IDENTIDADE 2020
SOLA SCRIPTURA (Somente
as Escrituras)
Hoje em nossa série Identidade 2020
iremos tratar do tema “Sola Scriptura”. O lema “Sola
Scriptura” ou “Somente as Escrituras” é a afirmação do reconhecimento da
inspiração, autoridade, suficiência, infalibilidade e inerrância das
Escrituras. Diante estas afirmações a respeito das Escrituras, isto é, da Bíblia
os reformadores passaram a defender que somente a Bíblia possuía autoridade
como regra de fé e prática para a vida da Igreja e de seus membros.
Os reformadores no século XVI
acreditavam que a autoridade das Escrituras não dependia da validação de
qualquer homem, nem mesmo da validação da igreja institucional. Em outras
palavras, os reformadores estavam dizendo que não era o testemunho de um homem,
o Papa, nem as tradições e nem o testemunho de uma igreja, os concílios, que
validavam as Escrituras, mas unicamente o testemunho do próprio Deus.
Esse conceito contrastava
diretamente com a teologia da Igreja Medieval. Naquela época a autoridade papal,
a tradição e as formulações dos concílios possuíam autoridade equiparável às
Escrituras. Mesmo sendo perseguidos, considerados hereges pela Igreja Medieval,
os reformadores continuaram afirmando que somente a Bíblia possuía autoridade
como regra de fé e prática, por ser ela a revelação especial de Deus e de sua
vontade ao homem.
Partindo do pressuposto de que somente as Escrituras, que hoje chamamos de Bíblia, é a única regra de fé e prática para a Igreja e seus membros, gostaria de fazer uma reflexão primeiro para compreendermos a dimensão do termo “As Escrituras” no contexto do Novo Testamento.
1 – A DIMENSÃO DO
TERMO “AS ESCRITURAS” NO N.T.
O apóstolo Paulo escrevendo a Timóteo
faz a seguinte afirmação a respeito da Bíblia.
16 Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a
repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, 17 para que o homem de Deus seja apto e plenamente
preparado para toda boa obra. (2 Timóteo 3.16,17)
Paulo diz a Timóteo “Toda a
Escritura é inspirada por Deus...”. A quais textos da Bíblia Paulo está se
referindo exatamente quando diz “Toda a Escritura”? Estaria Paulo se referindo
a toda a Bíblia como a conhecemos?
A Bíblia como nós a conhecemos hoje
só foi concluída por volta do ano 400 depois de Cristo. O Antigo Testamento já havia
sido concluído aproximadamente 450 anos antes de Cristo, mas os Evangelhos e as
Cartas Bíblicas foram escritos entre os anos 40 e 100 depois de Cristo. Por um
longo período partes dos Evangelhos e das Cartas Bíblicas circularam pelas
igrejas até serem reunidas e organizadas no século IV no Concílio de Nicéia,
onde se estabeleceu a ordem dos livros como ainda hoje é conservada.
Quando Paulo diz “Toda a Escritura”
ao jovem pastor Timóteo ele estava se referindo aos livros do Velho Testamento.
Paulo, assim também Pedro, João, Tiago certamente não imaginavam que suas
cartas seriam reconhecidas como inspiradas por Deus e que iriam se tornar parte
das Escrituras.
Nos dias de Jesus e dos apóstolos
somente o Velho Testamento era considerado inspirado por Deus e útil para o
ensino, para a repreensão, correção e instrução na justiça.
Pastor,
o senhor está dizendo que o Novo Testamento não é inspirado? De forma nenhuma.
O que estou dizendo é que o Novo Testamento é o Velho Testamento lido através
da ótica da cruz, portanto é o Velho Testamento atualizado e revisado pela
cruz. Por isso podemos afirmar como Paulo e estender sua afirmação também ao
Novo Testamento - “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a
repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem
de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (2 Tm 3.16,17).
Inspirados
por essa verdade, os reformadores concluíram que somente as Escrituras, Velho e
Novo Testamento possuíam autoridade para
determinar qualquer regra de fé e prática para a vida da Igreja e de seus
membros.
Contudo acredito que as igrejas aos
poucos abandonaram a Bíblia como única regra de fé e prática. Vou pontuar duas
causas que promoveram este abandono no me entender.
·
PRIMEIRA
CAUSA: A Não Separação da Igreja Espiritual da Igreja CNPJ
·
SEGUNDA
CAUSA: As Distorções Teológicas
PRIMEIRA CAUSA: A Não
Separação da Igreja Espiritual da Igreja CNPJ
Ao longo dos meus 20 anos de
pastorado tenho observado esta dificuldade e visto muitos irmãos sofrerem pela
incapacidade de fazermos a separação destas duas igrejas. A igreja estrutural e
a igreja pessoas (vidas).
Jesus Cristo não estabeleceu uma
igreja com CNPJ. Jesus não ordenou que construíssemos templos e nos organizássemos
ao redor deles. Tampouco os apóstolos nos ordenou que construíssemos templos e
nos organizássemos ao redor deles. Todo ensino de Jesus e dos apóstolos a
respeito da igreja e de seu funcionamento foi transmitido na perspectiva de
construirmos uma igreja espiritual, viva, dinâmica, constituída e organizada na
unidade do Espírito e não de uma igreja física, constituída através de um CNPJ
e organizada por meio de seus estatutos e regimentos internos.
A Bíblia não diz para construirmos
templos, mas também não diz que não podemos construir templos. Os templos em si
não são mal para a vida da igreja, pelo contrário podem ser grandes
facilitadores para o cumprimento de nossa missão. Contudo quando líderes e
liderados, pastores e membros não conseguem discernir a diferença entre a
igreja espiritual da igreja CNPJ correm o risco de amarem a igreja CNPJ e
rejeitarem a igreja espiritual, de servirem a igreja CNPJ e abandonarem a
igreja espiritual, errando completamente o alvo proposto por Jesus Cristo.
Quero apresentar dois problemas
quando não fazemos a separação da igreja espiritual da igreja CNPJ.
· O Primeiro Problema: Ocorre quando deixamos que a igreja
CNPJ que está sujeita as leis dos homens determinem nossas decisões como
igreja, aprisionando através de seus estatutos a liberdade do Espírito Santo,
dessa forma atrapalhando e impedindo que a igreja espiritual se desenvolva no vínculo
da paz promovido pelo Espírito de Deus. Quando isso ocorre certamente a Bíblia
já não é a única regra de fé e prática desta igreja. Os estatutos, os
regimentos internos e seus parágrafos falam mais alto do que a Bíblia, se
tornando como a Lei de Moisés que impedia os judeus de experimentarem a
liberdade do Espírito, verdade esta ensinada pelo apóstolo Paulo em sua segunda
carta aos Coríntios (2 Co 3.14-17).
A
igreja CNPJ deveria servir somente para tornar legal o encontro da igreja
espiritual. Seus estatutos, regimentos internos deveriam ser feitos apenas para
atender a lei civil, possibilitando a existência legal da igreja, mas jamais
poderiam determinar ou influenciar as decisões da igreja espiritual, pois estas
deveriam estar sujeitas somente aos ensinos de Jesus encontrados nas Sagradas
Escrituras.
A
igreja na era dos apóstolos e dos pais da igreja não possuía estatutos e
regimentos internos como hoje, nem mesmo continha todos os escritos bíblicos
que hoje temos do Novo Testamento.
· O Segundo Problema: Ocorre quando seus líderes se
apegam mais a igreja CNPJ do que a igreja espiritual. Eles trabalham arduamente
por seu desenvolvimento estrutural e organizacional, mas se esquecem da igreja
espiritual, que é a verdadeira igreja. Os membros dessa igreja se tornam apenas
números e meios para seus pastores, apóstolos e bispos alcançarem seus
objetivos pessoais. Normalmente estes líderes estão mais preocupados em
divulgar o nome de suas igrejas e tornar seus nomes grandes, do que em
pastorear as vidas daqueles que estão em suas igrejas. Eles não enxergam a
igreja espiritual, somente a igreja CNPJ.
Jesus
em João 10.12 chama estes líderes de mercenários, lobos vorazes que estão mais
preocupados com a igreja CNPJ e com o quanto arrecadam através dela, do que com
as vidas que se filiaram a elas.
A segunda causa que promoveu o
abandono das Escrituras como única regra de fé e prática foram às diversas
distorções teológicas ao longo dos anos.
SEGUNDA CAUSA: As
Distorções Teológicas
Muitas foram às distorções teológicas
enfrentadas pelo cristianismo ao longo dos anos. Essas distorções teológicas
sempre contribuíam para o abandono parcial e algumas vezes total das Escrituras
como única regra de fé e prática.
Algumas distorções teológicas
ocorreram quando algumas pessoas passaram a dar o mesmo valor que se dá as
Escrituras Sagradas as profecias, revelações e outras experiências místicas.
Esta é uma prática comum da Teologia
Gnóstica. O resultado desse erro teológico
foi o surgimento de diversas religiões, que se dizem cristãs, mas as teologias
apresentadas por elas não têm coerência com a Bíblia. Desse erro surgiu a seita
dos Mórmons, as Testemunhas de Jeová, a Congregação Cristã, os Adventistas e
outras seitas.
Muitas igrejas evangélicas hoje
influenciadas por esse mesmo erro teológico, dando valor igual ao das
Escrituras às profecias, revelações e outras experiências místicas tem pregado
um evangelho corrompido, distorcendo a verdade contida nas Escrituras para
sustentarem práticas como: urrar como leão, transferir unção, se apoderar
territorialmente do mundo espiritual, falar com demônios e deles aprender
estratégias de batalha espiritual, classificar pessoas como espirituais a
partir de seus dons, etc.
Outras distorções teológicas
ocorreram quando algumas pessoas passaram a ler a Bíblia através de uma lente única,
de um filtro somente, extraindo dela apenas aquilo que lhe agrada, que está em
acordo com sua ideologia de vida. A Bíblia precisa ser lida e compreendida a
partir de si mesma. A Bíblia não é um livro político, ideológico, filosófico e
nem mesmo religioso. A Bíblia é um livro que conta a história de um Deus Santo
que por amor aos homens construiu um caminho de salvação para a humanidade.
Este caminho exigia um sacrifício para que estes pudessem reencontrar com Ele e
assim se reencontrarem com a vida. No desenrolar de suas páginas ela vai
detalhando como este Deus amoroso construiu este caminho de sacrifício ao longo
da história da humanidade, com o fim de que todo ser humano possa conhecer este
caminho e encontrar a vida eterna. No ápice dessa história nos é revelado que
este Deus amoroso entregou seu Filho, Jesus Cristo como sacrifício para que
nossos pecados fossem perdoados e todos os que crerem Nele, Jesus Cristo tenham
vida eterna.
Quando a Bíblia é lida através de
uma lente política, ideológica, filosófica ou religiosa ela pode produzir erros
teológicos profundos e a uma produção teológica tendenciosa. Nos últimos anos
algumas teologias surgiram no meio cristão como fruto de uma leitura
tendenciosa e partidária. Entre elas:
· A Teologia da
Libertação - É uma
corrente teológica que parte da premissa de que o Evangelho exige dos
cristãos uma opção preferencial pelos pobres, libertando-os das injustiças
sociais. A Bíblia é lida através de uma lente socialista.
· A Teologia da Missão
Integral ou Missão Holística - Esta
alinhada com a Teologia da Libertação e ganhou força nos anos de 1980 com o teólogo
René Padilha através da publicação de seu livro “Missão Integral”. Ele Defende
que o homem precisa ser salvo espiritualmente e socialmente, não se pode
separar as duas ações, uma vez que o homem é espírito e matéria.
· A Teologia da
Prosperidade - Defende que a bênção financeira e uma vida bem-sucedida
socialmente é o desejo de Deus para todos os cristãos. Acreditam que uma fé
sustentada por um discurso positivo, somada a doações
para os ministérios da igreja irão fazer com que Deus aumente a riqueza
material do contribuinte fiel. É o oposto da teologia da libertação – Lente
capitalista.
· A Teologia Liberal ou Liberalismo Teológico
– É um movimento
teológico que tentou tornar a Bíblia aceitável cientificamente. A Bíblia é
lida como um livro escrito por homens e não por Deus. As ações divinas foram
diluídas da Bíblia. – Fruto do movimento iluminista.
· A Teologia
Relativista - Um movimento
recente que defende a não existência de uma verdade teológica absoluta. Para os
defensores deste movimento toda teologia é fruto de seu tempo e da cultura em
que estava inserida. Ela é construída a partir da compreensão bíblica, filosófica
e social de seus dias, buscando responder aos questionamentos do período em que
foi escrito. Portanto não serve para responder aos questionamentos de nossos
dias. – Fruto da cultura relativista de nossos dias.
Embora alguns dos
seguidores destas teologias continuem usando a Bíblia para defenderem suas posições
ou justificarem suas crenças, a Bíblia não compactua com essas distorções.
Talvez você esteja se perguntando: “Mas como eles encontram na Bíblia apoio
para suas heresias?” Isso acontece porque eles leem a Bíblia de forma
fragmentada, sem considerar toda sua lógica construtiva, buscando tão somente
defender suas posições.
Em meio a tantas
distorções teológicas penso que a exortação de Paulo a Timóteo se torna ainda
mais relevante para os nossos dias, pois estamos vendo a igreja abandonando o
lema “somente as Escrituras”, por falta de conhecimento da mesma, e se
agarrando a mitos e filosofias vãs. Diante esta verdade Paulo diz a Timóteo:
2 Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de
tempo, repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina. 3 Pois virá o tempo em que não suportarão
a sã doutrina; pelo contrário, sentindo coceira nos ouvidos, segundo os seus próprios
desejos juntarão mestres para si mesmos. 4 Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se
para os mitos. (2 Timóteo 4.2-4)
Acredito que o tempo citado por Paulo chegou. As
pessoas hoje não suportam a sã doutrina. Elas buscam um evangelho que agrade o
seu coração, que lhes façam sentir paz e que lhes dê a sensação de serem
poderosas e vencedoras. Buscam por um evangelho que lhes aceitem como são e estão
sem exigir mudanças; que lhes abracem sem esperar transformação; que as acolham
e aceitem passivamente a manutenção da prática de seus pecados como algo
normal. Elas preferem dar ouvidos aos
mitos a abraçarem a verdade. Nessa busca em agradarem aos seus próprios desejos
elas se propõem até mesmo a reescreverem a Bíblia, pois a consideram um livro
insuficiente e desatualizado para os nossos dias.
CONCLUSÃO
De acordo com a teologia
reformada, nenhuma voz, na igreja de Cristo, pode se elevar em igualdade ou
acima das Escrituras Sagradas. Somente as Escrituras é uma afirmação de que
somente ela tem a revelação que nos conduz a salvação, que nos reconcilia com Deus.
E ela afirma que essa salvação só é encontrada em Jesus Cristo.
Jesus Cristo é o cabeça da
igreja, e ele a governa segundo os preceitos estabelecidos nas Escrituras.
Nenhum líder, nenhuma denominação cristã, nenhum concílio, nenhum costume,
nenhuma tradição, nenhum estatuto, nenhum regimento interno tem valor normativo
para a igreja cristã. Somente a Bíblia o tem porque somente ela é INSPIRADA,
soprada por Deus; INERRANTE, sem erros; INFALÍVEL, é confiável;
AUTORITATIVA, possui autoridade; SUFICIENTE, possui o necessário
para o ensino, repreensão, correção e instrução na justiça.
Pr. Cornélio Póvoa de Oliveira
22/11/2020
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