A FIGURA DE
JESUS
“Quem é este a quem até o vento e o mar
obedecem?” (Mc 4,41).
O objetivo desse capítulo é propor uma breve reflexão
sobre o significado da pessoa de Jesus, particularmente sobre como ela se nos
apresenta, ou seja, sobre a sua figura (daí o título do mesmo), não esquecendo
que Ele não é apenas objeto de estudo histórico, pois qualquer abordagem de sua
pessoa exige que a dimensão da fé não seja preterida.
A figura de Jesus, delineada pelas suas palavras e
atitudes, revela uma pessoa to-talmente original, com uma personalidade até
paradoxal, por vezes, mas sempre mostran-do um ser inigualável, inconfundível e
sem nenhum paralelo humano.
Inicialmente, virá abordada a dimensão histórica de
Jesus de Nazaré, com a situa-ção e o ambiente histórico de sua época e o estado
atual da pesquisa histórica, para depois tratar da exposição bíblica do mesmo,
visto que ambas se completam, pois a Sagrada Escritura retrata a história do
Nazareno a partir da sua ressurreição, que O constituiu em “Senhor e Cristo”
(cf. At 2,36). A partir desses dois pressupostos, é possível efetuar a
abordagem dogmática, colhendo a reflexão teológica elaborada pela Igreja,
baseada nos elementos fornecidos pelos argumentos históricos e escriturísticos.
1.1. Aproximação histórica
1.1.1- A situação da época de Jesus
Antes de tudo, é necessário fazer duas observações: a)
As estruturas sociais, polí-ticas, culturais e religiosas estão ligadas à
prática de Jesus, pois Ele atuou numa situação histórica determinada ; b) A
sociedade da época de Jesus não é literalmente análoga à atual, pois nela
existem diferenças qualitativas significativas, que a distingue
substancial-mente da nossa. Basta recordar, como exemplo, o modo de produção em
vigor, que era o não-capitalista, e a atividade econômica dominante na época,
que era a agricultura, con-trastando com o da sociedade hodierna, na qual
predomina a produção capitalista e a ati-vidade técnico-científica . Assim, a
época de Jesus apresenta as seguintes características:
Assim, por exemplo, a compreensão da terra. Os
israelitas consideravam-na como pertencente a Deus. E estava ocupada pelos
romanos, acarretando descontentamento e o aumento do latifúndio. Isso trouxe o
despojamento do camponês pobre, que se tornou mão-de-obra liberada ou diarista.
O latifúndio, sistema incorporado com a chegada dos romanos, passa a ser
adotado porque dá mais lucro do que o sistema das pequenas pro-priedades
familiares. Os impostos pagos aos romanos aumenta a miséria, porque são em
número muito elevado e bastante pesados do ponto de vista econômico .
Os partidos religiosos, existentes então, digladiam-se
entre si, cada um procurando impor a sua ideologia própria. O Templo, situado
na cidade de Jerusalém, enquanto cen-tro religioso, é o lugar da presença de
Deus e do culto. Os sacrifícios oferecidos pelo povo, tanto públicos quanto
privados, tornaram-no, também, um centro econômico. Nele funcionava o Sinédio,
centro do poder político judaico, que resolvia as questões internas do
judaísmo.
A época de Jesus é considerada, normalmente, como o
período que abarca do ano 7 a.C. a 39 d.C., ano em que Herodes Antipas foi
exilado. É uma época caracterizada por uma forte instabilidade política,
devido, principalmente, a ocupação da Palestina pelos romanos, apesar de
Herodes, o Grande, ter governado durante muito tempo. Os romanos exerciam uma
repressão dura, impingindo castigos como a crucificação, escravidão e
de-portação. Os zelotas começam a aumentar em número e em influência no povo,
culmi-nando com a destruição de Jerusalém, em 66 d.C.
Todas essas vicissitudes enfrentadas pelo povo, naquele
momento, tornam a época de Jesus efervescente. O Messianismo se apresenta como
uma resistência surda e infla-mada contra o ocupante, apesar de as classes
dirigentes tentarem estabelecer uma convi-vência pacífica aceitável, nunca
aprovada pela maiora do povo israelita. Isso acarreta uma esperança messiânica
de tipo político, levando a interpretar erroneamente a missão de Jesus, como
muito bem comprovam certas passagens evangélicas, entre os quais, o epi-sódio
ocorrido após a multiplicação dos pães, quando o povo quis aclamar a Jesus como
rei (Jo 6,15), motivado pelo sucesso conseguido pelo milagre. Também por parte
do pró-prio grupo dos Doze, que apresentam a preocupação de saber quem seria o
maior dentre eles no futuro reino de Jesus (cf. Mc 10,37; Mt 20,23).
No entanto, a atuação de Jesus se dá numa situação
social, econômica, política, cultural e religiosa bem configurada. Ele não
realiza a sua missão, que é, sem dúvida, eminentemente religiosa, desconhecendo
sua época, o que seria impensável para um ju-deu tão próximo do povo assim como
Jesus demonstrou durante toda a sua vida pública. As interpretações sobre a sua
missão comprovam tal afirmação (cf. Jo 6,14-15; Mt 2,8-10; Lc 23,1-3).
Uma análise, mesmo superficial, revela que Jesus tem
compaixão pelo povo com o qual convive e comportilha da mesma sorte (Mc 6,34;
Mt 9,36). Por isso, é chamado de "pastor" e aplica essa figura para
si mesmo. Esse é um título de dignidade, que corres-ponde aos chefes do povo .
A atitude de Jesus se explica, porque parte da constatação do abandono em que o
povo se encontra, pois seus representantes formais estavam comple-tamente
desleixados, pois representavam mais Roma do que o povo.
1.1.1.1 - Estrutura econômica
O povo de Israel tinha consciência, pelo menos no
início de sua trajetória, de que não havia propriedade privada, pois a terra
pertence a Deus. Mas isso não impede do povo se organizar. Do sistema tribal
nômade, como era o sistema inicial, passa para a clã sedentária, com uma porção
de terra, que é muito importante, pois serve como garantia de sobrevivência. Do
cultivo da terra, o israelita tirava seu sustento e de sua família (1 Mc 14,12;
Zc 3,10). Daí que a estrutura patriarcal, com as suas leis sobre o casamento e
a herança (filhos só recebiam-na e o mais velho ficava com a terra), serviam
para favorecer a conservação dos bens e evitar a miséria. As leis religiosas a
respeito do ano sabático, celebrado no sétimo ano de uma série de sete anos,
determinavam que os escravos fossem libertados, a terra ficasse em repouso, o
produto da terra fosse distribuído aos pobres e as dívidas perdoadas. O ano
jubilar, que ocorria a cada cinqüenta anos, mandava que as terras e as casas
alienadas ou vendidas devessem voltar aos seus primeiros proprietários. Essas
leis tinham a finalidade de fazer do israelita um homem livre e proteger a
propriedade básica de cada clã. Nos tempos de Davi e Salomão, conforme 1 Sm
8,11-17, o mecanismo estatal foi implantado, substituin-do essa organização
originária. A conseqüência foi o surgimento, a partir do período da monarquia e
que se estende até o tempo de Jesus, de grandes propriedades privadas, mas,
ainda, não de latifúndios.
A economia da Palestina baseava-se na agricultura,
pecuária, artesanato, comércio e pesca no lago de Tiberíades. Na Judéia, região
montanhosa e rochosa, havia a criação de ovinos e caprinos; na Galiléia, região
mis fértil havia a criação de gado de grande porte (bezerros, bois e jumentos),
o cultivo de cereais (trigo, centeio, paio e cevada), vinhedos, olivais, frutas
(figos, tâmaras, romãs) e legumes, com indústrias de lã, linho e couro; em
Jericó era cultivado o bálsamo. Como adoçante, existia, apenas, o mel.
De modo geral, eram cultivados os legumes e a criação
de animais ainda incluia as aves, como as galinhas e os pombos, e os animais
domésticos, que serviam tanto para suprir as necessidades habituais quanto as
oferendas feitas nos cultos do Templo.
A pesca tinha muita importância, pois o o peixe era
mais importante do que a car-ne. Era praticada, sobretudo, no lago de
Tiberíades e organizada em cooperativas. Os peixes dividiam-se em puros,
destinados unicamente para os judeus, e impuros, que eram vendidos aos pagãos.
A profissão de pescador era bem considerada e remunerada razoa-velmente, a tal
ponto de estarem bem organizados e possuírem até uma indústria de salgar
peixes.
O operariado tinha situações diversas. No meio rural,
sobrevivia por meio da in-dustrialização familiar. Também haviam os artesãos do
ferro, pedra, madeira e argila. Na cidade, dependia muito do mercado: os
tecelões na cidade de Séforis, os das conservas de peixes de Tarichés, os
oleiros da planície de Saron. Em Jerusalém, aproximadamente com 25.000
habitantes, havia profissões de interesse geral (lã, couro, bronze, argila),
que eram organizadas de acordo com a necessidade do Templo, que tinha seus
próprios empregados, denominados de templários, quando prestavam serviços
ocasionais, e os funcionários permanentes. Diz-se que a restauração do templo
ocupou mil sacerdotes, com especializações diferentes, de acordo com as
necessidades. A construção civil cresceu muito após Herodes, o Grande. Também
havia os médicos.
A evolução técnica parece fraca na Palestina, pois era
uma região onde predomi-nava a agricultura. As técnicas agrícolas, pecuárias e
artesanais eram bem rudimentares. Por isso, havia muita valorização do trabalho
manual, o que se apresenta, indubitavelmen-te, como um dado original do mundo judaico.
Daí, també, as profissões serem hereditári-as e com organização corporativa.
O intercâmbio também era desenvolvido na época. O
transporte das mercadorias era, normalmente, feito por via marítima, através
dos portos de Dor, Jafa, Cesaréia. O meio usual de transporte terrestre era o
jumento, ao passo que o camelo, o cavalo e a carroça eram pouco utilizados
pelos judeus. Por questões de segurança, os judeus nunca viajavam sozinhos
pelas estradas, devido ao medo de assaltos. As rotas comerciais que atravesavam
a Galiléia eram Ptolemaida-Damasco e Damasco-Jerusalém.
O sistema monetário usava as moedas, sendo as permutas
o meio mais comum de comércio. Circulavam, ainda, as peças de bronze, a dracma
grega, o asse, o denário ro-mano, a mina e souz fenício. Existiam os bancos,
que, porém, cobravam juros apenas dos pagãos.
O comércio local acontecia nas feiras e mercados, com a
presença de fiscais, que examinavam os pesos e as medidas. Na cidade de
Jerusalém é que existiam os grandes mercados: gado, cereais, frutas, legumes,
madeira e, inclusive, de escravos.
Não faltava a importação. Da Grécia vinha o bronze; do
Líbano, a madeira; da Babilônia, os tecidos; da Arábia, os aromas e as pedras
preciosas; do Egito, o trigo. Tam-bém existia a exportação, que compreendia
cereais, frutas, óleo e bálsamo.
Os impostos eram cobrados tanto pelos romanos quanto
pelos judeus. Os impos-tos romanos dividiam-se em diretos, cobrados dos
produtos da terra (entre 20 a 25%), os de capitalização ou pessoal, que era o
denário, e indiretos, que compreendia os direitos de alfândega, de barreira (na
entrada das cidades) e pedágio (pontes, atravessadouros de rios e
encruzilhadas). Esses últimos eram arrendados, por isso muito altos. Os
impostos judaicos eram os do templo, destinados a manutenção do santuário e dos
sacerdotes; o primeiro dízimo, que era a décima parte do primeiro produto da
terra (ou primícias) e da agropecuária; o segundo dízimo, a ser pago no
primeiro, segundo, quarto, quinto anos numa série de sete anos e cobrado do
produto da terra e do gado, que deveria ser gasto em festa e beneficiência; o
terceiro dízimo ou dízimo dos pobres, a ser pago no terceiro e sexto anos,
destinado aos órfãos, viúvas e prosélitos; as rendas do quarto ano, que
prescrevia que o produtor, que podia colher o produto da terra nos três
primeiros anos, gastasse o resultado dessa primeira colheita em Jerusalém.
A beneficiência era muito apreciada pelos judeus. Por
isso, havia as leis em favor dos pobres, pela qual o produtor devia ajudá-los
no ano sabático, no terceiro dízimo e durante as colheitas. O judeu piedoso
devia, ainda, dar esmolas individuais, especialmente durante a peregrinação a
Jerusalém. Os grupos religiosos também deviam ajudá-los, assim como as
instituições públicas, compreendidas pelo cesto dos pobres, que era semanal, e
pelo prato dos pobres, servido no Templo diariamente.
Uma das formas de estabelecer a classificação social
era através do critério da riqueza, que assim dividia as pessoas:
- os ricos, formada pelo pessoal da corte, grandes
negociantes, proprietári-os de terra e nobreza sacerdotal; - os judeus
medianamente favorecidos; - os pobres, composta pelos diaristas, escravos
judeus, escravos pagãos e pelos assistidos, que eram os mendigos e os escribas.
1.1.1.2 - Estrutura social
Aqui o critério para estabelecer a diferenciação entre
as pessoas era a pureza. As-sim, quanto mais puro tanto mais alto na escala
social judaica. Era composta pelas seguin-tes classes:
- Israel puro, formada pelos sacerdotes, levitas e
israelitas leigos de ascendência pura;
- Famílias legítimas atingidas por mancha leve,
composta pelos descendentes ile-gítimos de sacerdotes, pelos prosélitos,
escravos (devido à dívidas) e pagãos libertos;
- famílias ilegítimas atingidas por mancha leve, da
qual faziam parte os bastardos, escravos do templo, filhos de pais
desconhecidos e crianças expostas;
- população estrangeira, formada pelos escravos pagãos,
samaritanos e pagãos verdadeiros.
1.1.1.3 - Estrutura cultual
A organização religiosa abrangia duas dimensões:
a) o Templo, lugar da habitação de Deus e dos
sacrifícios, que podiam ser públi-cos (diariamente, um cordeiro) e privados. O
culto obedecia ao esquema do ano litúrgico, que estava baseado em festas. Essas
eram muitas:
- Páscoa ou de nissan: comemora o êxodo do Egito; -
Pentecostes: celebrava os cinqüenta dias após a Páscoa, no qual Deus deu a lei
a Moisés no monte Sinai; - Tabernáculo ou das Tendas: comemorava os
preparativos para a partida do Egito, segundo Nm 8,14, na qual se construíam
cabanas dentro das casas, que simbo-lizava as tendas erguidas no deserto; - Yom
kipur ou dia das expiações: jejum para comemorar a descida de Moisés do monte
Sinai, após ter conseguido o perdão pelo pecado de idolatria do bezerro de
ouro. Era o único dia em que era permitido entrar no Santo dos Santos; -
Dedicação: celebra a dedicação de Templo pelos Macabeus, segundo 2 Mc 10,1-8; -
Purim: comemoração da intervenção de Deus, que destruiu os planos de Aman para
assassinar os judeus.
b) Piedade privada: os judeus davam muita importância a
própria piedade, pois desejavam ser conhecidos como piedosos. Assim, existia a
oração do Shema (Dt 6,4), que era feita três vezes por dia, nos mesmos momentos
em que era oferecido o sacrifício no Templo; o jejum, sinal de humilhação,
proteção e expiação das faltas, feito às terças e quintas-feiras; a esmola,
também muito apreciada, pois era vista como extensão da mise-ricórdia de Deus
e, enfim, as obras de misericórdia .
A sinagoga é um lugar de oração e de leitura da Bíblia,
além da vida comunitária também ser aí discutida. Por isso, pode-se afirmar que
é o lugar da ideologia e das escolas teológicas. A liturgia da palavra tinha um
esquema fixo: hinos e preces; leitura da lei; lei-tura de um profeta, que
dependia do momento, segundo Lc 4,17; homilia; recitação do “Shema Israel”
(escuta Israel) e a bênção do sacerdote.
Mas o israelita vivia num ambiente familiar e
comunitário impregnado de oração, pelo qual a família, a comunidade, a sinagoga
e o Templo formavam um todo insepará-vel, em que a lei de Deus norteava o agir.
Eles aprendiam os salmos décor, evocando os acontecimentos mais importantes de
sua história, propiciando que mantivessem a sua identidade nacional e religiosa
.
1.1.1.4- Estrutura cultural:
A base da cultura é a coleção dos escritos inspirados,
fazendo com que a ciência adquirisse uma dimensão teológica. As escolas estavam
divididas nos níveis seguintes: primária, onde se aprendia a ler texto
hebraico; secundária, dedicada ao ensino da inter-pretação das escrituras pela
tradição oral; superior, reservada para os escribas.
Cada rabino se preocupava em formar discípulos e
futuros escribas, para exercer sua atividade nos tribunais e sinagogas. Entre
os escribas de orientação farisaica havia duas escolas: a de Hillel, liberal em
matéria de pureza ritual, e a de Shamai, rigorista ao exigir a observância
estrita da lei.
O poder dos escribas é fruto do saber. Aos 40 anos, ele
recebia uma espécie de ordenação, pela qual começava a fazer parte da
corporação doutoral. Ele tinha seu dia dividido em três partes: uma parte
dedicada à oração, outra ao estudo e, por fim, a tercei-ra ocupada com o
trabalho manual.
1.1.1.5- Estrutura política:
O exercício do poder: poder político tinha origem no
templo, que possuía três setores básicos: a ordem fiscal, a ordem pública, o
direito e a justiça. O Sinédrio, espécie de tribunal, que resolvia questões
internas do judaísmo, era um conselho, formado pelos sacerdotes, anciãos e
escribas, que assistiam ao sumo-sacerdote, chefe supremo da co-munidade
judaica. A tarefa do mesmo variou conforme as épocas, mas é no tempo da
dominação romana que teve seu apogeu. Exercia, fundamentalmente, três tarefas:
a) cui-dado da ordem pública; b) exercício do poder oridinário jurídico, civil
e religioso; c) o poder executivo, podendo recorrer a corte romana, caso fosse
necessário, embora os ro-manos respeitassem a organização interna dos povos
conquistados .
Os partidos políticos da época de Jesus eram os
saduceus, os herodianos, os fari-seus, os zelotas e os essênios, sobre os quais
se discorrerá mais adiante.
1.1.2 - Ambiente histórico
Alguns historiadores e geógrafos antigos, em seus
escritos diversos, dão notícias da existência histórica de Jesus de Nazaré.
Entre eles, pode-se citar, por exemplo, Estra-bão de Amasea-Ponto (60-21 a.C.);
Plínio, o Velho (27-79 d.C.). Muito importante é Celso, com sua obra intitulada
Discurso verdadeiro, escrita por volta de 170, na qual traz pormenores sobre o
nascimento e a vida de Jesus. Justino refuta as afirmações de Celso com a obra
intitulada Contra Celsum. Além desse, Flávio Josefo, nascido na Palestina por
volta dos anos trinta, é quem mais abundantemente oferece documentação,
servindo-se dos escritos de Nicolau de Damasco. Também Tácito, escritor
samaritano, e Suetônio, de origem romana, dão notícias de Jesus em suas obras.
Os escritos judaicos são pouco utilizados, porque falta segurança quanto às
datas, especialmente Targumin, Mishna e Talmude. Isso sem levar em conta os
apócrifos cristãos e a literatura dos Santos Padres .
Mas, sem dúvida, as “únicas fontes sobre a vida e a
doutrina de Jesus, portanto, são os quatro evangelhos”
As descobertas arqueológicas das localidades
evangélicas, máxime Nazaré, Cafar-naum e Jerusalém, são de grande valia para
reconstituir a Palestina do tempo de Jesus. Também alguns papiros,
especialmente do arquivo de Zenon, funcionário do ministro das finanças de
Ptolomeu II, Apolônio, do século III a.C., achados no Egito, dão informações
precisas sobre a economia palestinense da época que antecede ao tempo neotestamentário.
Carlos Mesters observa que a vida do povo estava
marcada por três forças, cada uma interferindo a seu modo e criando uma
situação confusa e conflitiva: a) a política do governo de então, que, ao mudar
o sistema econômico por causa da convivência com os dominadores romanos,
enfraquecia os valores tradicionais da cultura do povo herdada dos
antepassados; b) a religião oficial, que através de suas inúmeras leis e
normas, derivadas da lei recebida de Moisés, tornou-se um peso ao impedir o
povo de observá-las, como, aliás, Jesus mesmo declara (cf. Mt 21,13; 11,13-36);
c) o movimento popular, que procu-rava uma saída para a situação, chamando o
povo de volta para a aliança .
1.1.3- A origem de Jesus
O nome Jesus, do hebraico yeshua, abreviação de
yehoshua, forma tardia do hebraico yeshua, Josué, significa Javé salva ou
Iahweh dá salvação. O Novo Testamento usa-o sempre como nome próprio e não como
título. Designa, portanto, o “indivíduo particular”, a singularidade da pessoa
que viveu na Palestina .
Seu pai chamava-se José, do hebraico yôsef, que,
segundo alguns, na forma origi-nal é y’osêf, significando ”que ele reúna” . Sua
mãe chamava-se Maria, do hebraico Mi-ryam, com significado e etimologia
incertos. Talvez proviesse do egípcio mrjt, que signi-fica “amada” .
Jesus nasceu em Belém da Judéia, no tempo do rei
Herodes , conforme prova o censo de Quirino. Não se sabe com precisão o ano
exato do nascimento de Jesus. A mai-oria concorda que Jesus nasceu entre o ano
5 e 6 a.C., e não no ano zero da nossa era.
Chega-se a essa data por causa do recenseamento e da
afirmação de que Jesus nasceu no tempo de Herodes. A origem do mal-entendido se
deve ao monge Dionísio, do século VI, que, ao partir de Lc 3,23, que afirma
Jesus ter começado a sua vida pública aos trinta anos, no “ano quinze do
principado de Tibério César (...)”, calculou mal a data do nascimento de Jesus.
Isso porque o décimo quinto ano do reinado de Tibério corres-ponde ao ano 782
do calendário romano. Mas Herodes morreu no ano 750 do calendáro romano, e não
752, como resulta da conta do monge Dionísio. E ele fixou o ano 752 do
caendário romano como o ano 1 da nossa era .
Os seus pais estabeleceram domicílio em Nazaré na
Galiléia. Jesus era solteiro. Sua profissão era a de carpinteiro, conforme Mc
6,3, tendo a mesma profissão de seu pai adotivo, conforme relata Mt 13,55,
apesar da palavra ho-tekton deixar impreciso qual seria a natureza exata da
profissão exercida por ambos, apenas significando uma profissão manual , da
qual originavam-se os recursos econômicos necessários para a sobrevivência de
José, Maria e Jesus.
Jesus de Nazaré tinha a cultura básica normal dos
jovens de um lugarejo da Gali-léia. Segundo R. Fabris, a formação
bíblico-religiosa associada com o trabalho de carpin-teiro contribuiu para lhe
dar a capacidade de captar os traços cotidianos e concretos da vida . Ele
falava aramaico. Alguns afirmam “com sotaque de judeu da Galiléia” .
1.1.4- O estado civil de Jesus
Ele era celibatário com certeza, revelando-se
impensável qualquer hipótese con-trária. Parece mais provável ter-se inspirado
na figura profética de Jeremias, que assumiu a condição celibatária como sinal
para seus contemporâneos (cf. Jr 16,1-13), e não na corrente
ascético-espiritual de Qumrân. Segundo Mt 19,12, seu celibato é sinal do mundo
novo inaugurado com a chegada do Reino de Deus à história humana.
1.1.5- A pesquisa histórica sobre Jesus
A pesquisa sobre o Jesus histórico passou por três
fases. A primeira, da crítica liberal (Strauss e Renan), surgida num clima
iluminista, por isso marcada pelo tom racio-nal, elimina o Cristo do dogma,
considerado uma construção indevida da Igreja e se põe a busca do autêntico
Jesus da história, questionando a validade das fontes evangélicas, produziu um
Jesus humanista e naturalista. Spinoza (1632-1677) foi quem deu início a esta
mentalidade. Com A. Schweitzer, todos se referiram a S. Reimarus (1694-1768) e
à publicação póstuma (1778) de seu sétimo fragmento, intitulado O fim de Jesus
e de seus discípulos. Segundo este, Jesus foi apenas um agitador político, que
faliu no momento da morte. Foram os discípulos que reergueram o seu sonho
messiânico, não mais em sentido político mas espiritual. Foram eles, portanto,
os inventores do Cristo da fé. Essa tese, hoje considerada "idiota e
diletantesca" (esta é a apreciação de Jeremias in Problemas do Jesus
histórico), teve o grande mérito de abrir a pesquisa sobre o Jesus histórico e
do valor histórico das fontes cristãs. A conseqüência foi a desintegração tanto
do Cristo da fé quanto do Jesus histórico, que procurava recuperar. Por isso
não subsistiu .
A segunda fase iniciou com a reação de A. Schweitzer e
pela Formgeschichte, interditando o acesso ao Jesus histórico, indo, portanto,
em direção oposta à anterior. Assumiram essa posição K. Barth e R. Bultmann .
Contra a tendência racionalista radical da teologia liberal, Barth acentuou, de
modo também radical, a transcedência absoluta de Deus, o Totalmente Outro. A
sua teologia dialética refutou decisivamente a pergunta sobre o Jesus histórico
e a sua impostação liberal, fundando a fé cristã só sobre o querigma de Jesus,
como Cristo e Senhor, crucificado e ressuscitado. Essa corrente toma como
motivo a frase de 2 Cor 5,16.
R. Bultmann defende o Cristo querigmático, com
desatenção total ao Jesus histó-rico, chegando a recusar que o divino possa
revelar-se na história humana. Por isso, leva em conta apenas o querigma da
comunidade primitiva, mostrando o apelo existencial de sua morte e
ressurreição, e ensinando que só o Cristo da fé é importante, restringindo o
Jesus histórico apenas ao fato de que Ele aconteceu. O precedente de sua vida,
a prega-ção e ações, não conta nada para a fé .
A terceira fase, a mítica, vem expressa por J.
Jeremias, que, discordando de Bultmann, por ter esvaziado o conteúdo da fórmula
da encarnação e por ter substituído Paulo por Jesus, diz que a nossa fé tem
início no fato histórico da vida de Jesus e no querigma pós-pascal. Assim, o
querigma remete ao próprio Jesus histórico, pois este é continuação daquele a
partir do evento salvífico Jesus Cristo, buscando descrever honesta e
cientificamente essa existência histórica que nos mostrou a face de Deus .
J. Konings situa o estado atual da questão na busca não
tanto de um Jesus sobre-natural, nem exemplarmente humano, nem na manifestação
de Deus na existência e com-promisso histórico de uma pessoa humana, mas num
"Jesus filho de seu tempo, ambiente e cultura, aquele que Martin Buber
chamou de ‘meu irmão mais velho' e G. Vermès, não sem um quê de chauvinismo, de
‘Jesus, o judeu'" .
No entanto, o primeiro núcleo de qualquer anúncio
cristológico deve ser a histó-ria de Jesus Cristo. Independentemente dos
modelos e metodologias escolhidas e usa-das , o anúncio cristão deve fundar-se,
confrontar-se e referir-se continuamente à história de Jesus. Ela é a fonte da
experiência cristã de todo espaço e tempo. "História de Jesus"
significa (a) o conjunto de fatos acontecidos em determinadas circunstâncias
espácio-temporais e o (b) lugar da intervenção de Deus. No cristianismo, a
salvação aconteceu na história concreta de Jesus de Nazaré, o Cristo. N'Ele a
história torna-se história da salvação . Aí encontra-se a tarefa do resgate
metodológico contemporâneo .
Ele não é apenas o homem de Nazaré, mas o cristianismo
O interpela a partir da revelação salvífica de Deus na história. Jesus é o
Cristo, o Salvador absoluto e definitivo, manifestando-se na história com
determinadas atitudes, doutrinas e fatos histórico-salvíficos. Isso é o que se
pode chamar de significado histórico-teológico da pessoa de Jesus, pois a sua
história é uma história teológica, sem possibilidade de separação entre os dois
elementos. Uma cristologia radical do Jesus da história apresenta o problema de
re-conhecer a divindade de Jesus, tornando impossível chegar ao Cristo da fé.
O cristianismo se funda na história concreta de Jesus
de Nazaré e no significado salvífico "para nós" de Cristo. W.
Pannenberg afirma: "Jesus adquire significado ‘para nós’ somente enquanto
esta significação está apoiada nele mesmo, na sua história e na pessoa que a história
manifestou. Somente enquanto esta poderá ser demonstrada, pode-mos ter certeza
que a nossa fé não será uma mera projeção de problemas, desejos e pen-samentos
pessoais sobre a pessoa de Jesus" .
Bornkamm assevera que mesmo a pesquisa histórica contemporânea,
mesmo a mais exigente, aceita que a apresentação de Jesus, da parte do
cristianismo primitivo, nos evangelhos e nos Atos corresponde a história, pois
a referência à vida concreta e terrena de Jesus de Nazaré faz parte integrante
da pregação missionária da Igreja primitiva .
Assim, Bultmann escrevia, já em 1926: "A dúvida se
Jesus realmente existiu é infundada e não merece ser abordada. É de todo
evidente que Ele é a origem daquele movimento histórico, cujo primeiro estágio
tangível está representado pela comunidade cristã primitiva palestinense"
.
Concluindo, o valor teológico de Cristo se manifesta na
história. Por isso, W. Kasper diz: "A cristologia não é outra coisa do que
a exegese da profissão ‘Jesus é o Cristo’. (...) A profissão de fé eclesial não
se apóia sobre si mesma. Ela, de fato, tem seu conteúdo e norma
pré-estabelecida na história e na sorte de Jesus" . Portanto, o anúncio
dos primeiros discípulos é uma referência teológico-salvífica à história de
Cristo, como, por exemplo, At 2,22-24, tendo como conseqüência a historicidade
da fé, que não se fun-da num mito ou numa invenção dos Doze.
1.2. Aproximação dogmática
No atual sentido, a palavra "dogma" só se
generalizou a partir do século XVIII, embora já conhecida anteriormente com
acepções diferentes e apesar de possuir uma certa ambigüidade, segundo R.
Latourelle, pelas diferentes significações que pode possuir . Para Tomás, a
verdade una deve ser desmembrada em articuli fidei para melhor ser
compreendida. Cada artigo deve ter três notas: caráter de verdade, importância
salvífi-ca e relação com a comunidade.
Michael Schmaus assim define o dogma: "Uma
revelação que o Magistério eclesi-ástico, quer pelo ensino ordinário e
universal, quer por solene definição do Papa ou de um concílio propôs
explicitamente como autêntica verdade revelada que todos são obri-gados a crer
e que concorre para a salvação" .
Karl Rahner apresenta outra definição: "É um
enunciado de fé divina e católica, ou seja, uma afirmação que a Igreja proclama
explicitamente (através do magistério ordi-nário e universal, ou mediante uma
definição papal ou conciliar) como revelada por Deus (DS 3011) e cuja negação é
sancionada com o qualificativo de heresia ou anátema" (CIC 750-752).
As propriedades do dogma são duas: a) é uma verdade
contida na revelação divi-na, que constiui seu elemento material; b) é uma
verdade que a Igreja formulou e propôs expressamente como objeto de fé, o que
cosntitui seu elemento formal. Segundo K. Rahner, as propriedades do dogma são
a origem divina, a verdade, a obrigação de crer, a imutabilidade, a
historicidade, a capacidade de evolução, a estrutura encarnacionista e a
unidade autêntica entre o divino e o humano.
Daí o dogma deve ser sempre adequado à Sagrada
Escritura, por conter a revelação de Deus em Cristo, acontecida uma vez para
sempre sob determinado aspecto par-cial, e por ser de origem divina em seu
conteúdo essencial. Por meio dele, a Igreja trasmi-te a Revelação, pois a
revelação divina adotou a veste corporal acomodada aos primeiros receptores,
expressando a fé de todo povo de Deus, que, por sua vez, já é uma resposta à
automanifestação divina. Daí que a declaração de fé, existente nos dogmas,
permanece aquem do multiforme querigma e, muito mais, abaixo da realidade
proclamada no que-rigma. Contudo, não se pode esquecer que a verdade proclamada
pelo dogma vive no todo da revelação, e só neste conjunto se pode entender seu
verdadeiro sentido e impor-tância .
Sendo uma declaração incondicional da verdade e
declaração definitiva da fé, os dogmas são imutáveis (é a dimensão da
imutabilidade) sob o aspecto de seu conteúdo. O que não significa estaticidade,
pois eles exigem interpretação constantemente nova por parte da Igreja e, por
isso, estão em movimento (é a dimensão da mutabilidade). Para distinguir o
mutável do imutável, é preciso, em primeiro lugar, reconhecer o interesse da
Igreja naquele momento determinado, para lhe entender o sentido, e, em seguida,
conhe-cer o erro contra o qual se dirige o dogma. O interesse da Igreja pode
ser melhor compre-endido numa situação nova . Todavia, enquanto a comunidade de
fé tem estruturas jurí-dicas, um dogma repercute no campo do direito. Quem o
rejeita nega a sua ligação com a comunidade da Igreja juridicamente
constituída.
O surgimento do dogma acontece a partir da preocupação
de proteger e conser-var a revelação de Deus e a resposta de fé à ela, em face
de graves perigos. Daí o dogma nasce da passagem da fé irreflexiva à fé
consciente. É o estado final de um processo dia-lético ou de uma evolução que caminhou
entre a ortodoxia e a heresia. J. A. Möhler opi-na que a plena penetração na
revelação divina se desenvolve exatamente na base de au-tênticos movimentos do
erro ocorridos na história humana.
Os portadores do magistério eclesiástico não impõem, ao
dogmatizarem, mas proclamam, como locutores do povo de Deus, uma verdade que
enriquece a todos. Pro-clamam a fé da comunidade em meio dela. O próprio Deus
age no dogma, visto ser ele uma realização da fé, portanto, uma entrega a
Cristo, e, por isso, possui verdadeiro di-namismo salvífico.
Mas a doutrina ensinada pela Igreja não é horizontal,
pois há uma relação diferen-te dessa com a verdade recebida de Cristo, o que
determina uma “hierarquia de verda-des”. É como diz o Vaticano II: “Comparando
as doutrinas, lembrem-se que existe uma ordem ou ‘hierarquia’ de verdades na
doutrina católica, já que o nexo delas com o fun-damento da fé cristã é
diverso” (cf. Unitatis Redintegratio 11).
Daí que os dogmas podem ser classificados segundo o
critério da necessidade ou não para a salvação, ou seja, de acordo com sua
conexão com o fundamento da fé cristã. Assim são classificados:
1º- De fé divina são as verdades formalmente
reveladas, que são as atestadas por Deus e contidas na Sagrada Escritura ou na
Tradição;
2º- De fé divina e católica são as verdades
cujo conteúdo são propostos pela Igreja como divinamente revelados, seja por
meio de uma declaração solene do Papa ou de um Concílio ou por meio do
Magistério ordinário e universal. E ó caso dos dogmas, em seu sentido estrito,
como, por exemplo, o da unicidade da pessoa de Jesus Cristo e dualidade de suas
naturezas (a humana e a divina), conforme vem proposto pelo Concílio de
Calcedônia, de 451.
3º- As verdades católicas ou de fé definida,
que são propostas pelo Magistério por meio de sua infalibilidade. É o caso dos
dogmas marianos, explicitados por dedução, através do método racional
teológico, ou pelo conhecimento resultante da lumen fidei, conforme a expressão
de Santo Tomás (Summa Theologiae II-II, 1,4, ad 3), das verdades reveladas
explicitamente. O ensinamento da Igreja, iluminado pelo Espírito Santo e
mani-festando progressivamente de maneira infalível o conteúdo da Revelação,
pode atestar, com toda certeza, a origem divina dos dogmas marianos. Isso porque
Cristo dotou o Ma-gistério da prerrogativa da infalibilidade, que atinge o
depósito da fé por resultar de Cristo (Jo 14,26), que ensinará tudo aos
pregadores do Evangelho (Mt 28,20).
4º- As verdades conexas com as doutrinas
formalmente reveladas, que, embora não estejam contidas formalmente na
Revelação, estão virtualmente presentes dada sua ligação estreita com as
mesmas. Essas são: a) próximas à fé, quando são consideradas contidas na
Revelação unanimemente pela Igreja, mas não definidas expressamente; b)
teologicamente certa quando a doutrina é deduzida de uma verdade revelada, cuja
nega-ção seria rejeitar um dogma.
O documento Mysterium Ecclesiae, nº 3, diz:
“Segundo a doutrina católica, a infalibilidade do Magistério da Igreja se
estende não só ao depósito da fé, mas também a tudo o que é necessário para que
ele possa ser guardado e exposto como deve”. Por isso, os cristãos devem
obediência ao Magistério e a sua não aceitação, que implica na deso-bediência
em questões de fé e de moral, põe em risco a salvação pessoal (cf. Lumen
Gentium 25).
Os principais dogmas podem ser descobertos no índice do
Denzinger-Schönmetzer (DS) e na obra La fe de la Iglesia Catolica de J.
Collantes (BAC, Madrid, 1984). Eis uma divisão sumária: 1) A razão humana: pode
conhecer a existência de Deus; não é imediato, mas através das criaturas; 2) A
revelação sobrenatural: é possível e aconteceu; 3) As fontes da revelação:
depósito é a SE e a Tradição; SE: cânon; 4) Criação: Deus é criador do mundo e
do homem; estado de justiça e pecado original; 5) Jesus Cristo: é verdadeiro
Deus e verdadeiro homem; união hipostática; missão de Cristo; Ressuscitado; 6)
Maria: maternidade divina; santidade, imaculada conceição e assunção; 7) Deus:
Trino e uno; as pessoas divinas; 8) A Igreja de Cristo: instituída por Cristo;
comunidade visível de salvação; comunidade hierárquica (bispos e leigos);
regime; primado; infalibilidade; 9) A graça: original, atual e santificante;
10) Sacramentos: número 7 e quais são; 11) As realidades últimas: imortalidade
da alma; juízo; céu, inferno, purgatório; ressurrei-ção.
A Teologia Dogmática é a ciência do dogma eclesiástico
ou a reflexão sistemática sobre o dogma da Igreja, ou seja, a exposição e o
aprofundamento científico da Palavra de Deus, tal como é pregada e ensinada
pela Igreja .
A aproximação dogmática do evento Cristo, de acordo com
as indicações da Op-tatam Totius 16, acontece por meio de três momentos: base
na Sagrada Escritura, na Tradição eclesial (tradição patrística,
pronunciamentos conciliares, elaborações teológicas privilegiadas) e a síntese
das sistematizações atuais do dado da fé. Para realizar esta sínte-se, a
teologia dogmática parte de dois pressupostos: o primeiro, o horizonte de
pré-compreensão é a fé na autorevelação absoluta, única e definitiva de Deus no
evento Jesus Cristo; o segundo, a fé, que, sendo um conhecer, não pode elaborar
completamente o seu discurso sem o diálogo e o confronto interpretativo com a
história, a filosofia e as outras ciências humanas. Desse modo, a cristologia
dogmática ou sistemática é chamada a ilus-trar o significado e o valor do
evento Cristo não só no seu dado escriturístico e da tradi-ção, mas também na
sua coerência intrínseca. Para evitar distorções neste diálogo, a cris-tologia
sistemática assegura sua unidade a partir do evento Cristo tanto como objeto
pri-mário da pesquisa teológica específica quanto como princípio lógico formal
da unidade de toda a teologia .
Sendo a cristologia sistemática a inteligência critica
e orgânica do mistério de Cristo, ela inclui dois momentos essenciais: o da
escuta (auditus fidei) e o da reflexão (intellectus fidei):
a- O auditus fidei é o momento de recolher o dado
bíblico e a tradição eclesial. Mais do que na sua circunscrita validade
exegética ou histórico-crítica, o dado bíblico é tomado pela teologia
sistemática no seu leito interpretativo mais amplo de toda a tradição da
Igreja. Esta não é uma leitura fundamentalista" da Bíblia, mas que existem
dois níveis interpretativos diferentes do dado bíblico: o histórico-crítico
exegético, que oferece o sentido técnico do texto, e o teológico-sistemático,
que oferece o significadodo mesmo texto no âmbito do mistério global de Cristo.
A distinção entre os dois níveis é dado pela presença da tradição eclesial como
elemento interpretativo essencial. Por isto, a cristologia sistemática assume o
dado histórico-crítico não como absoluto, mas inserindo-o na compreensão da fé
da Igreja. A consciência de fé católica está, de fato, intimamente conven-cida
que o Espírito não agiu somente inspirando a Sagrada Escritura, mas também
guian-do a comunidade dos crentes para o conhecimento sempre mais profundo da
verdade revelada. A tradição cristológica é riquíssima neste ponto e tem seus
lugares privilegiados na vida litúrgica, na experiência espiritual, na
catequese e na pregação, nas decisões con-ciliares, na reflexão dos teólogos e
das escolas teológicas, no "sensus fidei" do povo cris-tão, no
Magistério.
b- O intellectus fidei é o momento da reflexão e da
organização de todos os ele-mentos essenciais concernentes ao mistério de
Cristo. A cristologia sistemática ausculta a Escritura, a Tradição e o
Magistério para elaborar uma resposta adequada às interroga-ções contemporâneas
e a iluminação e formação da hodierna consciência da fé cristã, em relação com
a comunidade.
A teologia dogmática assumiu no período pós-conciliar a
tarefa de uma ciência "plenária", de reflexão "sapiencial"
da fé. A teologia dogmática vem classificada como uma ciência ao lado da
liturgia, da história da Igreja, da moral, da filosofia. Para restituí-la o
caráter sintético, orgânico e geral que sempre possuiu, se prefere chamá-la
"teologia sistemática". Assim emerge o dado de ciência integral da
fé, indispensável ao especilalista. Alguns preferem "teologia sistemática"
porque põe em relevo a apresentação orgânica da globalidade do mistério de
Cristo hoje.
A teologia sistemática contemporânea possui algumas
características, que podem ser apresentadas da seguinte forma: - bíblica,
eclesial e pneumática porque a cristologia deve ser uma síntese orgânica dessas
três realidades; - existencial, pela exigência de um encontro pessoal com
Cristo; - prática, a partir da mudança provocada pela práxis resultante da
mensagem de Cristo; - ecumênica; - pluralista, enquanto recolhe os dados
teológicos resultantes do diálogo com os diversos horizontes filosóficos,
teológicos e existenciais; - trinitária, enquanto explicita a vida de Cristo no
mistério trinitário; - pneumatológica, por ressaltar o papel fundamental do
Espírito Santo no evento Cristo.
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