FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO
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O CRISTIANISMO NUMA
PERSPECTIVA DE TERCEIRO MUNDO -
Estou grato à redação do
"Igreja Nova" por me dar a oportunidade de conversar com vocês de
forma espontânea e solta acerca de uma pesquisa que me ocupa os dias e as horas
nestes últimos dois anos. Efetivamente, com alguns colegas, (uns dez no total),
nos metemos no projeto de escrever uma história do cristianismo como um todo,
de Jesus aos nossos dias, na perspectiva do Terceiro Mundo, ou seja da América
Latina, do Caribe, da Ásia, da África. Pois quase sempre essa história é
contada através de estudos feitos no Primeiro Mundo. A quase totalidade dos
especialistas em história do cristianismo vivem na Europa ou na América do
Norte. E eles produzem coisas muito boas: basta lembrar o livro "O Jesus
histórico"de Crossan (Imago, São Paulo, 1994).
Mesmo assim esses estudos têm a
marca registrada do Primeiro Mundo, onde a pobreza é (ou parece ser) menos
premente e os problemas menos urgentes. Por isso quisemos fazer ouvir uma outra
voz, por fraca e desafinada que seja. Há intuições próprias, enfoques
originais, temas por demais esquecidos. Por exemplo a tão discutida questão dos
pobres. Enfim, caro(a) leitor(a), "você decide"se vale a pena
comunicar aqui, em textos que lhe tomarão uns cinco minutos de leitura, algumas
descobertas que estou fazendo ao longo desses anos de leituras e pesquisas. Espero
que gostem e agradeço de antemão a atenção (e eventuais comentários).
A primeira clareza que se me fez
durante minhas pesquisas, eu diria de forma insistente, é que o cristianismo é
apenas uma das possibilidades de se tentar concretizar o sonho de Jesus, ao
lado de outras que não se concretizaram ou que foram esmagadas . Em outras
palavras: o cristianismo não pode pretender ser uma simples decorrência linear
do movimento de Jesus.
Nele há um dinamismo dialético
entre as intuições fundamentais de Jesus continuamente recuperadas e
reatualizadas e do outro lado os inevitáveis desvios, esquecimentos, limites.
Assim o cristianismo fica necessariamente circunscrito por uma história ao
mesmo tempo universal e particular: universal na sua continuada procura de
fidelidade à inspiração original, particular porque na realidade só se adaptou
em profundidade a uma cultura: a do mundo mediterrâneo. Aí houve um verdadeiro
esforço de "inculturação". A nenhuma outra cultura o cristianismo se
adaptou na mesma medida e com o mesmo empenho.
Você já entendeu o que quero
dizer: é preciso insistir no caráter fundamentalmente mediterrâneo -e portanto
regional e limitado- do próprio cristianismo. Isso nos parece importante quando
se pretende estudar a nossa tradição cristã na perspectiva do Terceiro Mundo.
Eis o primeiro papo que quis "bater"com vocês.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO
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Publicamos nesta edição, o
segundo, dos oito artigos enviados pelo Prfº Eduardo Hoornaert, fundador do
CEHILA ( Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina) e autor
de vários artigos e livros sobre a História do Cristianismo, especialmente para
o nosso jornal.
O primordial seguimento de Jesus
se estende do período imediatamente após a morte de Jesus, por volta de 40, até
a destruição do templo de Jerusalém em 70. Historicamente aqui o cristianismo
como tal ainda não existe. Trata-se de um período em que os seguidores de Jesus
ainda seguem a Torá ou seja a religião judaica, na Palestina e naquelas partes
da Síria ou mesmo do Mediterrâneo Ocidental já atingidas pela missão através da
diáspora judaica. Estamos ainda no mundo da tradição judaica.
A questão é: a que realidade
concreta correspondem os documentos que possuímos sobre esse período ? O
documento mais importante é o assim chamado "Evangelho"Q ( a letra
vem da palavra alemã "quelle": fonte), mais tarde - depois do ano 70
- inserido nos evangelhos de Mateus e Lucas.
Esse primeiríssimo evangelho foi
sem dúvida redigido por causa do cuidado que os primeiros seguidores de Jesus
tiveram em preservar a memória original do movimento da forma mais perfeita
possível, a serviço dos que pretendiam seguir no movimento.
A leitura desse documento, hoje
acessível inclusive em português, mostra que o movimento de Jesus era um
movimento camponês, um dos diversos movimentos camponeses que surgiram na
Palestina no primeiro século. Quem nos informa é o autor americano Horsley, no
seu livro "Bandidos, Profetas e Messias", recentemente editado pela
Editora Paulus de São Paulo (1995).
O movimento vem trazer uma esperança
muito concreta para o mundo camponês da Galiléia, algo diretamente ligado à
vida cotidiana: mesa farta, saúde,bem-estar para as famílias camponesas. O
cristianismo ulterior abandonou o vínculo direto com a classe camponesa, como
abandonou também essa expectativa concreta de solução dos problemas da
humanidade pobre aqui na terra (não no céu). É o que os especialistas chamam de
"escatologia terrestre".
Foi com razão que Moltmann, no
livro "O Caminho de Jesus Cristo", recentemente publicado pela editora
Vozes, se queixou de que, ulteriormente, "a teologia cristã negligenciou a
escatologia"(p.21), quer dizer essa escatologia terrestre e concreta dos
camponeses que elaboraram o primeiro projeto com Jesus.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO
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UM EVANGELHO Q ?
Na nossa conversa anterior
dissemos que no período entre 40 e 70 já existiram diversos “evangelhos”,
principalmente o Evangelho Q, que mais tarde foi incorporado aos evangelhos
sinópticos. Seriam evangelhos produzidos pela primeira geração dos seguidores
de Jesus.
Como entender tudo isso? Vejamos
bem: hoje as pesquisas acerca das origens do cristianismo já pode afirmar com
certeza que a redação dos primeiros textos acerca do movimento de Jesus
situa-se no período entre os anos 40 ( alguns dizem: 30 ) e 70 ( alguns dizem:
60 ) d.C., portanto algumas décadas antes dos evangelhos canônicos.
Para quem não é versado nos
estudos neo-testamentários pode parecer estranho que entre os primeiros
seguidores de Jesus tenham circulado “evangelhos” anteriores aos evangelhos
conhecidos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Por isso pensamos que uma
apresentação sumária do que a ciência encontrou recentemente a respeito não
será inútil.
Quanto ao Evangelho Q, já se
disse no artigo anterior que a letra Q vem de “Quelle”, em alemão: fonte. É um
texto composto na década de 50, provavelmente em Tiberíades da Galiléia,
posteriormente perdido e recentemente recomposto pelos cientistas do Novo
Testamento. Foi inserido nos evangelhos de Mateus e Lucas, como já disse.
A extração desse primitivo
evangelho dos textos conhecidos de Lucas e Mateus é sem dúvida uma das maiores
façanhas da exegese deste século. A pesquisa em torno dele ganhou força nos
últimos anos, embora ainda não se tenha chegado a conclusões definitivas.
Alguns especialistas escreveram sobre Jesus sem incorporar esses novos achados,
outros já os usam.
De nossa parte opinamos que tudo
o que se escreve hoje- e não é pouco -, inclusive a presente nota, fica no
patamar das hipóteses enquanto não se concluam esses estudos acerca das
tradições pré-sinóticas. Mas é bom ir adaptando-se à inclusão dessas fontes nos
estudos. Seja como for, pensamos que o caráter camponês do Evangelho Q se
evidencia por numerosos indícios. Essa é aliás a tese que queremos defender.
Para bem compreender tudo isso é
bom lembrar-se que, até a segunda parte do século II, prevaleceu nas
comunidades a tradição oral. Os primeiros seguidores de Jesus não eram letrados
e só recorriam a breves textos lapidares, como o Evangelho Q. Esses textos
permitem um acesso melhor aos fatos, enquanto os evangelhos sinópticos são
obras mais elaboradas, mais arrumadas, redigidas sob maior controle por parte
das autoridades.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO
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UMA SURPRESA
O cristão de hoje, ao ler a
sucessão de breves versículos do Evangelho Q, fica surpreso. Pensa encontrar
informações sobre Jesus, seu nascimento, sua pregação, sua paixão e
ressurreição...e nada. Os textos não insistem de maneira nenhuma na pessoa de
Jesus, não mostram interesse na sua biografia, não relatam nem milagres nem
curas.
Neles, Jesus apenas aparece como
quem fala, preocupado com a formação dos participantes do projeto. Já podemos
pois tirar uma conclusão importante: o centro das preocupações da primeira
geração era o projeto, não a figura de Jesus. Bem nos inícios, a atenção estava
voltada para o projeto do Reino, e não tanto para a imitação de Cristo.
Aliás nossa observação - de
caráter histórico - vem ao encontro do que o teólogo Jon Sobrino vem afirmando
em seu livro “Jesus na América Latina”: “A realidade última, para Jesus, não é
sua própria pessoa, nem Deus, nem a igreja, nem o reino dos céus
( o além ), mas sim o reino de Deus”(Loyola, São Paulo, 1985, 122-125).
( o além ), mas sim o reino de Deus”(Loyola, São Paulo, 1985, 122-125).
No nosso entender aí está a razão
porque será sempre difícil saber como foi mesmo a história de Jesus, não por
falta de documentos, mas porque os documentos correspondem a outra preocupação:
a de formar com urgência um projeto de “Reino de Deus” para os camponeses da
Galiléia, sofredores e injustiçados.
Para falar em termos mais
técnicos: constatamos uma predominância do tema do Reino sobre o tema da Pessoa
de Jesus na primeira tradição. Desde o famosos livro de Renan: “Jesus”(1863),
recentemente reeditado, e passando por Schweitzer (1906) e Klausner (1927), a
pesquisa das origens empreendida no Primeiro Mundo tem manifestado uma maior
concentração no estudo da figura de Jesus, seja no “Jesus histórico”, seja -
mais recentemente - no “Jesus judaico”, do que no estudo do movimento social
que se formou em torno dele.
Estudos recentes como o de Crossan
(1994) , Meier (primeira parte:1993) , Vermes (1995), Charlesworth (1992),
todos publicados pela Editora Imago do Rio de Janeiro, ou ainda o livro de
Duquesne, publicado pela Geração Editorial de São Paulo em 1995, focalizam
predominantemente a Jesus e deixam o Reino um pouco na sombra. Isso deixa as
portas abertas à heroicização.
Aqui no Terceiro Mundo nos
sentimos mais identificados com trabalhos como o de Horsley, que já mencionamos
num artigo anterior, que demonstra o caráter fundamentalmente camponês do
movimento de Jesus. O acento cai sobre o movimento, não sobre a pessoa de seu
animador.
FORMAÇÃO
DO CRISTIANISMO 5
UM MOVIMENTO CAMPONÊS
Nas conversas anteriores dissemos
que o movimento de Jesus foi um movimento camponês. Essa é uma observação da
maior importância.
Se for verdade que a gente
camponesa está na origem do movimento e indiretamente da verdade cristã tal
qual a procuramos entender ainda hoje, então temos que ter o maior cuidado com
as possíveis distorções provenientes dos intelectuais que trabalharam em cima
de temas fundantes, provenientes do mundo camponês judeu.
Será que os intelectuais sempre
compreenderam o que os camponeses quiseram dizer e fazer? Esses camponeses em questão
enchiam as sinagogas, mais tarde as casas comunitárias, ainda mais tarde as
basílicas e as igrejas, num movimento ininterrupto que durou séculos e afinal
de contas dura até hoje.
Durante tantos séculos, os
camponeses constituíram o público predominante das religiões emanadas do
movimento de Jesus (ortodoxia, catolicismo, protestantismos). Eles nos
acompanham já por 6 mil a 7 mil anos e constituem “mais da metade das pessoas
que viveram desde o início dos tempos” ( Horsley - que já mencionamos nas notas
anteriores - 1995, 14 ).
Mas só a partir dos anos ‘50 e
‘60 as ciências sociais começam a se interessar por eles: durante séculos e
séculos os camponeses nasceram, viveram e morreram sem praticamente nenhum
registro escrito de sua passagem pela terra. Os documentos cristãos não são uma
exceção: praticamente não se fala de camponeses.
Contudo na época de Jesus
constituíam mais de 90% da população da Palestina ( Horsley, 1995, 8 ), uma
imensa maioria que ficou largamente silenciosa mesmo no nível dos textos
evangélicos, onde já não aparecem mais em primeiro plano. Aí se fala mais dos
fariseus e dos “doutores da lei”, gente da elite, do que dos camponeses.
Precisa-se restituir aos
camponeses a iniciativa do movimento de Jesus. Pois Jesus era originário da
aldeia camponesa de Nazaré e foi a partir da emoção e da indignação que ele
manifestava para com as condições de vida camponesa que ele foi reconhecido
pelos camponeses como alguém capaz de representá-los, defendê-los e
orientá-los.
Só dentro do mundo referencial
camponês galileu se entende a história de Jesus. Não desprezemos a capacidade
teológica desses camponeses galileus: eles eram herdeiros de uma longa e bonita
tradição teológica cultivada em Israel desde muitos séculos. Teólogos sofridos,
de mãos calejadas, mas teólogos. Camponeses-teólogos, ciosos em descobrir
sempre o sentido mais profundo das coisas. Sua teologia era ao mesmo tempo
mística e escatológica, esperava um tempo bom após tanto sofrimento.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO
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OS CAMPONESES RECONHECEM
JESUS
É a partir da maneira de pensar
dos camponeses galileus dos anos 20-40 que conseguimos compreender a figura de
Jesus. Ele é logo identificado por eles, sem maiores dificuldades, como profeta
e messias. Como entender isso ?
Se Jesus foi chamado a assumir a
liderança de um movimento camponês, não se deve pensar que esse tenha sido o
único existente na Palestina daquele tempo. Horsley teve a idéia de se
perguntar quais eram os nomes que os camponeses deram na época a líderes de
movimentos de libertação.
Ele chegou a três termos típicos:
Bandido, Messias, Profeta. Horsley chegou assim a uma tipologia dos movimentos
camponeses e chegou a registrar os seguintes nomes: Bandidos famosos foram
Ezequias ( cerca de 47-38 a. C. ), os salteadores das cavernas na década de 30
d.C., Eleazar ben Dinai (30-50 d.C.), Tomolau (início da década de 40 d.C.),
Jesus filho de Safias (década de 60 d.C.) e João de Gíscala (66 d.C.).
Entre os Messias contamos Judas,
filho de Ezequias (aprox. 4 a.C.), Simão (aprox. 4 a.C.), Antroges (aprox. 4-20
d.C.), Manaém, filho de Judas o Galileu (aprox. 66 d.C.) , Simão bar Giora
(68-70 d.C.) e Bar Kokeba (132-135 d.C.). Profetas conhecidos eram João Batista
( do final da década de 20 d.C.), o Samaritano (aprox. 26-36 d.C.), Teudas
(aprox. 45 d.C.), o Egípcio (aprox. 56 d.C), e Jesus filho de Ananias (62-69
d.C.). ( Horsley, 1995, 222-223 ).
Todos esses movimentos procuravam
reverter uma situação de extrema injustiça, penúria e marginalização.
Normalmente eram dirigidos contra a elite nacional templária, a casa de Herodes
ou os representantes do império romano. Jesus nunca foi reconhecido como
bandido ( embora tenha sido crucificado entre dois “salteadores”, ou seja:
bandidos ), mas era relativamente fácil para os camponeses galileus reconhecer
nele um messias ou um profeta.
O referencial se encontrava na
cultura camponesa da época, transmitida nas sinagogas. Aí as figuras do messias
e do profeta eram conhecidas e esperava-se o surgimento de um messias -como
David, que conduzira a resistência de seu povo contra a dominação- ou de um
profeta tipo Elias ou Eliseu.
Figuras como Amós, Miqueias ou
Jeremias eram também muito populares. Claroa que não era qualquer um que
conseguisse interpretar a ação de Jesus segundo esses modelos bíblicos, mas em
geral não se pode menosprezar a formação cultural do camponês galileu.
Ele vivia num clima de
expectativa apocalíptica, aguardava para dentro de breve o dia em que Deus ia
pronunciar seu veredito sobre o mundo, e os ëxércitos celestes” iam descer para
socorrer os justos na luta final.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 7
JESUS, MESSIAS E PROFETA.
JESUS, MESSIAS E PROFETA.
Os camponeses reconheceram logo
em Jesus um “Messias”. A expressào “Reino de Deus”, usada por ele, era de fácil
assimilação, pois correspondia a uma longa tradição de espera por uma realeza
popular.
Se os romanos condenaram Jesus
sob a acusação de ser “rei dos judeus”(Mc 15, 26), é que o povo tinha usado o
termo para indicar Jesus. Aliás, Flávio Josefo, o historiador judáico que
permanece nossa maior fonte de conhecimento acerca dessa história toda, atesta
que o povo judeu costumava aclamar como reis seus líderes.
Na realidade, “esses reis
populares aclamados pelo povo eram líderes armados”( Horsley, 1995, 122 ). Mas
Jesus fugia do figurino. Era um Messias “diferente”. Não andava armado. Isso
não significa que ele tenha sido um messias espiritualizado do tipo que os
fariseus e os essênios se imaginavam.
Era um Messias camponês de
verdade (ou, se queiram, um Cristo, pois “cristo” é a tradução grega do termo
hebráico “mashîah” ou messias, ungido ), um rei ungido para liderar seu povo.
Não se procure mais no termo “Cristo”, pelo menos ao período que nos ocupa, um
significado maior do que a simples tradução de um termo muito comum entre os
camponeses galileus da época. Só mais tarde, já em ambiente cristão, a
expressão “Cristo”se tornou mais complexa, sobretudo com a assimilação de
linhas filosóficas gregas.
Os camponeses da Galiléia
igualmente não tiveram dificuldade em descobrir na pessoa de Jesus um Profeta
(Mc 6, 15-16). Ele fazia o que se esperava de um profeta, inspirava com
dinamismo um movimento que em última análise era de Deus. Os camponeses viram
nele um novo Moisés, Josué, ou um novo líder do tempo dos Juízes, um novo Elias
ou Eliseu, de qualquer modo uma grande figura que correspondia à vigorosa
tradição de profetas de Israel.
Os profetas eram figuras
eminentemente populares.Há pouca evidência do surgimento de profetas no meio
dos fariseus ou dos essênios, que viviam longe do povo. Um dos profetas com quem
jesus se aproximou foi João Batista, considerado o predecessor ou até o mentor
dele, pela proximidade das mensagens de ambos. De nossa parte pensamos que a
apresentação de Jesus segundo a tipologia popular e camponesa de Messias e
Profeta significa um passo à frente no esforço de se apresentar a figura de
Jesus aos povos do Terceiro Mundo.
Pois para interpretar a Jesus em
termos de hoje vigora um pouco por toda a parte entre os estudiosos do Primeiro
Mundo a famosa tipologia de Max Weber em cima da distinção burocrática,
tradicional e carismática. Segundo Weber, Jesus teria sido um líder
carismático.
Comparado com a tipologia de
Horsley - mais histórica, mais ligada à vida concreta dos camponeses da
Galiléia -, o esquema weberiano se revela muito genérico, pouco enraizado no
mundo concreto, capaz de criar uma imagem elitista de Jesus.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO
08
JESUS E OS ZELOTES.
JESUS E OS ZELOTES.
Uma questão que tem prejudicado
muito a discussão acerca do caráter “terceiromundista” da figura de Jesus é a
pretensa relação entre o movimento de Jesus e os dos assim chamados zelotes.
Nos anos ‘60-’80 criou-se, nos estudos acerca das origens do cristianismo, uma
forte polarização em torno da questão da violência e da não-violência.
Como na época os movimentos
marxistas efetivamente estavam com o poder em diversos estados (Rússia, China,
Cuba ), e o tinham conquistado através da luta armada, houve assimilação entre
movimentos populares e violência. Daí a ânsia em se apresentar um Jesus
não-violento em oposição com movimentos camponeses “violentos, e
especificamente em provocar um contraste entre Jesus e os assim chamados
zelotes que teriam sido violentos típicos da época.
Ora, a questão dos zelotes é mal
colocada desta forma, como já ressaltamos no nosso estudo “O Movimento de
Jesus”(Vozes, 1994), e por um motivo muito simples: “Os zelotes, tais quais
comumente aparecem nos estudos recentes, são uma elaboração acadêmica
recente...Simplesmente não há provas de um movimento organizado que tivesse
defendido a revolta armada contra Roma entre 6 e 66 d.C.”(Horsley, 1995, 9 e
10).
Para falar claramente: Jesus
nunca lidou com zelotes pelo simples fato que o movimento não existia na época
de sua vida ou pelo menos não aparece no nível dos textos. tudo indica que só
emergiu no inverno de 67-68 d.C., ou seja no início da guerra judaica contra
Roma que terminou tão dramaticamente com a destruição do Templo de Jerusalém
pelos exércitos do Imperador Tito (ibidem, 18). E com isso podemos considerar
essa discussão por encerrada e passar adiante, com a permissão do benevolente
leitor.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO
9
O COMBATE À FOME
O COMBATE À FOME
O objetivo de Jesus estava muito
distante do trabalho dos zelotes ou da filosofia dos cínicos. Ele quis na
realidade encaminhar problemas muito concretos do povo camponês da Galiléia.
A primeira questão, a mais
urgente, foi a de saciar a fome do povo camponês da Galiléia. ( Rocha, Zildo e
Soares, Sebastião, O Escândalo da Fome e a Praxis da Vida Cristã, em: Estudos
Bíblicos 46, Vozes, Petrópolis, 1995, 19-24 ). Não a fome casual de quem está
fora de casa e não tem onde arranjar comida, mas a fome endêmica dos que passam
fome a vida toda. A tarefa é urgente.
A fome não conhece espera. A
religião dos famintos tem como sinal primeiro e principal a mesa farta, o pão, o
vinho, a “eucaristia” (agradecimento) por causa do pão e do vinho. A fome do
povo constitui a primeira urgência, a mais imediata, que leva Jesus a agir.
Ele sai do anonimato e se
pronuncia diante da sociedade. Inconformado com a fome que vê por toda a parte,
ele quer, num primeiro impulso, remediar ao que lhe eve ter pareceido uma
situação insustentável. Jesus é o primeiro a preocupar-se em dar de comer ao
povo, a comida simples de todos os dias: pão e peixe.
Evocações de mesa farta e de
banquete se repetem ao longo das narrativas evangélicas como o cúmulo da
felicidade. A felicidade suprema consiste em “nunca mais ter fome, nunca mais
ter sede” (Ap. 7,16). Morrer de fome é a última desgraça ( Ap. 6,8 ).
A expressão “pão e peixe” volta o
tempo todo.
É que a atenção do pobre sempre
está voltada para a mesa e o que nela eventualmente se encontra: pão e peixe.
Quem passa fome só vê diante de si a miragem da comida farta. Foi Gandhi quem
disse: “Para o faminto Deus tem a figura de pão”. Eis o grande sonho dos pobres
de todos os tempos e quadrantes deste mundo.
Foi o sonho na mente dos
primeiros ouvintes de Jesus na Galiléia. Este sabe por experiência que o povo
passa fome, pois frequenta os ambientes de trabalho (Mt 13,55). Daí a
orientação dada aos apóstolos: a fraternidade não pode limitar-se a palavras
generosas, tem que ter dimensões concretas, inclusive materiais e financeiras
(Mc 10, 21; Mt 19, 16-30). O que enraiza as narrativas evangélicas no chão da
realidade vivida é essa íntima relação com o mundo dos famintos que aparece a
cada momento. Jesus lida diretamente com famintos e dirige sua palavra e sua
ação em benefício destes.
Escreve José Comblin: “O
evangelho é uma palavra dirigida aos famintos ”( Comblin, José, A Fome e a
Bíblia, em: Estudos Bíblicos 46, Vozes, Petrópolis, 1995, 30). O evangelho se
relaciona com a fome, é em primeiro lugar uma proposta no sentido de solucionar
a fome dos camponeses sem terra da Galiléia.
EXCLUSIVO: FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 10
A EUCARISTIA
A Eucaristia é a exuberante ação
de graças na hora em que aparece o pão na mesa. Possuímos um relato revelador:
a multiplicação dos pães. Mas é preciso raspar o verniz dos séculos para ver
aparecer a história nas cores naturais. O texto foi tão manejado que chegou até
nós com uma série de exageros, acréscimos e comentários, ao ponto de tornar-se
quase impossível o reconhecimento do que realmente aconteceu ( Duquesne, J.,
Jesus, Geração Editorial, São Paulo, 1995, 110 ).
Os comentaristas modernos
explicam normalmente o milagre dizendo tratar-se de conseguir que as pessoas
que tinham seguido Jesus numa região deserta pudessem alimentar-se antes do
cair da noite. não sabemos mais o que foi feito concretamente na ocasião.
Pessoalmente acho viável a explicação de Theissen de que Joana, mulher de Cuza,
tenha mandado enviar na hora uma “feira”com pão, frutas e peixes ( Theissen,
G., A Sombra do Galileu, Vozes, Petrópolis, 1989, 143).
É uma entre muitas explicações.
Mas ela não explica o principal: o plano de Jesus diante de seu povo faminto,
vítima da fome edêmica. Se os quatro evangelistas falam com insistência dessa
multiplicação, e mostram como foi grande o entusiasmo na hora, e se eles contam
como os ajudantes recolhem os restos de pão com extremo cuidado “para que nada
se perca”, é que deve ter havido algo mais que uma única multiplicação de pães,
num momento de necessidade passageira. Jesus deve ter pensado num plano no
sentido de vencer o flagelo da fome.
Ele não era do tipo que fica com
a cabeça nas nuvens a sonhar. A imagem de doze cestos “com pedaços de cinco
pães de cevada”é absolutamente irresistível. As pessoas exclamam: “Esse é
verdadeiramente o profeta que deve vir ao mundo” : um homem que sabe
multiplicar o pão na boca do povo. Jesus é profeta pois ele nos multiplica o pão.
O que foi Ele fez? Ensinou aos
seus seguidores a compartilhar com outros o pão na mesa. Tudo indica que houve,
nas primeiras comunidades, uma postura radicalmente nova frente à questão da
fome, uma “comunhão de bens”, uma “comensalidade” franca e aberta.
Pode parecer estranho explicar a
Eucaristia de forma tão inusitada, como um grito de alegria e agradecimento na
hora em que o pão aparece na mesa. mas estamos diante de textos muito antigos,
que costumam não livrar com facilidade seu sentido à compreensão do leitor
moderno.
Não porque sejam difíceis em si,
mas porque o leitor moderno está por demais encapsulado no seu próprio mundo
para poder captar a mensagem - singela e quase evidente - que emana do texto
antigo. Se aqui tentamos nos aproximar dos primeiros textos através da chave
“faminto-saciado”, não é por gosto gosto pela novidade, mas porque os
documentos dizem efetivamente: “Felizes os famintos”, uma expressão que só tem
sentido quando completado: “porque serão saciados”.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO
11
JESUS NÃO INOVA POR
INTEIRO
O fato de ter um plano para
erradicar a fome do povo não é uma iniciativa inteiramente nova por parte de
Jesus.
A percepção de que o Reino de
Deus aparece na forma de pão para todos já se encontra na antiga tradição de Israel,
que parte de um princípio participativo muito próximo da idéia de Jesus.
Todos são filhos de Israel, ricos
e pobres, proprietários de terras e vagantes pelas estradas. A atuação de Jesus
e dos apóstolos recupera pois uma antiga tradição, na linha dos profetas que
sempre criticaram a não-observância de certos pontos da legislação social e
econômica de Israel e insistiram na o rganização solidária do povo. Há pois um
background judaico, diante do qual situam-se as palavras de Jesus.
A idéia subjacente é que todos
somos filhos de Deus e por conseguinte irmãos e irmãs entre nós, o que implica
na comunhão de bens.
Nesse contexto o jantar da Páscoa, o "Seder" dos judeus, que os cristãos chamam de "ceia" ou ainda "eucaristia", é o momento em que todos esquecem o problema da fome para se deliciar com as alegrias da mesa. Até hoje, os judeus de tal sorte amam a mesa e a festa que centralizam toda a sua religião em torno da mesa: "mesa da comunhão".
Nesse contexto o jantar da Páscoa, o "Seder" dos judeus, que os cristãos chamam de "ceia" ou ainda "eucaristia", é o momento em que todos esquecem o problema da fome para se deliciar com as alegrias da mesa. Até hoje, os judeus de tal sorte amam a mesa e a festa que centralizam toda a sua religião em torno da mesa: "mesa da comunhão".
Muitos trechos do Antigo
Testamento ( e dos Evangelhos ) se iniciam ou terminam numa refeição. O
movimento de Jesus insere-se nessa história, fundamentalmente judaica, da
vitória sobre a fome. Resultado: não há mais dois [ grego-judeu; homem-mulher;
escravo-livre; circunciso-incircunciso; bárbaro-cidadão ] mas um [ Cristo, tudo
em todos ]. Esse tema de "dois em um" constitui um dos mais antigos
testemunhos do primeiríssimo seguimento de Jesus e deve ser situado no período
que vai de 30 a 60 d.C. ( Crossan, op. cit., 473 ).
Ulteriormente foi espiritualizado
pelos teólogos, mas no seu sentido original significa que a definitiva
superação da situação de fome no mundo depende da união das pessoas, da quebra
das divisões entre as pessoas e as nações. Todos devem unir-se diante do
inimigo comum: a fome. Eis uma formulação bem característica do projeto inicial
de Jesus e de seus seguidores.
Ela constitui o âmago de todas as
mensagens veiculadas pelo jovem movimento: seguir a Jesus significa praticar,
de uma ou outra forma, a comunhão de bens, não para exercer "a virtude da probeza"
mas sim para lutar concretamente contra a vergonha da fome das multidões. Foi
assim que as primeiras comunidades entendiam as coisas.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO
12
PÃO PARA TODOS
PÃO PARA TODOS
A reflexão do pequeno artigo
anterior nos leva à questão da assim chamada "comunhão de bens"que,
segundo o relato dos Atos dos Apóstolos, teria sido praticada nas primeiras
comunidades ( At 4, 32 ).
O que pensar?
A escola liberal-burguesa sempre
relutou em admitir o que lhe parecia uma espécie de "comunismo
primitivo" entre os primeiros seguidores de Jesus.
O que nos informam os documentos
? Confessamos que não encontramos muita coisa, além dos textos genéricos e um
tanto idealistas dos Atos dos Apóstolos.
Contudo, um
"insight"mais realista nos é oferecido nos capítulos 11 a 15 da
Didaqué ( texto sírio dos anos 120 ), que relatam como as comunidades recebiam
os apóstolos itinerantes: "Todo apóstolo que venha para junto de vocês,
recebam-no como ao Senhor. Mas ele não ficará senão um dia ou dois, se for
necessário; se ficar três dias, é pseudoprofeta." ( 11, 4-5; veja também
12, 2-5 ).
A razão é simples: as comunidades
não dispõem de recursos para manter por muitos dias pessoas que não ajudem a
custear as despesas com a alimentação.
Mas com que prazer se descreve o
que o missionário itinerante tem que receber quando se hospeda junto a uma
comunidade: "Tomem as primícias do lagar e da eira, dos bois e das ovelhas
e as dêem aos profetas, porque eles são os nossos sumos sacerdotes. Igualmente
se vocês abrirem uma vasilha de vinho, tirem as primícias e as ofereçam aos
profetas" (13, 1-6). Mais uma vez a imagem de uma mesa farta. Vinho bom,
pão em abundância.
Eis os grandes símbolos, os
paradigmas litúrgicos, a imagem popular da excelência do reino de Deus.
O texto da Didaqué mostra que os
cristãos compartilham efetivamente a mesa com os recém-chegados, mas não por
muito tempo, pois a pobreza não o permite.
A alegria que esse espírito de
partilha espalha por todo canto é, no nosso entender, a chave para o
entendimento da palavra de Jesus: "Façam isso em memória de mim".
Façam a festa, preparem as
comidas, aprontem a ceia. Jesus quer ser lembrado numa festa, em torno de uma
mesa onde é bom comer com os outros. Eis a "nova aliança": todos como
irmãos em torno do alimento que une as pessoas.
O Talmud prescrevia que se
rasgasse o pão e que se dêem pedaços do mesmo pão aos participantes. Foi o que
Jesus fez na multiplicação dos pães. A aliança entre Deus e os homens se mostra
no fato que há "pão para todos".
Pensamos que aí está o primeiro
sentido dessas palavras, mais tarde interpretadas sacramentalmente pelos
teólogos.
Vamos dar graças a Deus, porque
nossa casa dispõe de pão para todos. Aqui não há mais famintos. Nossa
solidariedade elimina a fome.
FORMAÇÃO DO
CRISTIANISMO 13
"NÃO
HAVERÁ POBRES ENTRE VOCÊS"
É bem de
"solidariedade" que se deve falar, quando se quer definir o projeto
de Jesus, ou ainda de "simplicidade de coração", ou seja : o coração
inteiramente devotado para Deus e os irmãos. Uma solidariedade bem concreta: na
comunhão do pão e do peixe, e em certos casos dos bens da vida em geral. Que
alegria transparece nos textos que tratam dessa comunhão de bens entre todos !
Um sonho longamente acalentado no Antigo Testamento: "Não haverá pobres
entre vocês"
( Deuteronômio 15,4 ) está ficando realidade ! Há, por exemplo, forte indícios
de que as comunidades ajudavam a pagar os impostos, na época um peso enorme em
cima dos ombros dos camponeses. Os evangelhos relatam em diversos tópicos que
os camponeses da Galiléia não conseguem pagar os impostos. A documentação nos
vem do Egito, na mesma época, por meio de papiros (pequenos bilhetes), - e que
foram conservados graças a duas causas: a burocracia bem organizada, e as
areias das planícies do rio Nilo que conservam bem o papiro- , confirma: os
impostos eram também um grande problema para os camponeses coptas ( Crossan,
1994, 54 ). O problema deve ter sido geral e podemos supor que o movimento de
Jesus tenha tomado uma postura diante desse problema crucial na vida camponesa.
O tema merece aprofundamento.
Certos companheiros iam mais
longe: os Atos dos Apóstolos relatam que Barnabé "seguiu a ordem do
Senhor, vendeu seu campo e deu a soma aos apóstolos" ( At 4, 36-37 ). Os
mesmos Atos atestam que assim fizeram muitos: "vendiam seus campos e suas
propriedades e partilhavam o resultado entre todos segundo as necessidades de
cada um"( 2, 44 ). Mesmo sabendo que os Atos dos Apóstolos não primam em
termos de precisão historiográfica, podemos supor que muita gente colaborou com
seus bens na constituição de um patrimônio comunitário.
Jesus liga a questão dos pobres à
esperança apocalíptica. A afirmação: "Felizes os pobres...porque deles é o
Reino de Deus" se destaca com vigor diante da idéia de esperança
apocalíptica na tradição judaica que colocava as coisas mais ou menos assim:
"Felizes os judeus porque deles
é o Reino de Deus". A postura de Jesus diverge nitidamente dessa
compreensão comum da tradição apocalíptica. Isso fica claro nos dois versículos
subsequentes do documento Q: "Felizes os que têm fome: eles serão
saciados.
"Felizes os que estão
chorando: eles hão de rir".
FORMAÇÃO DO
CRISTIANISMO 14
POBREZA E
DOENÇA
Uma das mais perversas
conseqüências da pobreza é a doença. Não a doença que aparece como uma eventualidade
remota, nos países em que a vida está praticamente garantida para a maioria das
pessoas de até 30 anos de vida. Nesses países, as pessoas começam a pensar na
morte na idade de 60 anos. Elas mal imaginam como é a morte no Terceiro Mundo
de hoje, ou na sociedade camponesa do tempo de Jesus. Segundo estudos
realizados no Terceiro Mundo, em média um terço das crianças que conseguem
sobreviver ao parto morrem antes de completar os seis anos. Cerca de 60 %
dessas crianças estarão mortas aos 16 anos, 75 % aos 26 e 90 % aos 46 anos.
Talvez 3 % das pessoas atingem os 60 anos.
Ora, o cristianismo se
desenvolveu durante séculos em sociedades onde a morte era uma companheira
constante na vida, não uma realidade que começa a ser encarada seriamente aos
60 anos ou mais tarde. O comum mesmo era "morrer antes do tempo",
como diz Gustavo Gutiérrez. Por isso, a prática de Jesus e dos primeiros
seguidores camponeses se preocupa ativamente com a saúde do corpo, e nesse
ponto também destaca-se diante dos movimentos camponeses da época. Além disso,
o fato que no seguimento de Jesus se pratica concretamente a cura, o distingue
igualmente das religiões espiritualizantes. E assim continua acontecendo com o
cristianismo, que até hoje trata de questões de terra, de camponeses sem terra,
do trabalho, da escravidão, da exploração da mulher, da escravização do negro,
da marginalização do camponês, da eliminação do índio. Esses e outros temas
pertencem ao centro da mensagem original, não apenas supletivos e suplentes.
Como em outros aspectos, aqui também Jesus veio radicalizar e reafirmar o que
já estava nos profetas do Antigo Testamento e na Torá.
Jesus sempre une as duas
recomendações: anunciar o reino e curar os doentes. A cura é sinal do reino. Os
seguidores são ao mesmo tempo curandeiros e profetas. Para situar corretamente
essas recomendações, é preciso lembrar-se de que a expressão "cura"
(therapia) é culturalmente condicionada. O que uma determinada cultura
considera doentio não é necessariamente considerado tal numa outra. A pobreza
social é sem dúvida uma doença, um mal a ser erradicado, algo de vergonhoso
para um povo. A cura, nesse sentido, implica uma série de atividades
terapêuticas não só de ordem física e psicológica, mas também política e
social. Quer nos parecer que a dupla recomendação de Jesus no sentido de ao
mesmo tempo curar os doentes e anunciar o reino se enquadra bem aí.
FORMAÇÃO DO
CRISTIANISMO 15
A EMOÇÃO DE
JESUS DIANTE DA SAÚDE
PÚBLICA NA
GALILÉIA.
Uma simples leitura dos três
primeiros capítulos do evangelho de Marcos convence: a situação da saúde
pública na Galiléia era simplesmente calamitosa. Diante da absoluta falta de
amparo apareciam no meio do povo terapeutas de todo o tipo, milagreiros,
exorcistas, curandeiros, médicos populares. As autoridades não gostavam da
possível ascendência que um terapeuta podia adquirir, como se deduz do episódio
de cura que envolveu Pedro e João no templo (At 3, 1-10), com toda a confusão
que se seguiu com as autoridades do sinédrio ( At 4, 1-22). Realmente, o impacto
que um pregador popular exercia sobre o povo dependia largamente de sua
capacidade de curar. Isso compreende: O pobre - hoje e ontem - ainda se vira
quando estiver bem de saúde. Mas quando esta vem a faltar, é o fim. Os serviços
médicos organizados não estão ao seu alcance e as autoridades não se comovem
com a sua dor. Por isso mesmo ele apela para Deus, já que os homens não
resolvem seu caso. Em todos os quadrantes do mundo e em todas as épocas da
história, a falta generalizada de saúde provoca uma enorme onda de
religiosidade medicinal. A falta de saúde é de longe o maior combustível das
religiões. As orações dirigidas ao Deus "com passível e
misericordioso" não conhecem fronteiras confessionais: encontram-se em
textos judaicos, islamitas, budistas, cristãos, shintoístas, animistas,
primitivos e desenvolvidos, antigos e modernos, poéticos e vulgares. O Deus que
cura é universal.
Diante dessa realidade dolorosa,
Jesus se impressiona profundamente. Albert Nolan nos diz que a palavra
"compaixão" é fraca demais para exprimir a profunda emoção que Jesus
deve ter sentido diante da falta de saúde do povo camponês. O termo grego usado
nos evangelhos, "splanchnon", fala melhor dessa comoção forte que
mexe com as entranhas, de forma mais realista: "suas entranhas ficaram
comovidas"; "ele ficou emocionado de compaixão"; "ele
chorou" ( Nolan, A., Jesus antes do Cristianismo, Vozes). Os que tiveram
contato com ele, ficaram impressionados com essa demonstração de sensibilidade
por parte de Jesus pela "gente da terra" e pelo abandono em que esta
vivia. Isso fica claro nos primeiros textos.
Jesus costuma tocar as pessoas
doentes, mesmo o leproso da sinagoga, o que na hora despertou estranheza ( Mc
1,40; Mt 8, 1-4; Lc 5, 12-16) pois estava em confronto com as prescrições rituais
e higiênicas da Torá. Esse episódio causou mais tarde muita controvérsia.
FORMAÇÃO DO
CRISTIANISMO 16
JESUS
TERAPEUTA
A ação de Jesus diante da doença
do povo ficou registrada em textos do primeiríssimo estrato, redigidos entre 30
e 60 d.C: são os relatos de milagres. Desde cedo redige-se uma "coleção de
milagres", posteriormente inserida nos evangelho de Marcos (2, 6 e 8) e
João (2-9), uma espécie de "Atos de Jesus" ( ao lado de seus
"ditos") ( Crossan, 1994, 467). O ato de curar era tão importante no
primitivo seguimento de Jesus, que o texto copta do evangelho de Tomé , 14, 2,
usa o verbo grego "therapeuô" (curar) para designar as ações dos
discípulos. Parece que a língua copta não tinha um termo apropriado:
"Quando forem a qualquer região e andarem pelo campo, quando as pessoas os
receberem, comam o que lhes servirem e ‘curem’ aquelas que estiverem
doentes..."
Não resta dúvida: Jesus era aos
olhos da primeira geração um grande terapeuta popular. Seus milagres foram
cuidadosamente registrados. Mateus por exemplo, mesmo relutando em realçar a
dimensão terapêutica da ação de Jesus, relata que ele veio para "curar
toda doença e todo mal-estar no povo" ( 4, 23-25). Por isso mesmo,
"numerosas multidões" o seguiam, não só da Galiléia, mas também da
Decápole, de Jerusalém, da Judéia e mesmo da região além do Jordão (ibidem).
Foi através de histórias de milagres que a primeira boa nova se espalhou na
Galiléia e depois na Judéia. As multidões começaram a seguir o grupo de
terapeutas que apareceu na região. Leia Mc 3, 7-8 e o texto já mencionado de
Mateus. Todos os quatro evangelhos falam dessas multidões. O evangelho de João
-testemunha ocular- apresenta a imagem de um Jesus preocupado com o sentido que
o povo dá aos milagres ( veja Jo 6, exemplo típico), e que "ensina",
tentando explicar o sentido das curas. Daí o uso que João faz do verbo
"didascein" (ensinar). Para ele, os milagres são "sinais"
que indicam um sentido além da cura imediata. Isto é fundamental para João: o
sentido está além, não está na simples cura instantânea.
Efetivamente, a cura é apenas um
sinal. Ela implica na criação de comunidades que oferecem um ambiente sadio de
segurança e acolhimento. Por isso, as primeiras comunidades dão muito valor aos
que têm a capacidade de ‘curar’, dando acolhimento. No rol dos ministérios, o
dom de curar fica logo atrás do carisma de apóstolos, profetas e doutores:
"Vêm, a seguir, os dons dos milagres, das curas, da assistência" (
1Cor 12, 28). O corpo de dor é acolhido num "lar", onde a cura não
depende simplesmente da oração, mas sobretudo do despertar de uma consciência
social e política.
FORMAÇÃO DO
CRISTIANISMO 17
JESUS E OS
"SEM TERRA" (1)
Nas notas anteriores sobre a
formação do cristianismo e a figura de Jesus, sempre insistimos na compreensão
de Jesus a partir do mundo camponês galileu. Por não considerar este
envolvimento com a devida atenção, certos estudos excelentes - como o já
mencionado livro de Crossan: "Jesus histórico"- perdem em
credibilidade. Crossan vê em Jesus um respeitado mestre em Israel, um
"camponês cínico", um "radical intinerante", mas no nosso
entender não estuda com as táticas e estratégias dos próprios camponeses. Ainda
é muito "cristocêntrico" nas suas colocações.
Ora, como emergiu ultimamente no
Brasil o movimento dos "sem terra", talvez valesse à pena aprofundar
com maior cuidado esse ponto. Pensamos que não se pode entender o movimento
chamado "de Jesus", sem entender o movimento dos camponeses. Jesus lidou com uma situação em que os
camponeses da Galiléia viviam praticamente "sem terra", trabalhando
nas terras dos grandes latifundiários. A concentração latifundiária tinha-se
agravado desde o momento em que se iniciou a exportação dos produtos agrícolas
da fértil Galiléia: trigo e óleo.
Desde o surgimento da cidade,
oito mil anos atrás, os camponeses vivem em sociedades marcados com gritantes
desigualdades, injustiças, privilégios por parte de uns e exclusão dos que
vivem longe das cidades e dos centros de decisão. Os proprietários e
comerciantes apropriam-se dos grãos e demais víveres produzidos no campo,
enquanto o produtor camponês é obrigado a apoiar essa elite proprietária e
comercial pois dela depende sua sobrevivência. Sem ter quem levar os produtos à
cidade, estes apodrecem. Mais ainda: o proprietário apropria-se da palavra. Ele
proclama aos quatro ventos que a terra lhe vem de Deus, dos antepassados, de
documentos legítimos de posse.
Acha-se com o direito inclusive
de cobrar dos camponeses , "em nome da justiça", os impostos pelo
precário uso da terra. Essa é a história que passa a ser oficial, sem condições
de resposta por parte dos camponeses, privados das letras, da instrução, do
discurso legitimado pela sociedade. A elite reúne as condições, não só de
produzir a sua interpretação da história, mas ainda de divulgá-la soberanamente.
É a "história oficial". Os "sem terra" tornam-se "sem
letras", não sabem nem ler, nem escrever e muito menos elaborar uma
história diferente. Quando pretendem alfabetizar-se, são obrigados a aceitar a
história oficial, eles que são a principal vítima dela, pois ela passa a ser a
única história, a única maneira de se entender o mundo e a sociedade.
À primeira vista os camponeses se
conformam, parecem "bonzinhos", simples e até ingênuos. Num próximo
bate-papo veremos que não é bem assim.
FORMAÇÃO DO
CRISTIANISMO 18
JESUS E OS
"SEM TERRA" (2)
Será que os camponeses se
conformam com a "história oficial", elaborada pela elite e divulgada
por todos os meios de comunicação ? Foi essa a pergunta que nos fizemos no
final do bate-papo anterior.
Já que os camponeses não dispõem
de meios para apresentar a todos sua maneira de entender a história, eles
encontram - com astúcia - fios de libertação dentro do próprio tecido opressivo
com que a elite procura envolvê-los. Assim encontram um espaço de vida e identidade
com o mínimo de risco de repressão. O povo camponês tem uma multissecular
habilidade em "desmoralizar" os mais severos projetos elaborados para
prendê-lo à obediência e submissão, feita de mil e uma artimanhas que todos que
tenham algum contato com o meio camponês conhecem. A elite sabe disso mas se
recusa a responder, pois isso romperia a ilusão que a sociedade mantém sobre a
legitimidade do poder dos proprietários.
Mas nem sempre as coisas ficam
aí, na cotidianidade de uma subversão silenciosa e sutil. Há raros momentos em
que a contradição fica explícita, por causa da coragem e liderança de alguém
que fale abertamente em nome dos camponeses. Foi o que aconteceu quando Jesus
proclamou em alta voz: "O Reino ( de justiça e fraternidade ) está próximo".
O momento elétrico, abalava de vez as estruturas da sociedade palestinense: o
templo, a dinastia de Herodes e sobretudo a supremacia romana. Daí de um lado a
pressa dos apóstolos em anunciar por todos os sítios palavras nunca
verbalizadas, mas sentidas no coração desde gerações, e do outro lado a rápida
reação das autoridades em eliminar a pessoa de Jesus. Diante do choque causado
pelas palavras dos apóstolos, muitos camponeses tomavam de repente consciência
do que ficara durante gerações nas sombrias regiões entre consciência e
subconsciência, pressentimento emocional e evidência racional.
Mas a elite também percebia
imediatamente que não havia como perder tempo. Jesus, o pacífico mestre da
Galiléia, era mais perigoso que os profetas exaltados, os guerrilheiros das
encostas do Mar Morto, os messias que prometiam à toa mundos e fundos. A elite
percebia com rara perspicácia que o anúncio da chegada imediata do reino de
Deus colocava em questão o sistema como um todo. A solução encontrada só podia
ser a intervenção violenta, por mais que esta acarretasse danos morais à imagem
da instituição. Não havia mais lugar para os clássicos recursos de manipulação.
Jesus foi executado, mas o dano
causado à versão oficial da história provou ser irreparável. Nunca mais o discurso
sobre a legitimidade dos poderosos recuperou sua antiga autoridade, tal o abalo
causado pelas palavras do Mestre galileu. Certos conceitos ficaram
irremediavelmente desmoralizados, por mais que se teimasse em revitalizá-los.
Pois ainda vivemos sob o impacto do eletrizante grito de Jesus: "O Reino
de Deus está próximo".
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 19
A MISSÃO DOS DOZE
A Igreja interpreta
freqüentemente o relato da missão dos Doze (Mc 6, 6-56) como um texto fundador
do sacerdócio cristão, no sentido de estabelecer para os sacerdotes um estilo
de vida muito diferente dos comuns dos mortais, muito mais radical.
Recentemente, Theissen viu no episódio um projeto de se formar um corpo de
"intinerantes radicais" a percorrer a Galiléia sem apelar para a formação
de um "sacerdócio". Mas em ambas as leituras não se entende bem o
porque de tanta exigência, tanta radicalidade. Falta raiz na realidade vivida.
Lendo o texto de Marcos em
comparação de um lado com textos do Antigo Testamento e do outro lado com as tradicionais
estratégias dos camponeses de todos os tempos, pode-se perceber várias
analogias interessantes. Os discípulos não são simplesmente enviados para
"andar", para "deixar tudo", para ser radicais no
comportamento. Eles são enviados para realizar uma tarefa específica: anunciar que o tempo já devidamente anunciado
por Moisés e Elias chegou. Estamos no tempo do exôdo e da páscoa. Agora, nestes
dias, estamos passando do Egito, a travessia do Mar Vermelho, o retiro de
quarenta anos no deserto, o maná, as tábuas da lei do Sinai, a finalmente arca
da aliança, assim também os Doze ao mesmo tempo anunciam e realizam a nova
páscoa, uma nova travessia
( do lago Genesaré ), um novo
retiro no deserto (do outro lado do lago), uma nova alimentação no deserto (Jo
6), um novo Sinai e finalmente a remoção do sistema opressivo que se instalou
no templo e a instalação de uma nova ordem social.
A autoridade dos Doze é
absolutamente nova, não aquela dos escribas e fariseus e demais membros da
elite que se apropriou do templo. O templo tem que ser restituído a Deus:
"A casa de meu Pai é uma casa de oração e vocês fizeram dela um covil de
ladrões". Como já vimos anteriormente, no momento do anúncio de tão
espantosa novidade (evangelho), tudo tem que ir depressa. Daí a missão de 72
discípulos a percorrer todos os sítios da Galiléia. Daí também a rápida e
brutal eliminação do homem que tinha anunciado publicamente a mensagem que
feriu o âmago do sistema. Mas mesmo assim, a memória subversiva do rompimento
público entre o movimento camponês e o da elite do templo, da casa de Herodes e
do império resultou numa mudança permanente do modo em que os camponeses se
vêem a si mesmos e entendem suas vidas.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 20
A TÁTICA APOSTÓLICA
Vale
a pena averiguar, no capítulo 6 do
evangelho de Marcos, como Jesus e os apóstolos conseguem chegar até as
autoridades do templo e fazer a proclamação pública da irrupção do reino de
Deus diante de todos, mediante bem planejadas e cuidadosas táticas.
Em primeiro lugar Jesus usa a mobilidade
que lhe é concedida por sua condição social de carpinteiro. Carpinteiros e
pescadores fazem parte do mundo camponês, embora exerçam uma profissão marginal
em relação à produção de alimentos, mas eles podem circular livremente sem
criar suspeitas por parte das autoridades, em oposição aos camponeses que ficam
diretamente ligados à terra. Jesus assim se desloca de sua aldeia que fica em
Nazaré para um centro maior, Cafarnaúm, onde começa a relacionar-se com
pescadores, fazendo deles seus companheiros. Uma movimentação em grande escala
no mundo camponês certamente teria provocado suspeitas no meio das autoridades
que cuidadosamente controlam tudo, como os evangelhos bem atestam. Um movimento
de pescadores e artesãos, contudo, suscita menos desconfiança.
Mesmo assim, Jesus ao enviar os
apóstolos de dois em dois pelos sítios da Galiléia, recomenda que eles
freqüentem unicamente casas dispostas a recebê-los. Não devem ir de lugar em
lugar nem falar em praça pública. Nas casas pode-se discutir a boa nova do
reino iminente, entre simpatizantes e eventualmente vizinhos que vão chegando.
Os apóstolos têm que "sacudir a poeira das sandálias" contra os que
não simpatizam, como advertência ( ameaça ? ) contra possíveis traidores. É
preciso trabalhar em segredo.
Mas aos poucos a elite vai
tomando conhecimento que algo está ocorrendo no tão submisso e pacato mundo
camponês. O povo começa a falar de um poderoso curandeiro e mesmo a casa de
Herodes começa a inquietar-se. É preciso que Jesus se retire com os apóstolos para
lugares ermos, na fronteira, além do lago de Genezaré, logo depois da volta
destes. Ele quer evitar um confronto direto com as autoridades e criar espaço
para um grupo mais amplo de seguidores e simpatizantes. Regiões de fronteira
sempre são difíceis de serem controladas.
Assim Jesus e os seus estão
seguros, mas não despercebidos. Logo depois da alimentação milagrosa no ermo,
uma delegação enviada pelas autoridades pede uma declaração pública de suas
intenções reais. Ele a recusa, respondendo de maneira velada e ambígua.
"Cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes"( Mc 8, 15 ). Não
há mais como escapar: um confronto aberto torna-se cada vez mais inevitável,
como veremos na próxima vez.
FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 21
A PROCLAMAÇÃO PÚBLICA.
Como vimos no texto anterior, é
através de táticas cuidadosamente preparadas e executadas que Jesus e seus
apóstolos conseguem chegar ao templo com um número não desprezível de gente
camponesa da Galiléia. Se tivessem trabalhado abertamente, as autoridades do templo
certamente teriam enviado um contingente de soldados para o norte. O disfarce e
o segredo foram vitais na condução do processo, dentro da conturbada Palestina
da época.
Posto que a meta é um rompimento
aberto com o sistema elitista e dominador que toma conta do templo de
Jerusalém, Jesus enfrenta adversários desiguais.
Ele e seus seguidores camponeses
não dispõem dos meios políticos, econômicos e sociais comuns para resistir ao
poder da elite no poder. Mesmo assim, a experiência de Jesus mostra que existe
poder na margem da sociedade estabelecida, poder de imaginação, de fé, de
habilidade e de astúcia por parte dos pobres. O poder da religião, afinal de
contas. A lógica emocional da religião, mais forte que a lógica puramente
racional dos poderes constituídos. Jesus usa o poder da religião de maneira
hábil para chegar a
desestabilizar abertamente o
sistema em vigor: "O reino de Deus está próximo..".
Como já se disse aqui, o choque
foi elétrico. As autoridades sentiam-se atingidas de cheio, não só o pessoal do
templo (17 mil sacerdotes), mas também a casa de Herodes e mesmo a
representação romana em Jerusalém.
Matando Jesus, as autoridades
cometeram um erro histórico. Rapidamente a figura de Jesus foi um ponto de
atração por toda parte: na Síria, no Egito, na Ásia Menor, em todo o
Mediterrâneo e no interior até a Mesopotâmia. O que doravante resta aos donos
do poder é o incansável empenho em manipular a mensagem contundente de Jesus,
um processo que já dura dois mil anos, ao lado do processo igualmente tenaz,
por parte dos herdeiros dos camponeses da Galiléia, em preservar o evangelho de
forma original, com o nervo ativo de quem lhe imprimiu o ritmo e as táticas nos
inícios.
A HISTORIA DO CRISTIANISMO
O Autor: Belga, padre casado, mora há vários anos no Brasil. Lecionou História da Igreja nos Seminários de João Pessoa, Fortaleza e no SERENE II do Recife. Fundador do CEHILA ( Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina ) . Fundador e coordenador do CEHILA - Popular. Renomado acessor das CEB's. Autor de vários artigos e livros sobre História do Cristianismo Antigo, História da Igreja e História da Igreja na América Latina. Dedica-se atualmente à coordenação do Projeto : História do Cristianismo no 3º Mundo; por onde publicou em 1995 o livro "O Movimento de Jesus".
Eduardo Hoornaert, de maneira muito gentil e solícita,atendeu ao pedido do Igreja Nova, e nos enviou 8 breves artigos, sobre sua mais recente pesquisa, A Formação do Cristianismo; os quais passaremos a publicar. Nosso muito obrigado ao autor.
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