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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

REFLEXÃO 276 - A INFLUÊNCIA DO NEOLIBERALISMO NA SEXUALIDADE

A Influência do Neoliberalismo na Sexualidade


O mundo vive hoje sob uma quase total hegemonia da ideologia econômica neoliberal. Certamente tal influência ideológica não se restringe aos âmbitos da economia de mercado, mas direta e indiretamente a mesma vai penetrando em outras áreas do conviver humano e modificando princípios relacionais, sutilmente levando a sociedade a um pensar uniforme e inquestionável - visto que tem a "aprovação" da maioria.
Nossa reflexão será em torno de como a ideologia capitalista neoliberal pode afetar a pessoa humana no aspecto mais íntimo de sua expressão relacional, que é a sexualidade. Para tal, queremos tomar alguns princípios da ideologia dominante e refletir sobre suas influências na sexualidade humana.

Competitividade A ideologia neoliberal tem por marca dominante a competitividade. Hoje a lei básica do mercado é competir utilizando seus melhores recursos, a fim de vencer a concorrência e se estabelecer sobrepujando os demais. Para tanto, a busca contínua do aperfeiçoamento tecnológico e empresarial são elementos essenciais.
Paralelamente a esse fenômeno, começam a surgir inúmeros discursos em reportagens, entrevistas, artigos "científicos" etc. sobre a competitividade no relacionamento sexual. A relação sexual deixa de ser uma expressão de afetividade e intimidade entre duas pessoas que se amam e passa a ser uma disputa de performance. Não mais aquela performance machista de conversa de bar ou de sauna, onde o "macho" alistava suas proezas sexuais fantasiosas, imaginando-se uma mistura de Harrison "Indiana" Ford, Brad Pit e Hugh Gran, embora na maioria das vezes não seja mais que um Forest Gump.


Hoje a disputa de performance é muito mais sutil. Dominicalmente a Folha de São Paulo dedica uma página do caderno Cotidiano para descrever as expressões desta competitividade. São entrevistas com homens e mulheres - principalmente mulheres -, que narram as condutas dessas pessoas diante de propostas de se relacionar sexualmente com o melhor amigo do namorado, com parentes, com a melhor amiga ou com o grupo da academia de ginástica. Em ambientes públicos como elevadores, saguões de hotéis e banheiros de restaurantes de luxo. Ou através das expressões mais animalescas da prática sexual, tais como o uso de objetos para a estimulação, pornografia explícita, agressão ao outro e a si mesmo durante a relação, enfim, uma parafernália de situações que são descritas de forma triunfalista, como se houvesse um troféu para a pessoa que conseguisse a proeza mais exótica.
Alguém pode argumentar que as práticas sexuais pervertidas existam desde que o mundo é mundo, o que não questionamos. O objeto de nosso assombro é a propaganda exacerbada que se faz sobre o assunto e o tratamento com o qual se aborda o mesmo, levando o público a crer que este padrão disfuncional é o padrão corrente, "natural e saudável". Da mesma forma que as propagandas de cigarro querem nos levar a crer que fumar é sinônimo de sucesso, elegância, aventura e uma série de atributos desejáveis, a propaganda sexual quer nos levar a crer que, desde que leve ao orgasmo, tudo é permitido e saudável.
São muitas vezes formas sutis de desrespeito ao outro, induzindo-o a práticas não desejadas, utilizando-se de "suaves sugestões", como: "você é retrógrado", "estamos no século XXI", "sua educação foi muito reprimida", "se você não quer, tem gente que quer" etc. Parece que se perdeu totalmente a dimensão do "Prometo honrar-te e respeitar-te (....)".

Individualismo Outro elemento marcante da ideologia neoliberal na prática sexual em nossos dias é a exacerbação do individualismo Como na economia de mercado o mais importante é o autocentrismo nas relações comerciais, inclusive procurando sempre sobrepujar a concorrência, na prática sexual corrente o mais importante é a busca da auto-satisfação. O outro é muitas vezes visto e usado como um objeto para a satisfação de nossas necessidades pessoais. O sexo passa a ser uma prática extremamente egocêntrica e utilitarista, e não mais uma expressão de afeto e compromisso. Aliás, a própria compreensão do que seja compromisso está totalmente distorcida pela ideologia de mercado. Passa-se a entender compromisso por contrato transitório, em que as partes acordam que permanecerão juntas enquanto extraírem benefícios individualistas da relação, e não mais "na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte nos separe!" .

Ética Há ainda um terceiro elemento da ideologia dominante que permeia as relações interpessoais: é a ética de mercado! Não existem mais absolutos éticos, o certo ou errado se define no contrato que se estabelece entre as partes. Remonta o caráter individualista de que já se falou. O quarentão em crise de meia-idade não reflete no fato de que o prazer transitório com a mulher "disponível e de cabeça aberta" pode gerar seqüelas profundas em seu relacionamento familiar para o resto da vida.
Tudo o que importa é que ele estejaa fim, encontra uma mulher que também esteja a fim e vão para uma cama também a fim, sem cogitar em que isto vá se desenvolver e se transformar num relacionamento efetivo. É a prática do momento, da transitoriedade, acordada entre "pessoas adultas" que sabem o que querem. Se são duas pessoas adultas, "responsáveis", que sabem o que estão fazendo, quem são os outros para recriminá-los? A ética do certo é o que tal casal determina.
Talvez alguns estejam concluindo que sou um moralista defendendo causas vitorianas , mas quero dizer que meu objetivo é outro.
Penso que a prática de economia neoliberal tem deixado tantos resultados negativos, que os governos teimam em não ver. O aumento do desemprego, da fome e da miserabilidade, o enriquecimento absurdo de uns poucos em contraposição ao empobrecimento brutal de uma maioria, a seqüela natural do aumento da violência na cidade e no campo, a perversidade ética dos que deveriam ser exemplo e legislar em favor do povo, a subjugação dos menos capacitados e o reducionismo do sentido de existir à capacidade de ter e de acumular.
De igual forma penso que as práticas de uma sexualidade com bases ideológicas tão perversas roubam a dignidade do ser humano, criatura de Deus, transformando o outro em objeto descartável de consumo, objeto de nosso prazer. Trazem como seqüelas uma infinidade de relacionamentos destroçados, vituperados e maculados pela falta de ética, de respeito pelo outro. Sem contar a legião de filhos com duas, três ou quatro meias-famílias, que a mídia insiste em nos fazer crer que são felizes "mesmo assim". Nos leva ao medo - em alguns lugares já ao pânico - de ser vítima de assédio sexual, a perda da da espontaneidade do abraço amigo e fraterno. Nos leva ao terror, quase diariamente saber notícias sobre abuso sexual de inocentes infantes vítimas, fruto da doentia falta de limites na busca do prazer.
São estes resultados que nos garantem que o modelo atual é doentio, inadequado e deve ser, não só repensado com criticidade, mas combatido. São elementos de saúde emocional da população em geral que estão em jogo. Neste ponto é que reside meu alerta.
Será triste deixarmos para nossos filhos um mundo povoado pelo medo - agora não mais dos desastres naturais nem das bombas atômicas, mas do outro em geral: da pessoa que senta-se a seu lado até mesmo na igreja. Um mundo em que os relacionamentos afetivos serão abandonados e reduzidos a relacionamentos sexuais objetais. Um mundo em que a outra pessoa passa a ser uma coisa que eu uso para meu prazer e depois jogo no lixo quando não me agradar mais.
Será desastroso perder as dimensões da amizade espontânea, da fraternidade, da solidariedade e até da cidadania, e viver num mundo violento e perverso, sem nenhum referencial ético absoluto.
Hoje é tempo de nos preocuparmos com estas questões, mais do que com a estabilidade econômica ou com a quantia de bens que deixaremos como legado a nossos filhos. Acumulemos tesouros éticos que tenham valor para a eternidade, antes de sermos exortados como o rico da parábola narrada por Jesus: "Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?" (Lc 12.20).


 AUTOR DESCONHECIDO

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