A Companhia de Jesus no Brasil
Ricardo
Maranhão, Antônio Mendes Jr. e Luiz Roncari
Introdução
Com os descobrimentos
ultramarinos, a Igreja Católica do Renascimento estava demasiadamente imersa
nos problemas seculares para promover uma expansão missionário tão grandiosa
como a que se exigia. Tornava-se igualmente irrealizável deixar nas mãos dos
colonos a conversão do gentio. Possibilidade que se aventou, mas que logo foi
abandonada, uma vez que o trabalho apostólico, por mais que se quisesse,
representava sempre uma limitação aos propósitos predatórios e mercantis
daqueles que viam o indígena meramente como força de trabalho a ser explorada.
Para isso desenvolviam as racionalizações mais arbitrárias. Basta-nos ver o
exemplo de Cortês, que pedia ao imperador e ao papa o direito de castigar os da
terra que não se submetiam, apresentando-os "como inimigos de nossa santa
fé".
Teriam, portanto, que sair da
Igreja os esforços para a difusão do Cristianismo no ultramar. Foram as ordens
religiosas que se propuseram a esse movimento missionário. Coube à dos
franciscanos a precedência sobre todas as outras. As notícias de muitos povos
pagãos recém-descobertos despertaram o zelo apostólico entre os frades de toda
a Europa, oferecendo-se numerosos deles para predicar o Evangelho aos
indígenas. Acorreram à América espanhola imediatamente após a conquista do
México e se estenderam a todo o império espanhol no Novo Mundo. Seguiram-se a
eles os dominicanos, cuja obra missionária, inspirada num rigorismo ético,
chocava-se com a resistência dos colonos espanhóis que se recusavam a ver outra
possibilidade no indígena que não fosse a sua exploração no trabalho escravo.
Já em 1511 abria-se o conflito entre missionários dominicanos e colonos, com um
sermão pronunciado pelo dominicano Antônio de Montesinos. Tendia a missão,
enquanto impulso expansivo da Igreja Católica, a exercer uma influência mais
além do eclesiástico, atacando um sistema colonial fundado na superposição de
uma camada de senhores e na exploração do indígena.
Em Portugal a Companhia de Jesus havia sido favorecido desde 1540, durante o reinado de D. João III, e graças a ele puderam os jesuítas estabelecer-se na América portuguesa sem encontrar os impedimentos colocados aos jesuítas espanhóis por Filipe 11 e pelo Conselho das Índias. Junto com o primeiro governador-geral vieram para o Brasil os primeiros jesuítas: os padres Manuel da Nóbrega, Leonardo Nunes, Antônio Pires, Aspicuela Navarro, Vicente Rodrigues e Diogo Jácome. Nóbrega, que viera à frente dos demais, tornou-se Provincial com a fundação da província jesuítica brasileira, em 1553. Apesar de não ter sido a primeira ordem a aqui se instalar (aos franciscanos coube também no Brasil essa precedência), tomou-se a mais importante e a que maior influência teve na vida colonial brasileira.
O Sentido das Missões e da
Catequese - A ação da Contra-reforma na Europa revestiu-se de dois aspectos
principais: procurou por um lado reconquistar pelas armas os territórios
protestantes; e por outro, onde a vitória militar lhe permitia, procurou
converter as massas protestantes por toda uma série de meios. Nesse segundo
aspecto, visando a reconquistar as almas onde a situação política o permitia, a
Igreja romana empregou os métodos mais diversos: multiplicou as dioceses,
construiu ou reconstruiu igrejas, sobretudo criou seminários, universidades e
colégios, utilizando o fanático devotamente das ordens religiosas. Foram os
jesuítas e capuchinhos os agentes por excelência dessa reconquista.
Ligou-se a esse movimento um
outro, que vinha há mais tempo, mas que ganhou novo ímpeto com a reação à
Reforma protestante, que pretendia não só a cristianização dos povos do Novo
Mundo, mas a "conquista dessas almas" para a Igreja Católica. Os
propósitos confessionais das ordens religiosas que se dirigiam às terras
descobertas eram impregnados de ambições políticas. Em nome de intenções
piedosas compunha-se a luta pela restauração do poder político da Igreja de
Roma, abalado pela Reforma. Trazer os povos das novas terras para o seio da
Igreja Católica; impedir nelas a penetração das seitas "heréticas",
dando-lhes combate e lançando as bases da Igreja romana; e mantendo a
vigilância sobre os colonos de forma a que não se desgarrassem dos preceitos
católicos, tais eram as funções outorgadas às ordens religiosas,
particularmente à Campanha de Jesus.
Foi quanto ao primeiro
particular, a catequese, que se revelou o maior conflito com os colonos. Para
os jesuítas tanto tinha importância a conversão das almas quanto a utilização
econômica daquela mão-de-obra disponível; ao passo que aos colonos não
interessava mais que a exploração da força de trabalho indígena, sem que se
interpusesse a isso o empecilho da catequização. O que propunham os jesuítas na
verdade, ao mesmo tempo em que visavam realizar aqueles objetivos
político-religiosos, era uma forma "mais racional" de colonização em
confronto com uma atitude puramente predatória dos colonos, apesar de mais
condizentes com os termos da política mercantil.
As missões geralmente
acompanharam as migrações dos indígenas à medida que estes fugiam dos
principais centros de colonização, tentando escapar da escravização a que os
colonos os submetiam. Dessa forma fixaram-se principalmente no sertão, em
regiões que não apresentavam atrativos de exploração imediata, o que não quer
dizer que estivessem isentas de investidos, que não formassem elas mesmas um
alvo de cobiça dos colonizadores, pela quantidade de índios domesticados que
aldeavam. Seus principais redutos localizaram-se no deserto do norte do México,
nas orlas da floresta amazônica e no interior da América do Sul. Pela forma com
que se organizaram, evoluíram como economias voltadas para a produção de
excedentes comercializáveis pelos religiosos. Vale a pena citar um trecho de um
estudo recente sobre o assunto: "Este modo de produção subsiste teve uma
gravitação decisiva na extensa região que atualmente compreende a República do
Paraguai, grande parte das províncias argentinas de Missões, Corrientes, Santa
Fé, Chaco e Formosa, o Estado brasileiro do Paraná e os departamentos de
Artigas, Salto, Paissandu, Rio Negro e Tacuarembo na República Oriental do
Uruguai.
Como se pode apreciar, a
difusão geográfica deste modo de produção foi bastante ampla. Com relação a
suas características geográficas, chegou a compreender, durante o século XVIII,
a uns 130 000 indígenas, cifra muito alta se recordarmos as da população total
da região."
Este modo de produção, chamado despótico-aldeão ou despótico-comunitário, teve como fenômeno fundamental a recriação por parte do branco de uma comunidade indígena organizada em "pueblos" (aldeias) tendo em vista uma exploração mais racional da mão-de-obra índia. "Neste tipo de organização econômica se notam as conseqüências, de um modo específico, do impacto conquistador-colonizador sobre a anterior estrutura produtiva indígena. O fato distintivo será a férrea condução dos sacerdotes jesuítas, a minuciosidade administrativa e organizativa da Companhia, mais o zelo que em todo momento pôs essa instituição para evitar todo contato entre suas reduções e os espanhóis. Isto permitiu que os "pueblos" funcionassem até à expulsão em 1768 , como unidades produtivas relativamente autárquicas, que, embora mantivessem certa comunicação entre si, viviam totalmente separadas do resto da sociedade branca, com a qual se relacionavam economicamente apenas por meio da rede administrativa da Companhia de Jesus. ... Porém não devemos nos enganar sobre o sentido final dessa subtração de mão-de-obra efetuada pelos jesuítas aos 'encomenderos'. Obviamente a organização jesuítica significou também para os indígenas um sistema de exploração, na medida em que teve ela como resultado uma destruição quase total de seus valores culturais, além da pura espoliação econômica."
O Ensino Jesuítico - O padrão para o ensino jesuítico em Portugal e nas terras descobertas na América, Ásia e África foi dado pelo Real Colégio das Artes de Coimbra, cuja direção fora concedida à Companhia de Jesus em 1555, um dos mais altos estabelecimentos de ensino não superior do reino. Os mestres dos colégios ultramarinos, de fundação real, eram subsidiados pela Coroa, a título de "missões", quer dizer, formar sacerdotes para a catequese da nova terra, de modo a preparar num futuro quem substituísse os padres enviados da metrópole, no trabalho da evangelização. Entretanto, não cuidaram esses colégios apenas da formação de missionários, mas abriram suas portas àqueles que buscavam o ensino em suas aulas públicas, ou para simplesmente se instruírem, ou para irem continuar o aprendizado em medicina ou direito na Universidade de Coimbra.
Este modo de produção, chamado despótico-aldeão ou despótico-comunitário, teve como fenômeno fundamental a recriação por parte do branco de uma comunidade indígena organizada em "pueblos" (aldeias) tendo em vista uma exploração mais racional da mão-de-obra índia. "Neste tipo de organização econômica se notam as conseqüências, de um modo específico, do impacto conquistador-colonizador sobre a anterior estrutura produtiva indígena. O fato distintivo será a férrea condução dos sacerdotes jesuítas, a minuciosidade administrativa e organizativa da Companhia, mais o zelo que em todo momento pôs essa instituição para evitar todo contato entre suas reduções e os espanhóis. Isto permitiu que os "pueblos" funcionassem até à expulsão em 1768 , como unidades produtivas relativamente autárquicas, que, embora mantivessem certa comunicação entre si, viviam totalmente separadas do resto da sociedade branca, com a qual se relacionavam economicamente apenas por meio da rede administrativa da Companhia de Jesus. ... Porém não devemos nos enganar sobre o sentido final dessa subtração de mão-de-obra efetuada pelos jesuítas aos 'encomenderos'. Obviamente a organização jesuítica significou também para os indígenas um sistema de exploração, na medida em que teve ela como resultado uma destruição quase total de seus valores culturais, além da pura espoliação econômica."
O Ensino Jesuítico - O padrão para o ensino jesuítico em Portugal e nas terras descobertas na América, Ásia e África foi dado pelo Real Colégio das Artes de Coimbra, cuja direção fora concedida à Companhia de Jesus em 1555, um dos mais altos estabelecimentos de ensino não superior do reino. Os mestres dos colégios ultramarinos, de fundação real, eram subsidiados pela Coroa, a título de "missões", quer dizer, formar sacerdotes para a catequese da nova terra, de modo a preparar num futuro quem substituísse os padres enviados da metrópole, no trabalho da evangelização. Entretanto, não cuidaram esses colégios apenas da formação de missionários, mas abriram suas portas àqueles que buscavam o ensino em suas aulas públicas, ou para simplesmente se instruírem, ou para irem continuar o aprendizado em medicina ou direito na Universidade de Coimbra.
A importância da Companhia de
Jesus para a cultura colonial foi no campo da educação. Os primeiros colégios
fundados no Brasil foram os de São Vicente, por Leonardo Nunes, e o de
Salvador, por Nóbrega. Logo, acompanhando a expansão dos trabalhos de catequese
(entre 1548 e 1604 cerca de 28 expedições de missionários foram enviadas à
colônia], uma vasta rede de colégios espraiou-se pelo nosso litoral: São Paulo
(1554), Rio de Janeiro (1568), Olinda (1576), Ilhéus (1604), Recife (1655), São
Luís, Paraíba, Santos, Belém, Alcântara (1716), Vigia (1731), Paranaguá (1738),
Desterro (1750), "Nas aldeias, vilas e cidades, as escolas intitulavam-se
'de ler, escrever, e contar'; e nos colégios, o mestre ora se chamava
'Alphabetarius' (1615), ora 'Ludi-Magister' (mestre-escola), e umas vezes se
dizia 'Escola de Rudimentos', outras 'Escola Elementar'. Estava aberta durante
cinco horas diárias, repartidas em duas partes iguais, metade de manhã, metade
de tarde."
A organização do ensino jesuítico baseava-se no Ratio Studiorum, que, ao mesmo tempo em que era um estatuto e o nome de seu sistema de ensino, estabelecia o currículo, a orientação e a administração. O currículo dividia-se em duas seções distintas (inferiores e superiores), chamadas classes, de onde derivou a denominação "clássico" a tudo o que dissesse respeito à cultura de autores greco-latinos. As classes inferiores, com duração de 6 anos, compunham-se de Retórica, Humanidades, Gramática. Já as superiores, com duração de 3 anos, compreendiam os estudos gerais de Filosofia, para a época, abrangendo Lógica, Moral, Física, Metafísica e Matemática. Tanto num grau como no outro todo estudo era vazado no Latim e Grego e no Vernáculo. O sentido desse ensino Fernando de Azevedo descreveu-o bem: "Ensino destinado a formar uma cultura básica, livre e desinteressada, sem preocupações profissionais, e igual, uniforme em toda a extensão do território... A cultura "brasileira", que por ele se formou e se difundiu nas elites coloniais, não podia evidentemente ser chamada "nacional" senão no sentido quantitativo da palavra, pois ela tendia a espalhar sobre o conjunto do território e sobre todo o povo o seu colorido europeu: cultura importada em bloco do Ocidente, internacionalista de tendência, inspirada por uma ideologia religiosa, católica, e a cuja base residiam as humanidades latinas e os comentários das obras de Aristóteles, solicitadas num sentido cristão. Tratando-se de uma cultura neutra do ponto de vista nacional (mesmo português), estreitamente ligada à cultura européia, na Idade Média,. . .-é certo que essa mesma neutralidade (se nos colocarmos no ponto de vista qualitativo) nos impede de ver, nessa cultura, nas suas origens e nos seus produtos, uma cultura especificamente brasileira, uma cultura nacional ainda em formação."
O ensino jesuítico, tanto em Portugal quanto no Brasil, era público e gratuito. A Companhia tinha mesmo como dever o cumprimento do voto de pobreza, que foi reafirmado por uma determinação oficial de 1556, proibindo aos padres acrescentar qualquer forma de poder material ao religioso. No Brasil, porém, dado não haver um amparo direto da Coroa, como acontecia em Portugal, impôs-se a necessidade de encontrar fontes de recursos para a manutenção de suas instituições. Já o Padre Manuel da Nóbrega utilizara-se deste pretexto perante o delegado da Companhia no Brasil, Luís da Grã, a fim de permitir o estabelecimento de propriedades territoriais, inclusive com a utilização do braço escravo, em contradição com o voto de pobreza. Isso não se restringiu à Companhia de Jesus; o interesse pela propriedade, escravos e bens materiais foi comum às outras ordens religiosas que para cá vieram. Tal fato não deixou de preocupar a Coroa. Neste sentido foi que D. Sebastião, a fim de melhorar a situação, instituiu, em 1564, uma taxa especial para a Companhia, a redízima, descontada sobre todos os dízimos e direitos da Coroa. Mesmo assim, isso não era suficiente para arcar com as despesas, sustentadas, sem dúvida, através das fontes próprias de subsistência: as missões, verdadeiras empresas agro-extrativas da Companhia, os colégios ou suas próprias propriedades particulares.
A organização do ensino jesuítico baseava-se no Ratio Studiorum, que, ao mesmo tempo em que era um estatuto e o nome de seu sistema de ensino, estabelecia o currículo, a orientação e a administração. O currículo dividia-se em duas seções distintas (inferiores e superiores), chamadas classes, de onde derivou a denominação "clássico" a tudo o que dissesse respeito à cultura de autores greco-latinos. As classes inferiores, com duração de 6 anos, compunham-se de Retórica, Humanidades, Gramática. Já as superiores, com duração de 3 anos, compreendiam os estudos gerais de Filosofia, para a época, abrangendo Lógica, Moral, Física, Metafísica e Matemática. Tanto num grau como no outro todo estudo era vazado no Latim e Grego e no Vernáculo. O sentido desse ensino Fernando de Azevedo descreveu-o bem: "Ensino destinado a formar uma cultura básica, livre e desinteressada, sem preocupações profissionais, e igual, uniforme em toda a extensão do território... A cultura "brasileira", que por ele se formou e se difundiu nas elites coloniais, não podia evidentemente ser chamada "nacional" senão no sentido quantitativo da palavra, pois ela tendia a espalhar sobre o conjunto do território e sobre todo o povo o seu colorido europeu: cultura importada em bloco do Ocidente, internacionalista de tendência, inspirada por uma ideologia religiosa, católica, e a cuja base residiam as humanidades latinas e os comentários das obras de Aristóteles, solicitadas num sentido cristão. Tratando-se de uma cultura neutra do ponto de vista nacional (mesmo português), estreitamente ligada à cultura européia, na Idade Média,. . .-é certo que essa mesma neutralidade (se nos colocarmos no ponto de vista qualitativo) nos impede de ver, nessa cultura, nas suas origens e nos seus produtos, uma cultura especificamente brasileira, uma cultura nacional ainda em formação."
O ensino jesuítico, tanto em Portugal quanto no Brasil, era público e gratuito. A Companhia tinha mesmo como dever o cumprimento do voto de pobreza, que foi reafirmado por uma determinação oficial de 1556, proibindo aos padres acrescentar qualquer forma de poder material ao religioso. No Brasil, porém, dado não haver um amparo direto da Coroa, como acontecia em Portugal, impôs-se a necessidade de encontrar fontes de recursos para a manutenção de suas instituições. Já o Padre Manuel da Nóbrega utilizara-se deste pretexto perante o delegado da Companhia no Brasil, Luís da Grã, a fim de permitir o estabelecimento de propriedades territoriais, inclusive com a utilização do braço escravo, em contradição com o voto de pobreza. Isso não se restringiu à Companhia de Jesus; o interesse pela propriedade, escravos e bens materiais foi comum às outras ordens religiosas que para cá vieram. Tal fato não deixou de preocupar a Coroa. Neste sentido foi que D. Sebastião, a fim de melhorar a situação, instituiu, em 1564, uma taxa especial para a Companhia, a redízima, descontada sobre todos os dízimos e direitos da Coroa. Mesmo assim, isso não era suficiente para arcar com as despesas, sustentadas, sem dúvida, através das fontes próprias de subsistência: as missões, verdadeiras empresas agro-extrativas da Companhia, os colégios ou suas próprias propriedades particulares.
As Visitações - Cabia também
à Companhia de Jesus na colônia a vigilância sobre seus habitantes, de forma a
mantê-los dentro dos estritos preceitos da religião católica, controlando os
seus modos de vida e suas crenças, tanto combatendo as práticas tidas por
pecaminosas como a penetração das seitas heréticas. Já no final do século XVI
os jesuítas se ressentiam da liberalidade dos costumes demonstrada pelos
colonos, que respiravam com alívio, uma vez longe da Inquisição, de seus atos
de fé e queimadeiros. A presença estrangeira no Brasil de protestantes, como ingleses,
holandeses e franceses, e mais concretamente, a tentativa de Villegaignon de
fundar uma colônia no Rio de Janeiro com franceses calvinistas , tornava real a
ameaça ao monolitismo católico que se pretendia assegurar na terra. Tais fatos
levavam os inacianos a reclamar com insistência, junto à Companhia, a vinda de
um Visitador do Santo Ofício que cuidasse da grave situação. No Brasil não se
chegou à fundação de tribunais inquisitoriais permanentes. A Coroa limitava-se
a enviar comissários especiais para a realização de processos por causa de fé.
Estes funcionários viajavam para os lugares onde eram exigidos e eram
conhecidos como "Visitadores".
Decidiu-se Lisboa a promover
uma primeira visitação na colônia, enviando Heitor Furtado de Mendonça, que chegou
aqui em meados de 1591, para "atalhar este fogo da Heresia". Durante
quatro anos percorreu as Capitanias da Bahia e Pernambuco, cumprindo sua missão
com tal exagero e prepotência que coube ao próprio Inquisidor-Geral e ao
Conselho do Santo Ofício reprimir-lhe os excessos impondo moderação ao fanático
Visitador: "Convém ter muita advertência nas prisões que fizer nas pessoas
que hão de sair ao auto público, que se faça tudo com muita justificação pelo
muito que importa à reputação e crédito do Santo Ofício e a honra e fazenda das
ditas pessoas, as quais depois de presas e sentenciadas não se lhe pode
restituir o dano que se lhes der."
Muitos foram nas capitanias
os acusados e condenados por blasfêmias, por diminuírem, em conversas, o valor
da Paixão de Cristo; por atos heréticos que atingiam a autoridade da Igreja;
neste caso, estão as inúmeras arbitrariedades contra os
"cristãos-novos", acusados de praticar o judaísmo às escondidas; por
crimes de bigamia e de "pecado nefando" (práticas sexuais consideradas
anômalas). Quantidades deles foram condenados a sair em "auto
público" (para serem humilhados e esconjurados pelo populacho) sem serem
ouvidos seus protestos de inocência; ou então, presos, tiveram seus bens
confiscados, sendo enviados para o reino a fim de serem julgados pelo Conselho
do Santo Ofício; alguns sofreram violências maiores, chegando mesmo a haver
sacrifício em fogueira pública.
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