autoridade justa e legítima. Mas a
desditosa França proibiu a Bíblia e condenou seus discípulos. Século após
século, homens de princípios e integridade, homens de agudeza intelectual e
força moral, que tinham coragem de confessar suas convicções e fé para sofrer
pela verdade, sim, durante séculos esses homens labutaram como escravos nas
galeras, pereceram na fogueira, ou apodreceram nas celas das masmorras.
Milhares e milhares encontraram segurança na fuga; e isto continuou por
duzentos e cinqüenta anos depois do início da Reforma.
"Quase
não houve geração de franceses, durante esse longo período, que não
testemunhasse os discípulos do evangelho fugindo diante da fúria insana do
perseguidor, levando consigo a inteligência, as artes, a indústria, a ordem,
nas quais, em regra, grandemente se distinguiam, para o enriquecimento das
terras em que encontravam asilo. E à medida que enchiam outros países com esses
valiosos dons, privavam deles o seu próprio país. Se tudo que então foi
repelido se houvesse conservado na França; se, durante esses trezentos anos, a
habilidade industrial dos exilados tivesse estado a cultivar seu solo; se
durante esses trezentos anos, seu pendor artístico tivesse estado a aperfeiçoar
suas indústrias; se durante esses três séculos, seu gênio inventivo e poder
analítico tivessem estado a enriquecer sua literatura e a cultivar sua ciência;
se a sabedoria deles estivesse a guiar seus conselhos, a bravura a pelejar em
suas batalhas e a eqüidade a formular suas leis, e estivesse a religião da
Bíblia a fortalecer o intelecto e a governar a consciência de seu povo, que
glória não circundaria hoje a França! Que país grandioso, próspero e feliz –
modelo das nações não teria ela sido!
"Mas
o fanatismo cego baniu de seu solo todo ensinador da virtude, todo campeão da
ordem, todo defensor honesto do trono, dizendo aos homens que teriam dado ao
país ‘renome e glória’ na Terra: Escolhei o que quereis: a fogueira ou o
exílio. "Finalmente a ruína do Estado foi completa; não mais restavam
consciências para serem proscritas; não mais religião para arrastar-se à fogueira;
não mais patriotismo para ser desterrado." – Wylie. E a Revolução, com
todos os seus horrores, foi o tremendo resultado.
"Com
a fuga dos huguenotes, um declínio geral baixou sobre a França. Florescentes
cidades manufatureiras caíram em decadência; férteis distritos voltaram a sua
natural rusticidade; embotamento intelectual e decadência moral sucederam-se a
um período de desusado progresso. Paris tornou-se um vasto asilo de
mendicidade, e calcula-se que, ao romper a Revolução, duzentos mil pobres
reclamavam caridade das mãos do rei. Somente os jesuítas floresciam na nação
decadente, e governavam com terrível tirania sobre escolas e igrejas, prisões e
galés."
O
evangelho teria proporcionado à França a solução dos problemas políticos e
sociais que frustravam a habilidade de seu clero, seu rei e seus legisladores,
e que finalmente mergulharam a nação na anarquia e ruína. Sob o domínio de
Roma, porém, o povo tinha perdido as benditas lições do Salvador acerca do
sacrifício e amor abnegado. Tinham sido afastados da prática da abnegação em
favor dos outros. Os ricos não haviam recebido repreensão alguma por sua
opressão aos pobres; estes, nenhum auxílio pela sua servidão e degradação. O
egoísmo dos abastados e poderosos se tornou mais é mais visível e opressivo. A
cobiça e a dissolução dos nobres, durante séculos, tiveram como resultado a
esmagadora extorsão para com os camponeses. Os ricos lesavam os pobres, e estes
odiavam aqueles.
Em
muitas províncias as propriedades eram conservadas pelos nobres, sendo as
classes trabalhadoras apenas arrendatárias; achavam-se à mercê dos
proprietários e obrigados a sujeitar-se às suas exigências escorchantes. O
encargo de sustentar tanto a Igreja como o Estado recaía sobre as classes média
e baixa, pesadamente oneradas pelas autoridades civis e pelo clero. "O
capricho dos nobres arvorava-se em lei suprema; os lavradores e camponeses
podiam perecer de fome sem que isso comovesse os opressores. … O povo era
obrigado a consultar sempre o interesse exclusivo do proprietário. A vida dos
trabalhadores agrícolas era de labuta incessante e miséria sem alívio; suas
queixas, se é que ousavam queixar-se, eram tratadas com insolente desprezo. Os
tribunais de justiça ouviam sempre ao nobre de preferência ao camponês; os
juízes aceitavam abertamente o suborno, e o mais simples capricho da
aristocracia tinha força de lei, em virtude deste sistema de corrupção
universal. Dos impostos extorquidos do povo comum, pelos magnatas seculares de
um lado e pelo clero do outro, nem a metade sequer tinha acesso ao tesouro real
ou episcopal; o resto era desbaratado em condescendências imorais. E os mesmos
homens que assim empobreciam seus compatriotas, estavam isentos de impostos, e,
pela lei e costumes, com direitos a todos os cargos do Estado. Os membros das
classes privilegiadas orçavam por uns cento e cinqüenta mil, e para a
satisfação delas, milhões estavam condenados a levar uma vida de degradação
irremediável."
A
corte achava-se entregue ao luxo e à libertinagem. Pouca confiança existia
entre o povo e os governantes. Prendia-se a todos os atos do governo a suspeita
de serem mal-interpretados e egoístas. Durante mais de meio século antes do
tempo da Revolução, o trono foi ocupado por Luís XV que, mesmo naqueles maus
tempos, se distinguiu como monarca indolente, frívolo e sensual. Com uma
aristocracia depravada e cruel, uma classe inferior empobrecida e ignorante,
achando-se o Estado em embaraços financeiros, e o povo exasperado, não se
necessitava do olhar de profeta para prever uma iminente e terrível erupção. Às
advertências de seus conselheiros estava o rei acostumado a responder:
"Procurai fazer com que as coisas continuem tanto tempo quanto eu
provavelmente possa viver; depois de minha morte, seja como for." Era em
vão que se insistia sobre a necessidade de reforma. Ele via os males, mas não
tinha nem a coragem nem a força para enfrentá-los. Sua resposta indolente e
egoísta sintetizava, com verdade, a sorte que aguardava a França: "Depois
de mim, o dilúvio!"
Valendo-se
dos ciúmes dos reis e das classes governantes, Roma os influenciara a conservar
o povo na escravidão, bem sabendo que o Estado assim se enfraqueceria, tendo
por este meio o propósito de firmar em seu cativeiro tanto príncipes como o
povo. Com política muito previdente, percebeu que, para escravizar os homens de
modo eficaz, deveria algemar-lhes a alma; que a maneira mais certa de
impedi-los de escapar de seu cativeiro era torná-los incapazes de libertar-se.
Mil vezes mais terrível do que o sofrimento físico que resultava de sua
política, era a degradação moral. Despojado da Escritura Sagrada, e abandonado
ao ensino do fanatismo e egoísmo, o povo estava envolto em ignorância e
superstição, submerso no vício, achando-se, assim, completamente inapto para o
governo de si próprio.
Mas
a conseqüência de tudo isto foi grandemente diversa do que Roma tivera em mira. Em vez de manter as
massas populares em submissão cega aos seus dogmas, sua obra teve como
resultado torná-las incrédulas e revolucionárias. Desprezavam o romanismo como
uma artimanha do clero. Consideravam-no como um partido que as oprimia. O único
deus que conheciam era o deus de Roma; seu ensino era a única réligião que
professavam. Consideravam sua avidez e crueldade como os legítimos frutos da
Bíblia, da qual nada queriam saber.
Roma
tinha representado falsamente o caráter de Deus e pervertido Seus mandamentos,
e agora os homens rejeitavam tanto a Escritura Sagrada como seu Autor. Exigira
fé cega nos seus dogmas, sob o pretenso apoio das Escrituras. Na reação,
Voltaire e seus companheiros puseram inteiramente de lado a Palavra de Deus,
disseminando por toda parte o veneno da incredulidade. Roma calcara o povo sob
seu tacão de ferro; agora as massas, degradadas e embrutecidas, ao
revoltarem-se contra a tirania, arrojaram de si toda a restrição. Enraivecidos
com o disfarçado embuste a que durante tanto tempo haviam prestado homenagem,
rejeitaram a um tempo a verdade e a falsidade; e erroneamente tomando a
libertinagem pela liberdade, os escravos do vício exultaram em sua liberdade
imaginária.
No
início da Revolução foi, por concessão do rei, outorgada ao povo uma
representação mais numerosa do que a dos nobres e do clero reunidos. Assim a
balança do poder estava em suas mãos; mas não se achavam preparados para fazer
uso deste poder com sabedoria e moderação. Ávidos de reparar os males que
tinham sofrido, decidiram-se a empreender a reconstrução da sociedade. Uma
turba ultrajada, cujo espírito estava de há muito repleto de dolorosas
lembranças, resolveu sublevar-se contra aquele estado de miséria que se tornara
insuportável, vingando-se dos que considerava como responsáveis por seus
sofrimentos. Os oprimidos puseram em prática a lição que tinham aprendido sob a
tirania, e tornaram-se os opressores dos que os haviam oprimido.
A
desditosa França ceifou em sangue a colheita do que semeara. Terríveis foram os
resultados de sua submissão ao poder subjugador de Roma. Onde a França, sob a
influência do romanismo, acendera a primeira fogueira ao começar a Reforma,
erigiu a Revolução a sua primeira guilhotina. No local em que os primeiros
mártires da fé protestante foram queimados no século XVI, as primeiras vítimas
foram guilhotinadas no século XVIII. Rejeitando o evangelho que lhe teria
trazido cura, a França abrira a porta à incredulidade e ruína. Quando as
restrições da lei de Deus foram postas de lado, verificou-se que as leis dos
homens eram impotentes para sustar a avassalante onda da paixão humana; e a
nação descambou para a revolta e anarquia. A guerra contra a Bíblia inaugurou
uma era que se conserva na História Universal como "o reinado do
terror". A paz e a felicidade foram banidas dos lares e do coração dos
homens. Ninguém se achava seguro. O que hoje triunfava era alvo de suspeitas e
condenado amanhã. A violência e a cobiça exerciam incontestável domínio.
Rei,
clero e nobreza foram obrigados a submeter-se às atrocidades do povo excitado e
enlouquecido, cuja sede de vingança subiu de ponto com a execução do rei; e os
que haviam decretado sua morte logo o seguiram no cadafalso. Foi ordenado um
morticínio geral de todos os que eram suspeitos de hostilizar a Revolução. As
prisões estavam repletas, contendo em certa ocasião mais de duzentos mil
prisioneiros. Multiplicavam-se nas cidades do reino as cenas de horror. Um
partido dos revolucionários era contra outro, e a França tornou-se um vasto
campo de massas contendoras, dominadas pela fúria das paixões. "Em Paris,
tumulto sucedia a tumulto, e os cidadãos estavam divididos numa mistura de
facções, que não pareciam visar coisa alguma a não ser a exterminação
mútua." E para aumentar a miséria geral, a nação envolveu-se em prolongada
e devastadora guerra com as grandes potências da Europa. "O país estava
quase falido, o exército a clamar pelos pagamentos em atraso, os parisienses
passando fome, as províncias assoladas pelos ladrões, e a civilização quase
extinta em anarquia e licenciosidade."
Muito
bem havia o povo aprendido as lições de crueldade e tortura que Roma tão
diligentemente ensinara. Chegara finalmente o dia da retribuição. Não eram mais
os discípulos de Jesus que se arrojavam nas masmorras e arrastavam à tortura.
Havia muito tempo que esses tinham perecido, ou sido expulsos para o exílio.
Roma, sentia agora o poder mortífero daqueles a quem havia ensinado a
deleitar-se nas práticas sanguinárias. "O exemplo de perseguição que o
clero da França por tantos séculos dera abertamente, achava-se agora revertido
contra ele mesmo com assinalado vigor. Os cadafalsos estavam tintos do sangue
dos sacerdotes. As galés e prisões, que em outro tempo se povoaram de huguenotes,
estavam agora repletas de seus perseguidores. Acorrentados ao banco ou
labutando com os remos, o clero católico romano experimentou todas as desgraças
que sua igreja tão livremente infligira aos benignos hereges."
"Vieram
então os dias em que o mais bárbaro dos códigos foi posto em vigor pelo mais
bárbaro dos tribunais; em que ninguém poderia saudar os vizinhos ou fazer
orações … sem perigo de cometer um crime capital; em que espias se emboscavam
de todos os lados; em que todas as manhãs a guilhotina funcionava em trabalho
rápido e prolongado; em que as cadeias estavam tão cheias como um porão de
navio de escravos; em que, nas sarjetas, o sangue corria espumante para o Sena.
… Enquanto diariamente carradas de vítimas eram levadas ao seu destino através
das ruas de Paris, os procônsules, a quem a comissão soberana enviara aos
departamentos, recreavam-se extravagantemente com crueldade desconhecida mesmo
na capital. O cutelo da máquina mortífera levantava-se demasiado vagarosamente
para a obra de morticínio. Longas fileiras de prisioneiros eram ceifadas a
metralha. Faziam-se rombos no fundo dos barcos repletos. Lyon se tornou um
deserto. Em Arras, mesmo a cruel misericórdia de uma morte rápida era negada
aos prisioneiros. Por toda a extensão do Loire de Saumur até à desembocadura no
oceano, grandes bandos de corvos e milhanos banqueteavam-se nos cadáveres nus,
juntamente irmanados em hediondos abraços. Não se mostrava misericórdia a sexo
ou idade. O número de moços e moças de dezessete anos que foram assassinados
por aquele governo execrável, deve ser computado às centenas. Criancinhas
arrancadas dos seios eram arrojadas, de chuço em chuço, ao longo das fileiras
jacobinas."
No
curto espaço de dez anos, pereceram multidões de criaturas humanas.
Tudo
isto foi como Satanás queria. Durante séculos se empenhara por consegui-lo. Sua
política é o engano desde o princípio até ao fim, e seu propósito fixo é
acarretar a desgraça e a miséria aos homens, desfigurar e aviltar a obra de
Deus, desvirtuar os propósitos divinos de benevolência e amor, ocasionando
assim o pesar no Céu. Então, por suas artes ilusórias, cega o espírito dos
homens, induzindo-os a responsabilizar a Deus pelos males de sua obra, como se
toda essa miséria fosse resultado do plano do Criador. De igual modo, quando os
que foram degradados e embrutecidos pelo seu poder cruel alcançam a liberdade,
ele os compele a excessos e atrocidades. Então este quadro de desenfreada
licenciosidade é apontado pelos tiranos e opressores como ilustração dos resultados
da liberdade.
Quando
é descoberto o erro sob um aspecto, Satanás apenas o mascara sob disfarce
diverso, e as multidões o recebem tão avidamente como a princípio. Quando o
povo descobriu ser o romanismo um engano, e Satanás não pôde por este agente
levá-lo à transgressão da lei de Deus, compeliu-o a considerar todas as
religiões como fraude e a Escritura Sagrada como fábula; e, pondo de lado os
estatutos divinos, entregaram-se a desenfreada iniqüidade.
O
erro fatal que trouxe semelhante desgraça aos habitantes da França, foi a
ignorância desta única e grande verdade: que a genuína liberdade reside dentro
das prescrições da lei de Deus. "Ah! se tivesses dado ouvidos aos Meus
mandamentos! Então seria a tua paz como o rio, e a tua justiça como as ondas do
mar." "Os ímpios não têm paz, disse o Senhor." "Mas o que
Me der ouvidos habitará seguramente, e estará descansado do temor do mal."
Isa. 48:18 e 22; Prov. 1:33.
Ateus,
incrédulos e apóstatas opunham-se à lei de Deus e acusavam-na; mas os
resultados de sua influência provam que o bem-estar do homem se prende à
obediência aos estatutos divinos. Os que não leram esta lição no Livro de Deus,
são convidados a lê-la na história das nações.
Quando
Satanás agiu mediante a igreja de Roma a fim de desviar os homens da obediência,
fê-lo ocultamente e com disfarce tal, que a degradação e a miséria resultantes
nem foram vistas como sendo o fruto da transgressão. E seu poder foi tão
grandemente contrabalançado pela operação do Espírito de Deus, que seus
propósitos não lograram alcançar completa realização. O povo não ligava o
efeito à causa, nem descobria a fonte de suas misérias. Na Revolução, porém, a
lei de Deus foi abertamente posta de lado pelo Conselho Nacional. E no reinado
do terror que se seguiu, todos puderam ver a operação de causa e efeito.
Quando
a França publicamente rejeitou a Deus e pôs de parte a Escritura Sagrada, os
homens ímpios e os espíritos das trevas exultaram com a consecução do objetivo
havia tanto acalentado – um reino livre das restrições da lei de Deus. Porque a
sentença contra uma obra má não fosse imediatamente executada, o coração dos
filhos dos homens ficou "inteiramente disposto para praticar o mal".
Ecl. 8:11. Mas da transgressão de uma lei justa e reta deve inevitavelmente
resultar a miséria e ruína. Conquanto não fosse de pronto visitada com juízos,
a impiedade dos homens estava, não obstante operando seguramente a sua
condenação. Séculos de apostasia e crime tinham estado a acumular a ira para o
dia da retribuição; e, quando se completou sua iniqüidade, os desprezadores de
Deus aprenderam demasiado tarde que coisa terrível é haver esgotado a paciência
divina. O moderador Espírito de Deus, que põe limite ao poder cruel de Satanás,
foi removido em grande medida, permitindo-se que realizasse a sua vontade
aquele cujo único deleite consiste na miséria humana. Os que haviam escolhido
servir à rebelião, foram deixados a colher seus frutos, até que a Terra se
encheu de crimes demasiado horrendos para que a pena os descreva. Das
províncias devastadas e cidades arruinadas ouviu-se um grito terrível – grito
de amargurada angústia. A França foi abalada como se fosse por um terremoto.
Religião, leis, ordem social, família, Estado, Igreja, tudo foi derribado pela
mão ímpia que se insurgira contra a lei de Deus. Com verdade disse o sábio:
"O ímpio cairá pela sua própria impiedade." "Ainda que o pecador
faça mal cem vezes, e os dias se lhe prolonguem, eu sei com certeza que bem
sucede aos que temem a Deus, aos que temerem diante dEle. Mas ao ímpio não irá
bem." Ecl. 8:12 e 13. "Aborreceram o conhecimento; e não preferiram o
temor do Senhor"; "portanto, comerão, do fruto do seu caminho, e
fartar-se-ão dos seus próprios conselhos." Prov. 1:29 e 31.
As
fiéis testemunhas de Deus, mortas pelo poder blasfemo que subiu "do
abismo", não deveriam por muito tempo ficar em silêncio. "Depois
daqueles três dias e meio, o espírito de vida, vindo de Deus, entrou neles; e
puseram-se sobre seus pés, e caiu grande temor sobre os que os viram."
Apoc. 11:11. Foi em 1793 que os decretos que aboliam a religião cristã e punham
de parte a Escritura Sagrada, passaram na Assembléia francesa. Três anos e meio
mais tarde foi adotada pelo mesmo corpo legislativo uma resolução que anulava
esses decretos, concedendo assim tolerância às Escrituras. O mundo ficou
estupefato ante a enormidade dos crimes que tinham resultado da rejeição das
Escrituras Sagradas, e os homens reconheceram a necessidade da fé em Deus e em Sua Palavra como
fundamento da virtude e moralidade. Diz o Senhor: "A quem afrontaste e de
quem blasfemaste? E contra quem alçaste a voz, e ergueste os teus olhos ao
alto? Contra o Santo de Israel." Isa. 37:23. "Portanto, eis que lhes
farei conhecer, desta vez lhes farei conhecer a Minha mão e o Meu poder; e
saberão que o Meu nome é o Senhor." Jer. 16:21.
Relativamente
às duas testemunhas, declara o profeta ainda: "E ouviram uma grande voz do
Céu, que lhes dizia: Subi cá. E subiram ao Céu em uma nuvem; e os seus inimigos
os viram." Apoc. 11:12. Desde que a França fez guerra às duas testemunhas
de Deus, elas têm sido honradas como nunca dantes. Em 1804 foi organizada a
Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. Seguiram-se-lhe organizações
semelhantes com numerosas filiais no continente europeu. Em 1816 fundou-se a
Sociedade Bíblica Americana. Quando se formou a Sociedade Britânica, a Bíblia
havia sido impressa e circulara em cinqüenta línguas. Desde então foi traduzida
em mais de duas mil línguas e dialetos.
Durante
os cinqüenta anos anteriores a 1792, pouca atenção se dera à obra das missões
estrangeiras. Nenhuma nova sociedade se formou, e não havia senão poucas
igrejas que faziam algum esforço para a propagação do cristianismo nas terras
gentílicas. Mas pelo fim do século XVIII, grande mudança ocorreu. Os homens se
tornaram descontentes com os resultados do racionalismo e compenetraram-se da
necessidade da revelação divina e da religião experimental. Desde esse tempo a
obra das missões estrangeiras tem atingido crescimento sem precedentes.
Os
aperfeiçoamentos da imprensa deram impulso à obra da circulação da Escritura
Sagrada. As ampliadas facilidades de comunicação entre os diferentes países, a
ruína de antigas barreiras de preconceitos e exclusivismo nacional, e a perda
do poder secular pelo pontífice de Roma, têm aberto o caminho para a entrada da
Palavra de Deus. Há anos a Bíblia tem sido vendida sem restrições nas ruas de
Roma, e atualmente está sendo levada a cada parte habitável do globo.
O
incrédulo Voltaire jactanciosamente disse certa vez: "Estou cansado de
ouvir dizer que doze homens estabeleceram a religião cristã. Eu provarei que
basta um homem para suprimi-la." Faz mais de um século que morreu. Milhões
têm aderido à guerra contra a Escritura Sagrada. Mas tão longe está de ser
destruída que, onde havia cem no tempo de Voltaire, há hoje dez mil, ou antes,
cem mil exemplares do Livro de Deus. Nas palavras de um primitivo reformador,
relativas à igreja cristã, a "Bíblia é uma bigorna que tem gasto muitos
martelos". Disse o Senhor: "Toda a ferramenta preparada contra ti,
não prosperará; e toda a língua que se levantar contra ti em juízo, tu a
condenarás." Isa. 54:17.
"A
Palavra de nosso Deus subsiste eternamente." "Fiéis [são] todos os
Seus mandamentos. Permanecem firmes para todo o sempre; são feitos em verdade e
retidão." Sal. 111:7 e 8. O que quer que seja edificado sobre a autoridade
do homem será destruído; mas subsistirá eternamente o que se acha fundado sobre
a rocha da imutável Palavra de Deus.
AUTOR DESCONHECIDO
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