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quarta-feira, 23 de abril de 2014

ESTUDOS 36 - A EXPIAÇÃO DE CRISTO O CENTRO DA HISTÓRIA HUMANA

A EXPIAÇÃO DE CRISTO O CENTRO DA HISTÓRIA HUMANA


Introdução

Estamos às portas de um novo milênio, que se abre como uma incógnita para o futuro. Diante de nossos olhos verificamos um mundo totalmente paradoxal: riqueza e pobreza aos extremos; paz e guerra; diferenças religiosas absurdas; a ciência tentando criar a vida e pessoas morrendo ainda de doenças facilmente tratáveis em países subdesenvolvidos; pessoas querendo trabalhar mas não acham serviço. Enfim, esta geração, como nunca talvez outra geração em sua história, experimenta mudanças e abraça desilusões e desesperança.
O mundo de hoje também, como poucas vezes na história, tem vivido num sincretismo religioso absurdo. Vemos que Jesus pode ser comparado hoje em certas “seitas” a qualquer grande homem da história. Principalmente as crenças orientais desvirtuam pessoas bem intencionadas do caminho correto, aliás, do único caminho. Diante disso, sinto-me desafiado a provar, dentro da história humana bíblica (o desenvolvimento da história narrada pela bíblia, pois nós cristãos, cremos não na teoria da evolução, mas na realidade da Criação), de que Jesus é seu apogeu. Diante de um mundo onde cada vez mais se desrespeita a crença de Cristo como Deus, sinto-me privilegiado ao escrever esta obra, onde o ponto central é Jesus Cristo, Deus-homem, Criador de tudo, Redentor de todos os eleitos e Governador Eterno dos céus. Defenderei a centralidade da história humana na cruz de Cristo. Procurarei demonstrar que a centralidade da história do homem é uma morte (que deveria ser a sua própria), a morte do Cordeiro que traz vida àqueles que não a merecem.
A obra será uma análise teológica, da queda até os escritos bíblicos após o evento da cruz. A questão principal está nas entrelinhas: os esforços do homem não são capazes de levá-lo de volta a Deus. Deus vem buscá-lo, pois o mesmo se encontra “morto em seus delitos e pecados”. Nesse caso, o sacrifício expiatório se encontra no centro da história da reconciliação. Pergunto eu: O que foi mais importante na minha vida pessoal do que a reconciliação com Deus que possuo através de Jesus? Sem reconciliação, a criação não tem sentido após a queda. Sem reconciliação, a esperança escatológica morre. O ato expiatório realizado no A.T., onde o sacrifício de animais amenizava a ira de Deus, se cumpriu cabalmente em Cristo Jesus na expiação. Então, para mim, homem, o fato mais importante, o ponto central dentro da história bíblica como plano de Deus para salvação do homem é o ato reconciliatório da expiação.


Base Confessional
O assunto em pauta se encaixa na Teologia Sistemática, no que concerne à doutrina da Pessoa e Obra de Cristo. Os teólogos em geral colocam a expiação subordinada ao ofício Sacerdotal de Cristo.
A Confissão de Fé da Igreja Presbiteriana do Brasil relata:
VIII.III. O Senhor Jesus, em sua natureza humana unida à divina, foi santificado e sem medida ungido com o Espírito Santo (Lc 4.18,19,21; At 10.38), tendo em si todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 3.17). Aprouve ao Pai que nele habitasse toda a plenitude, (Cl 1.19)a fim de que, sendo santo, inocente, incontaminado e cheio de graça e verdade, estivesse perfeitamente preparado para exercer o ofício de Mediador e Fiador (Hb 7.26; Jo 1.14). Este ofício ele não tomou para si, mas para ele foi chamado pelo Pai(Hb 5.4,5), que lhe pôs nas mãos todo  o poder e todo o juízo, e lhe ordenou que os exercesse (Jo 5.22,27; Mt 28.18)[1].
VIII.V. O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que, pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça de seu Pai (Rm 5.19; Hb 9.14; Rm 3.25,26; Hb 10.14; Ef 5.2), para todos aqueles que o Pai lhe deu, adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança perdurável no Reino dos Céus (Ef 1.11,14; Jo 17.2; Rm 5.10-11; Hb 9.12,15)[2].
 
1. Interpretação Teológica
A expiação faz parte do plano eterno de Deus. Ela pode ser considerada como o “coração do evangelho”[3] e o centro da história humana. A partir da expiação podemos compreender um pouco do divino e eterno propósito, que consiste no amor de Deus. A expiação no plano histórico revelou-nos a verdadeira face de Javé.
A expiação em Calvino é entendida a partir da predestinação, que,         teologicamente, é assim explicada:
"Chamamos de predestinação ao eterno decreto de Deus, pelo qual destinou em si mesmo o que Ele quis que todo indivíduo do gênero humano viesse a ser. Porque eles não são criados todos com o mesmo destino; mas para alguns é preordenada a vida eterna, e para outros, a condenação eterna. Portanto, sendo criada cada pessoa para um ou outro destes fins, dizemos que é predestinada ou para a vida ou para a morte".[4]
Sem dúvida, isso gerou muitas contravenções por parte de alguns teólogos posteriores, principalmente do conhecido Jacobus Arminius (1519/1605),. Este rebateu posteriormente, de forma apologética, entre muitas doutrinas de Calvino, essa, em específico. Armínio afirmava que a expiação não poderia ser limitada, como Calvino defendia, tampouco podia ser  decretada por Deus, predestinando as pessoas para vida ou morte. Armínio afirma que:
"A expiação se faz necessária para expor somente uma  das  maneiras como Deus pode  manifestar seu amor, sem prejuízo de sua santidade. A expiação é universal, mas a vontade pervertida do homem pode  rejeitar essa provisão. A graça é uma só, não há graça comum que a distinga da especial. A graça universal é suficiente e segue a pregação do evangelho; todos podem reagir favoravelmente ou não segundo a vontade de cada um. A graça não é irresistível em cada caso. A regeneração origina-se no arrependimento e na fé. A vontade humana é uma das causas da regeneração. A fé é uma boa obra humana, base de aceitação diante de Deus. A justiça de Cristo não é imputada ao crente. Nesta vida o crente pode chegar a perfeição impecável, conformando-se com a vontade divina, com a cooperação de sua vontade. O indivíduo pode cair da graça e perder a salvação que antes possuía. O amor é o atributo supremo de Deus, a essência mesma de seu Ser. O alvo da criação é a felicidade. O homem foi criado naturalmente como um ser moral. A expiação é rectoral ou governamental, o que  significa que ela não é estritamente vicária e penal, e sim, uma realização simbólica que visa a salvaguardar os interesses do governo moral de Deus, ao mesmo tempo que abre a possibilidade de salvação, alicerçada sobre a obediência evangélica"A expiação se faz necessária para expor somente uma  das  maneiras como Deus pode  manifestar seu amor, sem prejuízo de sua santidade. A expiação é universal, mas a vontade pervertida do homem pode  rejeitar essa provisão. A graça é uma só, não há graça comum que a distinga da especial. A graça universal é suficiente e segue a pregação do evangelho; todos podem reagir favoravelmente ou não segundo a vontade de cada um. A graça não é irresistível em cada caso. A regeneração origina-se no arrependimento e na fé. A vontade humana é uma das causas da regeneração. A fé é uma boa obra humana, base de aceitação diante de Deus. A justiça de Cristo não é imputada ao crente. Nesta vida o crente pode chegar a perfeição impecável, conformando-se com a vontade divina, com a cooperação de sua vontade. O indivíduo pode cair da graça e perder a salvação que antes possuía. O amor é o atributo supremo de Deus, a essência mesma de seu Ser. O alvo da criação é a felicidade. O homem foi criado naturalmente como um ser moral. A expiação é rectoral ou governamental, o que  significa que ela não é estritamente vicária e penal, e sim, uma realização simbólica que visa a salvaguardar os interesses do governo moral de Deus, ao mesmo tempo que abre a possibilidade de salvação, alicerçada sobre a obediência evangélica[5]..
            A expiação em Armínio é relacionada ao livre arbítrio. Em Calvino esta é relacionada com a predestinação. Para Armínio, o pecado original não deixou o homem inteiramente morto em seus delitos e pecados. O homem por si mesmo estava dotado da capacidade de se arrepender e crer. Para Armínio, a doutrina calvinista coloca Deus como um Ser arbitrário: Como uns vão para o céu e outros para o inferno. Encarar deste modo é acreditar num Deus maligno.
O nosso pensamento se baseia em Paulo, tão bem compreendida por Calvino: A expiação, partindo do eterno decreto de Deus, é limitada, sendo a predestinação (eleição) centrada na expiação. Acreditamos, que a expiação foi efetuada para todos os homens; Jesus morreu pelos seus, entretanto, em potencialidade, todos os homens poderiam ser salvos. A eficácia da expiação, bem como sua aplicação é limitada, dependendo do Espírito Santo, conforme as passagens bíblicas a seguir:
"Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos  santos e irrepreensíveis perante ele; em amor nos predestinou para ele, para adoção de filhos, por meio de  Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor da glória de sua graça, que ele nos  concedeu gratuitamente no Amado, no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça".[6]
"Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos  foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos, e manifestada agora pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o  evangelho",[7]
"Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, não nos dará com Ele graciosamente todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica".[8]
"Mas vós não credes, porque não sois das minha ovelhas. As minhas ovelhas ouvem a minha voz; Eu as conheço, e elas me seguem. Aquilo que o Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar"[9]
"Vós, porém, sois raça eleita… nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus"[10]
Existem ainda muitas outras passagens bíblicas a respeito da expiação limitada[11], o que prova que nossa posição, primeiramente, antes de ser calvinista, é bíblica. Existem textos que afirmam que Jesus  morreu por todos os homens[12], fato de que não discordamos; entretanto, estamos com Calvino quanto a interpretação destes, pois, mesmo que Jesus  tenha morrido por todos, a expiação não é em todos aplicada, e sim em alguns, a saber, os que foram de antemão eleitos, predestinados; a saber, os que confessam e crêem no Seu nome. É o que chamamos de expiação limitada: A graça de  Deus é suficiente para todos, eficiente para os eleitos.
Sabemos hoje que a maioria das igrejas pós-reformadas, herdou o pensamento arminiano. Inclusive, muitos de nossos pastores e ovelhas presbiterianas também não se adequam ao pensamento calvinista. Um dos fatores para que isso aconteça é a questão mais racional e cômoda de Armínio: Todos têm a oportunidade de escolha. Outra questão para que isso aconteça é que em nossos próprios hinários muitos hinos defendem a posição arminiana. Entretanto, ainda que muitos cristãos defendem a posição arminiana, entendemos que, em se fazendo jus às escrituras sagradas, a melhor interpretação, sem dúvida, é a de Calvino a esse respeito. Essa grande controvérsia trouxe muitas seqüelas à igreja, tendo ela se dividido inúmeras vezes por causa dessa questão. Deveríamos, como pastores e líderes resgatar a posição de Calvino em nosso hinários, sermões e estudos, não porque somos calvinistas, mas porque é assim que as Escrituras nos ensinam. Sejamos honestos diante dela.
Concluindo teologicamente a questão, podemos resumir a doutrina da expiação da seguinte forma: O homem foi criado santo, à imagem e semelhança de Deus. Caído do estado em que fora criado, por causa do pecado original, houve a ruptura e a morte, pois Deus exigiu punição ao pecado, por causa de sua santidade e justiça. Sendo o homem pecador e não podendo reerguer-se, (estando o  mesmo morto em seus delitos e pecados) deveria então um justo (o próprio Deus que se fez homem), morrer pelo injusto. As escrituras nos ensinam que isto aconteceu em Cristo. O sacrifício de Cristo na cruz revela o amor e a justiça de Deus. O sacrifício de Cristo na cruz é cumprimento da vontade do Pai. Desde os tempos mais antigos da bíblia já nos é revelada a questão da salvação. Deus já elege um povo que precisa ter fé no Ungido que virá. Os próprios sacrifícios do A.T. são uma prévia da expiação. Estes sacrifícios já preparam o homem para a centralidade da expiação e seu cumprimento histórico.
Quando defendo a centralidade da história no ato expiatório da cruz, na morte do Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, estou fazendo uma leitura do decreto eterno de Deus. Em sua Soberania, Deus assim já preparou tudo. Claro que em nossa limitada mente humana diremos: “Então Deus criou o homem para que pecasse; Ele na verdade é o autor do pecado”. De forma alguma. Posteriormente tratarei dessa questão. Aqui, através da posição reformada calvinista, o que defendemos é que a história humana tem sua centralidade na cruz de Cristo. Não foi na criação que fomos salvos, pois assim a salvação seria universal. Somos salvos e justificados na Cruz; por isso o decreto eterno de Deus tem sua centralidade na cruz e por isso podemos dizer que a expiação é limitada. A história anterior da cruz caminha para ela. A história posterior também se direciona para ela. O final dos tempos, como acreditamos, a volta gloriosa de Jesus e nossa salvação eterna que se concretizará, nada mais é do que a demonstração da vitória adquirida na cruz; nada mais é do que reflexo da expiação, que abriu o caminho aos escolhidos.
Sabemos, a partir disso, que a expiação foi inteiramente necessária, pelo fato de ter Jesus cumprido os eternos decretos do Pai, movido primeiro pelo amor e depois, também pela justiça.
 
2. Necessidade da Expiação
Para adentrarmos e entendermos o ato expiatório de Cristo, se faz necessário um pequeno comentário sobre a criação  do homem, bem como sua queda no pecado e em conseqüência, seu afastamento de Deus. A necessidade da expiação se torna evidente pela universalidade do pecado, pela seriedade do pecado e pela incapacidade do homem em resolver o problema do pecado[13].
É preciso buscar recursos no livro do Gênesis, com apoio no Novo Testamento. Ambos mostram o primeiro homem e sua experiência do pecado, entristecendo a Deus; rompendo com Ele.  “Criado santo, à imagem e semelhança de Deus, o homem caiu desse estado em que fora criado, pecando contra seu Criador”[14].
 
a) A Criação do Homem
a.1) Historicamente
Existem dois caminhos que podem ser percorridos: A interpretação literal deste fato, que caminhará com a pressuposição do teocentrismo. Neste pensamento o homem está totalmente na dependência de Deus, tanto em termos de salvação escatológica, como em sua vida presente. Esta é a posição conservadora reformada. Kidner afirma sobre a historicidade, que:
“O Novo Testamento a pressupõe e argumenta partindo dela, tomando o primeiro Adão tão literalmente como o último, cuja genealogia é apresentada em termos que  vão até aquele, em Lc 3.23ss. Conforme Rm 5.18,19; 1 Co 15.20,21, Adão foi ‘um homem’ e seu pecado foi ‘uma desobediência’, tão fatuais como a cruz e a ressurreição”[15]
Do outro lado está a interpretação mítica do fato. Extraída do método histórico crítico, redunda num caminho antropocêntrico, de conteúdo humanista. Segundo o humanismo, o homem é auto-suficiente, capaz de se governar. Esta é uma posição de cunho liberal[16].
Em se tratando do valor histórico da expiação de Cristo, necessariamente precisamos admitir a historicidade de Adão, concordando com a posição reformada. Os que preferem considerar a história da Criação e o Paraíso  como simples fábula ou mito, esbarram em afirmações do Novo Testamento, como veremos a  seguir. Em nome da razão científica (que talvez seja a causa dessa fuga da fé), os humanistas não conseguem crer na interpretação literal. Entretanto:
“nenhuma  objeção decisiva, porém, tem sido levantada contra a historicidade de Adão e Eva, em bases históricas, científicas ou filosóficas. O protesto tem sido baseado essencialmente em conceitos subjetivos de improbabilidade”[17].
Na carta de Paulo à Igreja de Roma, no capítulo 5, versículos 12ss, deixa claro que o pecado entrou no mundo por um só homem. É difícil entender o texto de Paulo como alusão ao princípio de maneira metafórica. Paulo fala de Adão como um sujeito que existiu historicamente, assim como Cristo. A natureza da expiação e sua eficácia passam pela obrigatoriedade da existência literal de Adão e Eva. Se Cristo era um indivíduo histórico, Adão também tinha que ser. “Se portanto, Cristo era um indivíduo histórico, Adão também o era. Senão o apóstolo inspirado estava errado”[18]. Não temos dúvida de que Paulo aceitava a historicidade literal da Criação. Como afirma Archer:
“A origem da raça humana é necessariamente assunto de revelação da parte de Deus, visto que nenhum registro escrito poderia remontar a uma época anterior à invenção da escrita. É concebível que o verdadeiro relatório da origem do homem pudesse ter sido transmitido pela tradição oral (e talvez existisse esta tradição até a época de Moisés). Mas, fora da Revelação, registrada  por escrito como Escritura inspirada, não  poderia haver qualquer certeza quanto à variedade estonteante de lendas da origem do homem conhecidas entre as muitas diferentes culturas da terra, no sentido de saber qual era o relato verdadeiro e digno de confiança. Aqui, o registro inspirado fala dum Adão e duma Eva literais, não dá a mínima impressão que  a narrativa seja mitológica na sua intenção. Certamente Cristo e os Apóstolos receberam-na como sendo história verdadeira”[19].
Acreditar no mito é enfraquecer o poder de Deus e contradizer a doutrina de Seu Eterno Propósito. Kant via o pecado como “um mal radical no homem, uma inclinação fundamental e que não pode ser erradicada no homem. É uma vontade autônoma que implica em culpa”.[20] Refutava a historicidade de sua origem bem como sua transmissão hereditária e dizia ser algo que escapava de sua explicação. Barth também “não acreditava na queda como um fato literal mas como um paradigma para todos os seres humanos em todos os tempos, e não um evento em um determinado momento no tempo.”[21]
Quem assim crê[22] afirma, e com isso podemos concordar, que a função das narrativas da criação não é científica. Entretanto, fica difícil concordar com o fator ideológico por detrás da pena do escritor ‘inspirado’, que admite uma possível “queda para cima”[23], “um mundo novo, onde  o projeto original de Deus leva a humanidade  a mais liberdade e vida”[24]. O autor em questão ainda mostra que o pecado, embora parece que põe tudo a perder, não é verdade, pois a  partir dele, a “humanidade terá de aprender a superar a auto-suficiência para sanar essa ruptura, a fim de chegar novamente à vida e plenitude”[25]. Sendo assim, o paraíso não é algo passado, perdido, é algo a ser alcançado pelo homem; algo idealizado que precisa ser conquistado (Mesters). Analisando por este ângulo, fica evidente que o  papel  de Jesus não é muito relevante para tal doutrina, que coloca o homem como o sanador da ruptura causada pelo pecado. Se a criação é um mito, a entrada do pecado no mundo também o é; a segunda criação, através de Cristo também passa a ser, bem como sua expiação pelos pecados. Então o homem não precisa depender da historicidade da expiação, basta seu simbolismo. Entretanto, verificaremos, no decorrer de nosso estudo, que a  expiação precisa ser histórica, cumprida tanto na pessoa divina, como humana de Cristo. Por isso, chegamos a conclusão de que a criação consiste em um ato literal e histórico.

a.2) Teologicamente
Deus criou o homem sem pecado, portanto, dotado de vontade e liberdade natural, pendendo, mais para o bem, do que para mal, em pleno estado de inocência, podendo fazer aquilo de que Deus se agradasse ou não (Gn 2.16-17). O homem, que era a imagem e semelhança de Deus, não era um deus, pelo contrário, era um ser limitado. Adão e Eva, os primeiros pais da humanidade, criados foram para viver no Paraíso e em total comunhão com Deus, sendo os administradores deste mundo de Deus (Gn 1.26). Deus os criou de forma diferenciada de Sua criação paralela. O homem foi feito conforme a imagem e semelhança de Deus. No duplo relato de Gênesis podemos ver que “há certas particularidades nas quais a criação do homem sobressai, em distinção da dos outros seres vivos”[26].
 “O homem  foi criado, portanto, um ser pessoal  distinto  dos brutos, tendo o duplo poder de reconhecer se a si mesmo como relacionado com o mundo e com Deus, e de determinar-se a si mesmo, em face dos fins morais”[27].
 
b) A Ruptura
Entretanto, o homem usou seu livre arbítrio para desobedecer a Deus, caindo então em pecado (maldição de morte). A partir disso, não podemos considerar Deus o autor do pecado:
“O eterno decreto de Deus evidentemente deu a certeza da entrada do pecado no mundo, mas não se pode interpretar isso de  modo que faça Deus a causa do pecado no sentido de Ser Ele o seu autor responsável”[28].
“A gravidade do primeiro pecado aparece no fato que o mandamento violado era a síntese exibida da autoridade, da bondade, da sabedoria, da justiça, da fidelidade e da graça de Deus. A transgressão significou o repúdio à Sua autoridade, a disputa acerca de Sua sabedoria, a  respeito de Sua justiça, a contradição contra a Sua veracidade, e o desprezo à Sua graça. Em todos os aspectos da perfeição de Deus, o pecado era a exata contradição. E esse será sempre o caráter do pecado”[29].
Adão, como figura literal, não apenas simbolizava todo o  gênero humano, como a partir dele, todo o gênero foi provado. “Para Anselmo, como Agostinho, cada um é uma parte da natureza humana que Adão possuía, de modo que em Adão há pecado, e portanto cada um é culpado, e está contaminado.”[30] Se Adão foi criado e caiu, não foi somente ele, mas, a natureza humana caiu. Em sua criação todo o gênero humano foi criado; em sua queda, todo o gênero caiu. Calvino também concorda que “o pecado original não era uma mera privação do homem e sim uma corrupção total de sua natureza, das faculdades superiores e inferiores da alma”.[31] Todos somos culpados em Adão e portanto todos nascemos em uma condição de pecado e corrupção.
Podemos ainda concordar com Agostinho quando afirma que o homem possuía liberdade, não no sentido de incapacidade de pecar (o non posse peccare, que Agostinho considera a verdadeira liberdade desfrutada no céu pelos bem-aventurados), mas de capacidade de não pecar (posse non peccare). E sua vontade era boa, ou seja dedicava-se a cumprir os mandamentos de Deus, que dotara a vontade com uma firme inclinação para a virtude. De sorte que seu corpo estava sujeito a sua alma; seus desejos carnais, à sua vontade; e sua vontade, a Deus. Ele já tinha a graça divina em torno de si (indumentum gratiae) e foi-lhe ainda concedido o dom especial de perseverança, isto é, a possibilidade de persistir no correto exercício de sua vontade. No entanto, conforme a Bíblia registra, ele caiu. A partir do relato de Agostinho, fica claro que o erro foi inteiramente humano. Deus não podia ser culpado, pois Ele lhe dera todas as vantagens; a única proibição que impusera, a de não comer o fruto proibido, era o reverso da opressão, e seus desejos não conflitavam com isso. Sua única fraqueza era sua condição de criatura, o que significava que ele era mutável por natureza, e, portanto, passível de se afastar do bem transcendente. Qualquer culpa devia recair exclusivamente em sua própria vontade, que, embora inclinada para o bem, tinha, por ser livre, a possibilidade de escolher errado. Quando ela o fez, o fundamento latente desse primeiro ato foi o orgulho, o desejo de romper com seu mestre natural, Deus, e de ser seu próprio mestre. Não fosse essa arrogante satisfação com o ego em sua alma, esse anseio de substituir Deus pelo ego como o alvo de seu ser, Adão jamais teria dado ouvidos ao tentador[32].
Chegamos à conclusão que o homem não conseguiu atingir o fim para qual foi criado. A “palavra hebraica hatah  e a palavra grega amartia, que em português se traduzem pecado; tanto uma com outra significa ‘errar o alvo’”[33]. Submetido à prova, o homem desobedeceu a  Deus, caindo de seu feliz estado de santidade num estado de pecado e terrível miséria, rompendo seus laços com o Criador.
 
c) Conseqüências Gerais do Pecado
“O pecado de Adão e Eva não foi um acontecimento isolado. As conseqüências no tocante a eles, à posteridade e ao mundo, tornam-se imediatamente evidentes”[34]. A Confissão de fé, no capítulo VI.II afirma:
“Por este  pecado eles decaíram de sua retidão original e da comunhão com Deus (Gn 3.68), e assim se tornaram mortos em pecado (Gn 2.17; Rm 5.12; Ef. 2.3) e inteiramente corrompidos em todas as faculdade e partes do corpo e da alma (Gn 6.5; Jr 17.9; Rm 3.10,19; Rm 8.6,8; Sl 58.15)”[35].
As conseqüências são flagrantes:
c.1) Mudança de atitude do homem para com Deus:
“... esconderam-se da presença do Senhor Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do Jardim”[36]. O homem passa  a ter vergonha e medo de seu Criador (cf. Gn 2.25; 3.7,10). Isso indica a degradação causada pelo pecado.
c.2) Mudança de atitude de Deus para com o homem:
“Reprovação, condenação, maldição, expulsão do jardim são indicações sobre essa revolução da atitude de Deus para com eles”[37]. Deus, que em essência, nada tem a ver com pecado ou malignidade, agora está separado do homem. Não porque Deus queira, mas porque jamais será conivente com a situação atual do homem.
c.3) Conseqüências para a raça humana e a morte.
A história que se segue mostra o gradativo afastamento da raça humana de seu Criador (Gn 4.8,19,23,24; 6.2,3,5).
“A queda tivera efeitos permanentes não somente sobre Adão e Eva, mas igualmente para todos os seus descendentes; há uma solidariedade racial no pecado e na iniqüidade”[38]. O homem pode procriar-se nesse mundo caído, mas “é coarctado dentro do arco nascimento-morte. A força procriativa da Bênção supõe o fato da morte. Homens devem morrer, para que outros homens possam viver”[39]. A morte ficou um símbolo também de perdão aos pecados; veremos isso com o desenrolar da monografia. A morte de animais em sacrifícios a Deus como forma de perdão ou agradecimento. A morte é a maldição absoluta de Deus sobre o homem. Teologicamente, com o decorrer da monografia, analisaremos a morte sob a simbologia da separação de Deus, e a vida (que Jesus nos dá) sob a simbologia de ruptura dessa separação.
c.4) Conseqüências para a Criação.
Não foi somente a raça humana que sofreu com a desobediência dos primeiros pais, também  todo os animais, plantas, enfim, o cosmos físico; todos sentiram os efeitos da queda (Gn 3.17; Rm 8.20).
“A catástrofe da queda do homem trouxe a catastrófica maldição contra tudo aquilo de que ele era a coroa, e sobre o que lhe fora dado domínio. O pecado foi um acontecimento na dimensão do espírito humano, mas teve tremendas repercussões sobre a criação inteira”[40].
c.5)  A Cura
Como pudemos analisar, o homem caído, separado agora de seu Criador, precisava ter mais uma oportunidade de salvação, não elaborada por si mesmo, mas originária no Eterno Decreto de Deus, bem como em Seu amor, de retorno daquele a Deus. Nesse contexto, para aplacar a ira divina é que poderemos verificar o ato expiatório de Cristo como sendo a única solução para a ruptura que o pecado realizara. Esta questão se inicia com os sacrifícios que encontramos no Velho Testamento, que eram feitos com o intuito de perdoar  pecados e ação de graças.
“A história da humanidade tem provado que todos  o s  homens são pecadores. Em todos o tempos os homens têm procurado reconciliar-se com Deus por meios de Culto e  sacrifícios. Todos os povos, em maior ou menor grau, tem a consciência do pecado. Reza um provérbio chinês: ‘Não há senão dois homens bons, um já morreu e o outro ainda não nasceu’”[41].
O simbolismo dos animais sacrificados e a expiação no Velho Testamento eram apenas uma sombra imperfeita do sacrifício perfeito que estava por ser realizado, a saber, o sacrifício do verdadeiro Cordeiro, o próprio Filho de Deus, o  próprio Deus.
Portanto, a cura dessa situação está no meio determinado por Deus, que, em seu infindo amor e misericórdia, proveu a redenção da humanidade, através de uma ação inteiramente Sua, chamada de “Redenção”.
 
d) Provas da Necessidade da Expiação:
Berkhof afirma:
“é claro o ensino da Escritura que Deus, em virtude da Sua retidão e santidade divina, não pode simplesmente passar por alto o desafio feito à Sua majestade infinita, mas necessariamente deve visitar com punição o pecado”[1][42].
Deus odeia o pecado. Todo o Seu ser reage contra o mesmo. “Paulo argumenta em Rm 3.25,26 que era necessário que Cristo fosse oferecido como sacrifício expiatório pelo pecado, a  fim de que Deus pudesse ser justo ao justificar o pecador”[43]. Vemos por ai que a necessidade da expiação decorre da natureza divina.
O segundo aspecto é referente à lei. Ninguém conseguiu seguir ou guardar a lei. Dt 27.26 afirma que “Maldito aquele que não confirmar as palavras desta lei”. Se o pecador não podia satisfazer as exigências da lei, se tornava então maldito. Toda a humanidade estava amaldiçoada pela lei. O escape da situação era “fazer provisão para uma satisfação vicária como base para a justificação do pecador”[44].
Existe também o fato que Deus prometeu ao homem a morte, caso este lhe desobedecesse. Como houve a desobediência por parte do homem e insistência de Deus na salvação deste (graças a Deus), Ele enviou um substituto, Cristo, o cordeiro imaculado, que pelo homem provou a morte pelo pecado.
“A maravilhosa grandeza do sacrifício que Deus providenciou implica a necessidade da expiação. Deus deu o Seu unigênito Filho para que Este se sujeitasse a terríveis sofrimentos e a uma morte vergonhosa. Ora, não se concebe que Deus o fizesse desnecessariamente. Diz acertadamente o Dr. A. A. Hodge: ‘Este sacrifício seria sumamente irrelevante se fosse algo menos que absolutamente necessário, em relação ao fim destinado a ser atingido, isto é, a menos que fosse realmente o único meio possível de salvação do pecador. Certamente Deus não teria feito do Seu filho um sacrifício de brinquedo, para satisfazer um capricho da vontade’. Também é digno de nota que Paulo argumenta em Gl 3.21 que Cristo não teria sido sacrificado, se a lei pudesse dar vida. A Escritura fala explicitamente que os sofrimentos de Cristo são necessários, em  Lc 24.26; Hb 2.10; 8.3; 9.22,23”[45].







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