A origem de Satanás
Abra qualquer número de obras de referência
bíblica usadas comumente e olhe para o verbete "Satanás". Você
encontrará, provavelmente, uma história familiar. Eu cito, como típico, o
Complete Bible Handbook (Manual Completo da Bíblia), de L. O. Richards:
"O Velho Testamento indica que Satanás
foi criado por Deus como um anjo governante chamado Lúcifer, com grandes
poderes. Mas o orgulho levou Lúcifer a se rebelar contra Deus (conforme Isaías
14:12-14; Ezequiel 28:12-15). Torcido agora pelo pecado, Lúcifer é transformado
em Satanás, que quer dizer `inimigo´ ou `adversário´ ...Satanás é um poderoso
anjo decaído, intensamente hostil a Deus e antagonista do povo de Deus."
(páginas 245, 801).
Pergunte à maioria das pessoas que crêem na
Bíblia de onde veio Satanás e nove entre dez lhe darão uma versão da história
citada acima. A idéia de que Satanás é um anjo decaído a quem Deus expulsou do
céu e que caiu na terra é tão espalhada que muitas pessoas acreditam que a
Bíblia a ensina.
Pode surpreendê-lo descobrir que a Bíblia
não ensina tal coisa. É certo que há passagens na Bíblia que falam de seres
caindo do céu, mas não são sobre Satanás e usam linguagem figurativa. Somente
por uma leitura descuidada destes textos pode alguém chegar à história popular
relativa à origem de Satanás. Examinemos as passagens bíblicas relevantes, no
contexto.
Quem é Satanás?
O nome "Satanás" é uma
transliteração do hebraico satan, indicando um acusador no sentido legal, um
queixoso que tem uma acusação a apresentar. Em Zacarias 3:1 lemos "Deus me
mostrou o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do SENHOR, e
Satanás estava à mão direita dele, para se lhe opor." Numa palavra,
Satanás se opõe a nós, trabalha contra nós, ou "nos persegue", na
tentativa de nos derrotar espiritual e moralmente. Jesus chamou-o homicida e
mentiroso, em João 8:44. Em Apocalipse 12:9, João retrata Satanás como um
grande dragão, uma representação que ressalta sua terrível natureza. Esse mesmo
versículo identifica-o como a serpente (uma referência a Gênesis 3) e como o
diabo, que é outro nome bíblico comum para ele. Talvez 1 Pedro 5:8 nos diga o
que mais precisamos saber a respeito dele: "O diabo, vosso adversário,
anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar".
A ênfase bíblica está no que Satanás é em
relação conosco (um inimigo). Algumas pessoas, contudo, pensam que certos
textos bíblicos vão mais além e nos dizem como Satanás veio a se tornar assim.
Examinemos estes textos cuidadosamente.
Isaías 14:12-14
Esta passagem diz: "Como caíste do
céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que
debilitavas as nações! Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das
estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei,
nas extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens, e serei
semelhante ao Altíssimo." Você notará imediatamente que esta passagem não
menciona Satanás por nenhum de seus nomes bíblicos comuns. Pode-se extrair
deste texto uma teoria da origem de Satanás somente assumindo que esta passagem
descreve-o, e ignorando o contexto desta passagem na mensagem de Isaías.
Isaías não estava discutindo Satanás em
Isaías 14, nem a origem de Satanás de modo nenhum faz parte desta mensagem do
profeta. Se dissermos que este texto é sobre a origem de Satanás, isso
simplesmente torna sem sentido o contexto mais amplo. Isaías profetizou durante
os reinados dos reis hebreus Uzias, Jotão, Acaz, e Ezequias (Isaías 1:1). Seu
ministério abrangeu (aproximadamente) os anos 750 - 686 a .C., uns 65 anos, no
máximo. Este foi um tempo quando o povo de Deus tinha se tornado corrompido
pela idolatria. Deus enviou Isaías para pregar o arrependimento ao seu povo e
para adverti-lo de que um fracasso em voltar-se da idolatria significaria
desastre em escala nacional. Isaías pregou a ambos os reinos de Israel e Judá,
cumprindo sua missão dizendo aos povos desses reinos que eles sofreriam
terrivelmente se recusassem arrepender-se. Isaías 10:5-6 resume a mensagem ao
reino do norte. Há linguagem semelhante (13:3-6) reservada para o reino do sul,
o reino contra o qual Deus enviaria os babilônios.
A mensagem de Isaías não era completamente
de desânimo e condenação. Os assírios e os babilônios, ele pregou, eram
simplesmente instrumentos que Deus usaria para punir o seu povo. Uma vez que
Deus tivesse usado essas nações para seus propósitos, Ele se voltaria e
aplicaria seu julgamento sobre eles, pela impiedade deles próprios. É uma
mensagem da soberania de Deus em ação que causa reverência e temor nos
ouvintes. A Babilônia cairia, e depois disso Deus renovaria e reuniria seu povo
e lhes daria uma gloriosa e nova existência. Isaías 14 é sobre a queda do
império babilônico. Isaías diz aos habitantes do reino sulista de Judá que,
depois que eles tivessem sofrido o castigo, viria o dia quando eles poderiam
ver a queda de seu opressor e escarnecer de Babilônia do modo como esta tinha
escarnecido de Judá. Veja os versículos 4 e seguintes. Isto é sobre Babilônia.
Ora, porque Isaías começaria o capítulo
falando sobre a queda de Babilônia, interromperia com uma descrição da origem
de Satanás, e então recomeçaria a falar sobre a queda de Babilônia?
Simplesmente não faz qualquer sentido aqui no contexto ver 14:12-14 como sendo
sobre a origem de Satanás. O fato é que Isaías estava descrevendo para povo de
Judá o que eles estariam dizendo quando zombassem do rei de Babilônia que tinha
sido rebaixado e decaído do poder (versículo 4). As mesas virariam, e Isaías
está descrevendo a ironia de tudo isso. Até mesmo a leitura corrida da passagem
revela que a linguagem aqui é poética e figurativa, e temos que tratá-la de
acordo. "Céu" no versículo 12 é linguagem figurativa para o que é
alto e exaltado, e Isaías está aqui descrevendo a alta consideração em que o
rei de Babilônia era tido. O profeta descreve sua queda do poder
figurativamente, como uma queda do céu. Então ele chama o rei de Babilônia,
também usando linguagem figurada, a "estrela da manhã". Na sua
glória, durante algm tempo, o soberano de Babilônia era como uma estrela
brilhante no céu. Contudo, seu reinado e seu poder cairiam, e, mantendo as
imagens, Isaías pinta sua extinção como uma estrela cadente.
Parte da incompreensão popular desta
passagem resulta do aparecimento da palavra "Lúcifer" em algumas
versões do versículo 12. A
palavra hebraica em questão aqui é helel, que significa "estrela da
manhã" e não tem nenhuma ligação com Satanás. "Lúcifer" é uma
velha palavra latina que originalmente significava "portador da luz"
e era o nome do planeta Vênus sempre que aparecia no céu matinal. Na época que
esta palavra foi usada nas traduções deste versículo, "Lúcifer" não
significava Satanás. Infelizmente, para muitas pessoas, hoje em dia, Lúcifer é
o nome de Satanás (porque Isaías 14:12-14 é aceito como sendo sobre Satanás!).
Não é porque os tradutores erraram, mas porque pessoas de tempos posteriores,
ou esqueceram o que Lúcifer significava ou concluíram erradamente que era o
nome de Satanás, ou ambos.
Isaías 14:13 recita a jactância arrogante
do rei babilônico. Certa vez ele pensou que era o maior do mundo, que tinha
poder e autoridade igual à do próprio Deus. Uma das características do retrato
profético de Babilônia é seu grande orgulho. Contudo, Deus rebaixaria seu rei
ao mais baixo nível imaginável para a mente hebraica: o Sheol, o reino dos
mortos (versículo 15). Os versículos 9-11 descrevem como os habitantes do Sheol
ficariam surpresos porque alguém que pensava ser tão "alto" estava
agora entre eles, num lugar tão "baixo". O ponto é que o rei
babilônico foi do extremo da exaltação mundana para a extrema humilhação, e
isto era um feito de Deus, o julgamento de Deus. A coisa toda é um quadro, uma
imagem, e não uma narrativa histórica literal. A ênfase está no contraste entre
as condições do soberano babilônico "antes" e "depois". As
pessoas, então, olhariam para o fracasso do rei babilônico e perguntariam:
"É este o homem que fazia a terra tremer, que sacudia reinos, que fazia do
mundo um deserto, derrubava suas cidades, que não permitia aos seus
prisioneiros voltar para casa?" (versículos 16-17).
Você vê, então, que quando examinamos
Isaías 14:12-14 em seu contexto, ele não nos diz nada sobre a origem de
Satanás. É uma descrição figurativa da queda do rei de Babilônia.
Ezequiel 28:12-16
Outra suposta passagem sobre a origem de
Satanás é Ezequiel 28:12-16, onde se lê: "... Assim diz o SENHOR Deus: Tu
és o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e formosura. Estavas no Éden,
jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te cobrias: o sárdio, o topázio, o
diamante, o berilo, o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo e a esmeralda; de
ouro se fizeram os engastes e os ornamentos; no dia em que foste criado, foram
eles preparados. Tu eras querubim da guarda ungido, e te estabeleci; permanecias
no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas. Perfeito eras nos teus
caminhos, desde o dia em que foste criado até que se achou iniqüidade em ti. Na multiplicação do teu
comércio, se encheu o teu interior de violência, e pecaste; pelo que te
lançarei profanado fora do monte de Deus, e te farei perecer, ó querubim da
guarda, em meio ao brilho das pedras."
A referência ao Éden é, para muitos, um
indicador seguro de que esta passagem tem que ser sobre a origem de Satanás.
Não importa que Satanás já fosse o inimigo do homem no Éden! Mas, novamente, é
somente aceitando que esta passagem é sobre Satanás (a própria coisa que
precisa ser provada) que podemos lê-la desse modo. O contexto aqui argumenta em
outra direção.
As palavras de Ezequiel aqui dizem respeito
ao rei de Tiro. Os versículos 1 e 11 tornam isto claro. O capítulo 27 é sobre a
queda da nação, e o capítulo 28 é especialmente sobre a queda do rei dessa
nação. Prestar um pouco de atenção ao contexto esclarece muito! Exatamente como
na passagem de Isaías, tomar as palavras do profeta como descritivas de Satanás
e sua "queda" é fazer deste capítulo um completo contra-senso.
Aqui a mensagem está em duas partes, mas
cada uma delas apresenta a mesma mensagem. Os versículos 1-10 descrevem o rei de
Tiro do ponto de vista de Deus. Como o rei de Babilônia, o rei de Tiro era
orgulhoso, arrogante e jactancioso. Ele se achava divino, e assim declarava ter
uma glória que não lhe pertencia (versículos 2,6,9). O profeta descreve
sarcasticamente a grandeza do monarca nos versículos 3-5. Pela sua arrogância,
o orgulhoso rei colherá o julgamento de Deus. O julgamento sobre ele é que Deus
o abaterá (versículos 7-10). Os versículos 11-19 repetem esta mensagem. O
retrato sarcástico que o profeta faz do rei reaparece nos versículos 12-16. O
aumento no nível de imagens e figuras na linguagem aumenta o sarcasmo. O rei
pensava de si mesmo em termos absolutamente altos, mas para Deus isto era pura
loucura. A referência ao Éden no versículo 13 não é literal, mas significa que
o rei imaginava-se privilegiado acima de todos os outros. Ele pensava que era
especial, como querubim ungido de Deus ou como algém que vivesse na própria
montanha de Deus (versículo 14). Ele se retratava nos termos mais gloriosos.
Pela sua arrogância, Deus o julgaria severamente (versículos 16-19). Novamente,
portanto, quando lemos esta passagem no seu contexto, vemos que não tem nada a
ver com a origem de Satanás.
Lucas 10:18
Em Lucas 10:18, Jesus diz: "Eu via
Satanás caindo do céu como um relâmpago." Aqueles que pensam que Satanás é
um anjo rebelde decaído acreditam que este versículo estabelece o assunto
convincentemente. Contudo, de novo, precisamos olhar para esta afirmação no seu
contexto.
Em Lucas 10:1 e seguintes, Jesus tinha
enviado setenta discípulos numa missão de pregação. Realmente, era mais do que
apenas uma missão de pregação, pois Jesus também os enviou para curar e
expulsar demônios (versículos 9,17). É importante entender exatamente o que
estes setenta discípulos cumpriram e o que o próprio Jesus cumpriu em seu
ministério. Enquanto Jesus estava nesta terra, ele guerreou contra o reino de
Satanás. Antes que Jesus pudesse estabelecer seu reino (o reino de Deus), ele
tinha que invadir o território do inimigo, vencê-lo e tornar o inimigo (Satanás)
impotente e fraco. Isto ele fez pregando o evangelho e demonstrando
visivelmente seu poder. As curas miraculosas, e especialmente a expulsão de
demônios, não eram atos casuais de bondade; elas eram em vez disso assaltos
diretos sobre o reino de Satanás. Proclamando a "libertação dos
cativos" no evangelho (veja Lucas 4:18), Jesus estava proclamando a
derrota de Satanás e do pecado. Jesus veio libertar o homem do domínio de
Satanás, um domínio esumido em pecado e morte.
É no contexto desta guerra espiritual que
temos que entender os milagres associados com o ministério de Jesus e, mais
tarde, dos apóstolos. Os milagres associados eram físicos, demonstrações
visíveis, exemplos, ilustrações do que Jesus pode fazer pelos homens
espiritualmente. Em nenhum lugar isto fica mais claro do que na expulsão de
demônios. A possessão por demônios era uma manifestação óbvia do domínio de
Satanás sobre pessoas. Que maior domínio sobre uma pessoa Satanás poderia ter
do que invadir seu corpo, através de um demônio, e comandar seus atos? Quando
Jesus expulsava demônios ele estava libertando pessoas da garra de Satanás, Ele
estava destruindo o domínio do Maligno sobre elas. Era uma demonstração
especialmente clara, ao nível físico, do poder do evangelho, e era uma ilustração
de como Jesus podia libertar os homens do reino de Satanás e pô-los sob o reino
de Deus.
O mesmo é verdade também quanto às curas
milagrosas de Cristo. Doença e morte eram manifestações do poder de Satanás
sobre o homem. Curando os doentes, Jesus estava livrando pessoas do poder de
morte exercido por Satanás, assim vencendo-o. Observe o que Jesus disse sobre a
mulher que tinha uma doença causada por um espírito em Lucas 13:16: "...
esta filha de Abraão, a quem Satanás trazia presa há dezoito anos" não deveria
ela ter sido libertada, no sábado? Jesus estava demonstrando, em suas curas
milagrosas, seu poder sobre Satanás, seu poder para livrar os homens do domínio
de Satanás. A cura era uma ilustração do que Jesus pode fazer por nós
espiritualmente, através do seu evangelho. Assim, não é coincidência que Mateus
ligue as atividades de pregar o evangelho e a cura dos doentes em Mateus 4:23:
"Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o
evangelho do reino e curando toda a sorte de doenças e enfermidades entre o
povo." Estas duas atividades iam juntas muito naturalmente.
Quando os setenta discípulos retornaram,
relataram seu grande sucesso a Jesus. regozijando porque "... os próprios
demônios se nos submetem pelo teu nome!" (Lucas 10:17). Jesus os havia
enviado como um exército para invadir o território de Satanás e guerrear. Sua
campanha tinha tido um tremendo sucesso. Satanás sofreu uma derrota com cada
demônio que eles expulsaram. Jesus respondeu com um reconhecimento: "Ele
lhes disse: Eu via a Satanás caindo do céu como um relâmpago. Eis aí vos dei
autoridade para pisardes serpentes e escorpiões, e sobre todo o poder do
inimigo, e nada absolutamente vos causará dano". (versículos 18-19).
Observe a menção de Jesus a "... sobre todo o poder do inimigo".
Satanás estava sendo derrotado no ministério de Jesus. Os setenta discípulos
tinham compartilhado esse ministério, e isso culminaria na maior vitória sobre
Satanás: a morte e a ressurreição de Cristo que decisivamente derrotaram o poder
de Satanás de pecado e morte, respectivamente. Assim, quando Jesus diz:
"... eu via a Satanás caindo do céu como um relâmpago", ele estava
descrevendo quão grandemente seu ministério estava derrotando o poder de
Satanás sobre os homens. O poder de Satanás não mais seria incontestável e
absoluto. Em sua obra, Cristo estava destruíndo o aparentemente invencível
poder do pecado e da morte. Em linguagem que relembra Isaías 14:12-14, Jesus
compara o poder anterior de Satanás a uma estrela, e essa estrela agora caiu.
Apocalipse 9:12 e Mateus 24:29 também usam a imagem de uma estrela cadente para
descrever a derrota do poder.
Portanto, novamente, o texto que alegamente
prova a origem do diabo não é sobre a origem de Satanás de modo nenhum. É
somente introduzindo tal idéia no texto que ele pode prestar algum serviço a
tal doutrina.
Apocalipse 12:7-9
Talvez a passagem mais popular quando se
fala sobre a origem de Satanás seja esta, Apocalipse 12:7-9. Ela diz:
"Houve peleja no céu. Miguel e os seus anjos pelejaram contra o dragão.
Também pelejaram o dragão e os seus anjos; todavia, não prevaleceram; nem mais
se achou no céu o lugar deles. E foi expulso o grande dragão, a antiga
serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi
atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos".
Quem quer que alguma vez tenha olhado para
o Apocalipse de João sabe que nele abundam estranhos símbolos. É somente pela
violência de tratar a linguagem simbólica literalmente, e por ignorar o
contexto, que podemos tirar uma história da origem de Satanás deste texto.
Apocalipse 12 é uma descrição simbólica das
circunstâncias espirituais que causaram e conduziram à perseguição que os
leitores de João enfrentaram. João escreveu o Apocalipse para dar aos seus
primeiros leitores uma visão de seu sofrimento, para vê-la num contexto mais
amplo. Eles foram apanhados numa tremenda luta entre Deus e Satanás. O diabo
estava tentando destruir a igreja, usando Roma como seu agente. João, assim, estava
dando aos seus leitores uma perspectiva de sua situação que poderia ajudá-los a
suportá-la. Como uma descrição simbólica e figurativa não devemos, certamente,
lê-la literalmente, nem devemos tratá-la como alguma espécie de narrativa
cronológica e histórica do que tinha acontecido.
Apocalipse 12 é admitida como uma passagem
difícil, mas os estudantes que vêem o livro do ponto de vista de seu contexto
histórico geralmente concordam que ele é sobre a vitória do povo de Deus e a
derrota de seu inimigo, Satanás. A primeira parte do capítulo (versículos 1-6)
apresenta diante de nós uma história de nascimento de uma criança do sexo
masculino que se torna o dominador das nações. Esta imagem representa Cristo (a
alusão ao Salmo messiânico, Salmo 2, em Apocalipse 12:5 confirma isto).
Contudo, um grande dragão (Satanás) imediatamente desafia seu aparecimento. O
aparecimento de Jesus desencadeia uma grande guerra espiritual (versículo 7). O
domínio de Satanás sobre a situação humana tinha, até agora, ficado indisputado.
Quando Cristo aparece, o poder de Satanás sobre o homem é efetivamente
destruído, e Satanás sofre uma derrota esmagadora (versículo 9). A história
básica que João apresenta aqui nos versículos 7 e seguintes é que Satanás
perdeu sua tentativa de ganhar domínio sobre a humanidade. Ee e suas forças não
são adversários para Deus e suas forças. Ele não pode derrotar Deus e seu
Filho. Numa grande destruição, Satanás é lançado abaixo, simbolizando sua
ruína.
Que Satanás tenha sido atirado à terra é,
eu penso, significativo. É uma mudança na frente de batalha. Desde que Satanás
não pôde derrotar Deus no reino espiritual, ele então volta sua atenção para o
reino físico, onde ele espera ser vitorioso. É a mesma batalha pelo domínio
espiritual sobre o homem, mas agora é uma batalha espiritual travada na terra.
Agora, em vez de tentar destruir o Filho de Deus (tentativa que fracassou), ele
tenta destruir o povo de Deus que vive na terra. Satanás inunda a terra com
suas mentiras, enganos, tentações, etc., em seu esforço para destruir o povo de
Deus, mas isto também fracassa (versículos 11,17).
Apocalipse 12:7-9 é sobre como Satanás
recebeu uma derrota esmagadora pelo aparecimento e obra de Jesus. João escreveu
isto para encorajar seus leitores que estavam sofrendo por causa do ataque de
Satanás através de um poder mundial perverso, Roma. Eles poderiam suportar se
soubessem que a vitória era deles. Conhecer a origem de Satanás não teria feito
nada para encorajá-los a perseverar sob provações severas.
Então, donde veio Satanás?
Se nenhuma das passagens que são comumente
citadas como relatos da origem de Satanás são realmente sobre sua origem, então
donde ele veio? Bem, não estou certo de que a Bíblia revela a resposta para nós
exatamente. Podemos ter uma curiosidade sobre o assunto, mas temos que não
permitir que tal curiosidade nos instigue a encontrar respostas que ali não se
encontrem.
O melhor que podemos fazer, eu penso, é
inferir umas poucas coisas sobre Satanás. Primeiro, somente Deus (o Altíssimo)
é incriado. Tudo o mais e todos no universo são criados. Portanto, Satanás é um
ser criado. A Bíblia, em nenhum lugar diz que ele é um ser eterno como Deus.
Segundo, a Bíblia atribui onipotência somente a Deus (o Soberano). Portanto,
Satanás não é um ser onipotente. Ainda que ele tenha grandes poderes, Deus
limita seu uso deles (conforme 1 Coríntios 10:13; Jó 1-2).
Terceiro, há seres que foram feitos e que
existem acima do nível humano. Podemos chamá-los seres espirituais por falta de
um termo melhor. Entre estes seres espirituais estão os anjos, mas estes
aparentemente não são os únicos tipos de seres espirituais (conforme Efésios
6:12; Apocalipse 4-5). A respeito desta ordem de seres, conhecemos mais sobre
anjos do que quaisquer outros. O quadro que obtemos pela palavra de Deus é que
seres espirituais são muito mais interessados em negócios da terra e, às vezes,
estão envolvidos neles. Por exemplo, anjos mediaram a Lei de Moisés (Gálatas
3:19), anjos anunciaram a ressurreição de Cristo (Mateus 28:5), e anjos
desejaram ver o cumprimento do plano de Deus de salvação (1 Pedro 1:12). Embora
isso possa ser uma especulação, também parece que seres espirituais, conquanto
sejam criados, não obstante não são ligados em sua existência às limitações de
tempo ou idade.
A Bíblia em lugar nenhum identifica Satanás
como um ser humano. Ele é, obviamente, um dos seres espirituais sobre os quais
lemos na Bíblia. Isto não quer dizer que Satanás seja um anjo. De fato, teria
sido muito fácil, em qualquer dos contextos e para qualquer dos escritores,
dizer que Satanás era um anjo, mas eles nunca o disseram. Ele é, não obstante,
um ser espiritual e a Bíblia o descreve como, entre outras coisas, "o
príncipe da potestade do ar" (Efésios 2:2). Vemos Satanás, pela primeira
vez, no Jardim do Éden (Gênesis 3), justo no começo da história humana, e ele
tem existido continuamente desde então.
Quinto, seres espirituais, como seres
humanos, têm livre arbítrio. Judas descreve o castigo dos anjos rebeldes no
versículo 6 de sua epístola, e Pedro fala de anjos pecando em 2 Pedro 2:4.
Portanto, Satanás se opõe a Deus porque ele decide fazê-lo. Deus certamente não
o criou para o mal ou como um ser mau, pois a Bíblia nos diz claramente que não
há mal associado com Deus (Tiago 1:13; 1 João 1:5).
Parece que o máximo que poderíamos dizer
sobre a origem de Satanás é que ele é um ser criado, mas espiritual, que
decidiu opor-se a Deus, e que ele recruta outros seres espirituais e seres
humanos em seus esforços. Mais do que isto é só especulação.
Conclusão
Num sentido muito significativo, não
importa de onde Satanás veio. A ênfase na Bíblia cai, em vez no que ele faz.
Não é como ele veio a existir que preocupa. É o fato que ele existe que nos
preocupa. Ele continua a trabalhar contra nós em sua tentativa de dominar a
humanidade, e para nós Jesus deixou a continuação da guerra. "Quanto ao
mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda
a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo;
porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne e sim contra os principados
e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais do mal, nas regiões celestes" (Efésios 6:10-12).
David McClister
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