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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

HISTÓRIA DO CRISTIANISMO 2 - FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO

FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO (1)

O CRISTIANISMO NUMA PERSPECTIVA DE TERCEIRO MUNDO -
Estou grato à redação do "Igreja Nova" por me dar a oportunidade de conversar com vocês de forma espontânea e solta acerca de uma pesquisa que me ocupa os dias e as horas nestes últimos dois anos. Efetivamente, com alguns colegas, (uns dez no total), nos metemos no projeto de escrever uma história do cristianismo como um todo, de Jesus aos nossos dias, na perspectiva do Terceiro Mundo, ou seja da América Latina, do Caribe, da Ásia, da África. Pois quase sempre essa história é contada através de estudos feitos no Primeiro Mundo. A quase totalidade dos especialistas em história do cristianismo vivem na Europa ou na América do Norte. E eles produzem coisas muito boas: basta lembrar o livro "O Jesus histórico"de Crossan (Imago, São Paulo, 1994).
Mesmo assim esses estudos têm a marca registrada do Primeiro Mundo, onde a pobreza é (ou parece ser) menos premente e os problemas menos urgentes. Por isso quisemos fazer ouvir uma outra voz, por fraca e desafinada que seja. Há intuições próprias, enfoques originais, temas por demais esquecidos. Por exemplo a tão discutida questão dos pobres. Enfim, caro(a) leitor(a), "você decide"se vale a pena comunicar aqui, em textos que lhe tomarão uns cinco minutos de leitura, algumas descobertas que estou fazendo ao longo desses anos de leituras e pesquisas. Espero que gostem e agradeço de antemão a atenção (e eventuais comentários).
A primeira clareza que se me fez durante minhas pesquisas, eu diria de forma insistente, é que o cristianismo é apenas uma das possibilidades de se tentar concretizar o sonho de Jesus, ao lado de outras que não se concretizaram ou que foram esmagadas . Em outras palavras: o cristianismo não pode pretender ser uma simples decorrência linear do movimento de Jesus.
Nele há um dinamismo dialético entre as intuições fundamentais de Jesus continuamente recuperadas e reatualizadas e do outro lado os inevitáveis desvios, esquecimentos, limites. Assim o cristianismo fica necessariamente circunscrito por uma história ao mesmo tempo universal e particular: universal na sua continuada procura de fidelidade à inspiração original, particular porque na realidade só se adaptou em profundidade a uma cultura: a do mundo mediterrâneo. Aí houve um verdadeiro esforço de "inculturação". A nenhuma outra cultura o cristianismo se adaptou na mesma medida e com o mesmo empenho.
Você já entendeu o que quero dizer: é preciso insistir no caráter fundamentalmente mediterrâneo -e portanto regional e limitado- do próprio cristianismo. Isso nos parece importante quando se pretende estudar a nossa tradição cristã na perspectiva do Terceiro Mundo. Eis o primeiro papo que quis "bater"com vocês.

FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 2
Publicamos nesta edição, o segundo, dos oito artigos enviados pelo Prfº Eduardo Hoornaert, fundador do CEHILA ( Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina) e autor de vários artigos e livros sobre a História do Cristianismo, especialmente para o nosso jornal.
O primordial seguimento de Jesus se estende do período imediatamente após a morte de Jesus, por volta de 40, até a destruição do templo de Jerusalém em 70. Historicamente aqui o cristianismo como tal ainda não existe. Trata-se de um período em que os seguidores de Jesus ainda seguem a Torá ou seja a religião judaica, na Palestina e naquelas partes da Síria ou mesmo do Mediterrâneo Ocidental já atingidas pela missão através da diáspora judaica. Estamos ainda no mundo da tradição judaica.
A questão é: a que realidade concreta correspondem os documentos que possuímos sobre esse período ? O documento mais importante é o assim chamado "Evangelho"Q ( a letra vem da palavra alemã "quelle": fonte), mais tarde - depois do ano 70 - inserido nos evangelhos de Mateus e Lucas.
Esse primeiríssimo evangelho foi sem dúvida redigido por causa do cuidado que os primeiros seguidores de Jesus tiveram em preservar a memória original do movimento da forma mais perfeita possível, a serviço dos que pretendiam seguir no movimento.
A leitura desse documento, hoje acessível inclusive em português, mostra que o movimento de Jesus era um movimento camponês, um dos diversos movimentos camponeses que surgiram na Palestina no primeiro século. Quem nos informa é o autor americano Horsley, no seu livro "Bandidos, Profetas e Messias", recentemente editado pela Editora Paulus de São Paulo (1995).
O movimento vem trazer uma esperança muito concreta para o mundo camponês da Galiléia, algo diretamente ligado à vida cotidiana: mesa farta, saúde,bem-estar para as famílias camponesas. O cristianismo ulterior abandonou o vínculo direto com a classe camponesa, como abandonou também essa expectativa concreta de solução dos problemas da humanidade pobre aqui na terra (não no céu). É o que os especialistas chamam de "escatologia terrestre".
Foi com razão que Moltmann, no livro "O Caminho de Jesus Cristo", recentemente publicado pela editora Vozes, se queixou de que, ulteriormente, "a teologia cristã negligenciou a escatologia"(p.21), quer dizer essa escatologia terrestre e concreta dos camponeses que elaboraram o primeiro projeto com Jesus.

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UM EVANGELHO Q ?
Na nossa conversa anterior dissemos que no período entre 40 e 70 já existiram diversos “evangelhos”, principalmente o Evangelho Q, que mais tarde foi incorporado aos evangelhos sinópticos. Seriam evangelhos produzidos pela primeira geração dos seguidores de Jesus.
Como entender tudo isso? Vejamos bem: hoje as pesquisas acerca das origens do cristianismo já pode afirmar com certeza que a redação dos primeiros textos acerca do movimento de Jesus situa-se no período entre os anos 40 ( alguns dizem: 30 ) e 70 ( alguns dizem: 60 ) d.C., portanto algumas décadas antes dos evangelhos canônicos.
Para quem não é versado nos estudos neo-testamentários pode parecer estranho que entre os primeiros seguidores de Jesus tenham circulado “evangelhos” anteriores aos evangelhos conhecidos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Por isso pensamos que uma apresentação sumária do que a ciência encontrou recentemente a respeito não será inútil.
Quanto ao Evangelho Q, já se disse no artigo anterior que a letra Q vem de “Quelle”, em alemão: fonte. É um texto composto na década de 50, provavelmente em Tiberíades da Galiléia, posteriormente perdido e recentemente recomposto pelos cientistas do Novo Testamento. Foi inserido nos evangelhos de Mateus e Lucas, como já disse.
A extração desse primitivo evangelho dos textos conhecidos de Lucas e Mateus é sem dúvida uma das maiores façanhas da exegese deste século. A pesquisa em torno dele ganhou força nos últimos anos, embora ainda não se tenha chegado a conclusões definitivas. Alguns especialistas escreveram sobre Jesus sem incorporar esses novos achados, outros já os usam.
De nossa parte opinamos que tudo o que se escreve hoje- e não é pouco -, inclusive a presente nota, fica no patamar das hipóteses enquanto não se concluam esses estudos acerca das tradições pré-sinóticas. Mas é bom ir adaptando-se à inclusão dessas fontes nos estudos. Seja como for, pensamos que o caráter camponês do Evangelho Q se evidencia por numerosos indícios. Essa é aliás a tese que queremos defender.
Para bem compreender tudo isso é bom lembrar-se que, até a segunda parte do século II, prevaleceu nas comunidades a tradição oral. Os primeiros seguidores de Jesus não eram letrados e só recorriam a breves textos lapidares, como o Evangelho Q. Esses textos permitem um acesso melhor aos fatos, enquanto os evangelhos sinópticos são obras mais elaboradas, mais arrumadas, redigidas sob maior controle por parte das autoridades.

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UMA SURPRESA
O cristão de hoje, ao ler a sucessão de breves versículos do Evangelho Q, fica surpreso. Pensa encontrar informações sobre Jesus, seu nascimento, sua pregação, sua paixão e ressurreição...e nada. Os textos não insistem de maneira nenhuma na pessoa de Jesus, não mostram interesse na sua biografia, não relatam nem milagres nem curas.
Neles, Jesus apenas aparece como quem fala, preocupado com a formação dos participantes do projeto. Já podemos pois tirar uma conclusão importante: o centro das preocupações da primeira geração era o projeto, não a figura de Jesus. Bem nos inícios, a atenção estava voltada para o projeto do Reino, e não tanto para a imitação de Cristo.
Aliás nossa observação - de caráter histórico - vem ao encontro do que o teólogo Jon Sobrino vem afirmando em seu livro “Jesus na América Latina”: “A realidade última, para Jesus, não é sua própria pessoa, nem Deus, nem a igreja, nem o reino dos céus
( o além ), mas sim o reino de Deus”(Loyola, São Paulo, 1985, 122-125).
No nosso entender aí está a razão porque será sempre difícil saber como foi mesmo a história de Jesus, não por falta de documentos, mas porque os documentos correspondem a outra preocupação: a de formar com urgência um projeto de “Reino de Deus” para os camponeses da Galiléia, sofredores e injustiçados.
Para falar em termos mais técnicos: constatamos uma predominância do tema do Reino sobre o tema da Pessoa de Jesus na primeira tradição. Desde o famosos livro de Renan: “Jesus”(1863), recentemente reeditado, e passando por Schweitzer (1906) e Klausner (1927), a pesquisa das origens empreendida no Primeiro Mundo tem manifestado uma maior concentração no estudo da figura de Jesus, seja no “Jesus histórico”, seja - mais recentemente - no “Jesus judaico”, do que no estudo do movimento social que se formou em torno dele.
Estudos recentes como o de Crossan (1994) , Meier (primeira parte:1993) , Vermes (1995), Charlesworth (1992), todos publicados pela Editora Imago do Rio de Janeiro, ou ainda o livro de Duquesne, publicado pela Geração Editorial de São Paulo em 1995, focalizam predominantemente a Jesus e deixam o Reino um pouco na sombra. Isso deixa as portas abertas à heroicização.
Aqui no Terceiro Mundo nos sentimos mais identificados com trabalhos como o de Horsley, que já mencionamos num artigo anterior, que demonstra o caráter fundamentalmente camponês do movimento de Jesus. O acento cai sobre o movimento, não sobre a pessoa de seu animador.

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UM MOVIMENTO CAMPONÊS
Nas conversas anteriores dissemos que o movimento de Jesus foi um movimento camponês. Essa é uma observação da maior importância.
Se for verdade que a gente camponesa está na origem do movimento e indiretamente da verdade cristã tal qual a procuramos entender ainda hoje, então temos que ter o maior cuidado com as possíveis distorções provenientes dos intelectuais que trabalharam em cima de temas fundantes, provenientes do mundo camponês judeu.
Será que os intelectuais sempre compreenderam o que os camponeses quiseram dizer e fazer? Esses camponeses em questão enchiam as sinagogas, mais tarde as casas comunitárias, ainda mais tarde as basílicas e as igrejas, num movimento ininterrupto que durou séculos e afinal de contas dura até hoje.
Durante tantos séculos, os camponeses constituíram o público predominante das religiões emanadas do movimento de Jesus (ortodoxia, catolicismo, protestantismos). Eles nos acompanham já por 6 mil a 7 mil anos e constituem “mais da metade das pessoas que viveram desde o início dos tempos” ( Horsley - que já mencionamos nas notas anteriores - 1995, 14 ).
Mas só a partir dos anos ‘50 e ‘60 as ciências sociais começam a se interessar por eles: durante séculos e séculos os camponeses nasceram, viveram e morreram sem praticamente nenhum registro escrito de sua passagem pela terra. Os documentos cristãos não são uma exceção: praticamente não se fala de camponeses.
Contudo na época de Jesus constituíam mais de 90% da população da Palestina ( Horsley, 1995, 8 ), uma imensa maioria que ficou largamente silenciosa mesmo no nível dos textos evangélicos, onde já não aparecem mais em primeiro plano. Aí se fala mais dos fariseus e dos “doutores da lei”, gente da elite, do que dos camponeses.
Precisa-se restituir aos camponeses a iniciativa do movimento de Jesus. Pois Jesus era originário da aldeia camponesa de Nazaré e foi a partir da emoção e da indignação que ele manifestava para com as condições de vida camponesa que ele foi reconhecido pelos camponeses como alguém capaz de representá-los, defendê-los e orientá-los.
Só dentro do mundo referencial camponês galileu se entende a história de Jesus. Não desprezemos a capacidade teológica desses camponeses galileus: eles eram herdeiros de uma longa e bonita tradição teológica cultivada em Israel desde muitos séculos. Teólogos sofridos, de mãos calejadas, mas teólogos. Camponeses-teólogos, ciosos em descobrir sempre o sentido mais profundo das coisas. Sua teologia era ao mesmo tempo mística e escatológica, esperava um tempo bom após tanto sofrimento.

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OS CAMPONESES RECONHECEM JESUS
É a partir da maneira de pensar dos camponeses galileus dos anos 20-40 que conseguimos compreender a figura de Jesus. Ele é logo identificado por eles, sem maiores dificuldades, como profeta e messias. Como entender isso ?
Se Jesus foi chamado a assumir a liderança de um movimento camponês, não se deve pensar que esse tenha sido o único existente na Palestina daquele tempo. Horsley teve a idéia de se perguntar quais eram os nomes que os camponeses deram na época a líderes de movimentos de libertação.
Ele chegou a três termos típicos: Bandido, Messias, Profeta. Horsley chegou assim a uma tipologia dos movimentos camponeses e chegou a registrar os seguintes nomes: Bandidos famosos foram Ezequias ( cerca de 47-38 a. C. ), os salteadores das cavernas na década de 30 d.C., Eleazar ben Dinai (30-50 d.C.), Tomolau (início da década de 40 d.C.), Jesus filho de Safias (década de 60 d.C.) e João de Gíscala (66 d.C.).
Entre os Messias contamos Judas, filho de Ezequias (aprox. 4 a.C.), Simão (aprox. 4 a.C.), Antroges (aprox. 4-20 d.C.), Manaém, filho de Judas o Galileu (aprox. 66 d.C.) , Simão bar Giora (68-70 d.C.) e Bar Kokeba (132-135 d.C.). Profetas conhecidos eram João Batista ( do final da década de 20 d.C.), o Samaritano (aprox. 26-36 d.C.), Teudas (aprox. 45 d.C.), o Egípcio (aprox. 56 d.C), e Jesus filho de Ananias (62-69 d.C.). ( Horsley, 1995, 222-223 ).
Todos esses movimentos procuravam reverter uma situação de extrema injustiça, penúria e marginalização. Normalmente eram dirigidos contra a elite nacional templária, a casa de Herodes ou os representantes do império romano. Jesus nunca foi reconhecido como bandido ( embora tenha sido crucificado entre dois “salteadores”, ou seja: bandidos ), mas era relativamente fácil para os camponeses galileus reconhecer nele um messias ou um profeta.
O referencial se encontrava na cultura camponesa da época, transmitida nas sinagogas. Aí as figuras do messias e do profeta eram conhecidas e esperava-se o surgimento de um messias -como David, que conduzira a resistência de seu povo contra a dominação- ou de um profeta tipo Elias ou Eliseu.
Figuras como Amós, Miqueias ou Jeremias eram também muito populares. Claroa que não era qualquer um que conseguisse interpretar a ação de Jesus segundo esses modelos bíblicos, mas em geral não se pode menosprezar a formação cultural do camponês galileu.
Ele vivia num clima de expectativa apocalíptica, aguardava para dentro de breve o dia em que Deus ia pronunciar seu veredito sobre o mundo, e os ëxércitos celestes” iam descer para socorrer os justos na luta final.

FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 7
JESUS, MESSIAS E PROFETA.
Os camponeses reconheceram logo em Jesus um “Messias”. A expressào “Reino de Deus”, usada por ele, era de fácil assimilação, pois correspondia a uma longa tradição de espera por uma realeza popular.
Se os romanos condenaram Jesus sob a acusação de ser “rei dos judeus”(Mc 15, 26), é que o povo tinha usado o termo para indicar Jesus. Aliás, Flávio Josefo, o historiador judáico que permanece nossa maior fonte de conhecimento acerca dessa história toda, atesta que o povo judeu costumava aclamar como reis seus líderes.
Na realidade, “esses reis populares aclamados pelo povo eram líderes armados”( Horsley, 1995, 122 ). Mas Jesus fugia do figurino. Era um Messias “diferente”. Não andava armado. Isso não significa que ele tenha sido um messias espiritualizado do tipo que os fariseus e os essênios se imaginavam.
Era um Messias camponês de verdade (ou, se queiram, um Cristo, pois “cristo” é a tradução grega do termo hebráico “mashîah” ou messias, ungido ), um rei ungido para liderar seu povo. Não se procure mais no termo “Cristo”, pelo menos ao período que nos ocupa, um significado maior do que a simples tradução de um termo muito comum entre os camponeses galileus da época. Só mais tarde, já em ambiente cristão, a expressão “Cristo”se tornou mais complexa, sobretudo com a assimilação de linhas filosóficas gregas.
Os camponeses da Galiléia igualmente não tiveram dificuldade em descobrir na pessoa de Jesus um Profeta (Mc 6, 15-16). Ele fazia o que se esperava de um profeta, inspirava com dinamismo um movimento que em última análise era de Deus. Os camponeses viram nele um novo Moisés, Josué, ou um novo líder do tempo dos Juízes, um novo Elias ou Eliseu, de qualquer modo uma grande figura que correspondia à vigorosa tradição de profetas de Israel.
Os profetas eram figuras eminentemente populares.Há pouca evidência do surgimento de profetas no meio dos fariseus ou dos essênios, que viviam longe do povo. Um dos profetas com quem jesus se aproximou foi João Batista, considerado o predecessor ou até o mentor dele, pela proximidade das mensagens de ambos. De nossa parte pensamos que a apresentação de Jesus segundo a tipologia popular e camponesa de Messias e Profeta significa um passo à frente no esforço de se apresentar a figura de Jesus aos povos do Terceiro Mundo.
Pois para interpretar a Jesus em termos de hoje vigora um pouco por toda a parte entre os estudiosos do Primeiro Mundo a famosa tipologia de Max Weber em cima da distinção burocrática, tradicional e carismática. Segundo Weber, Jesus teria sido um líder carismático.
Comparado com a tipologia de Horsley - mais histórica, mais ligada à vida concreta dos camponeses da Galiléia -, o esquema weberiano se revela muito genérico, pouco enraizado no mundo concreto, capaz de criar uma imagem elitista de Jesus.

FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 08
JESUS E OS ZELOTES.
Uma questão que tem prejudicado muito a discussão acerca do caráter “terceiromundista” da figura de Jesus é a pretensa relação entre o movimento de Jesus e os dos assim chamados zelotes. Nos anos ‘60-’80 criou-se, nos estudos acerca das origens do cristianismo, uma forte polarização em torno da questão da violência e da não-violência.
Como na época os movimentos marxistas efetivamente estavam com o poder em diversos estados (Rússia, China, Cuba ), e o tinham conquistado através da luta armada, houve assimilação entre movimentos populares e violência. Daí a ânsia em se apresentar um Jesus não-violento em oposição com movimentos camponeses “violentos, e especificamente em provocar um contraste entre Jesus e os assim chamados zelotes que teriam sido violentos típicos da época.
Ora, a questão dos zelotes é mal colocada desta forma, como já ressaltamos no nosso estudo “O Movimento de Jesus”(Vozes, 1994), e por um motivo muito simples: “Os zelotes, tais quais comumente aparecem nos estudos recentes, são uma elaboração acadêmica recente...Simplesmente não há provas de um movimento organizado que tivesse defendido a revolta armada contra Roma entre 6 e 66 d.C.”(Horsley, 1995, 9 e 10).
Para falar claramente: Jesus nunca lidou com zelotes pelo simples fato que o movimento não existia na época de sua vida ou pelo menos não aparece no nível dos textos. tudo indica que só emergiu no inverno de 67-68 d.C., ou seja no início da guerra judaica contra Roma que terminou tão dramaticamente com a destruição do Templo de Jerusalém pelos exércitos do Imperador Tito (ibidem, 18). E com isso podemos considerar essa discussão por encerrada e passar adiante, com a permissão do benevolente leitor.

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O COMBATE À FOME
O objetivo de Jesus estava muito distante do trabalho dos zelotes ou da filosofia dos cínicos. Ele quis na realidade encaminhar problemas muito concretos do povo camponês da Galiléia.
A primeira questão, a mais urgente, foi a de saciar a fome do povo camponês da Galiléia. ( Rocha, Zildo e Soares, Sebastião, O Escândalo da Fome e a Praxis da Vida Cristã, em: Estudos Bíblicos 46, Vozes, Petrópolis, 1995, 19-24 ). Não a fome casual de quem está fora de casa e não tem onde arranjar comida, mas a fome endêmica dos que passam fome a vida toda. A tarefa é urgente.
A fome não conhece espera. A religião dos famintos tem como sinal primeiro e principal a mesa farta, o pão, o vinho, a “eucaristia” (agradecimento) por causa do pão e do vinho. A fome do povo constitui a primeira urgência, a mais imediata, que leva Jesus a agir.
Ele sai do anonimato e se pronuncia diante da sociedade. Inconformado com a fome que vê por toda a parte, ele quer, num primeiro impulso, remediar ao que lhe eve ter pareceido uma situação insustentável. Jesus é o primeiro a preocupar-se em dar de comer ao povo, a comida simples de todos os dias: pão e peixe.
Evocações de mesa farta e de banquete se repetem ao longo das narrativas evangélicas como o cúmulo da felicidade. A felicidade suprema consiste em “nunca mais ter fome, nunca mais ter sede” (Ap. 7,16). Morrer de fome é a última desgraça ( Ap. 6,8 ).
A expressão “pão e peixe” volta o tempo todo.
É que a atenção do pobre sempre está voltada para a mesa e o que nela eventualmente se encontra: pão e peixe. Quem passa fome só vê diante de si a miragem da comida farta. Foi Gandhi quem disse: “Para o faminto Deus tem a figura de pão”. Eis o grande sonho dos pobres de todos os tempos e quadrantes deste mundo.
Foi o sonho na mente dos primeiros ouvintes de Jesus na Galiléia. Este sabe por experiência que o povo passa fome, pois frequenta os ambientes de trabalho (Mt 13,55). Daí a orientação dada aos apóstolos: a fraternidade não pode limitar-se a palavras generosas, tem que ter dimensões concretas, inclusive materiais e financeiras (Mc 10, 21; Mt 19, 16-30). O que enraiza as narrativas evangélicas no chão da realidade vivida é essa íntima relação com o mundo dos famintos que aparece a cada momento. Jesus lida diretamente com famintos e dirige sua palavra e sua ação em benefício destes.
Escreve José Comblin: “O evangelho é uma palavra dirigida aos famintos ”( Comblin, José, A Fome e a Bíblia, em: Estudos Bíblicos 46, Vozes, Petrópolis, 1995, 30). O evangelho se relaciona com a fome, é em primeiro lugar uma proposta no sentido de solucionar a fome dos camponeses sem terra da Galiléia.

EXCLUSIVO: FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 10
A EUCARISTIA
A Eucaristia é a exuberante ação de graças na hora em que aparece o pão na mesa. Possuímos um relato revelador: a multiplicação dos pães. Mas é preciso raspar o verniz dos séculos para ver aparecer a história nas cores naturais. O texto foi tão manejado que chegou até nós com uma série de exageros, acréscimos e comentários, ao ponto de tornar-se quase impossível o reconhecimento do que realmente aconteceu ( Duquesne, J., Jesus, Geração Editorial, São Paulo, 1995, 110 ).
Os comentaristas modernos explicam normalmente o milagre dizendo tratar-se de conseguir que as pessoas que tinham seguido Jesus numa região deserta pudessem alimentar-se antes do cair da noite. não sabemos mais o que foi feito concretamente na ocasião. Pessoalmente acho viável a explicação de Theissen de que Joana, mulher de Cuza, tenha mandado enviar na hora uma “feira”com pão, frutas e peixes ( Theissen, G., A Sombra do Galileu, Vozes, Petrópolis, 1989, 143).
É uma entre muitas explicações. Mas ela não explica o principal: o plano de Jesus diante de seu povo faminto, vítima da fome edêmica. Se os quatro evangelistas falam com insistência dessa multiplicação, e mostram como foi grande o entusiasmo na hora, e se eles contam como os ajudantes recolhem os restos de pão com extremo cuidado “para que nada se perca”, é que deve ter havido algo mais que uma única multiplicação de pães, num momento de necessidade passageira. Jesus deve ter pensado num plano no sentido de vencer o flagelo da fome.
Ele não era do tipo que fica com a cabeça nas nuvens a sonhar. A imagem de doze cestos “com pedaços de cinco pães de cevada”é absolutamente irresistível. As pessoas exclamam: “Esse é verdadeiramente o profeta que deve vir ao mundo” : um homem que sabe multiplicar o pão na boca do povo. Jesus é profeta pois ele nos multiplica o pão.
O que foi Ele fez? Ensinou aos seus seguidores a compartilhar com outros o pão na mesa. Tudo indica que houve, nas primeiras comunidades, uma postura radicalmente nova frente à questão da fome, uma “comunhão de bens”, uma “comensalidade” franca e aberta.
Pode parecer estranho explicar a Eucaristia de forma tão inusitada, como um grito de alegria e agradecimento na hora em que o pão aparece na mesa. mas estamos diante de textos muito antigos, que costumam não livrar com facilidade seu sentido à compreensão do leitor moderno.
Não porque sejam difíceis em si, mas porque o leitor moderno está por demais encapsulado no seu próprio mundo para poder captar a mensagem - singela e quase evidente - que emana do texto antigo. Se aqui tentamos nos aproximar dos primeiros textos através da chave “faminto-saciado”, não é por gosto gosto pela novidade, mas porque os documentos dizem efetivamente: “Felizes os famintos”, uma expressão que só tem sentido quando completado: “porque serão saciados”.

FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 11
JESUS NÃO INOVA POR INTEIRO
O fato de ter um plano para erradicar a fome do povo não é uma iniciativa inteiramente nova por parte de Jesus.
A percepção de que o Reino de Deus aparece na forma de pão para todos já se encontra na antiga tradição de Israel, que parte de um princípio participativo muito próximo da idéia de Jesus.
Todos são filhos de Israel, ricos e pobres, proprietários de terras e vagantes pelas estradas. A atuação de Jesus e dos apóstolos recupera pois uma antiga tradição, na linha dos profetas que sempre criticaram a não-observância de certos pontos da legislação social e econômica de Israel e insistiram na o rganização solidária do povo. Há pois um background judaico, diante do qual situam-se as palavras de Jesus.
A idéia subjacente é que todos somos filhos de Deus e por conseguinte irmãos e irmãs entre nós, o que implica na comunhão de bens.
Nesse contexto o jantar da Páscoa, o "Seder" dos judeus, que os cristãos chamam de "ceia" ou ainda "eucaristia", é o momento em que todos esquecem o problema da fome para se deliciar com as alegrias da mesa. Até hoje, os judeus de tal sorte amam a mesa e a festa que centralizam toda a sua religião em torno da mesa: "mesa da comunhão".
Muitos trechos do Antigo Testamento ( e dos Evangelhos ) se iniciam ou terminam numa refeição. O movimento de Jesus insere-se nessa história, fundamentalmente judaica, da vitória sobre a fome. Resultado: não há mais dois [ grego-judeu; homem-mulher; escravo-livre; circunciso-incircunciso; bárbaro-cidadão ] mas um [ Cristo, tudo em todos ]. Esse tema de "dois em um" constitui um dos mais antigos testemunhos do primeiríssimo seguimento de Jesus e deve ser situado no período que vai de 30 a 60 d.C. ( Crossan, op. cit., 473 ).
Ulteriormente foi espiritualizado pelos teólogos, mas no seu sentido original significa que a definitiva superação da situação de fome no mundo depende da união das pessoas, da quebra das divisões entre as pessoas e as nações. Todos devem unir-se diante do inimigo comum: a fome. Eis uma formulação bem característica do projeto inicial de Jesus e de seus seguidores.
Ela constitui o âmago de todas as mensagens veiculadas pelo jovem movimento: seguir a Jesus significa praticar, de uma ou outra forma, a comunhão de bens, não para exercer "a virtude da probeza" mas sim para lutar concretamente contra a vergonha da fome das multidões. Foi assim que as primeiras comunidades entendiam as coisas.

FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 12
PÃO PARA TODOS
A reflexão do pequeno artigo anterior nos leva à questão da assim chamada "comunhão de bens"que, segundo o relato dos Atos dos Apóstolos, teria sido praticada nas primeiras comunidades ( At 4, 32 ).
O que pensar?
A escola liberal-burguesa sempre relutou em admitir o que lhe parecia uma espécie de "comunismo primitivo" entre os primeiros seguidores de Jesus.
O que nos informam os documentos ? Confessamos que não encontramos muita coisa, além dos textos genéricos e um tanto idealistas dos Atos dos Apóstolos.
Contudo, um "insight"mais realista nos é oferecido nos capítulos 11 a 15 da Didaqué ( texto sírio dos anos 120 ), que relatam como as comunidades recebiam os apóstolos itinerantes: "Todo apóstolo que venha para junto de vocês, recebam-no como ao Senhor. Mas ele não ficará senão um dia ou dois, se for necessário; se ficar três dias, é pseudoprofeta." ( 11, 4-5; veja também 12, 2-5 ).
A razão é simples: as comunidades não dispõem de recursos para manter por muitos dias pessoas que não ajudem a custear as despesas com a alimentação.
Mas com que prazer se descreve o que o missionário itinerante tem que receber quando se hospeda junto a uma comunidade: "Tomem as primícias do lagar e da eira, dos bois e das ovelhas e as dêem aos profetas, porque eles são os nossos sumos sacerdotes. Igualmente se vocês abrirem uma vasilha de vinho, tirem as primícias e as ofereçam aos profetas" (13, 1-6). Mais uma vez a imagem de uma mesa farta. Vinho bom, pão em abundância.
Eis os grandes símbolos, os paradigmas litúrgicos, a imagem popular da excelência do reino de Deus.
O texto da Didaqué mostra que os cristãos compartilham efetivamente a mesa com os recém-chegados, mas não por muito tempo, pois a pobreza não o permite.
A alegria que esse espírito de partilha espalha por todo canto é, no nosso entender, a chave para o entendimento da palavra de Jesus: "Façam isso em memória de mim".
Façam a festa, preparem as comidas, aprontem a ceia. Jesus quer ser lembrado numa festa, em torno de uma mesa onde é bom comer com os outros. Eis a "nova aliança": todos como irmãos em torno do alimento que une as pessoas.
O Talmud prescrevia que se rasgasse o pão e que se dêem pedaços do mesmo pão aos participantes. Foi o que Jesus fez na multiplicação dos pães. A aliança entre Deus e os homens se mostra no fato que há "pão para todos".
Pensamos que aí está o primeiro sentido dessas palavras, mais tarde interpretadas sacramentalmente pelos teólogos.
Vamos dar graças a Deus, porque nossa casa dispõe de pão para todos. Aqui não há mais famintos. Nossa solidariedade elimina a fome.

FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 13
"NÃO HAVERÁ POBRES ENTRE VOCÊS"
É bem de "solidariedade" que se deve falar, quando se quer definir o projeto de Jesus, ou ainda de "simplicidade de coração", ou seja : o coração inteiramente devotado para Deus e os irmãos. Uma solidariedade bem concreta: na comunhão do pão e do peixe, e em certos casos dos bens da vida em geral. Que alegria transparece nos textos que tratam dessa comunhão de bens entre todos ! Um sonho longamente acalentado no Antigo Testamento: "Não haverá pobres entre vocês"                    ( Deuteronômio 15,4 ) está ficando realidade ! Há, por exemplo, forte indícios de que as comunidades ajudavam a pagar os impostos, na época um peso enorme em cima dos ombros dos camponeses. Os evangelhos relatam em diversos tópicos que os camponeses da Galiléia não conseguem pagar os impostos. A documentação nos vem do Egito, na mesma época, por meio de papiros (pequenos bilhetes), - e que foram conservados graças a duas causas: a burocracia bem organizada, e as areias das planícies do rio Nilo que conservam bem o papiro- , confirma: os impostos eram também um grande problema para os camponeses coptas ( Crossan, 1994, 54 ). O problema deve ter sido geral e podemos supor que o movimento de Jesus tenha tomado uma postura diante desse problema crucial na vida camponesa. O tema merece aprofundamento.
Certos companheiros iam mais longe: os Atos dos Apóstolos relatam que Barnabé "seguiu a ordem do Senhor, vendeu seu campo e deu a soma aos apóstolos" ( At 4, 36-37 ). Os mesmos Atos atestam que assim fizeram muitos: "vendiam seus campos e suas propriedades e partilhavam o resultado entre todos segundo as necessidades de cada um"( 2, 44 ). Mesmo sabendo que os Atos dos Apóstolos não primam em termos de precisão historiográfica, podemos supor que muita gente colaborou com seus bens na constituição de um patrimônio comunitário.
Jesus liga a questão dos pobres à esperança apocalíptica. A afirmação: "Felizes os pobres...porque deles é o Reino de Deus" se destaca com vigor diante da idéia de esperança apocalíptica na tradição judaica que colocava as coisas mais ou menos assim: "Felizes os judeus porque deles é o Reino de Deus". A postura de Jesus diverge nitidamente dessa compreensão comum da tradição apocalíptica. Isso fica claro nos dois versículos subsequentes do documento Q: "Felizes os que têm fome: eles serão saciados.
"Felizes os que estão chorando: eles hão de rir".

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POBREZA E DOENÇA
Uma das mais perversas conseqüências da pobreza é a doença. Não a doença que aparece como uma eventualidade remota, nos países em que a vida está praticamente garantida para a maioria das pessoas de até 30 anos de vida. Nesses países, as pessoas começam a pensar na morte na idade de 60 anos. Elas mal imaginam como é a morte no Terceiro Mundo de hoje, ou na sociedade camponesa do tempo de Jesus. Segundo estudos realizados no Terceiro Mundo, em média um terço das crianças que conseguem sobreviver ao parto morrem antes de completar os seis anos. Cerca de 60 % dessas crianças estarão mortas aos 16 anos, 75 % aos 26 e 90 % aos 46 anos. Talvez 3 % das pessoas atingem os 60 anos.
Ora, o cristianismo se desenvolveu durante séculos em sociedades onde a morte era uma companheira constante na vida, não uma realidade que começa a ser encarada seriamente aos 60 anos ou mais tarde. O comum mesmo era "morrer antes do tempo", como diz Gustavo Gutiérrez. Por isso, a prática de Jesus e dos primeiros seguidores camponeses se preocupa ativamente com a saúde do corpo, e nesse ponto também destaca-se diante dos movimentos camponeses da época. Além disso, o fato que no seguimento de Jesus se pratica concretamente a cura, o distingue igualmente das religiões espiritualizantes. E assim continua acontecendo com o cristianismo, que até hoje trata de questões de terra, de camponeses sem terra, do trabalho, da escravidão, da exploração da mulher, da escravização do negro, da marginalização do camponês, da eliminação do índio. Esses e outros temas pertencem ao centro da mensagem original, não apenas supletivos e suplentes. Como em outros aspectos, aqui também Jesus veio radicalizar e reafirmar o que já estava nos profetas do Antigo Testamento e na Torá.
Jesus sempre une as duas recomendações: anunciar o reino e curar os doentes. A cura é sinal do reino. Os seguidores são ao mesmo tempo curandeiros e profetas. Para situar corretamente essas recomendações, é preciso lembrar-se de que a expressão "cura" (therapia) é culturalmente condicionada. O que uma determinada cultura considera doentio não é necessariamente considerado tal numa outra. A pobreza social é sem dúvida uma doença, um mal a ser erradicado, algo de vergonhoso para um povo. A cura, nesse sentido, implica uma série de atividades terapêuticas não só de ordem física e psicológica, mas também política e social. Quer nos parecer que a dupla recomendação de Jesus no sentido de ao mesmo tempo curar os doentes e anunciar o reino se enquadra bem aí.

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A EMOÇÃO DE JESUS DIANTE DA SAÚDE
PÚBLICA NA GALILÉIA.
Uma simples leitura dos três primeiros capítulos do evangelho de Marcos convence: a situação da saúde pública na Galiléia era simplesmente calamitosa. Diante da absoluta falta de amparo apareciam no meio do povo terapeutas de todo o tipo, milagreiros, exorcistas, curandeiros, médicos populares. As autoridades não gostavam da possível ascendência que um terapeuta podia adquirir, como se deduz do episódio de cura que envolveu Pedro e João no templo (At 3, 1-10), com toda a confusão que se seguiu com as autoridades do sinédrio ( At 4, 1-22). Realmente, o impacto que um pregador popular exercia sobre o povo dependia largamente de sua capacidade de curar. Isso compreende: O pobre - hoje e ontem - ainda se vira quando estiver bem de saúde. Mas quando esta vem a faltar, é o fim. Os serviços médicos organizados não estão ao seu alcance e as autoridades não se comovem com a sua dor. Por isso mesmo ele apela para Deus, já que os homens não resolvem seu caso. Em todos os quadrantes do mundo e em todas as épocas da história, a falta generalizada de saúde provoca uma enorme onda de religiosidade medicinal. A falta de saúde é de longe o maior combustível das religiões. As orações dirigidas ao Deus "com passível e misericordioso" não conhecem fronteiras confessionais: encontram-se em textos judaicos, islamitas, budistas, cristãos, shintoístas, animistas, primitivos e desenvolvidos, antigos e modernos, poéticos e vulgares. O Deus que cura é universal.
Diante dessa realidade dolorosa, Jesus se impressiona profundamente. Albert Nolan nos diz que a palavra "compaixão" é fraca demais para exprimir a profunda emoção que Jesus deve ter sentido diante da falta de saúde do povo camponês. O termo grego usado nos evangelhos, "splanchnon", fala melhor dessa comoção forte que mexe com as entranhas, de forma mais realista: "suas entranhas ficaram comovidas"; "ele ficou emocionado de compaixão"; "ele chorou" ( Nolan, A., Jesus antes do Cristianismo, Vozes). Os que tiveram contato com ele, ficaram impressionados com essa demonstração de sensibilidade por parte de Jesus pela "gente da terra" e pelo abandono em que esta vivia. Isso fica claro nos primeiros textos.
Jesus costuma tocar as pessoas doentes, mesmo o leproso da sinagoga, o que na hora despertou estranheza ( Mc 1,40; Mt 8, 1-4; Lc 5, 12-16) pois estava em confronto com as prescrições rituais e higiênicas da Torá. Esse episódio causou mais tarde muita controvérsia.

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JESUS TERAPEUTA
A ação de Jesus diante da doença do povo ficou registrada em textos do primeiríssimo estrato, redigidos entre 30 e 60 d.C: são os relatos de milagres. Desde cedo redige-se uma "coleção de milagres", posteriormente inserida nos evangelho de Marcos (2, 6 e 8) e João (2-9), uma espécie de "Atos de Jesus"  ( ao lado de seus "ditos") ( Crossan, 1994, 467). O ato de curar era tão importante no primitivo seguimento de Jesus, que o texto copta do evangelho de Tomé , 14, 2, usa o verbo grego "therapeuô" (curar) para designar as ações dos discípulos. Parece que a língua copta não tinha um termo apropriado: "Quando forem a qualquer região e andarem pelo campo, quando as pessoas os receberem, comam o que lhes servirem e ‘curem’ aquelas que estiverem doentes..."
Não resta dúvida: Jesus era aos olhos da primeira geração um grande terapeuta popular. Seus milagres foram cuidadosamente registrados. Mateus por exemplo, mesmo relutando em realçar a dimensão terapêutica da ação de Jesus, relata que ele veio para "curar toda doença e todo mal-estar no povo" ( 4, 23-25). Por isso mesmo, "numerosas multidões" o seguiam, não só da Galiléia, mas também da Decápole, de Jerusalém, da Judéia e mesmo da região além do Jordão (ibidem). Foi através de histórias de milagres que a primeira boa nova se espalhou na Galiléia e depois na Judéia. As multidões começaram a seguir o grupo de terapeutas que apareceu na região. Leia Mc 3, 7-8 e o texto já mencionado de Mateus. Todos os quatro evangelhos falam dessas multidões. O evangelho de João -testemunha ocular- apresenta a imagem de um Jesus preocupado com o sentido que o povo dá aos milagres ( veja Jo 6, exemplo típico), e que "ensina", tentando explicar o sentido das curas. Daí o uso que João faz do verbo "didascein" (ensinar). Para ele, os milagres são "sinais" que indicam um sentido além da cura imediata. Isto é fundamental para João: o sentido está além, não está na simples cura instantânea.
Efetivamente, a cura é apenas um sinal. Ela implica na criação de comunidades que oferecem um ambiente sadio de segurança e acolhimento. Por isso, as primeiras comunidades dão muito valor aos que têm a capacidade de ‘curar’, dando acolhimento. No rol dos ministérios, o dom de curar fica logo atrás do carisma de apóstolos, profetas e doutores: "Vêm, a seguir, os dons dos milagres, das curas, da assistência" ( 1Cor 12, 28). O corpo de dor é acolhido num "lar", onde a cura não depende simplesmente da oração, mas sobretudo do despertar de uma consciência social e política.

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JESUS E OS "SEM TERRA" (1)
Nas notas anteriores sobre a formação do cristianismo e a figura de Jesus, sempre insistimos na compreensão de Jesus a partir do mundo camponês galileu. Por não considerar este envolvimento com a devida atenção, certos estudos excelentes - como o já mencionado livro de Crossan: "Jesus histórico"- perdem em credibilidade. Crossan vê em Jesus um respeitado mestre em Israel, um "camponês cínico", um "radical intinerante", mas no nosso entender não estuda com as táticas e estratégias dos próprios camponeses. Ainda é muito "cristocêntrico" nas suas colocações.
Ora, como emergiu ultimamente no Brasil o movimento dos "sem terra", talvez valesse à pena aprofundar com maior cuidado esse ponto. Pensamos que não se pode entender o movimento chamado "de Jesus", sem entender o movimento dos camponeses. Jesus lidou com uma situação em que os camponeses da Galiléia viviam praticamente "sem terra", trabalhando nas terras dos grandes latifundiários. A concentração latifundiária tinha-se agravado desde o momento em que se iniciou a exportação dos produtos agrícolas da fértil Galiléia: trigo e óleo.
Desde o surgimento da cidade, oito mil anos atrás, os camponeses vivem em sociedades marcados com gritantes desigualdades, injustiças, privilégios por parte de uns e exclusão dos que vivem longe das cidades e dos centros de decisão. Os proprietários e comerciantes apropriam-se dos grãos e demais víveres produzidos no campo, enquanto o produtor camponês é obrigado a apoiar essa elite proprietária e comercial pois dela depende sua sobrevivência. Sem ter quem levar os produtos à cidade, estes apodrecem. Mais ainda: o proprietário apropria-se da palavra. Ele proclama aos quatro ventos que a terra lhe vem de Deus, dos antepassados, de documentos legítimos de posse.
Acha-se com o direito inclusive de cobrar dos camponeses , "em nome da justiça", os impostos pelo precário uso da terra. Essa é a história que passa a ser oficial, sem condições de resposta por parte dos camponeses, privados das letras, da instrução, do discurso legitimado pela sociedade. A elite reúne as condições, não só de produzir a sua interpretação da história, mas ainda de divulgá-la soberanamente. É a "história oficial". Os "sem terra" tornam-se "sem letras", não sabem nem ler, nem escrever e muito menos elaborar uma história diferente. Quando pretendem alfabetizar-se, são obrigados a aceitar a história oficial, eles que são a principal vítima dela, pois ela passa a ser a única história, a única maneira de se entender o mundo e a sociedade.
À primeira vista os camponeses se conformam, parecem "bonzinhos", simples e até ingênuos. Num próximo bate-papo veremos que não é bem assim.

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JESUS E OS "SEM TERRA" (2)
Será que os camponeses se conformam com a "história oficial", elaborada pela elite e divulgada por todos os meios de comunicação ? Foi essa a pergunta que nos fizemos no final do bate-papo anterior.
Já que os camponeses não dispõem de meios para apresentar a todos sua maneira de entender a história, eles encontram - com astúcia - fios de libertação dentro do próprio tecido opressivo com que a elite procura envolvê-los. Assim encontram um espaço de vida e identidade com o mínimo de risco de repressão. O povo camponês tem uma multissecular habilidade em "desmoralizar" os mais severos projetos elaborados para prendê-lo à obediência e submissão, feita de mil e uma artimanhas que todos que tenham algum contato com o meio camponês conhecem. A elite sabe disso mas se recusa a responder, pois isso romperia a ilusão que a sociedade mantém sobre a legitimidade do poder dos proprietários.
Mas nem sempre as coisas ficam aí, na cotidianidade de uma subversão silenciosa e sutil. Há raros momentos em que a contradição fica explícita, por causa da coragem e liderança de alguém que fale abertamente em nome dos camponeses. Foi o que aconteceu quando Jesus proclamou em alta voz: "O Reino ( de justiça e fraternidade ) está próximo". O momento elétrico, abalava de vez as estruturas da sociedade palestinense: o templo, a dinastia de Herodes e sobretudo a supremacia romana. Daí de um lado a pressa dos apóstolos em anunciar por todos os sítios palavras nunca verbalizadas, mas sentidas no coração desde gerações, e do outro lado a rápida reação das autoridades em eliminar a pessoa de Jesus. Diante do choque causado pelas palavras dos apóstolos, muitos camponeses tomavam de repente consciência do que ficara durante gerações nas sombrias regiões entre consciência e subconsciência, pressentimento emocional e evidência racional.
Mas a elite também percebia imediatamente que não havia como perder tempo. Jesus, o pacífico mestre da Galiléia, era mais perigoso que os profetas exaltados, os guerrilheiros das encostas do Mar Morto, os messias que prometiam à toa mundos e fundos. A elite percebia com rara perspicácia que o anúncio da chegada imediata do reino de Deus colocava em questão o sistema como um todo. A solução encontrada só podia ser a intervenção violenta, por mais que esta acarretasse danos morais à imagem da instituição. Não havia mais lugar para os clássicos recursos de manipulação.
Jesus foi executado, mas o dano causado à versão oficial da história provou ser irreparável. Nunca mais o discurso sobre a legitimidade dos poderosos recuperou sua antiga autoridade, tal o abalo causado pelas palavras do Mestre galileu. Certos conceitos ficaram irremediavelmente desmoralizados, por mais que se teimasse em revitalizá-los. Pois ainda vivemos sob o impacto do eletrizante grito de Jesus: "O Reino de Deus está próximo".

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A MISSÃO DOS DOZE
A Igreja interpreta freqüentemente o relato da missão dos Doze (Mc 6, 6-56) como um texto fundador do sacerdócio cristão, no sentido de estabelecer para os sacerdotes um estilo de vida muito diferente dos comuns dos mortais, muito mais radical. Recentemente, Theissen viu no episódio um projeto de se formar um corpo de "intinerantes radicais" a percorrer a Galiléia sem apelar para a formação de um "sacerdócio". Mas em ambas as leituras não se entende bem o porque de tanta exigência, tanta radicalidade. Falta raiz na realidade vivida.
Lendo o texto de Marcos em comparação de um lado com textos do Antigo Testamento e do outro lado com as tradicionais estratégias dos camponeses de todos os tempos, pode-se perceber várias analogias interessantes. Os discípulos não são simplesmente enviados para "andar", para "deixar tudo", para ser radicais no comportamento. Eles são enviados para realizar uma tarefa específica: anunciar que o tempo já devidamente anunciado por Moisés e Elias chegou. Estamos no tempo do exôdo e da páscoa. Agora, nestes dias, estamos passando do Egito, a travessia do Mar Vermelho, o retiro de quarenta anos no deserto, o maná, as tábuas da lei do Sinai, a finalmente arca da aliança, assim também os Doze ao mesmo tempo anunciam e realizam a nova páscoa, uma nova travessia
( do lago Genesaré ), um novo retiro no deserto (do outro lado do lago), uma nova alimentação no deserto (Jo 6), um novo Sinai e finalmente a remoção do sistema opressivo que se instalou no templo e a instalação de uma nova ordem social.
A autoridade dos Doze é absolutamente nova, não aquela dos escribas e fariseus e demais membros da elite que se apropriou do templo. O templo tem que ser restituído a Deus: "A casa de meu Pai é uma casa de oração e vocês fizeram dela um covil de ladrões". Como já vimos anteriormente, no momento do anúncio de tão espantosa novidade (evangelho), tudo tem que ir depressa. Daí a missão de 72 discípulos a percorrer todos os sítios da Galiléia. Daí também a rápida e brutal eliminação do homem que tinha anunciado publicamente a mensagem que feriu o âmago do sistema. Mas mesmo assim, a memória subversiva do rompimento público entre o movimento camponês e o da elite do templo, da casa de Herodes e do império resultou numa mudança permanente do modo em que os camponeses se vêem a si mesmos e entendem suas vidas.

FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 20 
A TÁTICA APOSTÓLICA
Vale a pena averiguar, no capítulo 6 do evangelho de Marcos, como Jesus e os apóstolos conseguem chegar até as autoridades do templo e fazer a proclamação pública da irrupção do reino de Deus diante de todos, mediante bem planejadas e cuidadosas táticas.
Em primeiro lugar Jesus usa a mobilidade que lhe é concedida por sua condição social de carpinteiro. Carpinteiros e pescadores fazem parte do mundo camponês, embora exerçam uma profissão marginal em relação à produção de alimentos, mas eles podem circular livremente sem criar suspeitas por parte das autoridades, em oposição aos camponeses que ficam diretamente ligados à terra. Jesus assim se desloca de sua aldeia que fica em Nazaré para um centro maior, Cafarnaúm, onde começa a relacionar-se com pescadores, fazendo deles seus companheiros. Uma movimentação em grande escala no mundo camponês certamente teria provocado suspeitas no meio das autoridades que cuidadosamente controlam tudo, como os evangelhos bem atestam. Um movimento de pescadores e artesãos, contudo, suscita menos desconfiança.
Mesmo assim, Jesus ao enviar os apóstolos de dois em dois pelos sítios da Galiléia, recomenda que eles freqüentem unicamente casas dispostas a recebê-los. Não devem ir de lugar em lugar nem falar em praça pública. Nas casas pode-se discutir a boa nova do reino iminente, entre simpatizantes e eventualmente vizinhos que vão chegando. Os apóstolos têm que "sacudir a poeira das sandálias" contra os que não simpatizam, como advertência ( ameaça ? ) contra possíveis traidores. É preciso trabalhar em segredo.
Mas aos poucos a elite vai tomando conhecimento que algo está ocorrendo no tão submisso e pacato mundo camponês. O povo começa a falar de um poderoso curandeiro e mesmo a casa de Herodes começa a inquietar-se. É preciso que Jesus se retire com os apóstolos para lugares ermos, na fronteira, além do lago de Genezaré, logo depois da volta destes. Ele quer evitar um confronto direto com as autoridades e criar espaço para um grupo mais amplo de seguidores e simpatizantes. Regiões de fronteira sempre são difíceis de serem controladas.
Assim Jesus e os seus estão seguros, mas não despercebidos. Logo depois da alimentação milagrosa no ermo, uma delegação enviada pelas autoridades pede uma declaração pública de suas intenções reais. Ele a recusa, respondendo de maneira velada e ambígua. "Cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes"( Mc 8, 15 ). Não há mais como escapar: um confronto aberto torna-se cada vez mais inevitável, como veremos na próxima vez.

FORMAÇÃO DO CRISTIANISMO 21
A PROCLAMAÇÃO PÚBLICA.
Como vimos no texto anterior, é através de táticas cuidadosamente preparadas e executadas que Jesus e seus apóstolos conseguem chegar ao templo com um número não desprezível de gente camponesa da Galiléia. Se tivessem trabalhado abertamente, as autoridades do templo certamente teriam enviado um contingente de soldados para o norte. O disfarce e o segredo foram vitais na condução do processo, dentro da conturbada Palestina da época.
Posto que a meta é um rompimento aberto com o sistema elitista e dominador que toma conta do templo de Jerusalém, Jesus enfrenta adversários desiguais.
Ele e seus seguidores camponeses não dispõem dos meios políticos, econômicos e sociais comuns para resistir ao poder da elite no poder. Mesmo assim, a experiência de Jesus mostra que existe poder na margem da sociedade estabelecida, poder de imaginação, de fé, de habilidade e de astúcia por parte dos pobres. O poder da religião, afinal de contas. A lógica emocional da religião, mais forte que a lógica puramente racional dos poderes constituídos. Jesus usa o poder da religião de maneira hábil para chegar a
desestabilizar abertamente o sistema em vigor: "O reino de Deus está próximo..".
Como já se disse aqui, o choque foi elétrico. As autoridades sentiam-se atingidas de cheio, não só o pessoal do templo (17 mil sacerdotes), mas também a casa de Herodes e mesmo a representação romana em Jerusalém.

Matando Jesus, as autoridades cometeram um erro histórico. Rapidamente a figura de Jesus foi um ponto de atração por toda parte: na Síria, no Egito, na Ásia Menor, em todo o Mediterrâneo e no interior até a Mesopotâmia. O que doravante resta aos donos do poder é o incansável empenho em manipular a mensagem contundente de Jesus, um processo que já dura dois mil anos, ao lado do processo igualmente tenaz, por parte dos herdeiros dos camponeses da Galiléia, em preservar o evangelho de forma original, com o nervo ativo de quem lhe imprimiu o ritmo e as táticas nos inícios. 


A HISTORIA DO CRISTIANISMO
O Autor: Belga, padre casado, mora há vários anos no Brasil. Lecionou História da Igreja nos Seminários de João Pessoa, Fortaleza e no SERENE II do Recife. Fundador do CEHILA  ( Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina ) . Fundador e coordenador do CEHILA - Popular. Renomado acessor das CEB's. Autor de vários artigos e livros sobre História do Cristianismo Antigo, História da Igreja e História da Igreja na América Latina. Dedica-se atualmente à coordenação do Projeto : História do Cristianismo no 3º Mundo; por onde publicou em 1995 o livro "O Movimento de Jesus".
Eduardo Hoornaert, de maneira muito gentil e solícita,atendeu ao pedido do Igreja Nova, e nos enviou 8 breves artigos, sobre sua mais recente pesquisa, A Formação do Cristianismo; os quais passaremos a publicar. Nosso muito obrigado ao autor.

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