A
Missão de Filipe
Um
Estudo em Atos 16
Uma das
passagens mais impressionantes sobre a relação do Espírito Santo com a obra
missionária é Atos 16.6,7: "E percorrendo a região frígio-gálata, tendo
sido impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia, defrontando
Mísia, tentavam ir para Bitínia (1), mas o Espírito de Jesus não o
permitiu". Como e por que o Espírito Santo impediu que Paulo e seus
companheiros pregassem na Ásia e fossem também para Bitínia?
A maioria
dos comentaristas bíblicos admite não saber ao certo como foi que o Espírito
Santo revelou-lhes que possuía outro programa de viagem. Mas todos eles sugerem
uma ou mais possibilidades. Citemos algumas:
De acordo
com Norman Champlin, "pode ter sido por impulso interior, ou
circunstâncias adversas que fugiam ao controle de Paulo, ou alguma visão ou
sonho noturno, ou mesmo alguma declaração profética por parte de seus
convertidos que possuíssem o dom da profecia" (2).
Simon
Kistemaker sugere Silas, pois era um profeta (cf. At 15.32) (3). Na minha
opinião, é provável que eles só passaram a entender o significado dos
impedimentos do Espírito após analisarem os fatos ocorridos. Aquele duplo
impedimento (vv6,7), a visão de Paulo (v9) e a declaração de Lucas no verso 10
parecem lançar luz sobre esta possibilidade.
Quanto ao
"por que?" não há necessidade de se especular. Em Atos a soberania e
a liberdade do Espírito Santo na obra missionária são inquestionáveis. O
Espírito Santo dirige e coordena a obra missionária. É ele que determina quem
vai, como se vai e para quem se vai pregar o evangelho (4).
Acredita-se
que havia cerca de meio milhão de pagãos em Antioquia no tempo de Paulo, mas o
Espírito não o quis em
Antioquia. Certamente o número de habitantes que não ouviram
o evangelho na Ásia e Bitínia também não era pequeno, contudo, o Espírito Santo
tinha outros planos!
Do início
ao fim do livro de Atos não é difícil perceber que o Espírito Santo é quem
prepara o campo para receber a boa semente do evangelho. Somente pela atuação
direta do Espírito é que a Palavra de Deus germina, cresce e frutifica. E é
ele, o Espírito, que além de vocacionar, capacitar e enviar seus obreiros ao
campo missionário, sai na frente e prepara com antecedência o coração daqueles
que haverão de ouvir a pregação da Palavra.
Um exemplo
disso é, como se sabe, o capítulo 16 de Atos. O campo que o Espírito preparou
para aquela ocasião não seria, por enquanto (5), a província da Ásia e Bitínia
que, a princípio, Paulo e seus companheiros tanto queriam ir. O objetivo do
Espírito Santo era a Europa (At 16.9,10). E naquela ocasião, em especial,
"Filipos, cidade da Macedônia, primeira do distrito, e colônia" (At
16.12).
O nome da
cidade é originário de Filipe da Macedônia, que a conquistou dos tásios por
volta do ano 300 a .C.
Em Filipos, por ocasião da segunda viagem missionária no ano 50 A .D., Paulo teria uma das
experiências mais frutíferas de seu ministério. Ali nasceria uma igreja
abençoada, sua "alegria e coroa", como ele mesmo diria mais tarde em
sua epístola aos filipenses (Fp 4.1).
A
Conversão de Lídia
O pouco
que sabemos de Lídia está em Atos 16.14. Sua cidade natal era Tiatira. Uma
próspera cidade da província romana da Ásia, a oeste do que atualmente se
conhece como Turquia Asiática. Foi colonizada por Seleuco Nicator, rei da
Síria, em 280 a .C.
No ano 133 a .C.
passou para o domínio dos romanos.
Era um
ponto importante do sistema de estradas dos romanos, pois ficava na estrada que
vinda de Pérgamo, a capital da província, se estendia até às províncias
orientais. Nos tempos do Novo Testamento Tiatira era também um importante
centro manufatureiro; tinturaria, feitura de vestes, cerâmica e trabalhos em
bronze figuravam entre os trabalhos da região. Hoje, uma cidade bastante grande
chamada Akhisar, continua existindo no mesmo local.
Profissionalmente
Lídia era uma vendedora bem sucedida. Ela trabalhava no próspero comércio de
tecidos de púrpura (6) e/ou na venda da tinta quando se mudou para Filipos.
Quanto à sua religiosidade, Lídia era "temente a Deus" (cf. At
10.1,2). A expressão "temente a Deus" de Atos 16.14 significa mais do
que dizer simplesmente que Lídia cria em Deus ou algo parecido, e sim, que ela
fazia parte de uma classe de gentios simpatizantes, por assim dizer, do
judaísmo.
Em quase
toda sinagoga judaica existiam, além de judeus é claro, dois grupos distintos
de gentios. O primeiro grupo era formado pelos denominados
"prosélitos", isto é, gentios convertidos ao judaísmo. Os homens eram
circuncidados, concordavam em obedecer a lei e guardar o sábado, faziam
peregrinações a Jerusalém, e daí em diante não eram mais gentios, e sim judeus.
O segundo
grupo de gentios que normalmente freqüentava a sinagoga era formado pelos
"tementes a Deus". Eram apreciadores da lei e do ensinamento
judaicos, mas por uma série de razões pessoais achavam por bem não se
desvincular de suas raízes gentílicas, como os prosélitos, para se tornarem
judeus.
Lucas
relata: "Quando foi sábado, saímos da cidade para junto do rio, onde nos
pareceu haver um lugar de oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que
para ali tinham concorrido. Certa mulher chamada Lídia, da cidade de Tiatira,
vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o
coração para atender às cousas que Paulo dizia" (At 16.13,14).
Aqui temos
o que biblicamente denominamos de novo nascimento ou conversão de Lídia. Uma
obra do Espírito de Deus. O verbo grego dih/noicen (abriu) está no aoristo e
significa que ali houve uma ação completa e definitiva do Espírito Santo.
Durante a pregação de Paulo Lídia "escutava" e o seu coração foi
"aberto" para que atendesse.
É
necessário que a intervenção divina, que torna o homem natural receptivo para
com a Palavra de Deus, anteceda o ouvir com proveito a pregação do evangelho.
"Deus concedeu a Lídia um coração receptivo para compreender coisas
espirituais. Ele deu a ela o dom da fé e a iluminação do Espírito Santo"
(7). E como resultado desta conversão o Senhor Deus salvou, pela
instrumentalidade de Lídia, e principalmente de Paulo, toda a família dela (At
16.15).
A Cura
de uma Jovem Adivinhadora e a Salvação dos Presos
Quando
Paulo e seus amigos seguiam para o lugar de oração, eis que saiu ao encontro
deles "uma jovem possessa de espírito adivinhador" (At 16.16). Era
uma escrava de Satanás e de seus senhores. Após perturbar por muitos dias os
missionários do Senhor, Paulo, já indignado, expulsou o espírito malígno que
nela havia.
Isto
bastou para que os senhores daquela jovem se juntassem e os lançassem no
cárcere, mas não sem antes os levarem diante das autoridades e insuflarem o
povo contra eles para que fossem açoitados. Entretanto, se Satanás pensou que
estivesse frustrando o trabalho de Deus naquela cidade, ele se enganou
profundamente, pois jamais imaginava que a obra de Deus ali estava por começar.
É na
prisão de Filipos que encontramos uma das mais belas cenas do testemunho
cristão. "Por volta da meia-noite, Paulo e Silas oravam e cantavam
louvores a Deus, e os demais companheiros de prisão escutavam" (At 16.25).
Paulo e Silas não somente glorificavam a Deus e se edificavam e fortaleciam a
si mesmos orando e cantando, mas também davam bom testemunho, além de servirem
como fonte de encorajamento para os presos que ouviam suas orações e hinos.
O verbo
e\phkrow=nto (3ª p. pl. imperf. médio de a)kou/w = ouvir) indica que enquanto
os missionários oravam e cantavam hinos de louvores a Deus, por um período
indefinido de tempo, os outros prisioneiros ouviam prazerosa e atentamente.
A atitude
incomum de Paulo e Silas de orarem e cantarem louvores a Deus na prisão e o
terremoto súbito que abriu as portas do cárcere soltando as cadeias de todos,
foram os meios utilizados pelo Espírito Santo para salvar aqueles prisioneiros.
A prova de que eles realmente foram salvos está no fato de não fugirem (v28) após
o terremoto do verso 26.
A
Conversão do Carcereiro
Outro
exemplo fabuloso do extraordinário alcance do evangelho em Filipos foi a
conversão do carcereiro. "O carcereiro despertou do sono e, vendo abertas
as portas do cárcere, puxando da espada, ia suicidar-se, supondo que os presos
tivessem fugido" (At 16.27). Aquele terremoto, as portas do cárcere
abertas e principalmente a "ausência" dos presos levaram o carcereiro
ao desespero. Ele ia se suicidar.
Com
certeza pretendia antecipar a injusta condenação romana (a morte por
decapitação) que certamente cairia sobre ele. "Mas Paulo bradou em alta
voz: Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos!" (v28). E neste
episódio todo, o que realmente importa é uma pergunta e uma resposta. O carcereiro
pergunta a Paulo e Silas: "Senhores, que devo fazer para que seja
salvo?" (v30).
swqw= é o
aoristo passivo subjuntivo de s%/zw (salvar). "O aoristo indica a
totalidade da salvação do carcereiro, o passivo implica que Deus é o agente, e
o subjuntivo denota o pedido cortês do carcereiro" (8). O contexto
anterior e posterior da pergunta do carcereiro mostra que seu desejo de ser
salvo era tão somente por salvação eterna.
A resposta
de Paulo e Silas implica que eles dois entenderam o tipo de salvação que o
carcereiro buscava. "Responderam-lhe: Crê no Senhor Jesus, e serás salvo,
tu e tua casa" (v31). Se o carcereiro verdadeiramente direcionasse a sua
fé para o Senhor Jesus, conforme sugere a preposição e/pi/, a salvação dele e
de sua família estaria definitivamente garantida, pois a expressão grega
swqh/s$ su/ kai/ o/ oi/=ko/j sou é regida por um verbo no futuro (swqh/s$). Na
língua grega o futuro é definido.
A dádiva
oferecida ao carcereiro também seria concedida à totalidade da sua casa (kai/
o/ oi/=ko/j sou). Diz Marshall:
O Novo
Testamento leva a sério a união da família, e quando a salvação se oferece ao
chefe de um lar, torna-se logicamente disponível ao restante do grupo familiar
(inclusive dependentes e servos) também (cf. 16.15). A oferta, porém, segue as
mesmas condições: devem ouvir a Palavra também (16.32), crer e ser batizados; a
fé do próprio carcereiro não dá cobertura a todos eles (9).
As
conversões relatadas no capítulo 16 de Atos são alguns exemplos de que a obra
missionária só é bem sucedida quando o Espírito Santo vocaciona, capacita e
envia Seus obreiros, além é claro, de preparar o caminho para eles. Assim
acontece dentro do livro de Atos e não pode ser diferente fora dele.
Abril/2000
AUTOR DESCONHECIDO
(não me responsabilizo pela posição e/ou leitura teológica do autor)
NOTAS:
1. Ásia,
Mísia e Bitínia. De acordo com Simon J. Kistemaker (New Testament Commentary:
Exposition of the Acts of the Apostles, pp. 582-84), a Ásia de Atos 16.6 seria
a província da Ásia (parte ocidental da Turquia); Mísia e Bitínia regiões da Ásia
Menor.
2. R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo, p.
329.
3. S. J. Kistemaker, Op. Cit., p. 584.
4. O Espírito Santo é soberano mas não age por capricho, Ele não faz as coisas
simplesmente por fazer. Ele sabe o que faz e porque faz. E isto, com certeza,
seria uma lição que Paulo e seus companheiros jamais haveriam de esquecer.
"Assim que (Paulo) teve a visão, imediatamente procuramos partir para
aquele destino (a Macedônia), concluindo que Deus nos havia chamado para lhes
anunciar o evangelho" (At 16.10).
5. Que estas regiões (a província da Ásia e Bitínia) não seriam definitivamente
preteridas pelo Espírito Santo, conclui-se de passagens como At 19.10 e I Pe
1.1.
6. Para o significado e emprego da púrpura nos tempos bíblicos, veja R. A.
Cole, Cores em O
Novo Dicionário da Bíblia, Vol. II, pp. 324,5.
7. Cf. S. J. Kistemaker, Op. Cit., p. 591.
8. Kistemaker, Op. Cit., p. 601.
9. I. H. Marshall, Atos: Introdução e Comentário, p. 258.
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