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terça-feira, 20 de junho de 2017

REFLEXÃO 350 - A NOVA COSMOLOGIA NO PARADIGMA ECOLÓGICO

A NOVA COSMOLOGIA NO PARADIGMA ECOLÓGICO


Outra mudança fundamental na virada ecológica de Leonardo Boff é a transformação produzida pela nova cosmologia. Apesar de a cosmologia aparecer na descrição deste trabalho depois da concepção geral de Deus e da antropologia, deve-se observar que, para Leonardo Boff, no paradigma ecológico, foi a mudança cosmológica que propiciou a virada, ampliando ainda mais a reflexão sobre Deus e seu Mistério salvífico e sendo crítica assaz do antropocentrismo.
No texto “Refundação da dignidade humana a partir da nova cosmologia” (palestra em janeiro de 1992), ele diz:
Até agora temos trabalhado com uma cosmovisão clássica, aquela fundamentalmente ligada a Newton e à fenomenologia moderna. Refletimos a partir da consciência e do que nela se manifesta em termos de relações que se enquadram no espaço, no tempo e na interioridade humana. Mais e mais, porém, se está impondo uma nova cosmologia (grifo nosso) baseada na mecânica quântica, na nova biologia e na psicologia transpessoal. Esta visão se remonta às partículas subatômicas e às energias originais que subjazem a todo o universo.


Neste texto, Leonardo aponta para uma questão interessante que tem sido refletida aqui nas suas continuidades e descontinuidades. Ele diz que esta nova cosmovisão confirma as idéias produzidas pela reflexão em vários campos como: a antropologia, a teologia, as ciências políticas. Boff se refere às questões tratadas, na primeira parte do texto, sobre a dignidade humana, os direitos humanos no contexto latino-americano. O texto faz uma ponte entre dois enfoques que se encontram: teologia da libertação e paradigma ecológico. Seria uma interpretação muito simplista considerar que, só após o paradigma ecológico, Leonardo começou a perceber as repercussões físicas, biológicas no âmbito filosófico e teológico. Basta lembrar o livro O evangelho do Cristo cósmico (1971). Porém, mais uma vez, insiste-se em afirmar aqui que o eixo de sua reflexão, com a mudança, ganha outro acento.

O aprofundamento do tema cosmológico aparecerá em quase todos os livros a partir de 1993: Ecologia, Mundialização, Espiritualidade, , Nova Era, Princípio-terra, Dignitas terrae, A águia e a galinha, O despertar da águia, Saber cuidar, Ética da Vida e A voz do arco-íris, Ethos Mundial, Tempo de Transcendência e Princípio de Compaixão e Cuidado.

Numa formulação mais sintética, Leonardo apresenta os elementos principais da nova cosmologia, “uma rede de implicações inter-retro-conectadas” que abrem uma nova compreensão da vida, de Deus, do ser humano, de tudo:

há um todo dinâmico e orgânico constituindo um sistema aberto. [...] O todo é uno e dinâmico, mas contém uma diversidade inimaginável de seres e de energias. [...] Os seres, energias e as ordens são interdependentes. [...] A interdependência revela a cooperação de todos com todos. [...] Tal interdependência e cooperação faz que todos se complementem uns aos outros. [...] Essa mutualidade e reciprocidade de todos com todos garante a sustentabilidade dos sistemas e de seus representantes. [...] A evolução jamais é só adaptação de todos com todos dentro dos ecossistemas, mas é também troca de informações e aprendizado [...] A materia e todas as coisas são portadoras não apenas de massa e de energia mas também de informação porque estão permanentemente em interação em processos de troca, assimilação, rejeição, composição e aprendizagem. [...] O todo revela próposito. [...] essa projeção nos obriga a pensar a realidade não como uma máquina mas como um organismo vivo, não como blocos estanques, mas como sistemas abertos e em redes de relação.

Essa nova cosmologia propicia nova base para o seu pensar teológico. Assim, Deus, cristologia, antropologia, relações sócio-políticas, ética, espiritualidade, religião são refletidos a partir deste novo horizonte: aberto, dinâmico, inter-relacionado, solidário, que busca um sentido para sua realização.
No texto “Deus na perspectiva da moderna cosmologia” , de 1994, Boff critica as antigas metáforas cosmológicas - pirâmide (no mundo antigo) e relógio (mundo moderno) - e apresenta a metáfora ecológica: a dança ou o jogo. Ele diz que

Somos ainda vastamente reféns da cosmologia antiga, porque dentro dela se escreveram as Escrituras e se definiram os principais marcos doutrinários do cristianismo fundacional. Devemos, porém, relativizar tais inculturações. Importa ganharmos autonomia suficiente para projetarmos outras, conaturais ao tempo que nos cabe viver. Devemos fazer o que os autores do Gênesis fizeram: expressaram a fé na criação nas categorias da cosmologia médio-oriental vigente naquele tempo. A nós cabe fazê-lo dentro das categorias de nossa atualidade cosmológica.

Desta cosmologia surge a confirmação da concepção trinitária de Deus: um Deus que, transbordando de amor, cria o ser humano como espelho de Si, mas altero de Si; como Filho, que cosmicamente partilha da plenitude divina e da plenitude criatural; como Espírito, cuja “energia cósmica e transcósmica [...] tudo penetra, move, unifica, embeleza, ordena, dinamiza e faz convergir”. As bases teológicas de Teilhard de Chardin estão mais do que presentes nesta nova cosmologia.
Antropologicamente, destaca-se a idéia de nó de relações à crítica ao antropocentrismo, à consciência de que se vive numa mesma nave, sendo que todos são responsáveis por todos e por tudo, o tempo todo.

Tal consciência planetária e a necessidade de todos lutarem por uma civilização planetária, produz um novo ethos mundial e propugna uma democracia cósmica. E esta cosmologia, ao provocar tais anseios, cria também as condições para o encontro das religiões, desafiando-as a assumirem o significado “eco-cosmológico” de seu conceito: re-ligar, gerar a re-ligação de tudo e de todos, numa espiritualidade, numa mística integradora, sintrópica e sinérgica.


Percebe-se, portanto, quão significativa é, para o paradigma ecológico, a mudança cosmológica, que transcende o antigo significado de “visão de mundo”, incluindo e expressando um sentido teoantropocósmico.


AUTOR DESCONHECIDO

(Não nos responsabilizamos pelo conteúdo teológico deste material)


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