A ditadura dos tolerantes
Há algum tempo recebi o convite para participar de um programa de debates,
recém iniciado pela MTV onde abordariam a questão do homossexualismo. Aceitei o
convite com certa hesitação. Minha paixão pela polêmica, porém, me impediu de
dizer não. Nos bastidores, antes de ir ao ar, percebi que seria minoria mais
uma vez (embora seja pentecostal e corintiano). Sentei-me à mesa, rodeado por
um “drag queen” e uma ativa militante do movimento lésbico. Mal o programa
começou e já se percebia claramente que ele visava uma apologia do
homossexualismo (ou homossexualidade, como querem os politicamente corretos).
Cada um dos mais de quinze painelistas se revezava em defender a prática
homossexual como uma questão de preferência e não de ética. Finalmente, a
apresentadora do programa perguntou minha opinião.
Pausadamente, procurando me esquivar da pecha de fundamentalista e homofóbico,
expus o que penso ser um consenso do pensamento evangélico: “Cremos em um Deus
criador e preservador de todo o universo. Ele, além de possuir pessoalidade,
preocupa-se com a felicidade de toda a sua criação. Dele provém uma lei moral
que fornece os parâmetros do comportamento humano e por ser exterior a nós, não
se molda às nossas preferências.” “De acordo com essa lei moral,” continuei com
o mesmo tom de voz, “nós evangélicos, entendemos o homossexualismo como um
pecado, uma perversão moral.” Bastaram essas palavras. O tempo fechou. Quase
todos ao redor da mesa falavam, cada qual subindo um pouco seu tom de voz. Alguns,
quase que descontrolados, proferiam palavrões. Sarcasticamente, confesso,
perguntei: “Afinal de contas esse espaço não é plural? Por que não posso
manifestar meu ponto de vista, assim como os senhores expõem os seus? Se vocês
pregam a tolerância, porque tanta intolerância ao meu ponto de vista?” Meu
sarcasmo não deu resultado. Cada vez que tentava falar, me abafavam aos gritos.
A modernidade sempre se gabou de respeitar os diferentes. Voltaire, arauto do
Iluminismo, dizia: “Devemos tolerar-nos mutuamente, porque somos todos fracos,
inconseqüentes, sujeitos à mutabilidade, ao erro. Um caniço vergado pelo vento
sobre a lama porventura dirá ao caniço vizinho, vergado em sentido contrário:
‘Rasteja a meu modo, miserável, ou farei um requerimento para que te arranquem
e te queimem’?” Por que mesmo anunciando o respeito à opinião do outro, a
Modernidade patrocinou a Revolução Francesa? Por que o estado marxista promoveu
o expurgo de Stalin? Por que na Alemanha, berço dos maiores filósofos e
teólogos, aconteceu o Holocausto? Se a modernidade é tão tolerante com o
diferente, por que tanta intolerância?
Entendamos um pouco da Modernidade. Primeiro, ela valorizava o método. A
tolerância para com a razão, para a prova “irrefutável”, tornou-se
desnecessária. Sponville afirma: “Quando a verdade é conhecida com certeza, a
tolerância não tem objeto.” Ele e todos os filósofos da modernidade crêem que
os cientistas necessitam não de tolerância, mas de liberdade. Os fatos,
provenientes da observação empírica, impõem-se. Refutá-los é negar a razão.
Como a ciência não depende de opiniões, ela não necessita de tolerância, mas de
respeito. Depois, a Modernidade também é naturalista. Só trabalha com um
sistema fechado em que matéria, energia, tempo e chance são as únicas variáveis
consideradas. Portanto, verdade deve ficar contida nesses elementos. Como
filosofar, é pensar sem provas, e provar faz parte do paradigma da Modernidade,
a filosofia (também a teologia) é tolerada desde que obedeça as regras da
abordagem científica e naturalista. Nesse sistema, somente os céticos ao
transcendente como Hume e Bultmann recebem qualquer reconhecimento. O resto é
descartado como irrelevante. Terceiro, a Modernidade é universalista. Aceita
que seus achados transcendem ao tempo e ao espaço. Devido a essa visão é que a
modernidade, de acordo com D. A Carlson, adotou a dialética Marxista da
história, a teoria Hegeliana do espírito universal, a visão pós-Iluminista do
progresso e a teologia liberal que aceita como factível apenas o que é julgado
racional e “científico”. Aqueles que se recusarem à ditadura da Modernidade,
são imediatamente rotulados: medievais, supersticiosos, reacionários. A
tolerância da Modernidade se restringe aos limites impostos por ela; quem fugir
deles percebe rapidamente sua intransigência. Mas, voltemos ao programa da MTV.
Por que tanta intolerância à ética judeu-cristã? Por que tanto incômodo à
cosmovisão religiosa? O problema reside nos pressupostos transcendentais. O
cristianismo baseia-se na revelação de uma lei moral, outorgada por um Deus que
não pode ser definido como parte de minha humanidade (humanismo), reduzido a
uma energia (naturalismo) ou mera projeção mítica (neurose freudiana). A
premissa cristã que propõe a revelação do transcendente como um valor epistemológico,
bate de frente com a modernidade. O cristão sabe que sabe por revelação. Pedro
já asseverava no primeiro século: “Porque nunca jamais qualquer profecia foi
dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus,
movidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.20). Na Modernidade, a verdade religiosa
não é factível, é questão de opinião. Nunca ninguém está absolutamente certo
sobre os assuntos espirituais. Portanto, religião não pode participar do debate
público; deve manter-se reduzida à arena dos juízos; não é demonstrável nem
refutável.
A revelação da lei moral de Deus, caso aceita, obrigaria as pessoas a
obedecê-la, acabando com a noção de preferência. A Modernidade propõe que a lei
moral seja uma construção humana, restrita à cultura e ao tempo de sua
elaboração; caso aceitasse que provém de Deus, reconheceria que todos, em todas
as épocas, deveriam obedecê-la.
Sponville diz que uma ditadura imposta pela força é um despotismo; se ela se
impõe pela ideologia, um totalitarismo. O problema da Modernidade é que, mesmo
sem querer, vem se tornando cada dia mais déspota e totalitária. Não somente
rechaça os valores da ética cristã, como tenta forçar seus pressupostos como
únicas opções válidas, por serem cientificamente irrefutáveis. O
homossexualismo, por exemplo, é hoje discutido como uma questão de mutação do
código genético, descartando a moral. Os militantes gays conseguiram manter o
debate no nível “científico”. Nessa esfera, basta provar uma alteração nos
genes e está tudo resolvido: O homossexual foi programado, na evolução, para
agir daquele modo e não há como interferir em suas “preferências”. Mas o pleito
homossexual é pequeno diante das implicações dessa forma de intolerância.
Carlson propõe em seu livro The Gagging of God (O Amordaçar de Deus) que
experimentamos uma nova espécie de intolerância. Em sociedades relativamente
livres e abertas, a tolerância mais nobre é aquela exercitada para com as
pessoas, mesmo quando se discorda de seus pontos de vista. “Essa robusta tolerância
para com as pessoas, mesmo quando há forte desacordo às suas idéias, gera uma
medida de civilidade no debate público, mesmo quando a discussão é apaixonada.”
Para Carlson, o ocidente vive uma tolerância de idéias, não mais de pessoas.
O resultado de se adotar esse novo tipo de tolerância é que há menos discussão
dos méritos de idéias conflitantes, e menor civilidade. Há menos discussão
porque a tolerância de idéias diversas, exige que evitemos criticar as pessoas
por adotarem aquelas idéias. Assim, a Modernidade vai admitindo
excentricidades, loucuras, e comportamentos bizarros. Ninguém tem o direito de
dizer nada sobre o comportamento de ninguém. Só há problema quando qualquer
idéia tenta provar sua superioridade sobre qualquer outra. Imediatamente, o
mundo cai. Exclusividade é intolerável na modernidade, principalmente no campo
religioso. A palavra proselitismo (na sua concepção técnica) virou palavrão.
Cada um na sua. Desde que você não se intrometa com o meu estilo de vida.
Ninguém precisa mudar, pois todas as opções religiosas, morais, éticas,
filosóficas são válidas, não porque sejam verdadeiras, mas porque todas são
igualmente questionáveis. Voltaire dizia: “O que é tolerância? É o apanágio da
humanidade. Somos todos feitos de fraquezas e erros; perdoemo-nos
reciprocamente nossas tolices (grifo meu), é esta a primeira lei da natureza.”
O resultado disso tudo é um mundo cada vez mais inconseqüente quanto à sua
ética, cada vez mais secularizado e cada vez mais intolerante para com a fé
cristã, que continua com um discurso exclusivista e proselitista.
Saí do programa da MTV dizendo para mim mesmo. “Incrível como os liberais são
fundamentalistas na defesa do seus posicionamentos. Intolerantes! Não aceitam,
que seus pontos de vista sejam questionados por outros que pensam
diferentemente. Talvez tenham medo de estar errados. ”
AUTOR DESCONHECIDO
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