A NOVA COSMOLOGIA NO PARADIGMA ECOLÓGICO
Outra mudança fundamental na virada
ecológica de Leonardo Boff é a transformação produzida pela nova cosmologia.
Apesar de a cosmologia aparecer na descrição deste trabalho depois da concepção
geral de Deus e da antropologia, deve-se observar que, para Leonardo Boff, no
paradigma ecológico, foi a mudança cosmológica que propiciou a virada,
ampliando ainda mais a reflexão sobre Deus e seu Mistério salvífico e sendo
crítica assaz do antropocentrismo.
No texto “Refundação da dignidade humana a partir da nova cosmologia” (palestra em janeiro de 1992), ele diz:
No texto “Refundação da dignidade humana a partir da nova cosmologia” (palestra em janeiro de 1992), ele diz:
Até agora temos trabalhado com uma
cosmovisão clássica, aquela fundamentalmente ligada a Newton e à fenomenologia
moderna. Refletimos a partir da consciência e do que nela se manifesta em
termos de relações que se enquadram no espaço, no tempo e na interioridade
humana. Mais e mais, porém, se está impondo uma nova cosmologia (grifo nosso)
baseada na mecânica quântica, na nova biologia e na psicologia transpessoal.
Esta visão se remonta às partículas subatômicas e às energias originais que
subjazem a todo o universo.
Neste texto, Leonardo aponta para uma
questão interessante que tem sido refletida aqui nas suas continuidades e
descontinuidades. Ele diz que esta nova cosmovisão confirma as idéias
produzidas pela reflexão em vários campos como: a antropologia, a teologia, as
ciências políticas. Boff se refere às questões tratadas, na primeira parte do
texto, sobre a dignidade humana, os direitos humanos no contexto
latino-americano. O texto faz uma ponte entre dois enfoques que se encontram:
teologia da libertação e paradigma ecológico. Seria uma interpretação muito
simplista considerar que, só após o paradigma ecológico, Leonardo começou a
perceber as repercussões físicas, biológicas no âmbito filosófico e teológico.
Basta lembrar o livro O evangelho do Cristo cósmico (1971). Porém, mais uma
vez, insiste-se em afirmar aqui que o eixo de sua reflexão, com a mudança,
ganha outro acento.
O aprofundamento do tema cosmológico
aparecerá em quase todos os livros a partir de 1993: Ecologia, Mundialização,
Espiritualidade, , Nova Era, Princípio-terra, Dignitas terrae, A águia e a
galinha, O despertar da águia, Saber cuidar, Ética da Vida e A voz do
arco-íris, Ethos Mundial, Tempo de Transcendência e Princípio de Compaixão e
Cuidado.
Numa formulação mais sintética,
Leonardo apresenta os elementos principais da nova cosmologia, “uma rede de
implicações inter-retro-conectadas” que abrem uma nova compreensão da vida, de
Deus, do ser humano, de tudo:
há um todo dinâmico e orgânico
constituindo um sistema aberto. [...] O todo é uno e dinâmico, mas contém uma
diversidade inimaginável de seres e de energias. [...] Os seres, energias e as
ordens são interdependentes. [...] A interdependência revela a cooperação de
todos com todos. [...] Tal interdependência e cooperação faz que todos se
complementem uns aos outros. [...] Essa mutualidade e reciprocidade de todos
com todos garante a sustentabilidade dos sistemas e de seus representantes.
[...] A evolução jamais é só adaptação de todos com todos dentro dos
ecossistemas, mas é também troca de informações e aprendizado [...] A materia e
todas as coisas são portadoras não apenas de massa e de energia mas também de
informação porque estão permanentemente em interação em processos de troca,
assimilação, rejeição, composição e aprendizagem. [...] O todo revela
próposito. [...] essa projeção nos obriga a pensar a realidade não como uma
máquina mas como um organismo vivo, não como blocos estanques, mas como
sistemas abertos e em redes de relação.
Essa nova cosmologia propicia nova base
para o seu pensar teológico. Assim, Deus, cristologia, antropologia, relações
sócio-políticas, ética, espiritualidade, religião são refletidos a partir deste
novo horizonte: aberto, dinâmico, inter-relacionado, solidário, que busca um
sentido para sua realização.
No texto “Deus na perspectiva da moderna cosmologia” , de 1994, Boff critica as antigas metáforas cosmológicas - pirâmide (no mundo antigo) e relógio (mundo moderno) - e apresenta a metáfora ecológica: a dança ou o jogo. Ele diz que
No texto “Deus na perspectiva da moderna cosmologia” , de 1994, Boff critica as antigas metáforas cosmológicas - pirâmide (no mundo antigo) e relógio (mundo moderno) - e apresenta a metáfora ecológica: a dança ou o jogo. Ele diz que
Somos ainda vastamente reféns da
cosmologia antiga, porque dentro dela se escreveram as Escrituras e se
definiram os principais marcos doutrinários do cristianismo fundacional.
Devemos, porém, relativizar tais inculturações. Importa ganharmos autonomia
suficiente para projetarmos outras, conaturais ao tempo que nos cabe viver.
Devemos fazer o que os autores do Gênesis fizeram: expressaram a fé na criação
nas categorias da cosmologia médio-oriental vigente naquele tempo. A nós cabe
fazê-lo dentro das categorias de nossa atualidade cosmológica.
Desta cosmologia surge a confirmação da
concepção trinitária de Deus: um Deus que, transbordando de amor, cria o ser
humano como espelho de Si, mas altero de Si; como Filho, que cosmicamente
partilha da plenitude divina e da plenitude criatural; como Espírito, cuja
“energia cósmica e transcósmica [...] tudo penetra, move, unifica, embeleza,
ordena, dinamiza e faz convergir”. As bases teológicas de Teilhard de Chardin
estão mais do que presentes nesta nova cosmologia.
Antropologicamente, destaca-se a idéia
de nó de relações à crítica ao antropocentrismo, à consciência de que se vive
numa mesma nave, sendo que todos são responsáveis por todos e por tudo, o tempo
todo.
Tal consciência planetária e a
necessidade de todos lutarem por uma civilização planetária, produz um novo
ethos mundial e propugna uma democracia cósmica. E esta cosmologia, ao provocar
tais anseios, cria também as condições para o encontro das religiões,
desafiando-as a assumirem o significado “eco-cosmológico” de seu conceito:
re-ligar, gerar a re-ligação de tudo e de todos, numa espiritualidade, numa
mística integradora, sintrópica e sinérgica.
Percebe-se, portanto, quão
significativa é, para o paradigma ecológico, a mudança cosmológica, que
transcende o antigo significado de “visão de mundo”, incluindo e expressando um
sentido teoantropocósmico.
AUTOR DESCONHECIDO
(Não nos responsabilizamos pelo conteúdo teológico deste material)
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