A EXPIAÇÃO DE CRISTO O CENTRO DA
HISTÓRIA HUMANA
Introdução
Estamos
às portas de um novo milênio, que se abre como uma incógnita para o futuro.
Diante de nossos olhos verificamos um mundo totalmente paradoxal: riqueza e
pobreza aos extremos; paz e guerra; diferenças religiosas absurdas; a ciência
tentando criar a vida e pessoas morrendo ainda de doenças facilmente tratáveis
em países subdesenvolvidos; pessoas querendo trabalhar mas não acham serviço.
Enfim, esta geração, como nunca talvez outra geração em sua história,
experimenta mudanças e abraça desilusões e desesperança.
O
mundo de hoje também, como poucas vezes na história, tem vivido num sincretismo
religioso absurdo. Vemos que Jesus pode ser comparado hoje em certas “seitas” a
qualquer grande homem da história. Principalmente as crenças orientais
desvirtuam pessoas bem intencionadas do caminho correto, aliás, do único
caminho. Diante disso, sinto-me desafiado a provar, dentro da história humana
bíblica (o desenvolvimento da história narrada pela bíblia, pois nós cristãos,
cremos não na teoria da evolução, mas na realidade da Criação), de que Jesus é
seu apogeu. Diante de um mundo onde cada vez mais se desrespeita a crença de
Cristo como Deus, sinto-me privilegiado ao escrever esta obra, onde o ponto
central é Jesus Cristo, Deus-homem, Criador de tudo, Redentor de todos os
eleitos e Governador Eterno dos céus. Defenderei a centralidade da história
humana na cruz de Cristo. Procurarei demonstrar que a centralidade da história
do homem é uma morte (que deveria ser a sua própria), a morte do Cordeiro que
traz vida àqueles que não a merecem.
A
obra será uma análise teológica, da queda até os escritos bíblicos após o
evento da cruz. A questão principal está nas entrelinhas: os esforços do homem
não são capazes de levá-lo de volta a Deus. Deus vem buscá-lo, pois o mesmo se
encontra “morto em seus delitos e pecados”. Nesse caso, o sacrifício expiatório
se encontra no centro da história da reconciliação. Pergunto eu: O que foi mais
importante na minha vida pessoal do que a reconciliação com Deus que possuo
através de Jesus? Sem reconciliação, a criação não tem sentido após a queda.
Sem reconciliação, a esperança escatológica morre. O ato expiatório realizado
no A.T., onde o sacrifício de animais amenizava a ira de Deus, se cumpriu
cabalmente em Cristo Jesus na expiação. Então, para mim, homem, o fato mais
importante, o ponto central dentro da história bíblica como plano de Deus para
salvação do homem é o ato reconciliatório da expiação.
Base Confessional
O
assunto em pauta se encaixa na Teologia Sistemática, no que concerne à doutrina
da Pessoa e Obra de Cristo. Os teólogos em geral colocam a expiação subordinada
ao ofício Sacerdotal de Cristo.
A
Confissão de Fé da Igreja Presbiteriana do Brasil relata:
VIII.III.
O Senhor Jesus, em sua natureza humana unida à divina, foi santificado e sem
medida ungido com o Espírito Santo (Lc 4.18,19,21; At 10.38), tendo em si todos
os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 3.17). Aprouve ao Pai que nele
habitasse toda a plenitude, (Cl 1.19)a fim de que, sendo santo, inocente,
incontaminado e cheio de graça e verdade, estivesse perfeitamente preparado
para exercer o ofício de Mediador e Fiador (Hb 7.26; Jo 1.14). Este ofício ele
não tomou para si, mas para ele foi chamado pelo Pai(Hb 5.4,5), que lhe pôs nas
mãos todo o poder e todo o juízo, e lhe
ordenou que os exercesse (Jo 5.22,27; Mt 28.18)[1].
VIII.V.
O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo,
sacrifício que, pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só vez, satisfez
plenamente à justiça de seu Pai (Rm 5.19; Hb 9.14; Rm 3.25,26; Hb 10.14; Ef
5.2), para todos aqueles que o Pai lhe deu, adquiriu não só a reconciliação,
como também uma herança perdurável no Reino dos Céus (Ef 1.11,14; Jo 17.2; Rm
5.10-11; Hb 9.12,15)[2].
1. Interpretação Teológica
A
expiação faz parte do plano eterno de Deus. Ela pode ser considerada como o
“coração do evangelho”[3] e o
centro da história humana. A partir da expiação podemos compreender um pouco do
divino e eterno propósito, que consiste no amor de Deus. A expiação no plano
histórico revelou-nos a verdadeira face de Javé.
A
expiação em Calvino é entendida a partir da predestinação, que, teologicamente, é assim explicada:
"Chamamos
de predestinação ao eterno decreto de Deus, pelo qual destinou em si mesmo o
que Ele quis que todo indivíduo do gênero humano viesse a ser. Porque eles não
são criados todos com o mesmo destino; mas para alguns é preordenada a vida
eterna, e para outros, a condenação eterna. Portanto, sendo criada cada pessoa
para um ou outro destes fins, dizemos que é predestinada ou para a vida ou para
a morte".[4]
Sem
dúvida, isso gerou muitas contravenções por parte de alguns teólogos
posteriores, principalmente do conhecido Jacobus Arminius (1519/1605),. Este
rebateu posteriormente, de forma apologética, entre muitas doutrinas de
Calvino, essa, em específico. Armínio afirmava que a expiação não poderia ser
limitada, como Calvino defendia, tampouco podia ser decretada por Deus, predestinando as pessoas
para vida ou morte. Armínio afirma que:
"A
expiação se faz necessária para expor somente uma das
maneiras como Deus pode
manifestar seu amor, sem prejuízo de sua santidade. A expiação é
universal, mas a vontade pervertida do homem pode rejeitar essa provisão. A graça é uma só, não
há graça comum que a distinga da especial. A graça universal é suficiente e
segue a pregação do evangelho; todos podem reagir favoravelmente ou não segundo
a vontade de cada um. A graça não é irresistível em cada caso. A regeneração
origina-se no arrependimento e na fé. A vontade humana é uma das causas da
regeneração. A fé é uma boa obra humana, base de aceitação diante de Deus. A
justiça de Cristo não é imputada ao crente. Nesta vida o crente pode chegar a
perfeição impecável, conformando-se com a vontade divina, com a cooperação de
sua vontade. O indivíduo pode cair da graça e perder a salvação que antes
possuía. O amor é o atributo supremo de Deus, a essência mesma de seu Ser. O
alvo da criação é a felicidade. O homem foi criado naturalmente como um ser
moral. A expiação é rectoral ou governamental, o que significa que ela não é estritamente vicária
e penal, e sim, uma realização simbólica que visa a salvaguardar os interesses
do governo moral de Deus, ao mesmo tempo que abre a possibilidade de salvação,
alicerçada sobre a obediência evangélica"A expiação se faz necessária para
expor somente uma das maneiras como Deus pode manifestar seu amor, sem prejuízo de sua
santidade. A expiação é universal, mas a vontade pervertida do homem pode rejeitar essa provisão. A graça é uma só, não
há graça comum que a distinga da especial. A graça universal é suficiente e
segue a pregação do evangelho; todos podem reagir favoravelmente ou não segundo
a vontade de cada um. A graça não é irresistível em cada caso. A regeneração
origina-se no arrependimento e na fé. A vontade humana é uma das causas da
regeneração. A fé é uma boa obra humana, base de aceitação diante de Deus. A
justiça de Cristo não é imputada ao crente. Nesta vida o crente pode chegar a
perfeição impecável, conformando-se com a vontade divina, com a cooperação de
sua vontade. O indivíduo pode cair da graça e perder a salvação que antes
possuía. O amor é o atributo supremo de Deus, a essência mesma de seu Ser. O
alvo da criação é a felicidade. O homem foi criado naturalmente como um ser
moral. A expiação é rectoral ou governamental, o que significa que ela não é estritamente vicária
e penal, e sim, uma realização simbólica que visa a salvaguardar os interesses
do governo moral de Deus, ao mesmo tempo que abre a possibilidade de salvação,
alicerçada sobre a obediência evangélica[5]..
A expiação em Armínio é relacionada
ao livre arbítrio. Em Calvino esta é relacionada com a predestinação. Para
Armínio, o pecado original não deixou o homem inteiramente morto em seus
delitos e pecados. O homem por si mesmo estava dotado da capacidade de se
arrepender e crer. Para Armínio, a doutrina calvinista coloca Deus como um Ser
arbitrário: Como uns vão para o céu e outros para o inferno. Encarar deste modo
é acreditar num Deus maligno.
O
nosso pensamento se baseia em Paulo, tão bem compreendida por Calvino: A
expiação, partindo do eterno decreto de Deus, é limitada, sendo a predestinação
(eleição) centrada na expiação. Acreditamos, que a expiação foi efetuada para
todos os homens; Jesus morreu pelos seus, entretanto, em potencialidade, todos
os homens poderiam ser salvos. A eficácia da expiação, bem como sua aplicação é
limitada, dependendo do Espírito Santo, conforme as passagens bíblicas a
seguir:
"Assim
como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; em amor
nos predestinou para ele, para adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua
vontade, para o louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, no qual
temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da
sua graça".[6]
"Que
nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas
conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos
eternos, e manifestada agora pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus,
o qual não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade,
mediante o evangelho",[7]
"Se
Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou a seu próprio
Filho, antes, por todos nós o entregou, não nos dará com Ele graciosamente
todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem
os justifica".[8]
"Mas
vós não credes, porque não sois das minha ovelhas. As minhas ovelhas ouvem a
minha voz; Eu as conheço, e elas me seguem. Aquilo que o Pai me deu é maior do
que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar"[9]
"Vós,
porém, sois raça eleita… nação santa, povo de propriedade exclusiva de
Deus"[10]
Existem
ainda muitas outras passagens bíblicas a respeito da expiação limitada[11], o que prova que nossa posição, primeiramente,
antes de ser calvinista, é bíblica. Existem textos que afirmam que Jesus morreu por todos os homens[12], fato de que não discordamos; entretanto, estamos
com Calvino quanto a interpretação destes, pois, mesmo que Jesus tenha morrido por todos, a expiação não é em
todos aplicada, e sim em alguns, a saber, os que foram de antemão eleitos,
predestinados; a saber, os que confessam e crêem no Seu nome. É o que chamamos
de expiação limitada: A graça de Deus é
suficiente para todos, eficiente para os eleitos.
Sabemos
hoje que a maioria das igrejas pós-reformadas, herdou o pensamento arminiano.
Inclusive, muitos de nossos pastores e ovelhas presbiterianas também não se
adequam ao pensamento calvinista. Um dos fatores para que isso aconteça é a
questão mais racional e cômoda de Armínio: Todos têm a oportunidade de escolha.
Outra questão para que isso aconteça é que em nossos próprios hinários muitos
hinos defendem a posição arminiana. Entretanto, ainda que muitos cristãos
defendem a posição arminiana, entendemos que, em se fazendo jus às escrituras
sagradas, a melhor interpretação, sem dúvida, é a de Calvino a esse respeito.
Essa grande controvérsia trouxe muitas seqüelas à igreja, tendo ela se dividido
inúmeras vezes por causa dessa questão. Deveríamos, como pastores e líderes
resgatar a posição de Calvino em nosso hinários, sermões e estudos, não porque
somos calvinistas, mas porque é assim que as Escrituras nos ensinam. Sejamos
honestos diante dela.
Concluindo
teologicamente a questão, podemos resumir a doutrina da expiação da seguinte
forma: O homem foi criado santo, à imagem e semelhança de Deus. Caído do estado
em que fora criado, por causa do pecado original, houve a ruptura e a morte,
pois Deus exigiu punição ao pecado, por causa de sua santidade e justiça. Sendo
o homem pecador e não podendo reerguer-se, (estando o mesmo morto em seus delitos e pecados)
deveria então um justo (o próprio Deus que se fez homem), morrer pelo injusto.
As escrituras nos ensinam que isto aconteceu em Cristo. O sacrifício de Cristo
na cruz revela o amor e a justiça de Deus. O sacrifício de Cristo na cruz é
cumprimento da vontade do Pai. Desde os tempos mais antigos da bíblia já nos é
revelada a questão da salvação. Deus já elege um povo que precisa ter fé no
Ungido que virá. Os próprios sacrifícios do A.T. são uma prévia da expiação.
Estes sacrifícios já preparam o homem para a centralidade da expiação e seu
cumprimento histórico.
Quando
defendo a centralidade da história no ato expiatório da cruz, na morte do
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, estou fazendo uma leitura do
decreto eterno de Deus. Em sua Soberania, Deus assim já preparou tudo. Claro
que em nossa limitada mente humana diremos: “Então Deus criou o homem para que
pecasse; Ele na verdade é o autor do pecado”. De forma alguma. Posteriormente
tratarei dessa questão. Aqui, através da posição reformada calvinista, o que
defendemos é que a história humana tem sua centralidade na cruz de Cristo. Não
foi na criação que fomos salvos, pois assim a salvação seria universal. Somos
salvos e justificados na Cruz; por isso o decreto eterno de Deus tem sua
centralidade na cruz e por isso podemos dizer que a expiação é limitada. A
história anterior da cruz caminha para ela. A história posterior também se
direciona para ela. O final dos tempos, como acreditamos, a volta gloriosa de
Jesus e nossa salvação eterna que se concretizará, nada mais é do que a
demonstração da vitória adquirida na cruz; nada mais é do que reflexo da
expiação, que abriu o caminho aos escolhidos.
Sabemos,
a partir disso, que a expiação foi inteiramente necessária, pelo fato de ter
Jesus cumprido os eternos decretos do Pai, movido primeiro pelo amor e depois,
também pela justiça.
2. Necessidade da Expiação
Para
adentrarmos e entendermos o ato expiatório de Cristo, se faz necessário um
pequeno comentário sobre a criação do
homem, bem como sua queda no pecado e em conseqüência, seu afastamento de Deus.
A necessidade da expiação se torna evidente pela universalidade do pecado, pela
seriedade do pecado e pela incapacidade do homem em resolver o problema do
pecado[13].
É
preciso buscar recursos no livro do Gênesis, com apoio no Novo Testamento.
Ambos mostram o primeiro homem e sua experiência do pecado, entristecendo a
Deus; rompendo com Ele. “Criado santo, à
imagem e semelhança de Deus, o homem caiu desse estado em que fora criado,
pecando contra seu Criador”[14].
a) A
Criação do Homem
a.1)
Historicamente
Existem
dois caminhos que podem ser percorridos: A interpretação literal deste fato,
que caminhará com a pressuposição do teocentrismo. Neste pensamento o homem
está totalmente na dependência de Deus, tanto em termos de salvação
escatológica, como em sua vida presente. Esta é a posição conservadora
reformada. Kidner afirma sobre a historicidade, que:
“O
Novo Testamento a pressupõe e argumenta partindo dela, tomando o primeiro Adão
tão literalmente como o último, cuja genealogia é apresentada em termos
que vão até aquele, em Lc 3.23ss.
Conforme Rm 5.18,19; 1 Co 15.20,21, Adão foi ‘um homem’ e seu pecado foi ‘uma
desobediência’, tão fatuais como a cruz e a ressurreição”[15]
Do
outro lado está a interpretação mítica do fato. Extraída do método histórico
crítico, redunda num caminho antropocêntrico, de conteúdo humanista. Segundo o
humanismo, o homem é auto-suficiente, capaz de se governar. Esta é uma posição
de cunho liberal[16].
Em
se tratando do valor histórico da expiação de Cristo, necessariamente
precisamos admitir a historicidade de Adão, concordando com a posição
reformada. Os que preferem considerar a história da Criação e o Paraíso como simples fábula ou mito, esbarram em
afirmações do Novo Testamento, como veremos a
seguir. Em nome da razão científica (que talvez seja a causa dessa fuga
da fé), os humanistas não conseguem crer na interpretação literal. Entretanto:
“nenhuma objeção decisiva, porém, tem sido levantada
contra a historicidade de Adão e Eva, em bases históricas, científicas ou
filosóficas. O protesto tem sido baseado essencialmente em conceitos subjetivos
de improbabilidade”[17].
Na
carta de Paulo à Igreja de Roma, no capítulo 5, versículos 12ss, deixa claro
que o pecado entrou no mundo por um só homem. É difícil entender o texto de
Paulo como alusão ao princípio de maneira metafórica. Paulo fala de Adão como
um sujeito que existiu historicamente, assim como Cristo. A natureza da
expiação e sua eficácia passam pela obrigatoriedade da existência literal de
Adão e Eva. Se Cristo era um indivíduo histórico, Adão também tinha que ser.
“Se portanto, Cristo era um indivíduo histórico, Adão também o era. Senão o
apóstolo inspirado estava errado”[18].
Não temos dúvida de que Paulo aceitava a historicidade literal da Criação. Como
afirma Archer:
“A
origem da raça humana é necessariamente assunto de revelação da parte de Deus,
visto que nenhum registro escrito poderia remontar a uma época anterior à
invenção da escrita. É concebível que o verdadeiro relatório da origem do homem
pudesse ter sido transmitido pela tradição oral (e talvez existisse esta
tradição até a época de Moisés). Mas, fora da Revelação, registrada por escrito como Escritura inspirada,
não poderia haver qualquer certeza
quanto à variedade estonteante de lendas da origem do homem conhecidas entre as
muitas diferentes culturas da terra, no sentido de saber qual era o relato
verdadeiro e digno de confiança. Aqui, o registro inspirado fala dum Adão e
duma Eva literais, não dá a mínima impressão que a narrativa seja mitológica na sua intenção.
Certamente Cristo e os Apóstolos receberam-na como sendo história verdadeira”[19].
Acreditar
no mito é enfraquecer o poder de Deus e contradizer a doutrina de Seu Eterno
Propósito. Kant via o pecado como “um mal radical no homem, uma inclinação
fundamental e que não pode ser erradicada no homem. É uma vontade autônoma que
implica em culpa”.[20]
Refutava a historicidade de sua origem bem como sua transmissão hereditária e
dizia ser algo que escapava de sua explicação. Barth também “não acreditava na
queda como um fato literal mas como um paradigma para todos os seres humanos em
todos os tempos, e não um evento em um determinado momento no tempo.”[21]
Quem
assim crê[22] afirma, e com isso podemos concordar, que a função
das narrativas da criação não é científica. Entretanto, fica difícil concordar
com o fator ideológico por detrás da pena do escritor ‘inspirado’, que admite
uma possível “queda para cima”[23],
“um mundo novo, onde o projeto original
de Deus leva a humanidade a mais
liberdade e vida”[24]. O
autor em questão ainda mostra que o pecado, embora parece que põe tudo a
perder, não é verdade, pois a partir
dele, a “humanidade terá de aprender a superar a auto-suficiência para sanar
essa ruptura, a fim de chegar novamente à vida e plenitude”[25]. Sendo assim, o paraíso não é algo passado,
perdido, é algo a ser alcançado pelo homem; algo idealizado que precisa ser
conquistado (Mesters). Analisando por este ângulo, fica evidente que o papel
de Jesus não é muito relevante para tal doutrina, que coloca o homem
como o sanador da ruptura causada pelo pecado. Se a criação é um mito, a
entrada do pecado no mundo também o é; a segunda criação, através de Cristo
também passa a ser, bem como sua expiação pelos pecados. Então o homem não
precisa depender da historicidade da expiação, basta seu simbolismo.
Entretanto, verificaremos, no decorrer de nosso estudo, que a expiação precisa ser histórica, cumprida
tanto na pessoa divina, como humana de Cristo. Por isso, chegamos a conclusão
de que a criação consiste em um ato literal e histórico.
a.2)
Teologicamente
Deus
criou o homem sem pecado, portanto, dotado de vontade e liberdade natural, pendendo,
mais para o bem, do que para mal, em pleno estado de inocência, podendo fazer
aquilo de que Deus se agradasse ou não (Gn 2.16-17). O homem, que era a imagem
e semelhança de Deus, não era um deus, pelo contrário, era um ser limitado.
Adão e Eva, os primeiros pais da humanidade, criados foram para viver no
Paraíso e em total comunhão com Deus, sendo os administradores deste mundo de
Deus (Gn 1.26). Deus os criou de forma diferenciada de Sua criação paralela. O
homem foi feito conforme a imagem e semelhança de Deus. No duplo relato de
Gênesis podemos ver que “há certas particularidades nas quais a criação do
homem sobressai, em distinção da dos outros seres vivos”[26].
“O homem
foi criado, portanto, um ser pessoal
distinto dos brutos, tendo o duplo
poder de reconhecer se a si mesmo como relacionado com o mundo e com Deus, e de
determinar-se a si mesmo, em face dos fins morais”[27].
b) A
Ruptura
Entretanto,
o homem usou seu livre arbítrio para desobedecer a Deus, caindo então em pecado
(maldição de morte). A partir disso, não podemos considerar Deus o autor do
pecado:
“O
eterno decreto de Deus evidentemente deu a certeza da entrada do pecado no
mundo, mas não se pode interpretar isso de
modo que faça Deus a causa do pecado no sentido de Ser Ele o seu autor
responsável”[28].
“A
gravidade do primeiro pecado aparece no fato que o mandamento violado era a
síntese exibida da autoridade, da bondade, da sabedoria, da justiça, da
fidelidade e da graça de Deus. A transgressão significou o repúdio à Sua
autoridade, a disputa acerca de Sua sabedoria, a respeito de Sua justiça, a contradição contra
a Sua veracidade, e o desprezo à Sua graça. Em todos os aspectos da perfeição
de Deus, o pecado era a exata contradição. E esse será sempre o caráter do
pecado”[29].
Adão,
como figura literal, não apenas simbolizava todo o gênero humano, como a partir dele, todo o
gênero foi provado. “Para Anselmo, como Agostinho, cada um é uma parte da
natureza humana que Adão possuía, de modo que em Adão há pecado, e portanto
cada um é culpado, e está contaminado.”[30] Se
Adão foi criado e caiu, não foi somente ele, mas, a natureza humana caiu. Em
sua criação todo o gênero humano foi criado; em sua queda, todo o gênero caiu.
Calvino também concorda que “o pecado original não era uma mera privação do
homem e sim uma corrupção total de sua natureza, das faculdades superiores e
inferiores da alma”.[31]
Todos somos culpados em Adão e portanto todos nascemos em uma condição de
pecado e corrupção.
Podemos
ainda concordar com Agostinho quando afirma que o homem possuía liberdade, não
no sentido de incapacidade de pecar (o
non posse peccare, que Agostinho considera a verdadeira liberdade
desfrutada no céu pelos bem-aventurados), mas de capacidade de não pecar (posse non peccare). E sua vontade era
boa, ou seja dedicava-se a cumprir os mandamentos de Deus, que dotara a vontade
com uma firme inclinação para a virtude. De sorte que seu corpo estava sujeito
a sua alma; seus desejos carnais, à sua vontade; e sua vontade, a Deus. Ele já
tinha a graça divina em torno de si (indumentum
gratiae) e foi-lhe ainda concedido o dom especial de perseverança, isto é,
a possibilidade de persistir no correto exercício de sua vontade. No entanto,
conforme a Bíblia registra, ele caiu. A partir do relato de Agostinho, fica
claro que o erro foi inteiramente humano. Deus não podia ser culpado, pois Ele
lhe dera todas as vantagens; a única proibição que impusera, a de não comer o
fruto proibido, era o reverso da opressão, e seus desejos não conflitavam com
isso. Sua única fraqueza era sua condição de criatura, o que significava que
ele era mutável por natureza, e, portanto, passível de se afastar do bem
transcendente. Qualquer culpa devia recair exclusivamente em sua própria
vontade, que, embora inclinada para o bem, tinha, por ser livre, a
possibilidade de escolher errado. Quando ela o fez, o fundamento latente desse
primeiro ato foi o orgulho, o desejo de romper com seu mestre natural, Deus, e
de ser seu próprio mestre. Não fosse essa arrogante satisfação com o ego em sua
alma, esse anseio de substituir Deus pelo ego como o alvo de seu ser, Adão
jamais teria dado ouvidos ao tentador[32].
Chegamos
à conclusão que o homem não conseguiu atingir o fim para qual foi criado. A
“palavra hebraica hatah e a palavra grega amartia, que em português se traduzem pecado; tanto uma com outra significa ‘errar o alvo’”[33]. Submetido à prova, o homem desobedeceu a Deus, caindo de seu feliz estado de santidade
num estado de pecado e terrível miséria, rompendo seus laços com o Criador.
c)
Conseqüências Gerais do Pecado
“O
pecado de Adão e Eva não foi um acontecimento isolado. As conseqüências no
tocante a eles, à posteridade e ao mundo, tornam-se imediatamente evidentes”[34]. A Confissão de fé, no capítulo VI.II afirma:
“Por
este pecado eles decaíram de sua retidão
original e da comunhão com Deus (Gn 3.68), e assim se tornaram mortos em pecado
(Gn 2.17; Rm 5.12; Ef. 2.3) e inteiramente corrompidos em todas as faculdade e
partes do corpo e da alma (Gn 6.5; Jr 17.9; Rm 3.10,19; Rm 8.6,8; Sl 58.15)”[35].
As
conseqüências são flagrantes:
c.1)
Mudança de atitude do homem para com Deus:
“...
esconderam-se da presença do Senhor Deus, o homem e sua mulher, por entre as
árvores do Jardim”[36]. O
homem passa a ter vergonha e medo de seu
Criador (cf. Gn 2.25; 3.7,10). Isso indica a degradação causada pelo pecado.
c.2)
Mudança de atitude de Deus para com o homem:
“Reprovação,
condenação, maldição, expulsão do jardim são indicações sobre essa revolução da
atitude de Deus para com eles”[37].
Deus, que em essência, nada tem a ver com pecado ou malignidade, agora está
separado do homem. Não porque Deus queira, mas porque jamais será conivente com
a situação atual do homem.
c.3)
Conseqüências para a raça humana e a morte.
A
história que se segue mostra o gradativo afastamento da raça humana de seu
Criador (Gn 4.8,19,23,24; 6.2,3,5).
“A
queda tivera efeitos permanentes não somente sobre Adão e Eva, mas igualmente
para todos os seus descendentes; há uma solidariedade racial no pecado e na
iniqüidade”[38]. O homem pode procriar-se nesse mundo caído, mas
“é coarctado dentro do arco nascimento-morte. A força procriativa da Bênção
supõe o fato da morte. Homens devem morrer, para que outros homens possam
viver”[39]. A morte ficou um símbolo também de perdão aos
pecados; veremos isso com o desenrolar da monografia. A morte de animais em
sacrifícios a Deus como forma de perdão ou agradecimento. A morte é a maldição
absoluta de Deus sobre o homem. Teologicamente, com o decorrer da monografia,
analisaremos a morte sob a simbologia da separação de Deus, e a vida (que Jesus
nos dá) sob a simbologia de ruptura dessa separação.
c.4)
Conseqüências para a Criação.
Não
foi somente a raça humana que sofreu com a desobediência dos primeiros pais,
também todo os animais, plantas, enfim,
o cosmos físico; todos sentiram os efeitos da queda (Gn 3.17; Rm 8.20).
“A
catástrofe da queda do homem trouxe a catastrófica maldição contra tudo aquilo
de que ele era a coroa, e sobre o que lhe fora dado domínio. O pecado foi um
acontecimento na dimensão do espírito humano, mas teve tremendas repercussões
sobre a criação inteira”[40].
c.5) A Cura
Como
pudemos analisar, o homem caído, separado agora de seu Criador, precisava ter
mais uma oportunidade de salvação, não elaborada por si mesmo, mas originária
no Eterno Decreto de Deus, bem como em Seu amor, de retorno daquele a Deus.
Nesse contexto, para aplacar a ira divina é que poderemos verificar o ato
expiatório de Cristo como sendo a única solução para a ruptura que o pecado
realizara. Esta questão se inicia com os sacrifícios que encontramos no Velho
Testamento, que eram feitos com o intuito de perdoar pecados e ação de graças.
“A
história da humanidade tem provado que todos
o s homens são pecadores. Em
todos o tempos os homens têm procurado reconciliar-se com Deus por meios de
Culto e sacrifícios. Todos os povos, em
maior ou menor grau, tem a consciência do pecado. Reza um provérbio chinês:
‘Não há senão dois homens bons, um já morreu e o outro ainda não nasceu’”[41].
O
simbolismo dos animais sacrificados e a expiação no Velho Testamento eram
apenas uma sombra imperfeita do sacrifício perfeito que estava por ser
realizado, a saber, o sacrifício do verdadeiro Cordeiro, o próprio Filho de
Deus, o próprio Deus.
Portanto,
a cura dessa situação está no meio determinado por Deus, que, em seu infindo
amor e misericórdia, proveu a redenção da humanidade, através de uma ação
inteiramente Sua, chamada de “Redenção”.
d)
Provas da Necessidade da Expiação:
Berkhof
afirma:
“é
claro o ensino da Escritura que Deus, em virtude da Sua retidão e santidade
divina, não pode simplesmente passar por alto o desafio feito à Sua majestade
infinita, mas necessariamente deve visitar com punição o pecado”[1][42].
Deus
odeia o pecado. Todo o Seu ser reage contra o mesmo. “Paulo argumenta em Rm
3.25,26 que era necessário que Cristo fosse oferecido como sacrifício
expiatório pelo pecado, a fim de que
Deus pudesse ser justo ao justificar o pecador”[43]. Vemos por ai que a necessidade da expiação
decorre da natureza divina.
O
segundo aspecto é referente à lei. Ninguém conseguiu seguir ou guardar a lei.
Dt 27.26 afirma que “Maldito aquele que não confirmar as palavras desta lei”.
Se o pecador não podia satisfazer as exigências da lei, se tornava então
maldito. Toda a humanidade estava amaldiçoada pela lei. O escape da situação
era “fazer provisão para uma satisfação vicária como base para a justificação
do pecador”[44].
Existe
também o fato que Deus prometeu ao homem a morte, caso este lhe desobedecesse.
Como houve a desobediência por parte do homem e insistência de Deus na salvação
deste (graças a Deus), Ele enviou um substituto, Cristo, o cordeiro imaculado,
que pelo homem provou a morte pelo pecado.
“A
maravilhosa grandeza do sacrifício que Deus providenciou implica a necessidade
da expiação. Deus deu o Seu unigênito Filho para que Este se sujeitasse a
terríveis sofrimentos e a uma morte vergonhosa. Ora, não se concebe que Deus o
fizesse desnecessariamente. Diz acertadamente o Dr. A. A. Hodge: ‘Este
sacrifício seria sumamente irrelevante se fosse algo menos que absolutamente
necessário, em relação ao fim destinado a ser atingido, isto é, a menos que
fosse realmente o único meio possível de salvação do pecador. Certamente Deus
não teria feito do Seu filho um sacrifício de brinquedo, para satisfazer um
capricho da vontade’. Também é digno de nota que Paulo argumenta em Gl 3.21 que
Cristo não teria sido sacrificado, se a lei pudesse dar vida. A Escritura fala
explicitamente que os sofrimentos de Cristo são necessários, em Lc 24.26; Hb 2.10; 8.3; 9.22,23”[45].
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