A Doutrina Reformada da Autoridade
Suprema das Escrituras
A
doutrina que me proponho a considerar neste artigo foi de fundamental
importância na Reforma Protestante do Século XVI. Em contraposição, por um
lado, à doutrina católica romana de uma tradição oral apostólica e, por outro
lado, ao misticismo dos assim chamados entusiastas ou reformadores radicais, os
Reformadores defenderam a doutrina da autoridade suprema das Escrituras. Essa
foi, portanto, a sua resposta à autoridade da tradição eclesiástica e do
misticismo pessoal.
A
autoridade suprema das Escrituras também é uma doutrina puritano-presbiteriana.
A ela os puritanos tiveram que apelar freqüentemente na luta que foram
obrigados a travar contra as imposições litúrgicas da Igreja Anglicana.1
A Confissão de Fé de Westminster professa a referida doutrina em três
parágrafos do seu primeiro capítulo. No quarto parágrafo, ela trata da origem
ou fundamento da autoridade das Escrituras:
A
autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida,
não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de
Deus (a mesma verdade) que é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida,
porque é a Palavra de Deus.
O
parágrafo quinto aborda a questão da certeza ou convicção pessoal da autoridade
das Escrituras:
Pelo
testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente
apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia
da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes,
o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que
faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências
incomparáveis e completa perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se
evidencia ser ela a Palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza
da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do
Espírito Santo que, pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações.
O
décimo e último parágrafo desse capítulo confere às Escrituras (a voz do
Espírito Santo) a palavra final para toda e qualquer questão religiosa,
reconhecendo-a como supremo tribunal de recursos em matéria de fé e prática:
O
Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser
determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas
as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões
particulares; o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser
outro senão o Espírito Santo falando na Escritura.
Em
dias como os que estamos vivendo, em que cresce a impressão de que o
evangelicalismo moderno (particularmente o brasileiro) manifesta profunda crise
teológica, eclesiástica e litúrgica,2 convém considerar novamente essa
importante doutrina reformado-puritana. Convém uma palavra de alerta contra
antigas e novas tendências de usurpar ou limitar a autoridade da
Palavra de Deus. Tal é o propósito deste artigo.
I.
Definição
O
que queriam dizer os Reformadores ao professarem a doutrina da autoridade das
Escrituras? Que, por serem divinamente inspiradas, elas são verídicas em todas
as suas afirmativas. Segundo esta doutrina, as Escrituras são a fonte infalível
de informação que estabelece definitivamente qualquer assunto nelas tratado: a
única regra infalível de fé e de prática, o supremo tribunal de recursos ao
qual a Igreja pode apelar para a resolução de qualquer controvérsia religiosa.
Isto
não significa que as Escrituras sejam o único instrumento de revelação divina.
Os atributos de Deus se revelam por meio da criação: a revelação natural (cf.
Sl 19:1-4 e Rm 1:18-20). Uma versão da sua lei moral foi registrada em nosso
coração: a consciência (cf. Rm 2:14-15), "uma espiã de Deus em nosso
peito," "uma embaixadora de Deus em nossa alma," como os
puritanos costumavam chamá-la.3 A própria pessoa de Deus, o ser de Deus,
revela-se de modo especialíssimo no Verbo encarnado, a segunda pessoa da
Trindade (cf. Jo 14.19; Cl 1.15 e 3.9).
Mas,
visto que Cristo nos fala agora pelo seu Espírito por meio das Escrituras, e
que as revelações da criação e da consciência não são nem perfeitas e nem
suficientes por causa da queda, que corrompeu tanto uma como outra, a palavra
final, suficiente e autoritativa de Deus para esta dispensação são as
Escrituras Sagradas.
II.
Base Bíblica
A
base bíblica da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras é tanto
inferencial como direta.
A.
Base Inferencial
É
inferencial, porque decorre do ensino bíblico a respeito da inspiração divina
das Escrituras. Visto que as Escrituras não são produto da mera inquirição
espiritual dos seus autores (cf. 2 Pe 1.20), mas da ação sobrenatural do
Espírito Santo (cf. 2 Tm 3.16 e 2 Pe 1.21), infere-se que são autoritativas. Na
linguagem da Confissão de Fé, a autoridade das Escrituras procede da sua
autoria divina: "porque é a Palavra de Deus."
Isto
não significa que cada palavra foi ditada pelo Espírito Santo, de modo a anular
a mente e a personalidade daqueles que a escreveram. Os autores bíblicos não
escreveram mecanicamente. As Escrituras não foram psicografadas, ou melhor,
"pneumografadas." Os diversos livros que compõem o cânon revelam
claramente as características culturais, intelectuais, estilísticas e
circunstanciais dos diversos autores. Paulo não escreve como João ou Pedro.
Lucas fez uso de pesquisas para escrever o seu Evangelho e o livro de Atos.
Cada autor escreveu na sua própria língua: hebraico, aramaico e grego. Os
autores bíblicos, embora secundários, não foram instrumentos passivos nas mãos
de Deus. A superintendência do Espírito não eliminou de modo algum as suas
características e peculiaridades individuais. Por outro lado, a agência humana
também em nada prejudicou a revelação divina. Seus autores humanos foram de tal
modo dirigidos e supervisionados pelo Espírito Santo que tudo o que foi
registrado por eles nas Escrituras constitui-se em revelação infalível,
inerrante e autoritativa de Deus. Não somente as idéias gerais ou fatos
revelados foram registrados, mas as próprias palavras empregadas foram escolhidas
pelo Espírito Santo, pela livre instrumentalidade dos escritores.4
O
fato é que, por procederem de Deus, as Escrituras reivindicam atributos
divinos: são perfeitas, fiéis, retas, puras, duram
para sempre, verdadeiras, justas (Sl 19.7-9) e santas
(2 Tm 3.15).5
B.
Base Direta
Mas
a doutrina reformada da autoridade das Escrituras não se fundamenta apenas em
inferências. Diversos textos bíblicos reivindicam autoridade suprema.
Os
profetas do Antigo Testamento reivindicam falar palavras de Deus, introduzindo
suas profecias com as assim chamadas fórmulas proféticas, dizendo: "assim
diz o Senhor," "ouvi a palavra do Senhor," ou "palavra que
veio da parte do Senhor."6 No Novo Testamento, vários textos do
Antigo Testamento são citados, sendo atribuídos a Deus ou ao Espírito Santo.
Por exemplo: "Assim diz o Espírito Santo..." (Hb 3:7ss).7
A
autoridade apostólica também evidencia a autoridade suprema das Escrituras. O
Apóstolo Paulo dava graças a Deus pelo fato de os tessalonicenses terem
recebido as suas palavras "não como palavra de homens, e, sim, como em
verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em
vós, os que credes" (1 Ts 2:13). Que autoridade teria Paulo para exortar
aos gálatas no sentido de rejeitarem qualquer evangelho que fosse além do
evangelho que ele lhes havia anunciado, ainda que viesse a ser pregado por
anjos? Só há uma resposta razoável: ele sabia que o evangelho por ele anunciado
não era segundo o homem; porque não o havia aprendido de homem algum, mas mediante
revelação de Jesus Cristo (Gl 1:8-12).
Jesus
também atesta a autoridade suprema das Escrituras: pelo modo como a usa, para
estabelecer qualquer controvérsia: "está escrito"8 (exemplos: Mt
4:4,6,7,10; etc.), e ao afirmar explicitamente a autoridade das mesmas, dizendo
em João 10:35 que "a Escritura não pode falhar."9
III.
Usurpações da Autoridade das Escrituras
Apesar
da sólida base bíblico-teológica em favor da doutrina reformada da autoridade
suprema das Escrituras, hoje, como no passado, deparamo-nos com a mesma
tendência geral de diminuir a autoridade das Escrituras. E isso ocorre de duas
maneiras: por um lado, há a propensão em admitir fontes adicionais ou
suplementares de autoridade, que tendem a usurpar a autoridade da Palavra de
Deus. Por outro lado, há a tendência de limitar a autoridade das Escrituras,
negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo.
Com
relação à primeira dessas tendências, pelo menos três fontes suplementares
usurpadoras da autoridade das Escrituras podem ser identificadas: a tradição
(degenerada em tradicionalismo), a emoção (degenerada em emocionalismo)
e a razão (degenerada no racionalismo). Sempre que um desses elementos é
indevidamente enfatizado, a autoridade das Escrituras é questionada, diminuída
ou mesmo suplantada.
A.
A Tradição Degenerada em Tradicionalismo
Este
foi um dos grandes problemas enfrentados pelo Senhor Jesus. A religião judaica
havia se tornado incrivelmente tradicionalista. Havendo cessado a revelação, os
judeus, já no segundo século antes de Cristo, produziram uma infinidade de
tradições ou interpretações da Lei, conhecidas como Mishnah. Essas
tradições foram cuidadosamente guardadas pelos escribas e fariseus por séculos,
até serem registradas nos séculos IV e V A.D., passando a ser conhecidas como o
Talmude,10 a interpretação judaica oficial do Antigo Testamento
até o dia de hoje. Muitas dessas tradições judaicas eram, entretanto,
distorções do ensino do Antigo Testamento. Mas tornaram-se tão autoritativas,
que suplantaram a autoridade do Antigo Testamento. Jesus acusou severamente os
escribas e fariseus da sua época, dizendo:
Em
vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando
o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda:
Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria
tradição... invalidando a palavra de Deus pela vossa própria tradição que vós
mesmos transmitistes... (Mc 7.7-9,13).11
O
Apóstolo Paulo também denunciou essa tendência. Escrevendo aos colossenses, ele
advertiu:
Cuidado
que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a
tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo...
Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis
no mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo,
não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? (Cl
2.8,20-22).
Quinze
séculos depois, os Reformadores se depararam com o mesmo problema: as tradições
contidas nos livros apócrifos e pseudepígrafos, nos escritos dos
pais da igreja, nas decisões conciliares e nas bulas papais também degeneraram
em tradicionalismo. As tradições eclesiásticas adquiriram autoridade que não
possuíam, usurpando a autoridade bíblica. É neste contexto que se deve entender
a doutrina reformada da autoridade das Escrituras. Trata-se, primordialmente,
de uma reação à posição da Igreja Católica.
Isto
não significa, entretanto, que a tradição eclesiástica seja necessariamente
ruim. Se a tradição reflete, de fato, o ensino bíblico, ou está de acordo com
ele, não sendo considerada normativa (autoritativa) a não ser que reflita
realmente o ensino bíblico, então não é má. Os próprios Reformadores
produziram, registraram e empregaram confissões de fé e catecismos (os quais
também são tradições eclesiásticas). Para eles, contudo, esses símbolos de fé
não têm autoridade própria, só sendo normativos na medida em que refletem
fielmente a autoridade das Escrituras.
O
problema, portanto, não está na tradição, mas na sua degeneração, no
tradicionalismo, que atribui à tradição autoridade inerente. O tradicionalismo
atribui autoridade às tradições, pelo simples fato de serem antigas ou
geralmente observadas, e não por serem bíblicas. Essa tendência acaba sempre
usurpando a autoridade das Escrituras.
B.
A Emoção Degenerada em Emocionalismo
Outra
fonte de autoridade que sempre ameaça a autoridade das Escrituras é a emoção,
quando degenerada em emocionalismo. Isto quase inevitavelmente conduz ao
misticismo. Na esfera religiosa, freqüentemente é dado um valor exagerado à
intuição, ao sentimento, ao convencimento subjetivo. Quando tal ênfase ocorre,
facilmente esse sentimento subjetivo de convicção, pessoal e interno, é
explicado misticamente, em termos de iluminação espiritual e revelação divina
direta, seja por meio do Espírito, seja pela instrumentalidade de anjos,
sonhos, visões, arrebatamentos, etc.
Não
é que Deus não tenha se revelado por esses meios. Ele de fato o fez. Foi, em
parte, através desses meios que a revelação especial foi comunicada à Igreja e
registrada no cânon pelo processo de inspiração. O que se está afirmando é que
o misticismo copia, forja essas formas reais de revelação do passado, para
reivindicar autoridade que na verdade não é divina, mas humana (quando não
diabólica). Essa tendência não é de modo algum nova. Eis as palavras do Senhor
através do profeta Jeremias:
Assim
diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvido às palavras dos profetas que entre
vós profetizam, e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração,
não o que vem da boca do Senhor... Até quando sucederá isso no coração dos
profetas que proclamam mentiras, que proclamam só o engano do próprio
coração?... O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em
quem está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade. Que tem a palha
com o trigo? diz o Senhor (Jr 23.16,26,28).
Séculos
depois o Apóstolo Paulo enfrentou o mesmo problema. Ele próprio foi instrumento
de revelações espirituais verdadeiras, inspirado que foi para escrever suas
cartas canônicas. Nessa condição, ele sabia muito bem o que eram sonhos,
visões, revelações e arrebatamentos. Mas, ainda assim, advertiu aos
colossenses, dizendo: "Ninguém se faça árbitro contra vós outros,
pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado sem
motivo algum na sua mente carnal" (Cl 2:18). Tanto Jesus como os apóstolos
advertem a Igreja repetidamente contra os falsos profetas, os quais ensinam
como se fossem apóstolos de Cristo, mas que não passam de enganadores.
Pois
bem, sempre que tal coisa ocorre, a autoridade das Escrituras é ameaçada. O
misticismo, como degeneração das emoções (não se pode esquecer que também as
emoções foram corrompidas pelo pecado) tende sempre a usurpar, a competir com a
autoridade das Escrituras, chegando mesmo freqüentemente a suplantá-la. Na
época dos Reformadores não foi diferente. Eles combateram grupos místicos por
eles chamados de entusiastas12 que reivindicavam autoridade espiritual
interior, luz interior, revelações espirituais adicionais que suplantavam ou
mesmo negavam a autoridade das Escrituras. Esta tem sido igualmente uma das
características mais comuns das seitas modernas, tais como mormonismo,
testemunhas de Jeová, adventismo do sétimo dia, etc. Entre os movimentos
pentecostais e carismáticos também não é incomum a emoção degenerar em
emocionalismo, produzindo um misticismo usurpador da autoridade das Escrituras.
C.
A Razão Degenerada em Racionalismo
A
ênfase exagerada na razão também tende a usurpar a autoridade das Escrituras. O
homem, devido a sua natureza pecaminosa, sempre tem resistido a submeter sua
razão à autoridade da Palavra de Deus. A tendência é sempre tê-la (a razão)
como fonte suprema de autoridade. Isto foi conseqüência da queda. Na verdade,
foi também a causa, tanto da queda de Satanás como de nossos primeiros pais.
Ambos caíram por darem mais crédito às suas conclusões do que à palavra de
Deus. Desde então, essa soberba mental, essa altivez intelectual tem tendido
sempre a minar a autoridade da Palavra de Deus, oral (antes de ser registrada)
ou escrita.
Por
que o ser humano, tendo conhecimento de Deus, não o glorifica como Deus nem lhe
é grato? O Apóstolo Paulo explica: porque, suprimindo a verdade de Deus (Rm
1:18), "...se tornaram nulos em seus próprios raciocínios,
obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se
loucos... pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a
criatura, em lugar do Criador...’’ (Rm 1:21-22,25).
Esta
tem sido, sem dúvida, a causa de uma infinidade de heresias e erros surgidos no
curso da história da Igreja. A heresia de Marcião, o gnosticismo, o arianismo,
o docetismo, o unitarianismo, e mesmo o arminianismo são todos erros provocados
pela dificuldade do homem em submeter sua razão à revelação bíblica. Todos
preferiram uma explicação racional, lógica, em lugar da explicação bíblica que
lhes parecia inaceitável. Assim, Marcião concebeu dois deuses, um do Antigo e
outro do Novo Testamento. Por isso, também o gnosticismo fez distinção moral
entre matéria e espírito. Já o arianismo originou-se da dificuldade de Ario em
aceitar a eternidade de Cristo. Do mesmo modo, o docetismo surgiu da
dificuldade de alguns em admitir um Cristo verdadeiramente divino-humano. O
unitarianismo, por sua vez, decorre da recusa em aceitar a doutrina bíblica da
Trindade, enquanto que o arminianismo surgiu da dificuldade de Armínio em
conciliar a doutrina da soberania de Deus com a doutrina da responsabilidade
humana (rejeitando a primeira).
A
tendência da razão em usurpar a autoridade das Escrituras tem sido
especialmente forte nos últimos dois séculos. O desenvolvimento científico e
tecnológico instigou a soberba intelectual do homem. Assim, passou-se a
acreditar apenas no que possa ser constatado, comprovado, pela razão e pela
lógica. A ciência tornou-se a autoridade suprema, a única regra de fé e
prática. E a Igreja passou a fazer concessões e mais concessões, na tentativa
de harmonizar as Escrituras com a razão e com a ciência. O relato bíblico da
criação foi desacreditado pela teoria da evolução; os milagres relatados nas
Escrituras foram rejeitados como mitos; e muitos estudiosos das Escrituras
passaram a assumir uma postura crítica, não mais submissa aos seus ensinos. Foi
assim que surgiu o método de interpretação histórico-crítico em substituição ao
método histórico-gramatical. Nele, é a suprema razão humana que determina o que
é escriturístico ou mera tradição posterior, o que é milagre ou mito, o que é
verdadeiro ou falso nas Escrituras.
Mas
antes de se atribuir tanta autoridade à ciência, convém considerar a sua
história. Quão falível e mutável é! A grande maioria dos "fatos"
científicos de dois séculos atrás já foram rejeitados pela própria ciência.
Além disso, com que freqüência meras teorias e hipóteses científicas são
tomadas como fatos científicos comprovados!13
IV.
Limitações da Autoridade das Escrituras
Além
das tendências que acabei de considerar, propensas a usurpar a autoridade das
Escrituras, existem outras, que tendem a limitar a autoridade bíblica, negando-a,
subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo. É o que têm feito a
teologia liberal, a neo-ortodoxia e o neo-evangelicalismo, com relação a três
dos principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras. Estas três
concepções de "autoridade" bíblica precisam ser entendidas. Elas
estão sendo bastante divulgadas em nossos dias, e são, em certo sentido, até
mais perigosas do que as tendências anteriormente mencionadas, por serem mais
sutis. Este assunto pode ser melhor entendido considerando-se os três
principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras: sua origem
(ou base), certeza (ou convicção) e escopo (ou abrangência).
A.
Origem ou Base da Autoridade das Escrituras
A
origem ou base da autoridade das Escrituras, como já foi mencionado,
encontra-se na sua autoria divina. As Escrituras são autoritativas porque são
de origem divina: o Espírito Santo é o seu autor primário. Para os
Reformadores, as Escrituras são autoritativas porque são a Palavra de Deus
inspirada. Por isso são infalíveis, inerrantes, claras, suficientes, etc.
A
teologia liberal (racionalista) nega a própria base da autoridade da Escritura,
negando a sua origem divina. Para ela, as Escrituras são mero produto do
espírito humano, expressando verdades divinas conforme discernidas pelos seus
autores, bem como erros e falhas características do homem. Sua autoridade,
portanto, não é divina nem inerente, mas humana, devendo ser determinada pelo
julgamento da razão crítica. Eis o que afirmam: "A verdade divina não é
encontrada em um livro antigo, mas na obra contínua do Espírito na comunidade,
conforme discernida pelo julgamento crítico racional."14 De acordo
com a teologia liberal, "nós estamos em uma nova situação histórica, com
uma nova consciência da nossa autonomia e responsabilidade para repensar as
coisas por nós mesmos. Não podemos mais apelar à inquestionável autoridade de
um livro inspirado."15
B.
Certeza da Autoridade das Escrituras
A
certeza ou convicção da autoridade das Escrituras16 provém do testemunho
interno do Espírito Santo. A excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua
doutrina e a sua extraordinária unidade são algumas das características das
Escrituras que demonstram a sua autoridade divina. Contudo, admitimos que "a
nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade
provém da operação interna do Espírito Santo, que pela Palavra e com a Palavra,
testifica em nossos corações."17
O
testemunho da Igreja com relação à excelência das Escrituras pode se constituir
no meio pelo qual somos persuadidos da sua autoridade, mas não na base
ou fundamento da nossa persuasão. A nossa persuasão da autoridade da
Bíblia dá-se por meio do testemunho interno do Espírito Santo com relação à sua
inspiração. Na concepção reformada, se alguém crê, de fato, na autoridade
suprema das Escrituras como regra de fé e prática, o faz como resultado da ação
do Espírito Santo. É ele, e só ele, quem pode persuadir alguém da autoridade da
Bíblia.
Essa
persuasão não significa de modo algum uma revelação adicional do Espírito.
Significa, sim, que a ação do Espírito na alma de uma pessoa, iluminando seu
coração e sua mente em trevas, regenerando-a, fazendo-a nova criatura, dissipa
as trevas espirituais da sua mente, remove a obscuridade do seu coração,
permitindo que reconheça a autoridade divina das Escrituras. O Apóstolo Paulo
trata deste assunto escrevendo aos coríntios. Ele explica, na sua primeira
carta, que, "o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus,
porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem
espiritualmente" (1 Co 2.14). O homem natural, em estado de pecado, perdeu
a sua capacidade original de compreender as coisas espirituais. Ele não pode,
portanto, reconhecer a autoridade das Escrituras; ele não tem capacidade para
isso. Na sua segunda carta aos coríntios o Apóstolo é ainda mais explícito, ao
observar que,
...se
o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está
encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos,
para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é
a imagem de Deus... Porque Deus que disse: de trevas resplandecerá luz —, ele
mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória
de Deus na face de Cristo (2 Co 4.3-4,6).
O
que Paulo afirma aqui é que o homem natural, o incrédulo, está cego como
resultado da obra do diabo, que o fez cair. Nesse estado, ele está como um
deficiente visual, que não consegue perceber nem mesmo a luz do sol. Pode-se
compreender melhor o testemunho interno do Espírito com esta ilustração. O
testemunho do Espírito não é uma nova luz no coração, mas a sua ação através da
qual ele abre os olhos de um pecador, permitindo-lhe reconhecer a verdade que lá
estava, mas não podia ser vista por causa da sua cegueira espiritual.
Deve-se
ter em mente, entretanto — e esse é o ponto enfatizado aqui —, que esse
testemunho interno do Espírito Santo diz respeito à certeza do crente
com relação à plena autoridade das Escrituras, e não à própria autoridade
inerente das Escrituras. A convicção de um crente de que as Escrituras têm
autoridade é subjetiva, mas a autoridade das Escrituras é objetiva. Esteja-se
ou não convencido da sua autoridade, a Bíblia é e continua objetivamente
autoritativa. A neo-ortodoxia existencialista confunde estas coisas e defende a
subjetividade da própria autoridade da Bíblia. Para eles, a revelação bíblica
só é verdade divina quando fala ao nosso coração. Como dizem, "as
Escrituras não são, mas se tornam a Palavra de Deus" quando
existencializadas.18
C.
Escopo da Autoridade das Escrituras
Essas
posições da teologia liberal e da neo-ortodoxia com relação à origem e à
certeza da autoridade das Escrituras são seríssimas. Contudo, talvez mais séria
ainda (por ser mais sutil) é a questão relacionada ao escopo da autoridade das
Escrituras.
Uma
nova concepção da autoridade das Escrituras tem surgido entre os eruditos
evangélicos (inclusive reformados de renome, tais como G. C. Berkouwer19),
conhecida como neo-evangélica. O neo-evangelicalismo limita o escopo (a área)
da autoridade das Escrituras ao seu propósito salvífico. Segundo essa
concepção, a autoridade das Escrituras limita-se à revelação de assuntos
diretamente relacionados à salvação, a assuntos religiosos.20
A
doutrina neo-evangélica faz diferença entre o conteúdo salvífico das
Escrituras e o seu contexto salvífico, reivindicando autoridade e
inerrância apenas para o primeiro. Mas tal posição não reflete nem se coaduna
com a posição reformada e protestante histórica. Para esta, o escopo da
autoridade das Escrituras é todo o seu cânon. É verdade que a Bíblia não se
propõe a ser um compêndio científico ou um livro histórico. Mas, ainda assim,
todas as afirmativas nelas contidas, sejam elas de caráter teológico, prático,
histórico ou científico, são inerrantes e autoritativas.21
Os
principais problemas relacionados com a posição neo-evangélica quanto à
autoridade das Escrituras são os seguintes: Primeiro, como distinguir o conteúdo
salvífico do seu contexto salvífico? É impossível. As Escrituras são
a Palavra de Deus revelada na história. Segundo, como delimitar o que está ou
não está diretamente relacionado ao propósito salvífico, se o propósito da obra
da redenção não é meramente salvar o homem, mas restaurar o cosmo? Que porções
das Escrituras ficariam de fora do escopo da salvação? Como Ridderbos admite,
"a Bíblia não é apenas o livro da conversão, mas também o livro da
história e o livro da Criação..."22 Que áreas da vida humana ficariam
de fora da obra da redenção? A arte, a ciência, a história, a ética, a moral?
Quem delimitaria as fronteiras entre o que está ou não incluído no propósito
salvífico? Admitir, portanto, o conceito neo-evangélico de autoridade das
Escrituras é cair na cilada liberal do cânon dentro do cânon, e colocar a razão
humana como juiz supremo de fé e prática, pois neste caso competirá ao homem
determinar o que é ou não propósito salvífico.
Conclusão
Em
última instância, a questão da autoridade das Escrituras pode ser resumida na
seguinte pergunta: quem tem a última palavra, Deus, falando através das
Escrituras, ou o homem, por meio de suas tradições, sentimentos ou razão? A
resposta dos Reformadores foi clara. Embora reconhecendo que o propósito
especial das Escrituras não é histórico, moral ou científico, mas salvífico,
eles não diminuíram a sua autoridade de forma alguma: nem por adições ou
suplementos, nem por reduções ou limitações de qualquer natureza. A fé
reformado-puritana reconhece a autoridade de todo o conteúdo das Escrituras, e
sua plena suficiência e suprema autoridade em matéria de fé e práticas
eclesiásticas.
Tão
importante foi a redescoberta destas doutrinas pelos Reformadores, que pode-se
afirmar que, da aplicação prática das mesmas, decorreu, em grande parte, a
profunda reforma doutrinária, eclesiástica e litúrgica que deu origem às
igrejas protestantes. Todas as doutrinas foram submetidas à autoridade das
Escrituras. Todos os elementos de culto, cerimônias e práticas eclesiásticas
foram submetidos ao escrutínio da Palavra de Deus. A própria vida (trabalho,
lazer, educação, casamento, etc.) foi avaliada pelo ensino suficiente e
autoritativo das Escrituras. Muito entulho doutrinário teve que ser rejeitado.
Muitas tradições e práticas religiosas acumuladas no curso dos séculos foram
reprovadas quando submetidas ao teste da suficiência e da autoridade suprema
das Escrituras. E a profunda reforma religiosa do século XVI foi assim
empreendida.
Mas
muito tempo já se passou desde então. O evangelicalismo moderno recebeu,
especialmente do século passado, um legado teológico, eclesiástico e litúrgico
que precisa ser urgentemente submetido ao teste da doutrina reformada da
autoridade suprema das Escrituras. É tempo de reconsiderar as implicações desta
doutrina. É tempo de reavaliar a nossa fé, nossas práticas eclesiásticas e
nossas próprias vidas à luz desta doutrina. Afinal, admitimos que a Igreja
reformada deve estar sempre se reformando — não pela conformação constante às
últimas novidades, mas pelo retorno e conformação contínuos ao ensino das
Escrituras.
Sabendo
que a nossa natureza pecaminosa nos impulsiona em direção ao erro e ao pecado,
conhecendo o engano e a corrupção do nosso próprio coração, reconhecendo os
dias difíceis pelos quais passa o evangelicalismo moderno (particularmente no
Brasil), e a ojeriza doutrinária, a exegese superficial e a ignorância
histórica que em grande parte caracterizam o evangelicalismo moderno no nosso
país, não temos o direito de assumir que nossa fé e práticas eclesiásticas
sejam corretas, simplesmente por serem geralmente assim consideradas. É
necessário submeter nossa fé e práticas eclesiásticas à autoridade suprema das
Escrituras.
Assim
fazendo, não é improvável que nós, à semelhança dos Reformadores, também
tenhamos que rejeitar considerável entulho teológico, eclesiástico e litúrgico
acumulados nos últimos séculos. Não é improvável que venhamos a nos
surpreender, ao descobrir um evangelicalismo profundamente tradicionalista,
subjetivo e racionalista. Mas não é improvável também que venhamos a presenciar
uma nova e profunda reforma religiosa em nosso país. Que assim seja!
English Abstract
In this article on
reformed theology Anglada deals with the reformed doctrine of the supreme
authority of Scripture. Assuming a theological, ecclesiastical and liturgical
crisis in modern evangelicalism, particularly in Brazil, he summarizes the
biblical basis of the doctrine, and alerts against the old and new tendencies
of usurping or limiting the authority of God’s Word. Among the usurping tendencies
against the authority of Scripture, he includes the ecclesiastical traditions
degenerated into traditionalism, emotions degenerated into emotionalism, and
reason degenerated into rationalism. Among the limiting tendencies he mentions
the liberal negation of the very foundation of Biblical authority, the
neo-orthodox confusion concerning the certainty of the authority of Scripture,
and the neo-evangelical limitation of the scope of its authority. He concludes
the article by calling attention to the importance of the doctrine in the
sixteenth-century Reformation and by suggesting that if the modern evangelical
faith and ecclesiastical practices were subjected to the scrutiny of this
doctrine, a considerable number of doctrines and ecclesiastical practices would
have to be rejected, and a new reformation would take place. __________________________
Notas
1 Ver, por exemplo,
William Ames, A Fresh Suit against Human Ceremonies in God’s Worship
(Rotterdam, 1633); David Calderwood, Against Festival Days, 1618 (Dallas:
Naphtali Press, 1996); George Gillespie, Dispute against the English Popish
Ceremonies Obtruded on the Church of Scotland (Edinburgh: Robert Ogle and
Oliver & Boyd, 1844); e John Owen, "A Discourse concerning Liturgies
and their Impositions," em The Works of John Owen, vol. 15
(Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1965).
2
Cf. John MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho: Quando a Igreja se
torna como o Mundo (São José dos Campos: Editora Fiel, 1997) e Paulo
Romeiro, Evangélicos em Crise: Decadência Doutrinária na Igreja Brasileira
(São Paulo: Mundo Cristão, 1995).
3
Ver capítulo sobre a "Consciência Puritana," em J. I. Packer, Entre
os Gigantes de Deus: Uma Visão Puritana da Vida Cristã (São José dos
Campos: Editora Fiel, 1991), 115-132.
4 Sobre o conceito
reformado de inspiração e infalibilidade (inerrância) das Escrituras, ver L.
Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática (Grand Rapids: The
Evangelical Literature League, [1973]), 159-190; A. A. Hodge, Evangelical
Theology: A Course of Popular Lectures (Edinburgh and Pennsylvania:
The Banner of Truth Trust, 1976), 61-83; Loraine Boettner, Studies in
Theology (Phillipsburg and New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing
Company, 1978), 9-49; e J. C. Ryle, Foundations of Faith: Selections
From J. C. Ryle’s Old Paths (South Plainfield, New Jersey: Bridge
Publishing, 1987), 1-39.
5
Cf. também Salmo 119.39, 43, 62, 75, 86, 89, 106, 137, 138, 142, 144, 160, 164,
172; Mateus 24.34; João 17.17; Tiago 1.18; Hebreus 4.12 e 1 Pedro 1.23,25.
6
Lloyd-Jones afirma que essas expressões são usadas 3.808 vezes no Antigo
Testamento; e que os que assim se expressavam estavam deixando claro que não
expunham suas próprias idéias ou imaginações. D. Martin Lloyd-Jones, Authority (Edinburgh and Pennsylvania: The
Banner of Truth Trust, 1984), 50.
7
Ver também Atos 28.25 e Hebreus 4.3, 5.6 e 10.15-16.
8
O termo empregado é gegraptai (gegraptai). O tempo (perfeito) indica uma
ação realizada no passado, cujos resultados permanecem no presente: foi
escrito e permanece válido, falando com autoridade.
9
Outras evidências da autoridade divina das Escrituras são apresentadas por
Lloyd-Jones, Authority, 30-50; e por John A. Witmer, "The Authority
of the Bible," Bibliotheca Sacra 118:471 (July 1961): 264-27.
10
O Talmud inclui também a Gemara, comentários rabínicos sobre o Mishnah,
escritos entre 200 e 500 AD (C. L. Feinberg, "Talmude e Midrash," em
J. D. Douglas, ed., O Novo Dicionário da Bíblia, vol. 3 (São Paulo:
Edições Vida Nova, 1979), 1560-61.
11
Conferir também Mt 15.3ss.
12 Berkhof, Introducción
a la Teología Sistemática, 207.
13
Um exemplo bem atual: há poucos dias atrás, cientistas anunciaram que pesquisas
feitas com o DNA dos fósseis do assim chamado homem de Neanderthal — até então
"inquestionavelmente" considerado um dos antepassados mais recentes
do homem na cadeia evolutiva —, revelam que esses ossos nada têm a ver com a
raça humana. Exemplos como estes repetem-se continuamente, e deveriam
tornar-nos cautelosos em atribuir à ciência autoridade maior do que a da revelação
bíblica.
14 C. Pinnock,
citado por Keun-Doo Jung, "A Study of the Authority with Reference to The
Westminster Confession of Faith." (Tese de Mestrado, Potchefstroom
[South Africa] University for Christian Higher Education, 1981), 45.
15 G. D. Kaufman,
ibid., 45.
16
Ensinada no parágrafo V do capítulo I da Confissão de Fé de Westminster.
17
Ibid.
18
Outros dados sobre a importância da doutrina reformada da autoridade das
Escrituras em relação à teologia liberal e à neo-ortodoxia podem ser obtidos em
Lloyd-Jones, Authority, 30-61; John A. Witmer, "Biblical Authority
in Contemporary Theology," Bibliotheca Sacra 118:469 (January
1961), 59-67; e Kenneth S. Kantzer, "Neo-Orthodoxy and the Inspiration of
Scripture," Bibliotheca Sacra 116:461 (January 1959), 15-29.
19 Ver G. C.
Berkouwer, Studies in Dogmatics: Holy Scripture (Grand Rapids:
Eerdmans, 1975) e Ronald Gleason, "In Memoriam: Dr. Gerrit Cornelius
Berkouwer," Modern Reformation 5:3 (May/June 1996), 30-32.
20
Alguns eruditos têm considerado a doutrina reformada tradicional da autoridade
das Escrituras conforme ensinada pelos teólogos de Princeton, tais como Charles
Hodge (1797-1878), Alexander Hodge (1823-1886) e B. B. Warfield (1851-1921),
como um desvio do ensino dos Reformadores e da Confissão de Fé de Westminster. Ver, por exemplo, Ernest Sandeen, The Roots of
Fundamentalism: British and American Millenarianism, 1800-1930 (Chicago:
University of Chicago Press, 1970). Alguns, como Jack Rogers e Donald McKim, The
Authority and Interpretation of the Bible: A Historical Approach
(San Francisco: Harper & Row, 1979), chegam a defender que a doutrina
reformada das Escrituras encontra seus legítimos representantes em Abraham
Kuyper (1837-1920) e Herman Bavinck (1854-1921), os quais teriam se antecipado
aos esforços de Karl Barth e G. C. Berkouwer no sentido de restaurar a
verdadeira tradição reformada. Outros, entretanto, têm demonstrado que estas
teses não procedem, visto que os teólogos de Princeton estão em substancial
harmonia com outros que os antecederam, e com Kuyper e Bavinck. Ver Randall H. Balmer, "The Princetonians and
Scripture: A Reconsideration," Westminster Theological Journal 44:2
(1982): 352-365; e Richard B. Gaffin, Jr., "Old Amsterdam and
Inerrancy?," Westminster Theological Journal 44:2 (1982), 250-289;
45:2 (1983): 219-272.
21
Uma demonstração da posição reformada e protestante histórica da inerrância das
Escrituras em português pode ser encontrada em John H. Gerstner, "A Doutrina
da Igreja sobre a Inspiração Bíblica," em James Montgomery Boice, ed., O
Alicerce da Autoridade Bíblica, 2a ed. (São Paulo: Vida Nova, 1989), 25-68.
22 Herman Ridderbos, Studies in Scripture and its
Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 24.
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