A cultura pop chegou para ficar?
Pr. Ricardo Gondim
Operado de uma simples hérnia,
vi-me obrigado a uma razoável quarentena em casa. Com bastante tempo
à minha disposição resolvi, por um dia, mergulhar no mundo televisivo. Liguei minha
Sony e com o controle remoto na mão viajei, via cabo, às diversas opções
oferecidas pela mídia eletrônica. À noite, senti-me vencido. O que assisti não
era lazer, tampouco cultura. Era pura perca de tempo.
Cada dia mais me espanto com a
superficialidade de minha geração. Na televisão, os noticiários estão cada vez
mais rasos; evitam os temas relevantes, fogem da discussão imparcial. A
"ratinização" dos programas de auditório chega a agredir o bom senso.
A dramaturgia das novelas é um acinte à arte teatral. Os diálogos são
patéticos. Bons atores são logo substituídos por moças e rapazes bonitinhos.
Não sabendo representar, mecanicamente repetem scripts. Os programas infantis,
nada educam. Simplesmente enchem os cofres de suas apresentadoras que nada têm
na cabeça e que ensinam comportamentos éticos, no mínimo questionáveis.
Na música, as letras
medíocres, para fazer sucesso, necessitam apelar para sentidos ambíguos. Os
rebolados das dançarinas tentam compensar a rima pobre. Os grandes poetas e
músicos se esforçam, mas parecem carecer da inspiração de tempos não muito
antigos quando escreviam e cantavam com maestria.
Os filmes, fazendo apologia da
violência, exploram o macabro e o terror. Não conseguem criar tramas
inteligentes. Mostram-se diante de nossas telas produções com enredos
repetitivos, direção mal feita; claramente produzidos para dar lucro. Filmes
destituídos do ideal de fazer arte.
As revistas que entulham as
bancas e os livros que aparecem nas listas dos best-sellers são risíveis sob o
ponto de vista literário.
Os estudiosos de nossos tempos
dizem que uma das características da pós-modernidade é a falência da chamada
"alta cultura" e a emergência da "cultura pop". Por
"alta cultura" devemos entender como o esforço humano de dar estrutura
à vida. É a complexa produção humana que inclui o saber, crenças, arte, moral,
leis, costumes e todas as expressões humanas.
A "cultura pop"
fortaleceu-se com a massificação dos meios de comunicação. A indústria da
informação e do lazer que oferece um franco acesso ao conhecimento,
vagarosamente nivelou a produção cultural por baixo. Hoje, poucos conhecem
Shakespeare, nunca leram Dostoievski, mal saberiam mencionar algum livro de
Machado de Assis ou de Graciliano Ramos. Rapazes e moças detestariam uma ópera
de Wagner ou de Carlos Gomes. A grande maioria nunca leu Carlos Drummond e nem
sabe dizer quem foi Fernando Pessoa. Em compensação, conhece bem os filmes de
Van Damme e do Bruce Willis. Gosta de ler Paulo Coelho e canta as músicas do
Tchan. Meninos e meninas ainda cantarolam as letras dos Mamonas Assassinas.
Diariamente acompanham a novela das oito dando-lhe índices de audiência acima
de cinqüenta pontos. Adolescentes deliram com a mocinha vestida em roupas
íntimas, insinuando cenas de sado-masoquismo.
O ocidente termina o século
vinte impregnado de uma "cultura pop" que Richard Hamilton, artista
inglês, conseguiu descrever como: "dirigida às massas, compreensível sem
exigir reflexão, facilmente substituível por outra emoção, produzida às pressas,
sensual, glamorosa, aética e sempre visando o máximo de lucro."
A produção cultural do
ocidente empobreceu. Daí a pertinência do lamento de T. S. Eliot: "Onde
está a vida que perdemos vivendo? Onde está a sabedoria que perdemos com o
conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos com a informação? Os ciclos
do céu em vinte séculos nos levaram para mais longe de Deus e mais próximos do
pó."
Mais triste é constatar que a
igreja também foi afetada por essa cultura de massas. Primeiro nos Estados
Unidos, depois na Europa e agora na América Latina, há uma forte tendência a
transformar a igreja em "big business". Pior, "big
business" do lazer espiritual.
Pastores e padres abandonaram
sua vocação de portadores de boas novas. Assumiram novos papéis: animadores de
auditórios e levantadores de fundos. O púlpito transformou-se em mero palco. A
igreja, simples platéia. O clero arremedou a fama dos artistas. Com estilos de
vida extravagantes e caros inebriam as multidões que também almejam galgar a
celebridade.
Outros viram-se como
empresários, vestiram-se como empresários e, pasme, contrataram guarda-costas
armados para serem protegidos. Acham-se seqüestráveis. Os cultos já não estão
centrados na máxima de João Batista – importa que ele cresça e que eu diminua.
Sermões podem ser facilmente confundidos com palestras de neurolingüística.
Cantores e "artistas" se atropelam querendo renome e gordos cachês. O
cristianismo ocidental não conseguiu salgar, perdeu o sabor e conformou-se em
ser raso. Os vendilhões do templo voltaram e armaram suas tendas.
Infelizmente atraem-se grandes
multidões não pela força argumentativa do evangelho, mas pelo bem concatenado
marketing. Impressionam-se as platéias pela capacidade de aproximar a linguagem
religiosa da "cultura pop" e não por propor conteúdos sólidos de
vida. Até pouco tempo, as igrejas neo-pentecostais acreditavam que seu
descomunal crescimento vinha de uma bênção especial de Deus sobre suas novas
propostas de prosperidade. Hoje, a explosão pop do catolicismo já atrai
multidões tão enormes quanto as dessas bem sucedidas igrejas evangélicas.
Prova-se assim que qualquer credo, ou confissão religiosa que souber promover
um culto com as mesmas características da "cultura pop", também
experimentará um crescimento vertiginoso.
Sempre que a igreja começou a
percorrer uma senda perigosa e a aproximar-se dos sistemas doentes que deveria
denunciar, houve fortes movimentos contrários. Quando Roma parecia estar à
venda e o clero católico se emaranhou com o poder dos reis, as ordens
monásticas apareceram. Quando Tetzel vendeu indulgências, prometendo menos
sofrimento no purgatório em troca de algumas moedas, Lutero protestou. Quando a
igreja protestante se institucionalizou e perdeu relevância, surgiram os
anabatistas propondo a separação radical da igreja e do estado. Quando a
rigidez teológica tentava sufocar a ação de Deus, os pentecostais levantaram-se
mostrando que ele age como quer e não respeita as sistematizações humanas.
Precisamos de novos movimentos
de reforma e protesto dentro do cristianismo ocidental. Os desafios de hoje
requerem que os pastores voltem a "apascentar o rebanho de Deus, tendo
cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas
de ânimo pronto" (I Pe 5.2). Que as igrejas sejam espaços de fraternidade
onde nos revestimos como "eleitos de Deus, santos, e amados, de ternos
afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de
longanimidade" (Cl 3.12).
Diante do estrelismo, os
pastores precisam optar pela discrição; reaprender a ser singelos de coração.
Devem lembrar-se de uma citação antiga: "A glória é como um círculo n’água
que nunca deixa de aumentar, até que por força de seu próprio crescimento
dispersa-se em nada".
O crescimento numérico das
igrejas engana. Tem mais a ver com fenômenos sociais que uma legítima ação do
Espírito Santo. Líderes religiosos devem evitar essa corrida insana de
notoriedade. A riqueza e popularidade de alguns nada significam nas realidades
espirituais. Euclides da Cunha advertia em Os Sertões : "Se um
grande homem pode impor-se a um grande povo pela influência deslumbradora do
gênio, os degenerados perigosos fascinam com igual vigor as multidões
tacanhas". Deixemos que o apóstolo Paulo fale novamente aos nossos
corações: "Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E na
verdade, tenho também por perda todas as coisas pela excelência do conhecimento
de Cristo Jesus, meu Senhor, pelo qual sofri a perda de todas estas coisas e as
considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo" (Fp 3.7-8).
A igreja será sal e luz,
somente quando caminhar na rota inversa das tendências de sua geração e
mostrar-se simples em suas ambições. Caso contrário, continuará dizendo a si
mesma: “Estou rica e abastada e não preciso de coisa alguma”. Mas ouvirá de
Cristo: "Não sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre cega e nua”.
Que Deus nos ajude a comprar
ouro refinado pelo fogo para nos enriquecer, vestiduras brancas para nos
vestir, a fim de não ser manifesta a vergonha da nossa nudez. Compremos colírio
para ungir os nossos olhos e vejamos" (Ap. 3.17-18).
Nenhum comentário:
Postar um comentário