A Bíblia em Português
A história da Bíblia em
português é cheia de lances dramáticos e tão antiga quanto a da Bíblia inglesa,
pois os primeiros ensaios de tradução datam dos tempos do rei Diniz
(1279-1325), antes mesmo de Wycliff.1 A primeira porção traduzida, foi
os vinte primeiros capítulos do Gênesis, da Vulgata Latina, pelo próprio rei D.
Diniz. Mas o Novo Testamento só mais tarde foi traduzido para o português,
talvez uns cinqüenta anos depois de Wycliff, quando D. João era rei (1385-1433),
o qual ordenou a tradução dos Evangelhos, dos Atos e das Cartas Paulinas,
trabalho que foi executado provavelmente por padres católicos e certamente da
Vulgata. A publicação das porções acima do Novo Testamento se adicionou o livro
de Salmos, traduzido pelo próprio rei.
Outras traduções, sem grande
importância para a história da Bíblia em português, seguiram-se. De acordo com
a tradição, a Infanta D. Filipa, filha do senhor Infante D. Pedro e neta do rei
D. João, traduziu os Evangelhos do francês. O frei cisterciense Bernardo de
Alcobaça traduziu o Evangelho de Mateus e parte dos outros, publicando seu
trabalho em Lisboa no século XV. Em 1495 um Harmonia dos Evangelhos foi
publicada em Lisboa por Valentim Fernandes. No mesmo ano um jurista chamado
Gonçalo Garcia de Santa Maria traduziu as Epístolas e os Evangelhos. Dez anos
depois os Atos e as Epístolas Gerais foram traduzidos por ordem da rainha
Leonora. A linguagem portuguesa destes primeiros escritos é arcaica. Algumas
destas tentativas usaram um português tão arcaico como o inglês de Wycliff.
O futuro da Bíblia em
português dependia, entretanto, de João Ferreira de Almeida, nascido em Torre
de Tavares, próximo de Mangualde, Portugal, em 1628. Seus pais eram católicos,
mas ele se converte a fé da Igreja Reformada em 1642, pela profunda impressão
que causou em seu espírito a leitura dum folheto espanhol. Desde o princípio de
sua conversão, mostrou a sua aptidão para o estudo teológico e a participação
na liderança eclesiástica. Ignoram-se as circunstâncias que o fizeram
transportar-se à Batávia, onde se tornou muito ativo e zeloso no trabalho de
evangelização, pregando nas línguas portuguesa, espanhola, francesa e
holandesa.
Seu primeiro trabalho foi a
tradução do espanhol de um resumo dos Evangelhos e Epístolas. Este não foi
publicado. Almeida conta-nos que, enquanto se demorava em Málaca, principiou a
traduzir algumas partes do Novo Testamento do espanhol para o português2
diz ele: "no segundo ano após minha conversão (do catolicismo romano para
o protestantismo) e meu décimo sexto ano de idade". Ele acrescenta que
terminou esta tarefa de iniciativa própria em 1645. Mais tarde, com 17 anos de
idade somente, ele traduziu o Novo Testamento da versão latina de Beza. Ele
também traduziu o Catecismo de Heidelberg e a liturgia reformada para o
português.
A Igreja Reformada não cabia
em si de contente em se servir dos serviços de um homem jovem e talentoso com
Almeida, cuja língua materna era o português. A razão disto estava em que o
português era a língua franca de muitas partes da Índia e sudoeste da Ásia. Por
causa da expansão marítimo-comercial. o português era usado nas congregações da
Igreja Reformada, por asiáticos e cristãos protestantes por conversão (com
freqüência do catolicismo).
No decorrer dos tempos o
número destes cristãos de fala portuguesa foi crescendo em Málaca e Batávia, e
algumas vezes até excedia aos cristãos da língua holandesa. Durante a sua longa
vida pastoral, Almeida escreveu e publicou várias obras de caráter religioso. Entretanto,
ele ajudou a publicar outras obras, de cunho secular. Pode-se mencionar a sua
revisão de uma tradução em português das fábulas de Esopo, feitas por M. Mendes
de Vidigueyro, intitulada Esopete Redi Vivo (1672).
Anos depois ele sente a
necessidade de apresentar o Evangelho ao povo de Portugal numa tradução mais
séria. Após aprender o grego e hebraico, começou sua tradução do Novo
Testamento, tendo como base o chamado "Textus Receptus", segunda
edição de 1633 publicada por Elzevir. Este trabalho ele o findou em 1670, mas a
publicação só teve lugar em 1681, em Amsterdã, na Holanda, assim entitulada:
"O Novo Testamento Isto
he o Novo Concerto de Nosso Fiel Senhor e Redemptor Iesu Christo traduzido na
Língua Portuguesa pelo reverendo Padre João Ferreira de Almeida, ministro
pregador do Sacto Evangelho nesta cidade de Batávia, em Java Maior ".3
Antes que saísse do prelo sua
tradução, em 1o. de janeiro de 1681, Almeida publicava uma lista de mais de mil
erros em seu Novo
Testamento , e Ribeiro dos Santos afirma serem mais. Estes
erros eram devidos ao trabalho de revisão feito por uma comissão holandesa que
procurou por a tradução de Almeida em harmonia com a versão holandesa. Algumas
razões levam-nos a crer sido esta uma versão pobre no dizer de Ribeiro dos
Santos.4
O texto grego do qual ele
traduziu não era bom, embora fosse o melhor do seu tempo. Sua linguagem não era
boa, não só por haver deixado Portugal bem cedo, mas também porque tentou fazer
uma tradução literal, seguindo muito de perto a versão holandesa de 1637 e a
castelhana de Cipriano de Valera de 1602. Também o trabalho de revisão, feito
por seus colegas holandeses, piorou ainda mais o seu trabalho.
Em março de 1683 Almeida deu,
ao Presbitério em Batávia, a notícia de que completara o Pentateuco e que esta
fora revisado pelos seus colegas holandeses. Entretanto, ele não pôde completar
seu trabalho. Sua tradução só chegou até o livro de Ezequiel, capítulo 48,
versículo 21. A
última parte foi completada por Jacobus op den Akker em 1694. Depois de muitos
problemas foi impresso na Batávia (em dois volumes, 1748 e 1753).
O saltério de Almeida foi
publicado no Livro de Oração Comum5 para o uso das congregações da
Igreja Anglicana na Índias Orientais, em 1695. Nesta época, o rei da Dinamarca,
Frederico IV, interessou-se em desenvolver no Oriente o conhecimento das
Escrituras Sagradas, e pelo seu patrocínio foi estabelecido o trabalho em
Tranquebar, aonde foram muitos missionários célebres. Para este trabalho foi
publicada, em Amsterdã, uma 3º edição do Novo Testamento de Almeida, às
expensas da Sociedade Propaganda do Conhecimento Cristão, em 1712.6
Somente no fim do século
XVIII, e o princípio do XIX, a Bíblia inteira, na tradução de Almeida, foi
publicada. Sob os auspícios da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, foi
publicada uma edição do Novo Testamento de Almeida em 1809. Em 1819 Bíblia
completa de João Ferreira de Almeida foi publicada em um só volume pela
primeira vez, com o título:
A Bíblia Sagrada, contendo o
Novo e o Velho Testamentos, traduzida em português pelo Padre João Ferreira de
Almeida, ministro pregador do Santo Evangelho em Batávia.
Londres, na oficina de R. e A
Taylor, 1819
8º gr. de IV
884pp. A que se segue, com
rosto e numeração o Novo Testamento, contendo IV 279 páginas.
Apesar de tudo, a tradução de
Almeida encerra algumas coisas notáveis. Ela teve lugar em Batávia, na ilha de
Java, milhares de quilômetros longe de Portugal. Realizou-se num a terra cuja
língua oficial não era o português. Era a 13a. tradução numa língua moderna
depois da Reforma. Feita por um pastor protestante, destinava-se a um país
católico, como Portugal, que só poderia receber de bom grado uma tradução do
Novo Testamento feita diretamente da Vulgata. E o mais dramático lance de sua
grande obra é que até hoje nos países de língua portuguesa, sua tradução, mesmo
que sofrendo inúmeras reformas, ainda é usada e querida.
O padre Antônio Pereira de
Figueiredo, nascido em Mação, Portugal aos 14 de fevereiro de 1725, realizou a
primeira grande tradução da Vulgata para o português. seu trabalho consumiu-lhe
dezoito anos de esforços. O Novo Testamento apareceu primeiro, em 1781 e a
Bíblia toca, em seis volumes, pouco depois. A linguagem de Figueiredo e
inegavelmente superior à de Almeida. Alguns fatores contribuíram para esta
melhora.
Figueiredo possuía cultura
muito superior à de Almeida e ele traduzia a Bíblia e publicava o se Novo
Testamento exatamente um século depois da obra imortal de Almeida. Embora
revelando sensível melhora quanto ao português da tradução, Figueiredo não pode
escapar aos defeitos de uma tradução que tem por base uma outra tradução. A
Vulgata é uma mera revisão do Velho Latim, textos antigos do Novo Testamento,
vertidos do grego, que Jerônimo usou para seu trabalho e com tendências peculiares.
A tradução de Figueiredo tem sido usada pela Igreja Romana desde então.
A primeira tradução da Bíblia
iniciada no Brasil, foi feita pelo refugiado Bispo de Coimbra, Frei D. Joaquim
de Nossa Senhora de Nazaré, o qual publicou só o Novo Testamento em São Luís , Maranhão, em
1875, enquanto que o trabalho de impressão foi feito em Portugal.
O século XX viu florescer no
Brasil uma série de grandes traduções do Novo Testamento e da Bíblia toda,
tanto do lado protestante com da Igreja Católica. Duas tentativas sem grande
importância tiveram lugar. D. Duarte Leopoldo e silva, traduz e publica os
Evangelhos, arranjados como uma harmonia. Depois o Colégio da Imaculada
Conceição, Botafogo, Rio de Janeiro, publica uma tradução dos Evangelhos e
Atos, do francês, preparada por um padre católico, em 1904.
Os padres franciscanos iniciam
um trabalho de versão da Bíblia em 1902 e, embora traduzindo da Vulgata,
tentaram fazer um trabalho realmente crítico. Sua edição dos Evangelhos e Atos
apareceu em 1909.
Estava reservada ao então
padre Humberto Rohden a primeira tradução diretamente do grego para o
português. Isto ele fez num trabalho começado quando estudante na Universidade
de Innsbruck, Alemanha (1924-1927) e terminado no Brasil. Publicado sob os
auspícios da Cruzada da Boa Imprensa.
O trabalho do padre Matos
Soares, é a versão mais popular da Igreja Romana no Brasil. Depois do concílio
Vaticano II,7 a Bíblia encontrou mais espaço dentro da Igreja Católica.
Várias traduções surgiram, como a Edição Pastoral,8 publicada pelas
Edições Paulinas . Feita por eruditos brasileiros, liderados pelo teólogo Ivo
Storniolo. Ela foi divulgada entre as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs),
tendo como base teológica a Teologia da Libertação. Storniolo também colaborou
com uma outra importante tradução católica, a conhecida Bíblia de Jerusalém.
Inicialmente foi publicada em francês, nos anos 70, produzida por padres
belgas. Nos anos 80 aparece a versão brasileira. Que segue o critério de
tradução dos franceses, uma linguagem moderna, porém sem excessiva
simplificação. As notas e comentários foram, em parte, traduzidos da versão
francesa.
Recentemente a Edições Loyola,
publica no Brasil, a Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB). Com notas e
comentários, como a Bíblia de Jerusalém, mas difere desta pela linguagem. A TEB
foi o trabalho conjunto de eruditos católicos, protestantes e judeus. No Velho
Testamento, ela segue a disposição dos livros consagrada pelo judaísmo. Assim
nos é explicado por R.T. Beckwith: "(...) a Bíblia Hebraica tem uma
estrutura diferente em relação à Bíblia em português. está dividida em duas
seções: os Profetas e os Hagiógrafos (escritos sagrados).
Os Profetas abrangem oito
livros: os livros históricos de Josué, Juízes, Samuel e Reis, os livros
proféticos de Jeremias, Ezequiel, Isaías e os Doze (os profetas menores). Os
Hagiógrafos compreendem 11 livros: os livros líricos e sapienciais de Salmos,
Jó, Provérbios, Eclesiastes, Cantares de Salomão e Lamentações de Jeremias, e
os livros históricos de Daniel, Ester, Esdras-Neemias e Crônicas. Esta é a
ordem tradicional, segundo a qual o remanescente hagiógrafo, Rute, vem antes de
Salmos. Na Idade Média, esse livro foi colocado em uma posição mais adiante, ao
lado de outros quatro livros de brevidade similar (Cantares de Salomão,
Eclesiastes, Lamentações de Jeremias e Ester).
É digno de nota que na
tradução judaica Samuel, Reis, os Profetas Menores, Esdras-Neemias e Crônicas
sejam computados cada um como um único livro.9 A TEB representa uma nova
mentalidade da Igreja Romana. Se antes, as Bíblias Protestantes eram acusadas
de serem falsas e conterem inúmeros erros, agora o discurso é radicalmente
outro. Tenta-se encontrar pontos de contato, pontes são construídas e barreiras
são vencidas pelo diálogo.
Mas adiantamos muito a nossa
história. Temos que voltar um pouco no tempo.
As Sociedades Bíblicas
empenhadas na disseminação da Bíblia no Brasil reuniram-se, em 1902, para
nomear uma comissão para traduzir os textos hebraico e grego em português. Este
comissão era formada de vários eruditos ligados a diversos grupos protestantes.
Entre eles, o Dr. W.C. Brown, da Igreja Episcopal; J.R. Smith, da Igreja
Presbiteriana Americana (igreja do sul); J.M. Kyle, da Igreja Presbiteriana
(igreja do norte); A.B. Trajano, Eduardo Carlos Pereira e Hipólito de Oliveira
Campos.10
Além do texto grego e de todas
as versões portuguesas existentes, a comissão tinha as seu dispor muitos
comentários e obras críticas que contêm os mais novos e mais úteis resultados
da investigação e estudo moderno do Novo Testamento. A Tradução Brasileira,
iniciada em 1902, editando os dois primeiros evangelhos em 1904, e depois de
alguma crítica e revisão, o Evangelho de Mateus saiu em 1905. Os Evangelhos e o
livro dos Atos dos Apóstolos foram publicados em 1906, e o Novo Testamento
completo em 1910. A
Bíblia inteira apareceu em 1917. Apesar de suas inúmeras vantagens ela não
vingou em terras do Brasil e Portugal. Deixando posteriormente de ser impressa.
A história da Bíblia em
português se confunde com a história das Sociedades Bíblicas. Entidades sem
fins lucrativos, que foram formadas no início do século XIX, para distribuir a
Bíblia. Como já foi visto anteriormente, foi a Sociedade Britânica que
popularizou o trabalho de Almeida nos países de língua portuguesa.
Por volta de 1790 11
morava numa insignificante aldeia de um condado inglês, no País de Gales, a
pequena Mary Jones, com cerca de oito anos de idade. Filha de tecelões da
localidade, cuja pobreza, naqueles tempos era proverbial, a pequena Mary
elevou-se, por assim dizer, à fama mundial. Devido a ela foi fundada a primeira
grande Associação da Bíblia.
No meio das grandes privações
em que viviam, a menina Mary aprendera a ler e, desde então, seu maior desejo
fora possuir uma Bíblia. Uma Bíblia no entanto, representava um tesouro
inatingível para uma família de tecelões. Assim sendo, Mary começou a
economizar tudo o que ganhava prestando pequenos serviços, mas, a fim de um
ano, conseguira juntar, o equivalente a pouco mais de uma libra. Uma soma
ridícula, em relação ao preço de uma Bíblia completa em língua inglesa.
Entrementes o pai morreu, e mãe adoeceu e a libra foi gasta em medicamentos.
Mary recomeçou tudo do
princípio, com uma perseverança inacreditável numa menina tão pequena. Passados
alguns anos suas economias tinham aumentado a ponto de permitir a Mary a
ousadia de procurar obter um Bíblia. Mas onde? O próprio pastor local não
possuía nenhum exemplar. Ele sabia, porém, de um colega, em Bala, um certo
pastor Charles, que tinha um daqueles livros. Bala ficava a 40 quilômetros ;
mesmo assim, Mary pôs-se a caminho, a pé, levando uma modesta provisão para a
viagem.
Depois de dois dias de marcha,
chegou a Bala e comunicou seu desejo ao pastor Charles. O homem, todavia,
sacudiu a cabeça negativamente. Uma Bíblia, sim, ele possuía um exemplar, mas
já o tinha prometido a alguém. Além disto, a modestíssima soma que Mary podia
oferecer era insuficiente.
Diante de tão terrível
decepção, depois de anos de privações e de esperanças, a meninas desfaleceu. O
pastor Charles fez o que em tais momentos qualquer um faria: passou por cima de
promessas e ajustes e presenteou a pequena Mary com a sua Bíblia.
Fez ainda mais o pastor
Charles: na reunião da Sociedade de Assuntos Religiosos, em Londres, ele contou
o acontecimento:
- "Precisamos achar um
meio de imprimir Bíblias ao alcance também do povo pobre de Gales".
No mesmo instante saltou o
pregador batista Hughes e exclamou:
Por que só para Gales? Por que não para
todo o império? Por que não para o mundo inteiro?"
A sugestão foi aceita. Dois
anos depois era fundada a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. O alcance
do trabalho dos ingleses foi fenomenal. Todo o Império Britânico foi alcançado.
Na época dizia-se que, os ingleses dominavam o mundo, e seu Império tinha tanto
alcance, que o "sol nunca se punha, nas terras dominadas pela coroa
inglesa".
Somente em 1949, a distribuição da
Bíblia passa a ser feita pelos brasileiros. É a fase conhecida como
nacionalização da obra da Bíblia. A data de 1949 é uma referência importante. O
trabalho protestante no Brasil sempre dependeu da força estrangeira. Os dois
campos promissores para os missionários estrangeiros eram a África e a China.
Com a ascensão de Mao na China em 1949, milhares de obreiros cristão foram
expulsos pela governo comunista. E muitos deles foram deslocados por suas
igrejas para novos campos. A África continuou como um campo promissor, mas logo
perdeu sua "hegemonia" para a América Latina. A América Latina, que
até então foi negligenciada,12 recebeu uma leva enorme de missionários.
Com o aumento do número de trabalhadores, fez-se necessário aumentar o número
de ferramentas.
A criação da Sociedade Bíblica
do Brasil foi a resposta. Desde então a Bíblia se tornou um livro popular no
Brasil. Ela acompanhou o crescimento da igreja protestante, e se difundiu no
país através dos colportores, como eram chamados os missionários que viajam
para vender Bíblia pelo interior do Brasil.
Paralelo a este crescimento,
surge nos anos 90 um nova versão da Bíblia em português. Seguindo
os mesmos ideais da Versão Brasileira. Um tradução promovida por um grupo de
eruditos, ao invés de um trabalho solitário, como foi o de Almeida. Uma
linguagem moderna, sem simplificação. Bastante acessível ao público médio. Fundamentada
em melhores manuscritos, do que o conhecido Textus Receptus, usado por Almeida.
Surge a Nova Versão Internacional. Também conhecida como NVI.
Em 1978, foi apresentada ao
povo de fala inglesa, uma nova versão da Bíblia, feita pela Sociedade Bíblica
Internacional. Seguindo os melhores padrões lingüisticos e os mais modernos
recursos editoriais e gráficos, a NVI, alcançou um amplo espaço no mundo
evangélico. Representando uma nova etapa na história das traduções da Bíblia.
"... a Sociedade Bíblica
Internacional reuniu um grupo de estudiosos evangélicos, de diversas
denominações, especialistas nas línguas originais e na língua pátria para
produzir um texto fiel e, ao mesmo tempo, contemporâneo. Além de se esforçar
por alcançar uma tradução acessível, a comissão formada procurou também
esquivar-se da vulgaridade, dos regionalismos, enfim, de tudo que possa
empobrecer o texto. É com este espírito de esperança que a Sociedade Bíblica
Internacional tem a satisfação de colocar em suas mãos o Novo Testamento na
Nova Versão Internacional que pretende ampliar a corrente histórica marcada por
aqueles dentre o povo de Deus que têm se esforçado para fazer compreendida a
revelação divina na Bíblia Sagrada." 13
Conforme foi visto antes, a
divulgação da Bíblia sempre esteve ligada as mudanças que a sociedade sofre. A
versão de Almeida se liga ao tempo de formação do protestantismo. A história de
Almeida, nas distantes ilhas do pacífico inspirava os primeiros missionários
que vinham ao Brasil desbravar o "novo mundo". A aventura de viajar à
cavalo léguas e léguas para levar o "livro santo", confrontando com o
clero hostil, o clima e as doenças tropicais.
Mas a obra ainda não tinha
sido estabelecida. A mensagem evangélica ainda não tinha fincado raízes no solo
brasileiro. A dependência marcou esta primeira fase. Isto pode ser
exemplificado pela infrutífera tentativa de produzir uma nova tradução, a
versão brasileira. O protestantismo não teve o seu grito do Ipiranga. Ficou
limitado a repetir as formas e estruturas do missionário estrangeiro.
Figura célebre na história foi
o professor Eduardo Carlos Pereira. Gramático conhecido do início do século,
liderou um movimento de nacionalização dentro da Igreja Presbiteriana, que até
então era liderada por estrangeiros. Ele rompe com a estrutura tradicional e
funda a Igreja Presbiteriana Independente. Liderada pelos brasileiros, que
comandavam os seminários, igrejas e escolas da nova denominação. Não foi
coincidência Pereira ter participado da chamada Versão Brasileira.
A fundação da Sociedade
Bíblica do Brasil coincide com a nova etapa da evangelização mundial. As portas
fechadas da China, que até então demonstrava ser um campo muito promissor. Uma
enorme população que estava formando uma nova identidade nacional, mais aberta
ao cristianismo.14 Além do grande investimento de recursos para lá.
Fundação de hospitais, seminários e ampliação de igrejas.
Finalmente, a NVI aparece num
momento oportuno. A Igreja Protestante mudou. Não é mais a igreja pioneira dos
primeiros anos, nem é mais a igreja dependente do início do século. A Sociedade
Bíblica do Brasil se tornou uma das maiores entidades de promoção da Bíblia no
mundo. Até o ano de 1995, apenas duas Sociedades Bíblicas, entre as 120
existentes no mundo, haviam conseguido superar a marca de 20 milhões de Bíblias
distribuídas em um ano: a Sociedade Bíblica Americana e a Sociedade Bíblica da
Coréia. Em 1996, ao completar 48 de existência a SBB tornou-se a terceira a
superar essa marca.15
A NVI representa a maturidade
que a obra bíblica alcançou no Brasil. Um obra enorme hoje, bem diferente dos
dias de Almeida e seu pioneirismo.
1 - John Wycliff (c.
1328-1384) Foi um precursor da Reforma Protestante, quer queria reformar a
igreja romana, através da eliminação dos clérigos imorais e pelo despojamento
de sua propriedade que, segundo ele, era fonte de corrupção. Atacou a
autoridade do papa em 1382, dizendo num livro que Cristo e não o papa era o
chefe da Igreja. Afirmou que a Bíblia e não a Igreja era a autoridade única
para o crente e que a igreja romana deveria se modelar segundo o padrão do Novo
Testamento. Para apoiar estas idéias, Wycliff tornou a Bíblia acessível ao povo
em sua própria língua. Em 1382, ele terminou a primeira tradução completa do
Novo Testamento para o inglês. Desse modo, pela primeira vez, os ingleses
podiam ler a Bíblia em sua língua.
2 - Um Tradutor Português da Bíblia
3 - G. L. Santos Ferreira, A Bíblia em Portugal, citado por David Mein. A Bíblia e como chegou até nós. Assim explica o equívoco do frontispício." Os missionários holandeses de Tranquebar se intitulavam a si mesmo de padres dominicanos, mas não tinham ligação com ordem católica. É bem provável que eles, sendo pouco conhecedores do idioma, julgassem o adjetivo dominicano era derivado de dominus, e ingenuamente supusessem que se dizerem ministros do Senhor ou Padres dominicanos era a mesma coisa".
4 - Ribeiro dos Santos foi um importante historiador do protestantismo brasileiro. Ele era pastor presbiteriano.
5 - Saltério é como também ficou conhecido o livro dos Salmos. O livro de Oração Comum é o livro de liturgia oficial da Igreja Anglicana.
6 - David Mein. Op. cit.
7 - O Concílio Vaticano II teve um tremendo impacto na Igreja Católica. A Igreja sofreu um "aggiornamento", ou seja, uma renovação. A liturgia, que até então era feita em latim, passou a ser feita nas línguas nacionais, o novo movimento carismático foi aceito como expressão da espiritualidade católica, a teologia da libertação encontrou amplo espaço e foi divulgada com entusiasmo pelo mundo. A Bíblia encontrou um novo espaço nesta "nova" Igreja, que estava se definindo no Vaticano II. A expressão latino-americana foi o CELAM, em Medelín (1968). As melhores fontes para consulta são os documentos produzidos por estes encontros, ambos publicados pelas Edições Paulinas e Editora Vozes.
8 - Edições Paulinas, São Paulo. 1990.
9 - Beckwith. R. T. O Cânon do Antigo Testamento in COMFORT, Philip Wesley. Ed. A Origem da Bíblia. CPAD. Rio de Janeiro, 1998. O artigo de Beckwith discute a formação do Cânon Hebraico e sua relação com a Igreja Cristã.
10 - Os dados foram retirados da livro de David Mein. Que até hoje, permanece sendo a melhor referência sobre a história da Bíblia
11 - Sociedade Bíblica do Brasil. A história de Mary Jones é por demais conhecida pelos protestantes. Ela aparece em diversos livros, divulgada
12 - A Conferência de Missões de Edimburgo, em 1908, definiu a América Latina como campo já alcançado, devido a forte presença do catolicismo romano no continente. Os evangélicos que trabalhavam no continente latino-americano reagiram imediatamente e contestaram a decisão da conferência. Afirmando que a relação do catolicismo com a fé cristã era apenas nominal. Em essência, ele divergia do padrão bíblico.
13 - Texto originalmente publicado na Revista Teológica Vox Scripturae, v. III, n. 2, 1993, p. 215-226. Com o título: Nova Versão Internacional da Bíblia em Português: Resumo Informativo. Odayr Olivetti. Rev. Odayr Olivetti, Ministro jubilado da Igreja Presbiteriana do Brasil, foi pastor de várias igrejas e professor de Teologia Sistemática no Seminário Presbiteriano de Campinas. É autor de alguns livros e tradutor de inúmeras obras cristãs.
14 - O livro de Jonatham Spence. Publicado no Brasil, pela Companhia das Letras, O Filho Chinês de Deus, nos fala de um líder chinês, protestante, que no século XIX faz uma caminhada pelo país, levando consigo uma multidão de seguidores, apregoando uma "nova era" para o povo chinês. Para Spence, esta caminhada inspira Mao Tsé Tung para sua caminhada pela China, que irá culminar na Revolução Comunista de 1949. Para a relação da visão escatológica cristã com o comunismo, ver. Norman Cohn. Cosmos, Caos e o Mundo Virá. Companhia das Letras. São Paulo, 1997. Ver também . Norman Cohn Pursuit of Milennium. Oxford Press.
15 - A Bíblia no Brasil. No. 175 . SBB. São Paulo.
AUTOR DESCONHECIDO
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