A Ira de Deus
Autor:
A.W. PINK
É triste ver tantos cristãos professos
que parecem considerar a ira de Deus como uma coisa pela qual eles precisam pedir
desculpas, ou, pelo menos, parece que gostariam que não existisse tal coisa.
Conquanto alguns não fossem longe o bastante para admitir abertamente que a
consideram uma mancha no caráter divino, contudo, estão longe de vê-la com bons
olhos, não gostam de pensar nisso e dificilmente a ouvem mencionada sem que
surja em seus corações um ressentimento contra essa idéia. Mesmo dentre os mais
sóbrios em sua maneira de julgar, não poucos parecem imaginas que há na questão
da ira de Deus uma severidade terrificante demais para propiciar um tema para
consideração proveitosa. Outros dão abrigo ao erro de pensar que a ira de Deus
não é coerente com a Sua bondade, e assim procuram bani-la dos seus pensamentos.
Sim, muitos há que fogem de
visualizar a ira de Deus, como se fossem intimados a ver alguma nódoa no
caráter divino, ou algum defeito no governo divino. Mas, o que dizem as Escrituras? Quando a procuramos nelas, vemos
que Deus não dez tentativa alguma para ocultar a realidade da Sua ira. Ele não
se envergonha de ar a conhecer que a vingança e a cólera Lhe pertencem. Eis o
Seu desafio: "Vede agora que eu, eu o sou, e mais nenhum Deus comigo; eu
mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro; e ninguém há que escape da minha
mão. Porque levantei a minha mão aos céus, e direi: Eu vivo para sempre. Se eu
afiar a minha espada reluzente, a travar do juízo a minha mão, farei tornar a
vingança sobre os meus adversários, e recompensarei aos meus
aborrecedores"(Dt.32:39-41). Um estudo na concordância mostrará que há mais
referências nas Escrituras à indignação, à cólera e à ira de Deus, do que aos
Seu amor e ternura. Porque Deus é santo, ele odeia todo pecado; e porque ele
odeia todo pecado, a Sua ira inflama-se contra o pecador. (Sl.7:11).
Pois bem, a ira de Deus é uma perfeição divina tanto como a sua fidelidade, o
Seu poder ou a Sua misericórdia. Só pode ser assim, pois não há mácula alguma,
nem o mais ligeiro defeito no caráter de Deus, porém, haveria, se Nele não
houvesse "ira"! A indiferença para com o pecado é uma nódoa moral, e
aquele que não odeia é um leproso moral. Como poderia Aquele que é a soma de
todas as excelência olhar com igual satisfação para a virtude e o vício, para a
sabedoria e a estultícia? Como poderia Aquele que é infinitamente santo ficar
indiferente ao pecado e negar-Se a manifestar a Sua
"severidade"(Rm.11:22) para com ele? Como poderia Aquele que só tem
prazer no que é puro e nobre, deixar de detestar e de odiar o que é impuro e
vil? A própria natureza de Deus faz do inferno uma necessidade tão real, um
requisito tão imperativo e eterno como o céu o é. Não somente não há
imperfeição nenhuma em Deus, mas também não há Nele perfeição que seja menos
perfeita do que outra.
A ira de Deus é sua eterna
ojeriza por toda injustiça. É o desprazer e a indignação da divina equidade
contra o mal. É a santidade de Deus posta em ação contra o pecado. É a causa
motora daquela sentença justa que ele lavra sobre os malfeitores. Deus está
irado contra o pecado porque este é rebelião contra a Sua autoridade, um ultraje
à Sua soberania inviolável. Os insurgentes contra o governo de Deus saberão um
dia que Deus é o Senhor. Serão levados a sentir quão grandiosa é aquela
Majestade que eles desprezaram, e como é terrível aquela ira de que foram
ameaçados e a que não deram a mínima importância. Não que a ira de Deus seja
uma retaliação maldosa e mal intencionada, infligindo agravo só pelo prazer de
infligi-lo, ou devolver a ofensa recebida. Não; embora seja verdade que Deus
vindicará o domínio como Governador do universo, ele não será revanchista.
Evidencia-se que a ira divina é
uma das perfeições de Deus, não somente pelas considerações acima apresentadas,
mas também fica estabelecido claramente pelas declarações expressas da Sua
Palavra. "Porque do céu manifesta a ira de Deus..."(Rm.1:18).
"Manifestou-se quando foi pronunciada a primeira sentença de morte, quando
a terra foi amaldiçoada e o homem foi expulso do paraíso terrestre; e depois,
mediante castigos exemplares como o dilúvio e a destruição das cidades da planície
com fogo do céu, mas, especialmente pelo reinado da morte no mundo todo. Foi
proclamada na maldição da lei para cada transgressão, e foi imposta na
instituição do sacrifício. No capítulo 8 de romanos, o apóstolo Paulo chama a
atenção para o fato de que a criação inteira ficou sujeita à vaidade, e geme e
tem dores de parto. A mesma criação que declara que existe um Deus, e publica a
Sua glória, também proclama que Ele é inimigo do pecado e o vingador dos crimes
dos homens. Acima de tudo, porém, do céu se manifestou a ira de Deus quando o
Filho de Deus veio a este mundo para revelar o caráter divino, e quando essa
ira foi demostrada nos Seus sofrimentos e morte, de maneira mais terrível do
que por todas as provas que Deus antes dera da Sua aversão pela pecado. Além
disso, o castigo futuro e eterno dos ímpios agora é declarado em termos mais
solenes e explícitos do que antes. Sob a nova dispensação há duas revelações
dadas do céu, uma da ira, a outra da graça"(Robert Haldane).
Mais: que a ira de Deus é uma
perfeição divina está demostrado claramente pelo que lemos nos Salmo 95:11:
"Por isso jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso". Duas
sãos as ocasiões em que Deus
"jura": quando faz promessas (Gn22:16), e quando faz
ameaças(Dt.1:34). Na primeira, jura com misericórdia dos Seus filhos; na
Segunda, jura para aterrorizar os ímpios. Um juramento é feito para
confirmação: Hb.6:16. Em Gn.22:16 disse Deus: "Por mim mesmo, jurei".
NO Sl.89:35 ele declara: "Uma vez jurei por minha santidade".
Enquanto que no Sl.95:11 ele afirma: "Jurei na minha ira". Assim é
que o grande Jeová pessoalmente recorre à Sua "ira" como a uma
perfeição igual à sua "santidade": tanto jura por uma como pela
outra! Ainda: como em Cristo "...habita corporalmente toda a plenitude da
divindade"(Cl.2:9), e como todas as perfeições divinas são notavelmente
manifestadas por Ele (Jo.1:18), por isso lemos sobre "... a ira do
Cordeiro"(Ap.6:16).
A ira de Deus é uma perfeição do caráter divino sobre a
qual precisamos meditar com freqüência. Primeiro, para que os nosso corações fiquem
devidamente impressionados com a ojeriza de Deus pelo pecado. Estamos
sempre inclinados a uma consideração superficial do pecado, a encobrir a sua
fealdade, a desculpá-lo com escusas várias. Mas, quanto mais estudarmos e ponderarmos
a aversão de Deus pelo pecado e a maneira terrível como se vinga dele, mais
probabilidade teremos de compreender quão horrível é o pecado. Segundo, para
produzir em nossas almas um verdadeiro temor de Deus: "...
retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelmente com reverência e
piedade ("santo temos"); porque o nosso Deus é fogo
consumidor"(Hb.12:28-29). Não podemos serví-lO "agradavelmente"
sem a devida "reverência" ante a sua tremenda Majestade e sem o
devido "santo temor" de Sua ira, e promoveremos melhor estas coisas
trazendo freqüentemente à memória o fato de que "o nosso Deus é um fogo
consumidor". Terceiro, para induzir nossas almas a fervoroso louvor a Deus
por Ter-nos livrado "... da ira futura"(I Ts.1:10).
A nossa prontidão ou a nossa
relutância em meditar na ira de Deus é um teste seguro de até que ponto os
nossos corações reagem à Sua influência. Se não nos regozijamos verdadeiramente
em Deus, pelo que ele é em Si mesmo, e por todas as perfeições que nEle há
eternamente, como poderá permanecer em nós o amor de Deus? Cada um de nós
precisa vigiar o mais possível em oração contra o perigo de criar em nossa
mente uma imagem de Deus segundo o modelo das nossas inclinações pecaminosas.
Desde há muito o Senhor lamentou: "... pensavas que (Eu) era como
tu"(Sl.50:21). Se não nos alegramos "... em memória da sua
santidade"(Sl.97:12), se não nos alegramos por saber que num dia que logo
vem, Deus fará uma demonstração sumamente gloriosa da Sua ira, tomando vingança
em todos os que agora se opõem a Ele, é prova positiva de que os nossos
corações não estão sujeitos a Ele, que ainda, permanecemos em nossos pecados,
rumo às chamas eternas.
"Jubilai, ó nações
(gentios), com o seu povo, porque vingará o sangue dos seus servos, e sobre os
seus adversários fará tornar a vingança..."(Dt.32:43). E ainda lemos:
"E, depois destas coisas, ouvi no céu como que uma grande voz de grande
multidão, que dizia: Aleluia; Salvação, e glória, e honra, e poder pertencem ao
Senhor nosso Deus; Porque verdadeiros e justos sãos os seus juízos, pois julgou
a grande prostituta, que havia corrompido a terra com a sua prostituição, e das
mãos dela vingou o sangue dos seus servos. E outra vez disseram:
Aleluia..." (Ap.19:1-3). Grande será o regozijo dos santos naquele dia em
que o Senhor irá vindicar a sua majestade, exercer o Seu domínio formidável,
magnificar a Sua justiça, e derribar os orgulhosos rebeldes que ousaram
desafiá-lO.
"Se tu, Senhor, observares
(imputares) as iniquidades, Senhor quem subsistirá? (Sm. 130:3). Cada um de nós
pode bem fazer esta pergunta, pois está escrito que "...os ímpios não
subsistirão no juízo..." (Sl.1:5). Quão dolorosamente a alma de Cristo
padeceu ao pensar na ação de Deus observando as iniquidades do Seu povo quando
estas pesaram sobre Ele! Ele "... começou a Ter pavor, e a
angustiar-se"(Mc. 14:33). Sua agonia terrível, Seu suor de sangue, Seu
grande clamor e súplicas (Hb.5:7), Suas reiteradas orações: "Se é
possível, passe de mim este cálice", Seu último e tremendo brado,
"Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?"- tudo manifesta que
pavorosas apreensões Ele teve quanto ao que era para Deus "observar
iniquidades". Bem que nós, pobres pecadores, podemos clamar: Senhor, quem
subsistirá, se o próprio Filho de Deus tremeu tanto sob o peso da Tua ira? Se
tu, meu leitor, ainda não correste em busca do refúgio em Cristo, o único
salvador, "... que farás na enchente do Jordão?"(Jr.12:5).
"Quando considero como a
bondade de Deus sofre abusos da maior parte da humanidade, não posso senão apoiar
quem disse: "O maior milagre do mundo é a paciência e generosidade de Deus
para como mundo ingrato. Se um príncipe tem inimigos metidos numa de suas
cidades, não lhes envia provisões, mas mantém sitiado o local e faz o que pode
para vencê-los pela fome. Mas o grande Deus, que poderia levar todos os Seus
inimigos à destruição num piscar de olhos, tolera-os e se empenha diariamente
para sustentá-los. Aquele que faz o bem aos maus e ingratos, pode muito bem
ordenar-nos que bendigamos os que nos maldizem. Não penseis, porém, que
escapareis assim, pecadores; o moinho de Deus mói devagar, mas mói fino; quanto
mais admirável é agora a Sua paciência e generosidade, mais terrível e
insuportável será a fúria resultante dos abusos feitos à Sua bondade. Nada é
mais brando do que o mar; contudo, quando se agita e forma temporal, nada se
enfurece mais. Nada é tão suave como a paciência e bondade de Deus, e nada tão
terrível como a sua ira quando se inflama" (William Gurnall, 1660).
"Fuja", pois, meu leitor, fuja para Cristo; fuja "... da ira
futura"(Mt.3:7), antes que seja tarde demais. Nós lhe rogamos com todo o
empenho, não pense que esta mensagem tem em vista outra pessoa. É para você que
está lendo! Não fique satisfeito em pensar que você já fugiu para Cristo.
Obtenha certeza disso! Rogue ao Senhor que sonde o teu coração e te revele o
que tu és (pois o erro ou engano, será fatal e eterno).
Uma
palavra aos pregadores. Irmãos, em nossos ministérios temos pregado sobre
este solene assunto tanto como deveríamos? Os profetas do Velho Testamento
muitas vezes diziam aos seus ouvintes que as suas vidas ímpias provocavam o
Santo de Israel, e que estavam entesourando para si mesmos ira para o dia da
ira. E as condições do mundo hoje não são melhores do que eram então! Nada se presta
mais para despertar os indiferentes e fazer com que os crentes carnais sondem
os seus corações, do que alongar-nos sobre o fato de que Deus "... se ira
todos os dias" com os ímpios (Sl.7:11). O precursor de Cristo exortava os
seus ouvintes a fugirem "... da ira futura"(Mt.3:7). O Salvador
ordenava a quantos O ouviam: "Temei aquele que, depois de matar, tem poder
para lançar no inferno, sim, vos digo, a esse temei"(Lc.12:5). O apóstolo
Paulo dizia: "... sabendo o temor que se deve ao Senhor, persuadimos os
homens..."(2Co.5:11). A fidelidade exige que falemos tão claramente do
inferno como do céu.
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