A
Influência do Neoliberalismo na Sexualidade
O mundo vive hoje sob uma quase
total hegemonia da ideologia econômica neoliberal. Certamente tal influência
ideológica não se restringe aos âmbitos da economia de mercado, mas direta e
indiretamente a mesma vai penetrando em outras áreas do conviver humano e
modificando princípios relacionais, sutilmente levando a sociedade a um pensar
uniforme e inquestionável - visto que tem a "aprovação" da maioria.
Nossa reflexão será em torno de
como a ideologia capitalista neoliberal pode afetar a pessoa humana no aspecto
mais íntimo de sua expressão relacional, que é a sexualidade. Para tal,
queremos tomar alguns princípios da ideologia dominante e refletir sobre suas
influências na sexualidade humana.
Competitividade A ideologia neoliberal tem por marca dominante a
competitividade. Hoje a lei básica do mercado é competir utilizando seus
melhores recursos, a fim de vencer a concorrência e se estabelecer sobrepujando
os demais. Para tanto, a busca contínua do aperfeiçoamento tecnológico e
empresarial são elementos essenciais.
Paralelamente
a esse fenômeno, começam a surgir inúmeros discursos em reportagens,
entrevistas, artigos "científicos" etc. sobre a competitividade no
relacionamento sexual. A relação sexual deixa de ser uma expressão de
afetividade e intimidade entre duas pessoas que se amam e passa a ser uma
disputa de performance. Não mais aquela performance machista de conversa de bar
ou de sauna, onde o "macho" alistava suas proezas sexuais fantasiosas,
imaginando-se uma mistura de Harrison "Indiana" Ford, Brad Pit e Hugh
Gran, embora na maioria das vezes não seja mais que um Forest Gump.
Hoje a
disputa de performance é muito mais sutil. Dominicalmente a Folha de São Paulo
dedica uma página do caderno Cotidiano para descrever as expressões desta
competitividade. São entrevistas com homens e mulheres - principalmente
mulheres -, que narram as condutas dessas pessoas diante de propostas de se
relacionar sexualmente com o melhor amigo do namorado, com parentes, com a melhor
amiga ou com o grupo da academia de ginástica. Em ambientes públicos como
elevadores, saguões de hotéis e banheiros de restaurantes de luxo. Ou através
das expressões mais animalescas da prática sexual, tais como o uso de objetos
para a estimulação, pornografia explícita, agressão ao outro e a si mesmo
durante a relação, enfim, uma parafernália de situações que são descritas de
forma triunfalista, como se houvesse um troféu para a pessoa que conseguisse a
proeza mais exótica.
Alguém
pode argumentar que as práticas sexuais pervertidas existam desde que o mundo é
mundo, o que não questionamos. O objeto de nosso assombro é a propaganda
exacerbada que se faz sobre o assunto e o tratamento com o qual se aborda o
mesmo, levando o público a crer que este padrão disfuncional é o padrão
corrente, "natural e saudável". Da mesma forma que as propagandas de
cigarro querem nos levar a crer que fumar é sinônimo de sucesso, elegância,
aventura e uma série de atributos desejáveis, a propaganda sexual quer nos
levar a crer que, desde que leve ao orgasmo, tudo é permitido e saudável.
São
muitas vezes formas sutis de desrespeito ao outro, induzindo-o a práticas não
desejadas, utilizando-se de "suaves sugestões", como: "você é
retrógrado", "estamos no século XXI", "sua educação foi
muito reprimida", "se você não quer, tem gente que quer" etc.
Parece que se perdeu totalmente a dimensão do "Prometo honrar-te e
respeitar-te (....)".
Individualismo Outro elemento marcante da ideologia neoliberal na
prática sexual em nossos dias é a exacerbação do individualismo Como na
economia de mercado o mais importante é o autocentrismo nas relações
comerciais, inclusive procurando sempre sobrepujar a concorrência, na prática
sexual corrente o mais importante é a busca da auto-satisfação. O outro é
muitas vezes visto e usado como um objeto para a satisfação de nossas
necessidades pessoais. O sexo passa a ser uma prática extremamente egocêntrica
e utilitarista, e não mais uma expressão de afeto e compromisso. Aliás, a
própria compreensão do que seja compromisso está totalmente distorcida pela
ideologia de mercado. Passa-se a entender compromisso por contrato transitório,
em que as partes acordam que permanecerão juntas enquanto extraírem benefícios
individualistas da relação, e não mais "na alegria e na tristeza, na saúde
e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte nos separe!" .
Ética Há ainda um terceiro elemento da ideologia
dominante que permeia as relações interpessoais: é a ética de mercado! Não
existem mais absolutos éticos, o certo ou errado se define no contrato que se
estabelece entre as partes. Remonta o caráter individualista de que já se
falou. O quarentão em crise de meia-idade não reflete no fato de que o prazer
transitório com a mulher "disponível e de cabeça aberta" pode gerar
seqüelas profundas em seu relacionamento familiar para o resto da vida.
Tudo o
que importa é que ele estejaa fim, encontra uma mulher que também esteja a fim
e vão para uma cama também a fim, sem cogitar em que isto vá se desenvolver e
se transformar num relacionamento efetivo. É a prática do momento, da
transitoriedade, acordada entre "pessoas adultas" que sabem o que
querem. Se são duas pessoas adultas, "responsáveis", que sabem o que
estão fazendo, quem são os outros para recriminá-los? A ética do certo é o que
tal casal determina.
Talvez
alguns estejam concluindo que sou um moralista defendendo causas vitorianas ,
mas quero dizer que meu objetivo é outro.
Penso
que a prática de economia neoliberal tem deixado tantos resultados negativos,
que os governos teimam em não ver. O aumento do desemprego, da fome e da
miserabilidade, o enriquecimento absurdo de uns poucos em contraposição ao
empobrecimento brutal de uma maioria, a seqüela natural do aumento da violência
na cidade e no campo, a perversidade ética dos que deveriam ser exemplo e
legislar em favor do povo, a subjugação dos menos capacitados e o reducionismo
do sentido de existir à capacidade de ter e de acumular.
De
igual forma penso que as práticas de uma sexualidade com bases ideológicas tão
perversas roubam a dignidade do ser humano, criatura de Deus, transformando o
outro em objeto descartável de consumo, objeto de nosso prazer. Trazem como
seqüelas uma infinidade de relacionamentos destroçados, vituperados e maculados
pela falta de ética, de respeito pelo outro. Sem contar a legião de filhos com
duas, três ou quatro meias-famílias, que a mídia insiste em nos fazer crer que
são felizes "mesmo assim". Nos leva ao medo - em alguns lugares já ao
pânico - de ser vítima de assédio sexual, a perda da da espontaneidade do
abraço amigo e fraterno. Nos leva ao terror, quase diariamente saber notícias
sobre abuso sexual de inocentes infantes vítimas, fruto da doentia falta de
limites na busca do prazer.
São
estes resultados que nos garantem que o modelo atual é doentio, inadequado e
deve ser, não só repensado com criticidade, mas combatido. São elementos de
saúde emocional da população em geral que estão em jogo. Neste ponto é que
reside meu alerta.
Será
triste deixarmos para nossos filhos um mundo povoado pelo medo - agora não mais
dos desastres naturais nem das bombas atômicas, mas do outro em geral: da
pessoa que senta-se a seu lado até mesmo na igreja. Um mundo em que os
relacionamentos afetivos serão abandonados e reduzidos a relacionamentos sexuais
objetais. Um mundo em que a outra pessoa passa a ser uma coisa que eu uso para
meu prazer e depois jogo no lixo quando não me agradar mais.
Será
desastroso perder as dimensões da amizade espontânea, da fraternidade, da
solidariedade e até da cidadania, e viver num mundo violento e perverso, sem
nenhum referencial ético absoluto.
Hoje é
tempo de nos preocuparmos com estas questões, mais do que com a estabilidade
econômica ou com a quantia de bens que deixaremos como legado a nossos filhos.
Acumulemos tesouros éticos que tenham valor para a eternidade, antes de sermos
exortados como o rico da parábola narrada por Jesus: "Louco, esta noite te
pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?" (Lc 12.20).
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