A Educação Teológica e Seus
Problemas
Embora tenhamos comemorado os
140 anos da chegada de Kalley ao Brasil em agosto passado, ainda vai demorar
para comemorarmos os 100 anos da Educação Teológica Congregacional.
1. OS PRIMÓRDIOS
1. OS PRIMÓRDIOS
A história revela que sempre
houve e há um certo desinteresse pela educação teológica confessional.
Provavelmente, uma das razões é que não nascemos uma denominação. Mesmo quando
ela surgiu, em 1913, veio com um nome estranho: "União das Egrejas
Evangélicas Indenominacionais do Brasil e Portugal". O que as unia era,
simplesmente, os Vinte e Oito Artigos da Breve Exposição das Doutrinais
Fundamentais do Cristianismo, os artigos de fé assinados por Kalley e os
oficiais da Igreja Evangélica Fluminense, em julho de 1876. Era o início de uma
denominação com um nome que era um contra-senso. Imagine alguém perguntando:
"você é de que denominação?" E a resposta: "Somos da denominação
Indenominacional." Alguém afirma que as coisas tomaram esse rumo por conta
do medo da identificação com os congregacionalistas americanos, que eram
liberais. Àquela altura, na Segunda década do século XX, o Evangelho Social de
Walter Rauschenbush já dominava o cenário teológico norte-americano e os
fundamentalistas já haviam lançado seus manifestos intitulados "The
Fundamentals", desde 1907.
Penso que esta não é a questão definitiva. É remota esta preocupação para uma igreja incipiente, no início do século XX. Talvez isto estivesse na mente de João dos Santos, que havia estudado no Colégio de Pastores de Spurgeon e lá conhecera a influência do liberalismo teológico muito antes de seu declínio ante a dialética barthiana. Mas o Dr. Souza, era, ainda jovem, um teólogo competente. Não temos teólogos com aspas. Temos teólogos de fato como Souza e Porto Filho. Ambos conheciam o sistema congregacionalista desde os separatistas ingleses. Conheciam e liam os manuais do congregacionalismo em outras línguas, principalmente o inglês. Souza traduziu parte do A Manual of Congregational Principles" de R. W. Dale, que durante dois anos foram publicados em O Cristão. Este livrinho, editado na Inglaterra em 1884, e provavelmente lido por Kalley, é, depois da Declaração de Savoy, o principal fundamento do sistema doutrinário congregacional. Foi reeditado recentemente na Inglaterra, depois de muitos anos esgotado. Herdei uma cópia do Rev. José Barbosa Ramalho, de 1914, com longos trechos sublinhados, prova de leitura e consulta. Aliás, é bom que se diga que nossos antigos pastores examinavam melhor a Bíblia que nós, porque liam em várias línguas. A necessidade os conduziu à profundidade. Se hoje, no universo editorial protestante no Brasil, a produção de obras clássicas ainda deixa a desejar, o que dizer no início do século? Simplesmente não havia mercado. Daí a importação de manuais de teologia e a necessidade da aprendizagem de uma outra língua. Além do mais, quem lê o grego e o hebraico bíblico leva vantagem na compreensão do texto. Na Alemanha, e nas faculdades européias, ainda hoje se espera que os estudantes de teologia aprendam de cor as doutrinas, de pelo menos um teólogo clássico do período pós-reformado da ortodoxia, sejam eles luteranos ou calvinistas e isto naturalmente em latim, língua em que Porto Filho era mestre e a ensinava em nosso seminário. Há na língua latina aquilo que Tillich chama de "cânon da compensação filosófica e teológica". A precisão lingüística e suas distinções lógicas superam em muito as imprecisões dominantes no pensamento protestante. Não existe língua moderna alguma com este tipo de precisão. Com isto perdeu-se muito da profundidade teológica.
O que temos hoje é mais
informação e com isto ficamos andando nas águas rasas da teologia. Joel Leitão
que, enquanto escrevo este texto, agoniza nos seus quase 92 anos de idade,
consulta a Bíblia em 7 idiomas e, por diletantismo, escrevia em latim para
antigos colegas de ministério. Meu próprio pai, no interior do Nordeste,
possuía uma pequena biblioteca com vários manuais em inglês, fruto dos seus
anos de estudo no antigo Seminário Presbite-riano na Madalena, em Recife, nos
idos de 1940. Sei também que esta era a realidade de muitos outros ministros da
União e fora dela. Já fui questionado do por quê do inglês em nossos
seminários, seja por obreiros ou por seminaristas indolentes.
Creio, após esta longa
digressão, que o problema do desinteresse pela Educação Teológica não se deve
ao congregacionalismo norte-americano, mas às nossas próprias origens. Por
questões históricas, que não me cabe levantar neste artigo, Kalley não se
preocupou com o ensino teológico nativo. Isto foi uma questão circunstancial.
Ele não era anti-acadêmico. Mas não teve a mesma disposição de seu colega
presbiteriano, Simonton, que, chegado em 1859, aos 26 anos de idade, deixou ao
morrer, em 1867, vitimado pela febre amarela e sem ter completado 35 anos, o
embrião de um seminário no Rio de Janeiro, que seria o primeiro na América
Latina.
Nosso primeiro pastor, o Rev. João Manoel Gonçalves dos Santos, terminou seu curso, em Londres, e foi ordenado em 1876. Assim, durante a Segunda metade do século XIX não se desenvolveu a idéia de um seminário congregacional no Brasil. Isto também explica a falta de crescimento. IE Fluminense, 1858; Pernambucana, 1873; Passa Três, 1897; Niterói, 1899.
Nosso primeiro pastor, o Rev. João Manoel Gonçalves dos Santos, terminou seu curso, em Londres, e foi ordenado em 1876. Assim, durante a Segunda metade do século XIX não se desenvolveu a idéia de um seminário congregacional no Brasil. Isto também explica a falta de crescimento. IE Fluminense, 1858; Pernambucana, 1873; Passa Três, 1897; Niterói, 1899.
2. O PROBLEMA DA TEOLOGIA
Há ainda uma outra razão para o
descaso histórico com a formação teológica: o problema da frágil
confessionalidade gerou a falta de compromisso. Ora, a confissão religiosa não
se restringe apenas à forma de governo, embora, no nosso caso, seja o que
resta, e o congregacionalismo seja eminentemente uma forma de governo. Mas
mesmo isto está ameaçado de desaparecer, se nada for feito. Quando olhamos as
diversas confissões de fé do cristianismo, vemos nelas, por meio de credos e
documentos, explicações das origens e do caráter de suas origens históricas e
teológicas. Mesmo os católicos, que são cristãos, vemos em suas confissões, sua
identidade. São semi-pelagianos na doutrina do pecado e da graça, crêem na
efetividade dos sacramentos, reconhecem a primazia do bispo de Roma e da
importância normativa da tradição eclesiástica. Isto é uma identidade. Os
luteranos crêem na justificação pela fé somente (sola fide), na exaltação da
Palavra de Deus como principal meio de graça e na afirmação do sacerdócio
universal de todos os crentes; os calvinistas marcam sua posição no
reconhecimento da depravação total da raça humana, na expiação limitada, na
graça irresistível, na dupla eleição e na perseverança dos santos. Além disso,
destacam o aspecto do caráter legal da Bíblia e da disciplina da igreja. Os
batistas são membros de sua denominação porque são convencidos de que o batismo
por imersão é o único justificável; os metodistas são o que são porque temperam
certo calvinismo com modificações arminianas. E os congregacionais? Onde estão
seus pontos de convergência? O que nos une? A forma de governo? Recentemente li
num boletim dominical de uma de nossas igrejas, que a forma de governo
congregacional é a causa do nosso atraso no processo evangelizante. Parece que
a forma de governo não nos une mais. Não temos manuais de teologia. Não temos
catecismos. Desconhecemos os grandes congregacionalistas como P. T. Forsyth, R.
W. Dale, Jonathan Edwards e John Owen. O que resta? Levanta-se a exclamação de
Jacques Senarclens, no prefácio de sua obra, Herdeiros da Reforma (ASTE, 1970):
"Herdeiros da Reforma!" Somos ainda os herdeiros? Manifestamos a
mesma fé dos reformadores? O que sabemos sobre isto?
3. A FUNDAÇÃO DO SEMINÁRIO
Foi na Convenção de 1913, no Rio
de Janeiro, que o Dr. Souza apresentou as teses referentes à necessidade de
criação de um seminário para a União. Em 3 de março de 1914, o seminário
iniciou suas atividades. Seu primeiro reitor foi o Rev. Alexander Telford e
tendo como professores os Revs. Francisco de Souza, Leonidas da Silva e Pedro
Campelo. Os primeiros alunos foram: Jonathas Thomaz de Aquino, Bernardino
Cardoso Pereira, Abílio Nogueira e José Barbosa Ramalho. Em Recife, somente em
1927 é que se iniciaria a obra de Educação Teológica denominacional. Coube ao
Rev. James Haldane a direção do Educandário, com três alunos: Arthur Pereira de
Barros, Elias Alves de Oliveira e Luiz de França.
O antigo Seminário da União
funcionou de 1914 a 1921. No período em que esteve fechado, os obreiros eram
preparados no antigo Seminário Unido, uma obra cooperativa ente congregacionais,
presbiterianos e metodistas. Mas, em 1932 voltaram a ser ministradas as aulas
no Seminário Evangélico Congregacional. No Nordeste aconteceu fenômeno
semelhante. Com as matrículas reduzidas a três ou quatro alunos, o Instituto
fechou suas portas. Os presbiterianos mantinham um seminário com igual número
de alunos. Era o Seminário Evangélico do Norte. De 1936 a 1943 funcionou unido,
sendo Deão o Rev. William B. Forsyth.
4. A FUNDAÇÃO DO IBP
Em 1945 foi criado, no Rio de
Janeiro, o Instituto Bíblico da Pedra – o IBP – que teve como seus primeiros
diretores o casal Thomson. Em 1965 foi criado o Seminário Teológico
Congregacional do Rio de Janeiro, fruto da união entre IBP e STRJ. Em 1971
foram encerradas as atividades no internato. A partir daí, nos anos de 1970, o
Seminário funcionou precariamente, sem sede própria, sem paradeiro certo e
somente em regime de externato. Quando eu mesmo fui estudar, no final dos anos
setenta, o Seminário já funcionava nas dependências da IE Fluminense e os
seminaristas de outros estados eram encaminhados para um velho casarão nos
fundos da primeira Igreja Congregacional de Niterói, uma construção apenas no
tijolo e sem banheiro, cedido por empréstimo ao STCRJ. Dez anos depois, em
1981, por insistência de uns poucos, o Seminário voltou a funcionar em regime
de internato, em Pedra de Guaratiba, cumprindo ali seu papel.No Recife, depois
de muita instabilidade, o Seminário passou por uma reformulação nos anos de
1970, quando foi convidado para dirigir aquela instituição o Rev. Nilson
Ferreira Braga. Nilson fez um grande trabalho de visitas e contatos com as
igrejas e o Seminário progrediu. Cumpre seu papel, atendendo aos vocacionados
do Nordeste.
5. OS DESAFIOS DE UM NOVO
MILÊNIO
Estamos às vésperas de um novo
milênio, tempo adequado para se refletir sobre nossos propósitos quanto a
Educação Teológica confessional. Manter esta educação na Denominação é um
enorme desafio. O problema é que o espírito do denominacionalismo parece
desaparecer do nosso meio. A cada dia surgem novas escolas e em cada esquina,
uma nova proposta, com variadas opções de estudo da teologia. É verdade que
muitas não são escolas confiáveis, mas quem se preocupa com isso? A ordem é
terceirizar. Quero levantar três questões, nesse ponto:
1.
Qual o conceito que temos de educação teológica. É a preparação de pessoas para
o ministério? É a transmissão de ensino bíblico e teológico? Ou será muito mais
que isto, incluindo sua formação de modo integral, preocupação com sua vida,
não só de trabalho, mas também suas questões pessoais?
2.
Qual o perfil dos obreiros que precisamos? Queremos pastores, missionários,
missionários-pastores. Alguns acham que o pastor difere do mestre ou teólogo,
por causa de uma interpertação equivocada de Efésios 4:11.
3.
Qual a relação ideal entre igrejas e seminário? De que forma as igrejas
precisam investir nas instituições teológicas para lhes dar condições de
cumprirem sua tarefa? Deus chama o vocacionado de dentro de nossas igrejas. O
verbo kaleo (chamar, no grego) aparece mais de duzentas vezes no Novo
Testamento. Então, a igreja precisa acompanhar o desempenho do candidato e
assumir sua parte no processo de preparação. É bom lembrar que o dom para o
ministério (e nenhum outro) é um dom particular. Ninguém recebe um dom para
benefício próprio. Ele é dado para benefício da igreja. Eu o recebo para o bem
dela (I Co.12:7). Assim, se é dela, só ela pode atestar sua autenticidade. A
vocação por si só gera descrédito quanto à formação de obreiros. Um indivíduo
pode ir para o seminário por várias razões que não seja a vocação. Pode ir por
falta de oportunidade na vida. Pode ir por causa do desemprego. Nesse caso será
um desastre. Não há uma vocação. Pode ir por um deslumbramento inicial, por uma
paixão, por um namorado ou pela simples pressão de alguém. É aqui que entra a
tremenda responsabilidade da igreja de atestar essa vocação. O mesmo Espírito
que concede discernimento para alguém pregar é o mesmo que concede
discernimento aos crentes para verificar a autenticidade de um chamado. Há quem
pense que esta tarefa pertence ao seminário, mas, observe: é a igreja que o irá
recomendar; é ela que conhece sua vida e testemunho; que é servida por ele; é
ela que pode verificar a veracidade de sua mensagem. Aqui o papel do seminário
é secundário. Ele só deve aguardar o aval da Igreja.
Finalmente, a questão financeira. Muitas igrejas não reconhecem que a manutenção de uma pessoa no seminário é um ministério e uma tarefa missionária, como manter um obreiro no campo. A diferença é que, no caso do seminarista, o investimento começou cedo. Uma das falácias que precisamos exorcizar de nosso meio é aquela da igreja rica e da igreja pobre. Não existe isso. Existe igreja com visão e igreja sem visão. A chamada igreja rica pode não manter nem enviar ninguém. A que dizem ser pobre, pode mandar muitos. A visão que temos da obra é que vai determinar nosso procedimento. Então, cabe à igreja: orar com e pelos vocacionados; despertar outros e atestar sua vocação, enviá-los e sustentá-los, enquanto seminaristas, para dar-lhes condições de um bom preparo.
Aqui e em qualquer lugar do mundo, para que o obreiro seja bem preparado, precisa de treinamento, de acompanhamento, de dedicação e estudo concentrado. Precisamos resgatar a seriedade do ensino residencial, e o compromisso com a Confissão onde Deus nos chamou a trabalhar.
Finalmente, a questão financeira. Muitas igrejas não reconhecem que a manutenção de uma pessoa no seminário é um ministério e uma tarefa missionária, como manter um obreiro no campo. A diferença é que, no caso do seminarista, o investimento começou cedo. Uma das falácias que precisamos exorcizar de nosso meio é aquela da igreja rica e da igreja pobre. Não existe isso. Existe igreja com visão e igreja sem visão. A chamada igreja rica pode não manter nem enviar ninguém. A que dizem ser pobre, pode mandar muitos. A visão que temos da obra é que vai determinar nosso procedimento. Então, cabe à igreja: orar com e pelos vocacionados; despertar outros e atestar sua vocação, enviá-los e sustentá-los, enquanto seminaristas, para dar-lhes condições de um bom preparo.
Aqui e em qualquer lugar do mundo, para que o obreiro seja bem preparado, precisa de treinamento, de acompanhamento, de dedicação e estudo concentrado. Precisamos resgatar a seriedade do ensino residencial, e o compromisso com a Confissão onde Deus nos chamou a trabalhar.
AUTOR DESCONHECIDO
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