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sexta-feira, 10 de junho de 2016

HISTÓRIA DO CRISTIANISMO 4 - FUNDAÇÃO DO CRISTIANISMO

 FUNDAÇÃO DO CRISTIANISMO 

 CAP. 1-o.
CRISTIANISMO A PARTIR DO
VELHO MESSIANISMO DOS PROFETAS. 4251y015.
 
 16. Introdução. O cristianismo é basicamente um messianismo. Começa, pois o exame do cristianismo sob esta perspectiva.
 Ora o messianismo é um fenômeno sociológico muito complexo, ocorrido em diferentes partes do mundo, com nomes diferentes e direções várias, dificilmente previsíveis, mas não de todo fora de um sistema.
   Principia o messianismo, em qualquer povo em que ele aconteça,   com a crença em um Messias, e com a busca, por intermédio deste, de um resultado coletivo.
 O messianismo judaico originário foi sobretudo político, no sentido de que um Messias restabeleceria o reino de Israel.
 Enquanto este restabelecimento não se efetivava, um leque de reinterpretações se foi criando, desde as formas simplesmente políticas, até as espirituais, como a dos essênios e a dos cristãos.
 Portanto, o objetivo final do messianismo cristão seria um Reino de Deus. Os que conseguem pertencer ao Reino de Deus, são considerados salvos, e os demais perdidos para o Inferno eterno.
 Tudo finalmente se completa por uma geral escatologia, denominada Fim do mundo.



17. Tratado o cristianismo como um messianismo, também ele se poderá tornar compreensível como um fenômeno sociológico. Nesta condição, o messianismo cristão admite ser tratado como um fenômeno entre outros similares.
 Quando um grupo social se encontra em dificuldades, admite facilmente uma liderança. Se este grupo social for dominantemente constituído de indivíduos simples, a liderança carismática se torna muito eficiente. Há indivíduos especialmente talhados para a liderança carismática.
 Em princípio os Messias são criaturas humanas. Mas a ideologia poderá desenvolver conceitos políticos, tais como os que interpretam as referidas criaturas humanas como tendo sido enviadas por Deus. De outra parte, não é impossível que Deus envie um Messias.
 Eis porque se pergunta, se Jesus é apenas um indivíduo carismático humano, ou se efetivamente foi enviado por Deus.
 Resulta haver duas interpretações básicas para o messianismo cristão:

 - é um messianismo efetivamente divino, conforme acredita a fé de muitos;
 - é um messianismo meramente sociológico, espontaneamente gerado na mentalidade de massa e seus líderes carismáticos, cuja ideologia sobre o Reino de Deus não teria origem divina.
  Como fenômeno sociológico, há também a considerar que um messianismo pode adquirir grande porte, enquanto outros modelos de messianismo sucumbem.
 As vezes sucumbe um messianismo, por absorção, como o dos essênios pelos cristãos.
 Outras vezes um messianismo poderá ser simplesmente reprimido por um messianismo maior, como o dos cátaros da Idade Média, estes destruídos por uma cruzada cristã.
 De certo modo, através dos tempos, o messianismo cristão procurou liquidar o tradicional messianismo judaico.
 A história da fundação do cristianismo deverá examinar, portanto, distintamente  dois aspectos, - o passado social de um povo aspirando um Messias, e as condições carismáticas de Jesus para o exercício desta função.
 Pergunta-se, pois, primeiramente pelos judeus, na fase periclitante de sua história política e sobretudo depois da queda do seu reino, 587 a.C., quando desenvolveram amplamente a idéia do messias ao qual caberia restabelecer sua independência.
 Ao parecer que esta situação política se tornava irreversível, poderiam alguns se ter imaginado um messias espiritual, restaurador ao menos do culto judaico. Era o que mais o menos parecia acontecer desde Herodes o Grande, reconstrutor do templo, no qual o culto foi exercido até sua destruição no ano 70.
 Completa-se a pergunta, - teria dali nascido, finalmente, o messianismo espiritual cristão, como uma das variantes do messianismo judaico, e que em sua variação interpretou a Jesus, como um Messias enviado por Deus, e finalmente até como uma pessoa divina?
 Eis uma questão complexa a examinar, que envolve num todo,  a judeus e cristãos, a crentes e descrentes.
 Está, pois, equacionado o problema, com suas alternativas extremas, em que todas deverão ser buscadas com isenção de ânimo, para se verificar qual exclui a outra.
 Em sequência didática, apresentam-se, a propósito, os seguintes temas iniciais:
 - Do judaísmo antigo em geral (Art. 1.) (vd 4251y018).
 - Documentos do messianismo judaico (Art. 2.) (vd 4251y027).
 - Inspiração divina atribuída aos livros bíblicos (Art. 3.) (vd 4251y058).
 - Messianismo antes dos profetas escritores (Art. 4.) (vd 4251y068).
 - O Messias descrito pelos profetas escritores (Art. 5.) (vd 4251y090).
 - Ainda o Messias nos Salmos (Art. 6.) (vd 4251y117).
 

ART. 1-o. DO JUDAÍSMO ANTIGO EM GERAL. 4251y018.

 
 19. A história inicial do judeus, como é apresentada pelos livros bíblicos, é redigida com o mesmo estilo heróico dos mesopotâmicos e egípcios, com episódios espetaculares e patriarcas longevos.
 A primeira figura de fisionomia histórica definida é Abraão, de cerca de 1700 a. C., época de Hamurabi, rei da Babilônia. Dito como procedente de Ur, Mesopotâmia, veio mais para Ocidente, instalando-se numa região que depois se denominaria  Palestina. Somando o que os textos bíblicos e os islâmicos atribuem à Abraão, dificilmente se poderá admitir a historicidade de todo os episódios.
 O texto bíblico declara que Deus prometeu esta terra aos seus descendentes, desde o rio do Egito até o rio Eufrates (Gênesis 15,18). Eis um texto comprometedor para o relacionamento político entre os povos da região.

 
20. Os descendentes de Abraão se transferiram para o Egito, onde prosperaram. O assim chamado povo eleito, ao sentir-se com força de abandonar este país, tentou rumos próprios. Depois de um estágio no deserto, arremeteu-se à conquista de  Canaan (ou Palestina).
 Moisés comandou o povo e lhe deu as leis fundamentais junto ao monte Sinai. Estes sucessos datam de cerca do ano 1270 a.C. Sucedido por Josué, este comandou a conquista do novo país.
 As doze tribos de Israel foram governadas inicialmente por Juízes.
Instalou-se o reino por volta de 1020 a.C. sucessivamente sob Saúl, David, Salomão. Os quase 100 anos de pequena glória vão até cerca do ano 929 a.C., quando se dividiu o poder, entre Samaria e Jerusalém.
 Desenvolveu-se a partir de então o profetismo messianista. É que as dificuldades a que passaram então os dois reinos eram próprias para que os profetas levantassem a imagem de um Messias restaurador.
 O reino de Israel (10 tribos) chamado também Reino da Samaria (nome da capital), foi conquistado pelos Ninivitas em 722 a.C. O da Judéia (tribo de Judá), com capital em Jerusalém, foi tomado pelos babilônios em 587 a.C.
 Terminou em 587 a.C. a fase áurea dos judeus, quando se formaram seus ritos e se fixou o corpo principal do texto bíblico. Mas cresce a partir de então a importância o texto religioso, porquanto havia desaparecido o poder civil nacional.

 
21. Finalmente, o mundo semita passará ao controle dos hindu-europeus, com a vitória dos persas, em 538 a.C., sobre a até então poderosa Babilônia.
Foi permitida pelo conquistador Ciro uma liberdade relativa aos judeus, que concluíam então 40 anos de Cativeiro.
Parte dos judeus retornou a Jerusalém, reconstruindo um modesto templo. Os outros se difundiram por todo o vasto império persa.
É importante observar que o contato com o mundo exterior sujeitou os judeus a influências da religião zoroástrica, a qual uns passaram a rejeitar e outros assimilaram em parte..

Depois de um século no contexto persa, acontecia outra transformação, porque todo o complexo persa fora conquistado pelo mundo helênico, de Alexandre Magno, em 434 a.C..
Os judeus passarão a um império ainda maior, em 64 a.C., ou 63 a. C., o Império romano.

 
 
22. Neste quadro político e cultural, como ainda pensar no messianismo dos antigos profetas?
Entrementes houvera  ocorrido o episódio passageiro do reino dos Macabeus (164- 63 a.C.). Ao tempo em que o reino helênico seleucida de Antioquia da Síria enfraquecida, frente à política romana, conseguiram os Macabeus a independência da Judéia, inclusive o apoio romano.
Seriam depois os mesmos romanos que engoliriam, tanto a Síria, quanto a Judéia (63 a.C.). Com a revolta, a cidade de Jerusalém é destruída em 70.
Depois de mais esta derrota os judeus serão uma nação errante pelo mundo, ainda que sempre unida e influente, cultivando o espírito de raça eleita e religião própria.
Como já se adiantou, a falta do governo nacional prestigiou os escritos religiosos antigos. Sem poder civil nacional, cresceu a importância dos chefes religiosos. Não tivessem os judeus perdido a independência, a Bíblia não teria tomado as proporções que alcançou.
Diferentemente, os relatos míticos gregos não puderam adquir o mesmo Status, porque havia uma instância política. Ao invés de uma escritura sagrada a se impor sobre o grupo, tiveram desenvolvimento a constituição civil, o direito e a filosofia.
Ao  universalismo praticado pelos judeus se acresceu contudo modernamente o pequenino Estado de Israel, restaurado em 14-5-1948, quase teocrático, sob a autoridade do Kessenet, constituído de 120 membros.
No plano ideológico, ficou o Estado de Israel inserido no mundo judaico, - e mesmo cristão, - como uma espécie de Estado Vaticano II, porquanto, embora tenha o sentido político de dar chão a um povo, contém ainda um significado religioso messiânico.

 
 
23. Judaísmo.  A religião judaica não oferece um sistema dogmático fechado, abrindo-se em um leque de diferentes significados semânticos, que podem finalmente incluir sob sua denominação o próprio cristianismo.
A versatilidade semântica do judaísmo decorre de seu mesmo passado histórico. Explica-se o fenômeno  pela circunstância de haver desaparecido cedo uma autoridade religiosa centralizadora dogmatizante.
O judaísmo oscila bastante e se divide em orientações divergentes, sem que sejam consideradas heréticas, apesar de conflitantes entre si. Une-se em torno da idéia da predestinação judaica, efetiva no entender de uns, simbólica no de outros.

 
 
24. O monoteísmo é uma das principais e consideráveis características do judaísmo.
Ocorrem entretanto tendências de fugir a este princípio central. Continuaram práticas diversas, algumas de adesões os deuses dos povos vizinhos.  Outras, de fetiches e cabala.
Cresceu o elenco das entidades intermediárias, como os anjos; estes ganharam importância no judaísmo posterior, após o exílio em Babilônia, quando os judeus ficaram sob a influência religiosa persa.
Entre os cristãos finalmente se desenvolveu a crença na Trindade das pessoas divinas, cuja conceituação teológica é pronunciadamente neoplatônica.
Mas não foi o monoteísmo uma novidade exclusivamente judaica. Já haviam acontecido no Egito algumas tentativas de introdução do monoteísmo.
Também os primeiros filósofos gregos, no 5-o século a.C.,  insistiram numa revisão do conceito de divindade.
De outra parte, a noção de Deus, por parte do velho judaísmo, foi rudimentar e antropomórfica, havendo sido inferior à dos primeiros filósofos gregos.
Sem especulação filosófica a respeito de Deus e sem cuidado em defini-lo, o povo judeu vagamente concebeu a Deus como um ser pessoal, quase ao modo dos humanos; que age e fala; que tem mãos, pés, braços, olhos, lábios; que se apresenta em certo lugar e mora nos céus; que é nacionalista e tudo promete aos judeus, até mesmo um Messias poderoso, capaz de se impor a todas as nações.

 
 
25. A melhoria dos conceitos judaicos sobre Deus principia quando os judeus passaram a contatar a cultura grega. Esta influência ocorreu sobretudo em Alexandria, a grande metrópole helênica, fundada no Egito por Alexandre Magno em 332 a.C..
Na tradução da Bíblia conhecida como Septuaginta (do séc. 3-o. a.C.) vários antropomorfismos são substituídos por circunlóquios, o que revela uma melhoria de mentalidade filosófica. Também será em Alexandria que se desenvolverá uma exegese alegórica, entre judeus, como Filon, e entre cristãos, com destaque Orígenes.
Foi a melhoria dos conceitos, - resultante da tradução de uma língua de cultura inferior, para outra de cultura superior,- uma conquista da inteligência; mas de outra parte, a melhoria dos conceitos nos adverte que pode estar ocorrendo um rompimento em teses essenciais da tradição.
No caso da Bíblia judaica temos ainda hoje tanto o original hebraico, como o texto vertido ao grego, para poder comparar e julgar.
Todavia, com referência aos livros cristãos do Novo Testamento, eles são a transcrição para o grego do ensinamento de Jesus, o qual pregara em aramaico. Esta circunstância oferece dúvidas sobre o exato pensamento de Jesus, porquanto o texto grego certamente é portador de núcleo cultural diferenciado e melhor trabalhado.

 


ART. 2-o. DOCUMENTOS DO MESSIANISMO JUDAICO. 4251y027.

 
 
28. Num determinado momento da história do desenvolvimento de um povo aparece a escrita. Ela tende a ser ocupada pelas operações mais complexas dos negócios, e ainda pelas doutrinas progressivamente mais complicadas das religiões.
Didaticamente, oferece-se o seguinte roteiro:
- Do livro sagrado em geral (vd 4251y030);
- Da Lei (o Pentateuco) e dos Profetas (livros destes) (vd 4251y040);
- Do método de interpretação (vd 4251y051).
I - Do livro sagrado em geral. 4251y029.

 
30. O livro dito sagrado surgiu em época sem recursos adequados para escrevê-lo.
Este é um paradoxo, porquanto a revelação sobrenatural deve ser conceituada como uma ajuda ao homem. Parece, então, que mais sábio teria sido levar a revelação diretamente à consciência de cada um.
   Os primeiros livros, escritos ao modo de folhas sobrepostas, substituindo os rolos, datam apenas do 3-o. século depois de Cristo. Os rolos eram volumes no sentido mesmo da palavra, que quer dizer o que se  volve, ou o que se desenrola.
Tal acontecia com os livros bíblicos, quer do antigo quer do novo Testamento, cujos rolos, à medida que iam sendo lidos, eram desenrolados em uma extremidade, para continuar a leitura, ao mesmo tempo que enrolados na outra, em que a leitura ia sendo terminada.
Uma Epístola, como as de Paulo Apóstolo, poderia estender-se por uma faixa de metro de extensão. Os antigos empregaram geralmente rolos de papiro, ou de pergaminho, ou de cobre. Rolos do Velho Testamento foram reencontrados nos achados do Mar Morto, meados do século 20.

 
31. Papel, pergaminho, livro. O nome papel decorreu, por transformações várias, do de papiro, - do latim papyrus, por sua vez do grego papyros. Este nome designava uma grande erva fibrosa, classificada cientificamente como Cyperus papyrus (isto é, da família das ciperáceas), que crescia como nativa nas margens do rio Nilo, Egito.
Aprenderam ali os mesmos egípcios a extrair dela o material para a fabricação do papel, cruzando as fibras do caule de 2 metros, e submetendo a trama a um banho de óleo de cedro, que o tornava incorruptível.
Graças ao papiro conservaram-se muitos textos antigos. A pilhagem concentrou um grande número deles nas coleções dos museus da Europa, principalmente do Museu Britânico, de Londres, e Louvre, de Paris.
O papel de pasta mecânica foi inventado na China no início do 2-o. século, mas somente no século 12 entra na Europa através da produção e comércio árabe.
Os ocidentais o aperfeiçoaram, ampliando-lhe as utilidades. Em 1978 o francês Nicolas Louis Robert inventou a máquina de produção de papel em folhas contínuas.
O pergaminho, - nome derivado do latim tardio pergaminum, por sua vez do clássico pergamena, - foi desenvolvido em Pérgamo (Ásia Menor), no 2-o século  a. C., quando acontecera dificuldade de importação do papiro do Egito. Consiste no preparo da pele de carneiro, ovelha ou cordeiro, raspada e macerada, curtida em substâncias alcalinas. O novo material de escrita firmou-se apenas a partir  do século 4 d.C., vindo a alcançar seu esplendor com as iluminuras da Idade Média.
A vantagem do pergaminho decorreu da possibilidade de ser raspado com vistas a novo uso.
Dali se originaram os palimpsestos. Os sinais restantes dos textos anteriores, por vezes legíveis a olho nu, mas geralmente por meio de expedientes específicos, como a fotografia infravermelha, permitiram reaver informações importantes.
Por exemplo, o Novo Testamento do Códice C (Ephraemi Rescriptus) foi recuperado sob os escritos de Santo Efrém do século 12, sob o qual se encontrava o outro, remontando ao século 4-o.
O livro de páginas sobrepostas, substituindo os rolos, teve origem no pergaminho, que, por ser mais resistente que o papiro, facilitou a nova forma. Ao que parece, tudo teria começado na biblioteca de Pérgamo.
Assim preparado o velho livro se chama códice (costura). Caderno, - nome derivado do latim quaternus (= quatro) - lembra que uma folha se dobrava em quatro. Mas desde logo também se fez conhecer o livro de papiro.
No final do I século depois de Cristo, ao tempo do imperador Domiciano, o livro já era frequente. Todavia, estes primeiros livros já estão desaparecidos.
A palavra livro (de liber) lembra a cortiça, material entre a casca e a madeira da árvore, que, quando mais delgada, era tomada para escrever, o que depois passou a significar o produto final, isto é, o livro paginado.

 
 
32. Velho Testamento e  Novo Testamento.  Os livros sagrados dos judeus são aqueles que os cristãos denominam Velho Testamento, ou seja do Velho Pacto, feito por Deus com o povo eleito. Querem os cristãos que Jesus tenha dissolvido o pacto anterior, e feito um Novo Pacto, razão porque os livros correspondentes se denominam Novo Testamento.

 
 
33. O cânon dos livros sagrados. Nome derivado do grego       (= vara convertida em instrumento de medida, régua, noma, lei), cânon passou a ter variado uso semântico, entre os quais também o de lei que determina quais os livros sagrados oficialmente considerados inspirados.
Divergem os cânones, e foram polemicamente estabelecidos no curso dos séculos. Só este fato compromete em muito a validade geral dos livros sagrados como um todo. Os critérios adotados oferecem algumas fragilidades, e que explicam o porque de tais divergências, e que finalmente podem influenciar os conceitos sobre o messianismo.
 Com referência ao cânon judeu foi fixado definitivamente em Jâmnia entre 90 a 100 depois de Cristo. Para a cidade de Jâmnia da costa palestina do mar Mediterrâneo, havia sido transferida a sede do sinédrio, depois da destruição de Jerusalém, ano 70, e foi ali que se reorganizou. Outros escritos judaicos se prestaram também para a definição do pensamento messiânico da época.

Os cristãos admitem os livros bíblicos do cânon judaico, acrescentando os do chamado Novo Testamento. Mas discordam tanto sobre os do Antigo Testamento, como do Novo.
Os protestantes mantêm os livros do Antigo Testamento, os mesmos do Cânon judaico, o que significa somente os escritos em língua hebraica.
Os cristãos católicos incluíram como livros do Antigo Testamento obras piedosas, algumas escritas em grego, por judeus helênicos, geralmente de Alexandria, a saber os assim chamados 7 dêutero-canônicos: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1 e 2 Macabeus, e partes de Daniel e Ester.
 Ficou, portanto, o cânon cristão protestante idêntico ao judaico, diferente do católico, no que se refere ao Antigo Testamento.
Também acontecerão algumas diferenças no Novo Testamento, no qual o cânon católico inclui maior número de textos.

 
 
34. O cânon cristão da Igreja católica se fixou paulatinamente, sob a influência de Tertuliano (c. 260-220). Em princípio, o cânon católico contém todos os livros contidos na Vulgata Latina.
Não sem muita polêmica, o cânon da Igreja católica se definia no Concílio de Cartago, de 397. Ganhou caráter definitivamente claro, em 1546, por definição do Concílio de Trento, ao estabelecer como "sacros e canônicos" todos os livros da Vulgata Latina.

 
 
35. Septuaginta. Os judeus helizantes, já de longa data, haviam  traduzido a Bíblia para o grego e lhe associaram mais outros livros, redigidos originariamente no mesmo grego,  a pedido do rei Ptolomeu II, Philadelphus (285-346 a.C.), para a grande biblioteca de Alexandria.. Chamou-se à tradução Septuaginta, ou Versão dos Setenta, porque teria sido traduzida por 72 especialistas em 72 dias,
Esta informação se infere de uma narrativa que consta na Carta de Aristeas, hoje considerada expúrea. Pode-se contudo aceitar o conteúdo no que afirma de mais genérico, e é citada pelo judeu Josefo Flavo (1-o século), em suas Antiguidades judaicas XII, 2, e pelo cristão do Eusébio de Cesareia (c. 263-339) em sua Preparação Evangélica, III, 2-5.
A Septuaginta se fez conhecida também como Versão grega e ainda como Vulgata. Depois que São Jerônimo traduziu a Bíblia para o latim, passou a ser mais conhecida como Vulgata a versão latina. Mas esta melhor se diz Vulgata latina. A grande validade da Septuaginta, sobretudo na antiguidade, foi ter servido para melhor compreensão do texto mesmo em hebraico, porquanto os próprios judeus já não o falavam.

 
 
36. O Talmud, o principal texto judeu pós-bíblico, tem origem a partir do século da era cristã, a maneira de um novo elenco de tradições judaicas. Este volumoso texto, com diferentes origens, mantém a fé do messianismo prometido. Mais significativo é o Talmud de Babilônia, que o de Jerusalém, ambos todavia valiosos.

 
37. Com referência ao Antigo Testamento dividiam-se também os judeus em palestinos, referência à Palestina, onde ficava Jâmnia,  e em helenizados, o que se dizia dos que se haviam habituado à língua grega, o que aconteceu primeiramente em Alexandria, onde surgiram.
Desde então se passou a distinguir, quanto aos livros bíblicos oficialmente aceitos, entre o Cânon Palestino, de dimensão menor, e o Cânon Alexandrino, maior.

 
 
38. Os antigos cristãos, de fisionomia evidentemente mais helênica, adotaram o Cânon Alexandrino.
Esta circunstância foi logo aproveitada pelos judeus palestinos para se distinguirem dos cristãos, e se tornou motivo de polêmica. Foi também uma razão para dar combate aos seguidores do Nazareno. Explica finalmente porque alguns textos em versão grega de judeus antigos passaram a ser tomados como igualmente bíblicos pelos cristãos, enquanto que para os judeus continuaram sendo apócrifos.
Finalmente os próprios cristãos se dividem, mais tarde, no século 16, quando  os protestantes aderem também ao Cânon Palestino. Ficaram excluídos como apócrifos vários livros, e ainda partes de outros livros, como a história de Susana, de Baal e do Dragão (Daniel caps. 3 e 4) e os últimos 7 capítulos de Ester.
Com referência ao Novo Testamento ocorreu divisão semelhante, estabelecendo- se pois uma geral confusão documental religiosa.
Eusébio de Cesarea, em sua História Eclesiástica (§ III, 25) anotava que em seu tempo (sec. 3) não eram universalmente reconhecidos no Oriente os livros, por isso também chamados dêutero-canônicos, as Epístolas de Tiago, de Judas, segunda de Pedro, duas de João, e ainda de Paulo aos Hebreus e o Apocalipse.
Também aqui os protestantes do século 16 deixaram, pelo menos em parte, os livros dêutero-canônicos do Novo Testamento.

 
  
II - A Lei e os Profetas. 4251y040.

 
41. Uma divisão classificatória divide os livros do Antigo Testamento em Lei (ou Torah) e Profetas (Nebim).
Reúne Lei, ou Torah, aos livros mais antigos, representando a mentalidade mosaica. Nestes escritos o messianismo judaico se conserva ainda moderado.
Profetas, ou Nebim,  são os livros escritos posteriormente, quando a nação está mais problematizada, e portanto adequada para o discurso messianista. Surge também então a imagem do anjo ao modo persa.
Acontecia portanto já no curso do Antigo Testamento uma espécie de Novo Testamento, em função às inovações introduzidas pelos profetas.
Os saduceus, peculiarmente tradicionais, admitiam apenas os livros da Lei. Os livros chamados dos Profetas são do elenco mais moderno, aceito pelos fariseus, zelotas, essênios, cristãos.
Quando Jesus se referiu à Lei  e aos Profetas, situou-se em um contexto claramente não saduceu, por conseguinte mais próximo dos fariseus, zelotas, essênios.

 
 
42. Pentateuco. Sobre a antiguidade e autenticidade do Pentateuco, primeiro conjunto de cinco livros da Bíblia, se pensa hoje mui diferentemente que em alguns séculos atrás.
Os cinco livros mencionados se intitulam Gênesis, Êxodo, Números, Levítico, Deuteronômio. Ao mesmo grupo, dado como o mais antigo, pertence o livro denominado Josué. O grupo se denominou então Hexateuco, porque já não de cinco, mas de seis livros. A denominação Pentateuco, - do grego Pentáteuchos, pela junção dos elementos pente (= cinco) e teuchos (= folha de papiro, papel, livro), - data de Orígenes e Tertuliano, da primeira metade do 3o século cristão, indicando com isto o caráter de cinco livros. Na forma hebraica o Pentateuco se diz Torah (        ), que se traduz por A Lei. Nesta condição aparece na já citada expressão "A Lei e os Profetas".
A distribuição dos cinco livros do Pentateuco é bastante óbvia:
Gênesis trata da origem do Universo e dos primeiros patriarcas, até Abraão;
Êxodo da saída do Egito para a península do Sinai;
Números, um catálogo de famílias e recenseamento;
Levítico, uma exposição ritual;
Deuteronômio, uma reexposição da Lei.
Ao conjunto se acrescenta finalmente, Josué, a história da conquista da Palestina.

 
 
43. Tradicionalmente os cinco livros do Pentateuco eram atribuídos a Moisés, do século 13 a.C. e o seguinte a Josué (do século 12 a.C.). Alguns atribuíam até mesmo os sinais vocálicos postos sob as letras, ou mesmo acima, à Esdras (século 6-o. a.C.), imediatamente após a libertação do cativeiro de Babilônia (538 a.C.), quando não ainda a Moisés. Na verdade estes sinais são muito mais recentes, criados nas sinagogas de Tiberíades e Babilônia para garantir a reta pronúncia de uma língua já não bem dominada pelo leitor.
Ainda que os primeiros livros sagrados,  - os cinco denominados em conjunto Pentateuco, - tenham sido tradicionalmente atribuídos a Moisés, do remoto século 12 ou 13 a.C., eles datam efetivamente de cerca do século 8-o ou 7-o, conforme análises mais precisas determinaram, mostrando a presença sacerdotal no texto.
Os primeiros livros, que dão início à Bíblia pelo século 8-o, fixam, entretanto, tradições de longa data, havendo sido trabalho de diversos autores e em datas distintas.
O texto em parte é novo e em parte faz transparecer redações anteriores, que podem ser crônicas as mais diversas, relatos de guerra, poemas e salmos, narrativas fantasiosas.
Transcreve ainda o texto definitivo, direta ou indiretamente, versões mesopotâmicas mais antigas sobre o dilúvio, o paraíso e a criação do mundo. As narrativas fantásticas do Gênesis não são de inteira originalidade.

 
 
44. A reação aos exageros sobre a atribuição mosaica do Pentateuco surgiu com o movimento da crítica histórica, nascida com o padre oratoriano Richard Simon (1638-1712). Como se sabe Simon publicara em 1678 em Paris uma História crítica do texto do Velho Testamento, em consequência da qual foi expulso de sua comunidade religiosa e combatido pelo prestigioso bispo Jaques Bossuet e finalmente colocado entre os autores do Index de livros proibidos da Igreja Católica, precisando o autor recolher-se prudentemente à Holanda, onde então o pensamento livre estava mais assegurado.
Este episódio deixava claro que as religiões tradicionais não possuíam seguro conhecimento de seu próprio fundamento.
Simon duvidou da origem mosaica do Pentateuco. O mesmo logo se dirá também do livro de Josué. Generalizou-se rapidamente a convicção da origem fragmentária dos livros iniciais da Bíblia.
O médico e professor de Paris, Jean Astruc (1684-1766) advertiu que a narrativa mais antiga da criação se refere a Deus pelo nome de Elohim, e que a outra utiliza o nome pessoal de Javé, repetindo o mesmo acontecimento sob outra perspectiva.

 
 
44. No século 19 firmou-se a hipótese, conhecida por Graf-Wellhausen, que reduz o Pentateuco a uma reunião de quatro fragmentos principais, reunidos em épocas difíceis de definir, classificadas pelas letras:

 E - Documento Eloístico;
 J  - Fonte Javista;
 D - Fonte Deuteronomista;
 P- Documento Sacerdotal (ou Priester Kodex, na expressão alemã).
 
A alteração, - introduzida no texto por Graf, nesta hipótese que vem de Wellhausen, - consistiu em passar o documento sacerdotal (P), por ser mais recente, do primeiro plano (E.J.P) ao último (E.J.D.P), sendo nisto logo acompanhado pelos novos intérpretes.
A consequência foi a diminuição da antiguidade da redação final de todo Pentateuco, visto que a fonte deuteronômica já é recente (entre o século 6-o e 7-o).
Parece que a fonte javista  é mais antiga; todavia se encontra intimamente fundida como documento eloístico; sua união como J. E., os impede de serem tratados em separado. O desenrolar dos dois se observa pela diferença dos nomes no texto e pela repetição dos mesmos conteúdos narrados.
A fonte Deuteronomista (D) é de clara outra procedência, que a dos documentos javista e eloísta (J.E.). Teria sido escrito pouco antes do tempo do rei Josias (c. 638- 608), porquanto se afirma que o livro do Deuteronômio fora achado no 18o ano do seu reinado em Judá. Apresenta uma espiritualidade uniforme e contínua insistência de reforma. Seu estilo é marcadamente distinto.
O Documento Sacerdotal (P) consiste, antes de tudo, no ajustamento da estrutura total, do Pentateuco.
Ajusta entre si os documentos E. J..
 Ajusta a seguir E. J. ao tema do Deuteronômio (D).
Os elementos do documento sacerdotal constituem um código de conteúdo histórico e legislativo, regulando cerimônias e festas. Dentre desta estrutura, são colhidos os elementos das fontes anteriores, javística, eloística, deuteronômica.
De maneira geral, o novo livro é reflexo da influência sacerdotal, de uma época em que se fazia sentir fortemente.

 
 
45. Pertenceriam também ao documento sacerdotal (P) os elementos históricos do Êxodo.
O episódio da marcha dos Israelitas, do mar do sítio de Kadesh, constituem talvez o centro de toda a narrativa do Pentateuco; em seu torno se teriam reunido os demais documentos.
Desta sorte, - no pensamento de Eluard Meyer e outros estudiosos, - o exame do Pentateuco não teria o ponto de partida principal no Gênesis, mas no Êxodo (Cf. Hexateuch, Mc Millan, Everyman's Encyc. 7, p.120). É uma hipótese lógica, desde que se ponha como mais recente o autor sacerdotal (P).
O livro de Josué, que se atribuía ao mesmo Josué, mantém-se na estrutura do Pentateuco, como se fosse o seu complemento narrativo e sacerdotal (P).
Atende às profecias sobre a promessa e conquista da Terra Prometida.

 
 
46. Como decidir sobre a antiguidade do Pentateuco e suas etapas de elaboração?
Postos os argumentos em sistemática, pode-se alegar em primeiro lugar o aspecto da linguagem.
A língua hebraica bíblica se distingue em:
período de Moisés até o tempo dos reis (1270-1000 a.C.);
período do início do reino até o exílio babilônico (1000-585 a.C.);
período do exílio, quando a linguagem hebraica deixou paulatinamente de ser falada, substituindo-se pelo aramaico, a língua que Jesus e os primeiros cristãos falaram;
seguem-se o hebraico míschnio, talmúdico, finalmente o neo-hebraico ou moderno.
Do período anterior ao dos reis (1000 a.C.) sobram fragmentos, que revelam um caráter arcaico. É o que se observa no texto bíblico do "Cântico de Debbora" (Juízes, 5) e em achados arqueológicos diversos. Este seria o hebraico do Pentateuco, se Moisés fosse o seu autor. Mas, não é o hebraico que ali se encontra.
O período áureo da língua hebraica bíblica foi o dos profetas, ao tempo dos reis, destacando-se Isaías, que atendeu pelos anos 700 a.C.. Ora este é o hebraico, que, em variadas formas, se manifesta no Pentateuco e no livro de Josué.
Um segundo argumento capaz de decidir sobre a origem diferente das diversas partes do Pentateuco se funda no feitio do conteúdo.
O elevado adiantamento do ritual sacerdotal descrito no Pentateuco também remete ao tempo mais recente dos profetas, e mesmo de após a restauração (539 a.C.), quando, sob os persas, os sacerdotes exerciam importantes funções diretivas em Jerusalém.
No século 5o a.C. o Pentateuco e o livro de Josué já estariam em forma definitiva. Narram-se episódios sobre a morte de Moisés e de Josué, e de outros. Não se trata de simples acrescentamento ao modo do moderno "apêndice", mas se encontram  no próprio texto, o qual portanto não seria do próprio Moisés.

 
 
47. Autoria coletiva  sucessiva. E assim já chegamos ao que verdadeiramente sucedia. Os primitivos judeus não tinham do livro a noção de obra exclusiva de um só autor. Tinha seguramente o livro, - geralmente um pequeno texto, - um primeiro autor, ou mesmo um autor dominante, mas seu conteúdo ia sendo reajustado e aumentado pelos copistas. De época em época ocorriam as interferências maiores.
Foi assim que, finalmente, os sacerdotes de Jerusalém tinham em mãos um código, que se passou a chamar Toráh (lei, instrução), porque nele constavam as antigas leis e as novas circunstâncias, as vezes evolutivas, em que se formularam.
Mas em um certo momento passou  Toráh a se distinguir dos novos livros, tais como os dos profetas, porquanto os tempos tornaram os escritos mais abundantes.
Em vista da autoria coletiva e sucessiva como se encarava o livro, não pode o Pentateuco ser atribuído a Moisés, e sua continuação a Josué.
Criado pela manipulação de fragmentos e adendos, deve agora ser lido o Pentateuco com muita cautela, sem a ingenuidade do leitor comum. Somente com acurado espírito crítico se aproveita ler tais escritos.

 
 
48. Os  Livros dos Profetas, como são chamados, nem todos remotam ao tempo dos primeiros profetas.
Não deixaram escritos os primeiros profetas - Samuel, Elias, Eliseu, Jonas .
Com referência a Jonas, o livre que leva seu nome apenas narra um episódio referente a este personagem; acontece o mesmo com os dois livros que têm a denominação I e II de Samuel.
No final do reino (fim do reino do norte, em 722 a.C. e fim de Judá em 588 a.C.) surgiram os profetas escritores, subdividos em grandes e pequenos.

Chamam-se grandes profetas os que deixaram textos maiores e que se citam pelos nomes dos mesmos profetas, formando um grupo de 4:
Isaías (atua pelos séculos 700 a.C., sob os reis Ezequiel e Manassés),
Jeremias (no tempo da queda do reino, 587 a.C.),
Ezequiel (em Babilônia),
Daniel  (em Babilônia).
Doze são os profetas menores, pelos seus escritos mais reduzidos e que lhes são atribuídos, tendo início cerca de ano 750 a.C., mais ou menos nesta sequência cronológica:
Amós, Oseas, Joel, Abdias, Jonas, Miqueas, Nahum, Habacuc, Sofonias, Ageo, Zacarias, Malaquias.

 
 
49. A tônica temática dos profetas é a reforma dos costumes e da religião, com os seguintes destaques:
- o não cumprimento das leis de Deus resultará em castigo, a saber a destruição do reino pelos seus inimigos;
- a aspiração da restauração do reino é prevista profeticamente;
- as nações oprimidas retornarão aos seus pagos, como também a nação judia para a sua terra;
- haverá um "Ungido" (o que em hebraico é dito messias), portanto um rei, a que se deverá a grande bênção da salvação.
Qual a exata fisionomia deste messias? Não é clara em nenhum profeta, sendo as declarações de Isaías as mais caracterizadas.

 
III - O método de interpretação. 4251y051.

 
52. Um texto antigo importa em uma interpretação. No passado o método de interpretação literal do texto bíblico sempre dominou sobre o de interpretação figurada.
Há entretanto duas modalidades de interpretação literal, a literal formal (estritamente literal) e a literal histórico-crítica. Uma e outra tomam o texto em sentido objetivo, isto é, com o sentido próprio das palavras, que, portanto não são transpostas a um sentido figurado e simbólico.

 
 
53. Fundamentalistas. A interpretação literal formal, ou estritamente literal, adotado hoje pelos fundamentalistas, quer que todo o conteúdo do texto seja revelado, portanto sagrado em toda a linha. A rigidez desta posição era tal, que os judeus sequer queriam retocar a letra.
Quando posteriormente os massoretas (letrados ou mestres judeus) cuidaram  de anotar as vogais, pois hebraico era grafado sem as vogais, estas foram acrescidas por meio de pontuações por cima ou por baixo das letras, mas não no curso delas, para não afetar o texto grafado e considerado sagrado.
Enquanto a mentalidade do homem se manteve na simplicidade, a interpretação literal formal não apresentou maiores dificuldades. De pouco em pouco a percepção da extravagância de muitas das narrativas dadas como sagradas , - tais como a tentação de Adão e Eva, detalhes do dilúvio, idade dos patriarcas, parada do Sol, a linguagem antropomórfica para se referir a Deus, etc., - enfraqueceu o prestígio inicial da exegese literal formal ao pé da letra.

 
 
54. Dificuldades da exegese alegórica. Encaminharam-se as interpretações alegóricas e figuradas, particularmente na escola de Alexandria, onde os judeus do 1o século antes da era presente atingiam notório desenvolvimento intelectual.
Filon de Alexandria, que viveu entre 20 a.C. e 40 d.C. é o principal representante desta escola, além de ser representativo filósofo neoplatônico.
Também os cristãos de Alexandria enveredam pelo mesmo caminho, e têm em Orígenes, - um castrado por virtude e feito sacerdote, - o mais antigo erudito representante, já no início do 3o século d.C..
No Ocidente, onde Santo Ambrósio (333-397) adotou o mesmo método de interpretação figurativa, vingou todavia maiormente a interpretação literal, com Agostinho de Hipona (354-430).
Na verdade, não parece que os escritores bíblicos quisessem sistematicamente situar-se em uma linguagem simbólica. Àquela época isto não teria justificativa, senão dentro de um contexto calculado. Por isso, o método literal sempre se impôs, apesar das dificuldades oferecidas pelas narrativas fantasiosas do texto.

 
 
55. Mas o método literário formal, ao pé da letra, foi todavia cedendo lugar à interpretações em que a realidade impôs o sacrifício de partes do texto. O problema estava em como torcer o texto sem comprometer a revelação que se lhe atribuía.
Para quem simplesmente não admite esta revelação, a interpretação histórico- crítica, como veio a ser chamada, não podia oferecer dificuldades. Para os outros, crentes ainda da revelação, somente restou admitir a inclusão  de erros culturais cometidos pelo homem simples ao receptar a revelação. Caber-lhe-ia apenas separar a verdade revelada, desvestindo-a dos erros culturais.
Entre estes erros poderiam figurar as afirmativas de ciência, como de geografia, física, astronomia, história, etc., em que os autores bíblicos se mostram por vezes muito ignorantes. Deus, como que, teria jogado moedinhas de ouro em um palheiro, para que os homens se metessem a penosamente colhê-las. Mas não seria esta uma maneira ingênua de defender a revelação?
De outra parte, não basta que uma verdade seja limpidamente apresentada (sem defeitos antropomórficos e científicos) para que por si só se afirme como sobrenatural, ou revelada. Uma tal propriedade é apenas a condição negativa, para que se possa começar a perguntar se dita afirmativa procede de Deus. Poderá ser também a afirmação de um homem inteligente, e nada mais.
Tendem os povos primitivos e os homens simples em geral a admitir que uma inspiração mais significativa seja divina. Não basta a elevação de um pensamento para que de pronto seja considerado uma revelação do alto. O pensamento também pode ser genial sem ser revelado por Deus.

 
56.  A interpretação histórico-crítica encontra seus primeiros sinais no curso da Renascença, do século 15 e 16. É propulsionada pelo deísmo maçônico e alguns grupos protestantes, com resistência dos católicos.
O recuo da exegese católica à interpretação literal histórico-crítica, que denunciava os excessos sobrenaturalísticos do literário ao pé da letra, começou a precipitar-se com o já mencionado oratoriano padre Richard Simon, autor de uma Histórica crítica do Novo Testamento (1678) e de uma nova tradução do Novo Testamento (1702), além de outros trabalhos do gênero em que se revela um precursor da crítica moderna do texto.
Posto Richard Simon no ostracismo, voltou a ser destacado pelo teólogo luterano Johamn Jaques Semler (1725-1791) um dos fundadores da crítica textual da Bíblia, sendo sobretudo no século 19 reconhecido como um dos precursores da referida crítica moderna do texto Bíblico.
Desagradou Richard Simon a católicos e protestantes. Mas foi aceito mais cedo por estes últimos. O fato é que desde Richard Simon a ingenuidade em assuntos bíblicos paulatinamente veio decrescendo. Seu trabalho foi crítico, desacreditando a exegese literal dos escolásticos medievais.
Não poupou sequer a exegese do grande Tomás de Aquino, até porque alegava o barbarismo do século em que este viveu, quando não havia condições adequadas para desenvolver melhor interpretação do texto bíblico.
Foi contundente para o tempo de Richard Simon a dúvida sobre a origem mosaica do Pentateuco. Retirou desta sorte a Moisés sua importante autoridade, e diminuiu a própria antiguidade da Bíblia. Esta passou a ser vista como um documento iniciado pelos sacerdotes judeus, pelo século 7o a.C., em vez de no 12o a.C.. Esta mudança redundou em consequências revolucionárias para a crítica do conteúdo e validade dos textos.
Quanto ao influente bispo J. B.  Bossuet, o inspirador da oposição tradicionalista, publicou então, em Paris, uma Defesa da tradição e do Santos Padres (1693). Defendia especialmente a exegese literal de Santo Agostinho, contestando sobretudo a afirmação de Richard Simon, de que já aquele padre da antiga igreja fizera inovações sobre a doutrina da graça.
As liberdades se haviam tornado difíceis na França, com a revogação em 1685 do Edito de Nantes, que  em 1598, garantia aos protestantes (huguenotes) igualdade civil. Foi a igualdade restabelecida somente em 1787, quando já iam adiantado o espírito da revolução francesa, vindo dois anos depois.
Ponderou moderadamente o religioso beneditino Bernardinus Oepfel:
"Negandum non est in operibus a R. Simon conscriptis interdum proponi conjecturas vere audaces, sed ex altera parte J. Bousset saepe nec aeque nec prudenter judicavit" (Intr. Generalis in Sacram Scripturam, 1958, p.9)

 


ART. 3. A INSPIRAÇÃO DIVINA ATRIBUÍDA AOS LIVROS BÍBLICOS. 4251y058.

 
59. Primeiramente  sobre as dificuldades. A inspiração divina é em princípio algo excelente. Todavia, quando atribuída a livros situados no tempo remoto, deverá ser provada, com a melhor segurança epistemológica possível.
Didaticamente pode-se primeiramente advertir para as dificuldades epistemológicas advertidas por alguns. Depois, - no curso deste texto, em oportunidades diversas, - se advertirá para o que dizem os que acreditam nesta inspiração.
Desta forma o desenvolvimento da questão da inspiração atribuída às textos bíblicos se tratará objetivamente.
 Que valeria uma revelação fundada apenas em uma convicção sem provas? E por que apelar a provas tão difíceis de estabelecer, como esta a de que Deus teria falado através dos profetas?
Se Deus, em princípio, pode escolher o caminho que quiser, mesmo o mais difícil, não é absurdo que tenha escolhido os primitivos tempos para fazer sua revelação, coletada em papiros, dos quais apenas restam cópias. Todavia, é necessário que se o prove. Sobretudo é necessário, que se o prove quando se trata de assuntos que alcançam toda a humanidade, como é o caso do anúncio do Messias e da subordinação da salvação a um ritual.

 
 
60. Os povos de infra-estrutura mental primária admitem facilmente a presença da divindade por trás de fenômenos naturais mais complexos, como os da chuva, dos trovões, do amor, do nascimento, e até das fontes, do mar imenso, das catástrofes, dos males, etc..
Por isso, os povos primitivos interpretam aos fenômenos menos inteligíveis como tendo sido operados por entidades mágicas, por ninfas, por bruxas, ou simplesmente pelo destino fatal.
O pensamento mágico do homem primário dificilmente poderia evadir-se de interpretar fenômenos para-psicológicos como se fossem simplesmente naturais. Ainda que metafisicamente fosse possível admitir a existência de fenômenos sobrenaturais, não tem o homem primitivo condições para distinguir entre o para- psicológico e o sobrenatural.
Estas dificuldades de interpretação fizeram nascer em diversas regiões do mundo convicções religiosas com origem atribuída à inspiração divina. Do mesmo modo como se pedem provas aos autores bíblicos sobre sua alegada inspiração, também deverão ser requeridas aos respectivos autores dos livros sagrados dos brâmanes, budistas, islâmitas, e outros.
Por mais admiráveis que sejam certas particularidades dos livros bíblicos, no que concerne à segurança de sua autenticidade e de sua fidelidade, sempre restam detalhes, que se desejariam melhor esclarecidos.
Em assuntos de tamanha relevância, que dizem respeito a um destino extraterrestre de salvação e de condenação, é razoável pensar que deveria haver melhores recursos para decidir, caso as propostas fossem sérias. Mesmo que alguns contestem tal objeção, ela não deixa de ser assunto para debate.
Ainda que tudo seja possível para a liberdade de Deus, espera-se que ele faça revelações suficientemente perfeitas, se escolheu fazê-las.

 
 
61. Os primeiros pensadores destacados da época moderna a negarem a inspiração sobrenatural da Bíblia, e o consequente não caráter divino das instituições delas dependentes, foram eminentes filósofos, - o inglês Thomas Hobbes (1588-1679), empirista, e o holandês Baruch Spinoza (1632-1677), pensador monista.
Ambos foram condenados pelas autoridades eclesiásticas, o último inclusive por algumas instâncias ;judaicas.
 Também os primeiros representantes do deísmo, tais como Herbert de Cherbury (1583-1648), seu iniciador, e imediatos seguidores, Samuel Clarke (1675-1729), John Toland (1670-1722), Mathew Tindal (1657-1733), negaram a revelação bíblica.

 
 
62. Thomas Hobbes, já citado, filósofo sistemático e político, examinou também a situação da Igreja em suas relações com o Estado e a natureza da própria religião. Restringiu notavelmente os conceitos tradicionais sobre o espírito de seu tempo, protestantes e católicos. Perseguido também politicamente, passou por isso a publicar no exterior os demais livros.
Sua obra De cive (Paris, 1642) foi dois anos após a publicação colocada no Index dos livros proibidos da Igreja Católica. Editou obras latinas em Amsterdam, inclusive Leviatan (1651), agora traduzida para o latim; foram também incluídas no Index proibitivo.
Deus existe, diz Hobbes, mas "não compreendemos nada acerca do que ele é, senão só que existe".
Quanto à revelação, em que acreditam os cristãos, advertiu Hobbes que não há prova convincente de que Deus tenha falado a alguma outra pessoa, "a qual (sendo ser humano) pode equivocar-se e (o que é pior), pode mentir".
 Não negando diretamente a revelação e as coisas espirituais, que antes lhe parecem ser coisas da imaginação, opina que é melhor nada dizer a tal respeito:
"Ocorre, com os mistérios da nossa religião, o mesmo que com as pílulas salutares que se empregam nas enfermidades; quando se tragam inteiramente, têm virtude de curar; porém quando se saboreiam, temos que atirá-las fora, na maioria dos casos, sem que produza efeito" (Leviatan, c.32).
Sobre a doutrina, de que Deus ilumina aos que lêem as sagradas escrituras, põe- na em dúvida

 
 
63. A opinião de Spinoza, em assuntos de revelação bíblica, pesa bastante, mais em virtude de sua filosofia metafísica profunda, do que pela quantidade de suas pesquisas.
Para o monismo panteísta de Spinoza, Deus é o ser total e perfeito. A salvação está na filosofia, que leva o homem à consciência do que deve ser.
Em uma visão racionalista, como a de Spinoza, resta sem maior significação a crença nos profetas, ainda que para aquele antigo tempo fosse a fórmula adequada em vista da rusticidade mental de então. Hoje só resta fazer uma interpretação racional da Bíblia pelo método histórico.

 
 
64. No mesmo caminho se encontravam os demais deístas, já citados. Admitindo embora a leitura da Bíblia, a queriam sem milagres, sem ritos e sem a superstição dos mitos.
O deísmo estabelece que a criação se efetivou de modo a não precisar concertos, como se fosse defeituosa. Deus a fez suficiente perfeita, de sorte a não precisar ficando a administrá-la.

 
 
66. Certamente, as dificuldades para com a revelação atribuída aos textos bíblicos não são poucas, para tantos as tenham advertido. Afinal, que provas haveria em favor da revelação se a documentação bíblica se oferece tão obscura e afundada na noite dos tempos e da ignorância do homem antigo?
O milagre seria a prova? Mas como se provariam os próprios milagres? Cada caso é um caso, importando por isso o exame de um primeiro depois seguir para um segundo, o da revelação. Finalmente, o da revelação iria conduzir ao Messias, em função do qual, por último, se estabelecerá o cristianismo.
E se se apelara uma autoridade? Mas antes disto também esta autoridade precisa provar o milagre individual que a instituiu como tal.
Como se percebe, a inspiração divina atribuída aos livros bíblicos tem condicionantes epistemológicos  de difícil resposta por parte dos que os propõem como inspirados.
Por isso é que um prudente agnosticismo toma conta dos menos apressados, enquanto outros, os mais otimistas, crêem generosamente, e dizem mesmo que a fé é uma graça de Deus. Mas, deverão também provar isto!
Finalmente vêm aqueles que asseveram  que Deus introduz dificuldades para induzir os seres humanos ao esforço, porque o esforço em busca da liberdade é uma virtude. Eis nada mais que hipóteses.
Epistemologicamente, hipóteses não são mais que hipóteses. Também as hipóteses postulam provas. Mas a fé dos espíritos menos exatos se contenta com a ilusão das hipóteses.

 


ART. 4. O MESSIANISMO ANTES DOS PROFETAS ESCRITORES. 4251y068.

 
69. A idéia do Messias apresenta fases, de que a primeira mal é percebida, a que era anterior aos profetas escritores.
Didaticamente importa uma consideração preliminar generalizada sobre o conceito de Messias e da função que se lhe atribuía.

I - Nome, conceito e função do Messias. 4251y071.

 
 
72. O Messias, pelo seu conteúdo verbal, significa ungido. Esta palavra indica o cerimonial sacramental primitivo e oriental, de que o poder vem de Deus, devendo, em consequência, ser conferido através de uma cerimônia sagrada, portanto, por um sacerdote.
No hebraico Messias se diz Mashiah.
O nome deriva do verbo mashah, que quer dizer ungir (com óleo), isto é, consagrar.
Os sinais hebraicos são lidos a partir da direita.
Depois que predominou o uso do aramaico, a forma vulgarizada veio a ser Me  h .
A partir do nome em aramaico se fez a grecização Messias.
Latinização Messias, -ae. A tradução grega de Messias é (=Christós). Esta tradução se faria fatalmente, porque o grego era a língua erudita do tempo, e falada em Antioquia (capital da província da Síria, a que pertencia a Palestina), onde o nome efetivamente surgiu.
Embora o nome de cristão também se pudesse aplicar aos messianistas judeus, ele veio efetivamente a se fixar, na forma grega, apenas para os que atribuíam a Jesus a messianidade.
Em Jesus Cristo, o segundo termo se juntou como adjetivo. Isolado se substantiva.
No vocabulário grego se encontram as seguintes formas:
Chrio - c r íw (= ungir).
Christós - c r i o t óV  (= ungido).
Chrisma -   c r ío m a  (= creme, óleo).
Estão ainda nítidas em nossa linguagem do Ocidente, Cristo, crisma, creme transpostos do grego para todos os idiomas.
Em última instância, tudo deriva da raiz européia ghrei - com o significado de ungir. No inglês encontra-se, como derivada desta raiz européia geral a palavra grime, com o sentido atual de sujeira e imundície.

 
73. Que era exatamente o conceito de Messias para os antigos judeus? Várias foram as interpretações sobre o que seria o Messias, o qual existia também na esperança de outros povos da antiguidade, no sentido de que cada um se julgava eleito e possuía mesmo um deus nacional.
Posteriormente, ao se desenvolver a doutrina sobre os anjos, veio-se a conceber um anjo protetor para cada nação. Ainda hoje se conserva a imagem do padroeiro, ou padroeira nacional, de cada país.
O messianismo dos judeus evoluiu a partir de uma noção vaga de proteção divina deste povo, por isso chamado eleito de Deus, até uma formulação personalista de chefe salvador, dito Filho do Homem (isto é, ser humano), rei (chefe com poder), sacerdote ou profeta (com função religiosa).
Quanto ao Messias em si mesmo, apresenta ainda a fase da espera do Messias e a de sua efetiva vinda.
Esperariam ainda hoje os judeus o Messias? A diversidade ideológica a este respeito não permite uma resposta simples.
Os cristãos, - inicialmente todos eram judeus, - acreditaram ter vindo o Messias na pessoa de Jesus, havendo  dado a ele uma interpretação espiritual.
Uns e outros, - judeus e cristãos em geral, - argumentam à base de textos proféticos vagos, e que, pelo tema, deveriam ser mais contundentes. Entretanto os cristãos alegam também o fato da vinda do Messias, na pessoa de Jesus, o qual assim se teria apresentado.
Contra, argumentam terceiros, que o messianismo não passa de uma crença, cujos fundamentos carecem de validade.
Os negadores da inspiração dos livros sagrados e finalmente do Messianismo, inclusive do cristianismo, procuram completar a negação, explicando sociologicamente como foi possível o surgimento de tais convicções.

 
74. O conceito da origem divina do poder, que gerou a crença no Messias, foi superado pela filosofia grega e sobretudo pelo antigo Direito Romano. Este destacou o caráter natural das instituições políticas e estabeleceu a eleição dos cargos, ou, pelo menos, o reconhecimento tácito pelo povo.
Mas a influência do cristianismo reformulou, neste particular, o Direito Romano, de sorte a estabelecer a idéia do Sacro Império, cujo Imperador, era ungido pelo papa.
A sacralidade do poder civil se pode apreciar em toda a história do povo hebreu, desde Moisés, chamado por Deus para guiar o povo israelita. É bem notada na unção do rei Saul, pelo profeta Samuel e assim sempre, no decurso de sua história.
Inclusive os Imperadores Romanos eram cultuados no Oriente, mais do que no Ocidente, em vista da mentalidade sacral do poder. Portanto, nem Moisés, nem qualquer rei ou imperador eram considerados depositários de um poder originário do povo. Este não elegia, mas obedecia ao ungido de Deus.

 
75. Enquanto ungido, o Messias não seria necessariamente um Deus. Sua natureza essencial é a de chefe ungido, por quem de direito o pudesse investir.
Os seguidores de Jesus, tendo-o por Messias, finalmente também o julgaram Deus. Não obstante, ser ungido chefe e ser Deus eram coisas distintas no conceito originário de Messias.

 
76. Qual  a função do Messias? O que a palavra significa, e o que os escritos do Antigo Testamento oferecem, permite estabelecer que o povo Judeu geralmente entendia  o Messias, como personagem excepcional, que teria a missão de restabelecer o estado social e religioso antes havido.
Como se sabe, a partir de David, rei cerca do ano 1011, e fundador propriamente dito do reino judeu, tivera a nação cerca de um século de glória, e que tivera particular destaque sob Salomão (c. 972-929 a. C.), construtor do templo de Jerusalém.
Para a missão restauradora, o chefe excepcional seria ungido por quem de direito, o que, para a mentalidade teocrática antiga, significava uma unção de Deus.
Mais detalhadamente, o ungido haveria de restabelecer a justiça social, com destaque para os pobres, e a pureza dos rituais religiosos, tendo Jerusalém por capital, onde todos os povos haveriam de honrar o mesmo Deus.
A justiça social e o destaque para os pobres é peculiar a qualquer messianismo, pois o povo vencido se considera injustiçado e empobrecido.
Quanto ao restabelecimento do culto, também este, durante a submissão está penetrado pelas influências da religião do vencedor, que deverá ser eliminado.
Ainda que os diferentes grupos, quer judeus, quer seguidores de Jesus, façam reinterpretações do velho conceito messiânico, estas reinterpretações não se podem fazer legitimamente  senão a partir daquele conceito fundamental de restauração do estado social e religioso do reino judeu.
Por exemplo, os que pretendiam um messianismo temporal, se distinguem daqueles do espiritual, pela diferença de uma Jerusalém terrestre e uma Jerusalém celeste.

 
77. No que concerne a aspectos divergentes das várias modalidades de messianismo judeu, pode-se reduzir todas elas a duas tendências básicas: a de acento crescente e a do esvaziamento contínuo.
1) A modalidade messianista que acentuou crescentemente a idéia de Messias, como um indivíduo eminentemente extraordinário, e que tonou dois rumos:
a) a que acentuou o aspecto nacional do povo judeu, como se observa nos fariseus e nos ativistas denominados zelotas;
b) a que acentuou o aspecto universal, entendendo por povo, toda a humanidade, de que o povo eleito judeu seria a prefiguração preparatória.
Esta outra colocação foi sobretudo a dos essênios e cristãos.
2) A modalidade messianista de esvaziamento contínuo, considerou a restauração do reino de Judá como uma aspiração em plano meramente naturalístico, sem maiores intervenções de ordem sobrenatural.
Nesta outra modalidade messianista, o conquistador Ciro, que em 539 a.C. libertou os judeus do cativeiro babilônico, foi um enviado ou Messias (isto é, Cristo);.
Continuaram a pensar algo semelhante os saduceus, à época do mundo helênico- romano.
Hoje, mais ou menos nesta forma atenuada, a idéia messiânica subsiste vagamente no sionismo dos judeus modernos, convictos estes de que, como povo, terão uma posição especial entre as nações. Portanto, não poderiam os judeus simplesmente desaparecer na geral miscigenação das etnias.
A interpretação histórico-crítica, que se opõe à validade em si mesma das idéias messiânicas, tende a reduzir todas as tendências messianistas a uma infundada ideologia.
 
II - Primeiros sinais da crença messiânica. 4251y079.

 
80. Na alta antiguidade judaica a idéia do Messias como se veio a crer depois, é quase inexistente, podendo-se todavia perceber uma vaga conceituação a seu respeito, até porque todos os povos primitivos tendem a se considerar eleitos.
A idéia do messiânica progride nos textos proféticos, os quais posteriormente deram oportunidade a interpretações variadas, e que podem ser equivocadas. Importa, por conseguinte, iniciar com um exame a respeito dos textos deste Messias vaticinado.
 Neste sentido pode-se discutir, objetivamente, o que de fato os textos significam. E, a seguir, que opiniões messiânicas desenvolveram posteriormente, com ou sem apoio nos referidos textos, os saduceus, os fariseus, zelotas, essênios, cristãos do início e cristãos posteriores.

 
 
81. Uma dificuldade se oferece quanto à genuinidade dos textos. Se afinal o Pentateuco resultou de um trabalho coletivo (documentos J.E.D.P.), tem-se de lê-lo com cautela.
O mesmo se deverá advertir sobre os livros imediatos, inclusive dos Reis, porque não sabemos exatamente quando se ultimou a última redação dos mesmos e que passara a ser tomada como definitiva. Mesmo que se atribuam a Moisés os livros do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio), eles foram redigidos efetivamente pela volta dos séculos 7-o e 6-o. a.C., embora utilizando alguns documentos mais antigos.
Em decorrência os sinais messiânicos atribuídos ao período anterior aos profetas escritores, poderão ter sido retroprojetados para aquele tempo mais antigo, por inserção feita pelos autores mais recentes, isto é, do tempo dos últimos reis de Judá.
Importa esta consideração, para avaliar interpretações messiânicas que se dêem a acontecimentos anteriores. Tais indicações contidas no Pentateuco podem refletir, senão o pensamento dos responsáveis pela redação posterior, quando as idéias messianistas já se encontravam adiantadas e podiam ter um efeito retroativo sobre o remeximento dos textos mais antigos, como os que se referem ao paraíso, ao patriarca Jacó, ao rei David.

 
 
82. A primeira referência, posteriormente explorada do ponto de vista messiânico, é o episódio da expulsão do paraíso:
"E o Senhor disse à serpente, - pois que fizeste isto, és maldita entre todos os animais e bestas da terra; andarás de rastos sobre o teu peito e comerás pó todos os dias de tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher entre a tua posteridade e a posteridade dela. Pisar-te-á ela a cabeça e tu ferirás o seu calcanhar" (Gênesis3,15).
Não há no texto menção direta a um futuro Messias, porque a  direção da linguagem é a dos personagens do mesmo texto. Mas neste plano já ocorre uma idéia de salvação, que passará a ser explorada no futuro por teólogos e exegetas.
A tipologia encontrou uma analogia, fazendo de Adão o tipo de Jesus. Sendo Adão o Pai de todas as gentes, Jesus é o pai, pela graça ou regeneração de todos os eleitos do novo reino, o messiânico.
Eva, como a mãe do gênero humano, seria, paralelamente o tipo de Maria, mãe de Jesus, porquanto esta, por através de seu filho, se tornou a mãe de toda a salvação.
Finalmente, haveria uma luta entre o bem e o mal, que se exerceu pelos descendentes de "mulher" e da "serpente". Saindo vitoriosa a boa descendência.

 
 
83. A idéia da salvação, ao tempo de Abraão, se restringe à iniciativa dos descendentes do patriarca:
 "Eu farei de ti um grande povo, e te abençoarei e engrandecerei o teu nome e serás bendito. Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem, e em ti serão benditas todas as nações da terra" (Gênesis 12.2-3).
Principia então, conforme o texto, um nacionalismo religioso, ainda sem messias personificado.
Mas quem seriam hoje os descendentes de Abraão? Os judeus, através de Isaac e Judá? Ou os árabes através de Ismael?  Ou os samaritanos, através dos outros irmãos de Juda?
Se a promessa se transmitiu a Isaac, deste continuou em Jacó. Suponha-se que ficasse com aquele filho que o pai abençoasse, havendo sido relegado o irmão Esaú, apesar de mais velho. Por sua vez Jacó relegou também o filho mais velho, passando a benção a Judá.
As exclusões, - válidas, ou não, - restringiram cada vez mais o grupo ao qual se atribuiu a função messiânica, de sorte a se estabelecer uma espécie de nobreza ou aristocracia.

 
 
83. Em Judá, a primeira vez o Messias aparece mais ou menos personificado num homem futuro:
"Judá, teus irmãos te louvarão: a tua mão subjugará as cervizes de teus inimigos; os filhos de teu pai se prostrarão diante de ti: Judá é ainda como um leão ainda novo. Tu te levantaste, meu filho, para roubares a presa; e quando descansavas, estiveste deitado como um leão, e uma leoa: quem se atreverá a despertá-lo?
O cetro não será tirado de Judá, nem do príncipe de sua descendência, até que venha aquele que deve ser enviado" (Gênesis 49, 8-10).
Passariam os anos incertos dos "juízes" e só em 1012 David da tribo de Judá se tornará rei sobre sua tribo e depois sobre todas as restantes.
A profecia começa a cumprir-se?
Mas, tudo foi relatado posteriormente, apesar de o texto ser do Gênesis. Importa prudência, porquanto poderá ter sido apenas a projeção de um redator posterior a interpretar o passado.

 
 
84. A promessa messiânica restringe-se mais uma vez, e esta vez para ser a última. O Messias, considerado agora sempre como pessoa individual, nasceria da linhagem real de David.
Ao se dispor a levantar um templo ao Senhor seu Deus, ponderou ao profeta Natan:
 "Tu não vês que eu habito em casa de cedro, enquanto a arca de Deus está posta debaixo de umas peles?" (2 Samuel, 7, 2).
Ao que respondeu o profeta:
 "Vai e faze tudo o que tens no coração, porque o Senhor é contigo.
Naquela mesma noite o Senhor falou a Natan, contrariando-lhe o conselho. Vai e dize ao servo David: Eis o que diz o Senhor: Não és tu que me farás uma casa para habitar" (2 Samuel, 7,3-5).
A disposição de Deus, transmitida pelo profeta Natan ao rei David:
"Quando chegar o fim de teus dias e repousares com os teus pais, então suscitarei depois de ti a tua posteridade, aquele que sair de tuas entranhas, e firmarei o seu reino. Ele me construirá um templo, e firmarei para sempre o seu trono real. Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho.
Se ele cometer alguma falta, castigá-lo-ei com vara de homens, e com açoites de homens, mas não lhe tirarei minha graça, como a retirei de Saul, a quem afastei de ti. Tua casa e teu reino estão estabelecidos para sempre diante de mim, e o teu trono está firme para sempre (2 Samuel, 7; 11-16).
David respondeu com uma oração, em que reaparece o mesmo pensar.

 
 
85. Novamente se encontra a idéia de um trono eterno no salmo 88 :
"Encontrei David, meu servo; com o meu santo óleo o ungi" (88,21).
"Eternamente o guardará a minha misericórdia, e a minha aliança com ele será estável. E  farei que a sua descendência subsista por todos os séculos, e que seu trono dure tanto quanto os dias do céu" (88,29-30).
"Jurei uma vez (para sempre) pela minha santidade não faltarei a David. A sua descendência permanecerá eternamente. E o seu trono será como o sol diante de mim, e como a lua que subsiste para sempre, e (Deus) o testemunho que está no céu, é fiel" (88,36-38).

 
 
86. Ter-se-ia  realizado a profecia feita a David sobre a eternidade do seu reino? Do ponto de vista literal dos textos, ela falhou. Nada prova hoje haver um descendente de David no trono. Nem sequer se conhece um descendente destronado, que o possa provar documentalmente.
Teria falido a profecia sobre a perenidade do reino de David? Depois de dividir-se em dois reinos, ambos vieram a cair, não muito depois, - em 722 a.C., o de Samaria, em 587 a.C., o da Judéia.
Ou bastaria que houvesse o da Judéia sido restabelecido, ainda que em oportunidades diversas e sem que fosse em nome de um descendente de David?
Ou a profecia fora apenas a nível espiritual?
Na interpretação espiritual dos cristãos, o reino de David ter-se-ia perpetuado em Jesus de Nazaré. O reino deste, segundo a crença, é dito ser eterno;  e ainda, segundo a mesma crença, este Messias se manifestará num fim de mundo contundente, oportunidade em que aparecerá sobre as nuvens.

 
 
87. Atentos à coerência do messianismo com as promessas ao rei David, tiveram dois Evangelistas, - Mateus e Lucas, - o cuidado de apresentar uma genealogia de Jesus, que, partindo dos patriarcas de Israel, passa pela pessoa de David, e chega à José.
Mateus dá início ao seu Evangelho com a genealogia:
"Livro de genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão:
Abraão gerou Isaac; Isaac gerou Jacob; Jacob gerou Judá e seus irmãos, Judá gerou de Tamar, Farés e Zara. Farés gerou Esrón. Esron gerou Arão. Arão gerou Aminadab. Aminadab gerou Naasson. Naasson gerou Salmon. Salmon gerou Booz, de Raab. Boos gerou Obed, de Rute. Obed gerou Gessé.
Gessé gerou o rei David. O rei David gerou Salomão, daquela que fora mulher de Urias.
Salomão gerou Roboão. Roboão gerou Abias. Abias gerou Asa. Asa gerou Josafá. Josafá gerou Jorão. Jorão gerou Ozias. Ozias gerou Joatão. Joatão gerou Acaz. Acaz gerou Ezequias. Ezequias gerou Manassés. Manassés gerou Amon. Amon gerou Josias. Josias gerou Jeconias e seus irmãos, no cativeiro de Babilônia.
E depois do cativeiro de Babilônia, Jeconias gerou Salatiel. Salatiel gerou Zorobabel. Zorobabel gerou Abiud. Abiud gerou Eliacim. Eliacim gerou Azor. Azor gerou Sadoc. Sadoca gerou Aquim. Aquim gerou Eliud. Eliud gerou Eleazar. Eleazar gerou Matã. Matã gerou Jacó. Jacó gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo" (Mt 1, 1-16).

 
 
88. Lucas ofereceu a genealogia de Jesus no curso já adiantado do texto (Lc. 3, 23-28), e pela forma inversa, além de variações sensíveis nos nomes indicados. Atribuem-se estas variações à indicação de ramos distintos, porém de antepassados comuns.
Este fato mostra não ser possível ater-se muito a detalhes bíblicos. Além disto, Lucas recuou a genealogia até Adão, o que certamente incide em haver omitido muitos  nomes.

Eis como se apresenta inicialmente o texto de Lucas:
"Quando Jesus começou o seu ministério, tinha cerca de trinta anos, e era tido por filho de José, filho de Heli, filho de Matat, filho de Levi, filho de Melqui, filho de Mané, filho de José, filho de Matatias, filho de Amós, filho de Naum, filho de Hesli, filho de Nagé, filho de Maat, filho de Matatias, filho de Semei, filho de José, filho de Judá, filho de Joanã, filho de Resa, filho de Zorobabel, filho de Salatiel, filho de Neri, filho de Melqui, filho de Cosã, filho de Helmadão, filho de Her, filho de Jesus, filho de Jorim, filho de Matat, filho de Levi, filho de Simeão, filho de Judá, filho de José, filho de Eliacim, filho de Meleia, filho de Mena, filho de Matata, filho de Natã, filho de David,
filho de Jesé, filho de Obed, filho de Booz, filho de Salmon, filho de Naason, filho de Aminadab, filho de Arão, filho de Esron, filho de Farés, filho de Jusá, filho de Jacó, filho de Isaac, filho de Abraão, filho de Taré, filho de Nacor, filho de Sarug, filho de Ragau, filho de Faleg, filho de Eber, filho de Salé, filho de Cainã, filho Arfaxad, filho de Sem, filho de Noé, filho de Lamec, filho de Matusalém, filho de Henoc, filho de Jared, filho de Malaleel, filho de Cainã, filho de Henós, filho de Set, filho de Adão, filho de Deus" (Lc 3, 23-38).

 
 
89. Na genealogia de Jesus aparecem nomes conhecidos, desde os patriarcas, passando por David, continuando por vários dos reis, estes até o cativeiro de Babilônia, e depois ainda por figuras destacadas, até alcançar José, esposo de Maria.
Na genealogia oferecida por Mateus aparece também Jesus como descendente da mulher de Urias, a qual David atraíra com encantos.
Maria também teria sido descende de David. Segundo os cristãos católicos Jesus seria apenas filho adotivo de José. Dever-se-ia então, para melhor atender ao ponto de vista de vista católico, ter apresentado uma genealogia materna, que, a partir de Maria fosse através dos reis até David. Mas esta não a apresentaram os evangelistas.


ART. 5-o. O MESSIAS DOS PROFETAS ESCRITORES. 4251y090.

 
91. Depois de David (+972 a. C.) não mais se restringe a linhagem do Messias, que seria descendente do Santo Rei. O progresso da imagem do Messias passa a se fazer em torno de sua fisionomia pessoal.
O Messias nascerá na cidade de David, - Belém - ; haverá de sofrer e esmagar o inimigo; de todas as partes do mundo virão os servidores ofertar-lhe presentes; Israel ou Sião se fará gloriosa.
Deveu-se aos profetas o desenvolvimento da imagem do Messias. Assim sendo, importa uma consideração sobre os mesmos profetas, para a seguir estabelecer mais particularmente o que escreveram sobre o Messias os profetas escritores.

 
I - O PROFETISMO. 4251y092.

 
93. Embora existindo desde sempre em Israel, o profetismo entrou a ter significação especial sobretudo após os anos 900 a.C., quando paulatinamente fora declinando o poder civil. Passou então o profetismo a ser uma instituição paralela ao poder público, emprestando uma nota peculiar ao novo tempo. Em decorrência também ganhou sua primeira redação a Bíblia (vd 47).
Os profetas posteriores escreveram livros. Em razão deste uso, passou-se a distinguir na literatura sagrada duas ordens de escritos, designados a Lei e os Profetas. De futuro, não admitindo os saduceus aos Profetas como livros sagrados, hão também de rejeitar a nova figura do Messias, que os profetas haviam desenvolvido.

 
94. Prometidos. Já antes de haverem aparecido, os profetas foram prometidos aos judeus ao pé do Monte Sinai, - pelo menos o dizem os textos. Mas a promessa é insegura de haver efetivamente acontecido, porque os livros do Pentateuco, onde se encontra a referência, foram  elaborados pelos sacerdotes ao tempo dos profetas escritores.
Na véspera de penetrar na Palestina, Moisés preparou o povo e num dos seus discursos, declarou:
"O Senhor teu Deus, te suscitará dentre os teus irmãos, um profeta como eu. É a ele que devereis ouvir.
Foi o que tu mesmo pediste ao Senhor, teu Deus, em Horeb (um dos três massiços do Sinai), quando lhe disseste no dia da assembléia:
Oh! Não ouça eu mais a voz do Senhor, meu Deus, nem torne a ver mais esse fogo ardente, para que eu não morra!
E o Senhor disse-me eles falaram bem em tudo. Eu lhes suscitarei do meio de seus irmãos um profeta semelhante a ti; e porei na sua boca as minhas palavras, e ele lhe dirá tudo o que eu lhe mandar. Mas o que não quiser ouvir as palavras que lhe disser em meu nome, eu me vingarei dele. Mas o profeta que, corrompido pela arrogância, quiser dizer em meu nome o que eu não lhe mandei dizer, ou falar em nome dos deuses estranhos, será morto" (Deuteronômio 18,15-20).
Colocada no singular, a expressão "suscitarei um profeta"  não oferece dificuldade, para se entender que os profetas poderão ser muitos, sucedendo-se como uma instituição,  pois em outro se diz também "suscitarei a vós um rei", e eles foram muitos.
No mesmo texto se contrapõe o mau e o bom profeta, o que induz mais ainda a idéia de que a expressão profeta se usou no sentido coletivo ou abstrato. Depois de Moisés muitos foram admitidos como profetas e não um só.

 
 
95. A expressão "será morto" é paradoxal. Parece contrariar frontalmente a liberdade de pensamento e possibilitar reações fanáticas, bem como justificar uma pena de morte, até mesma uma Santa Inquisição matando hereges.
Quem determinaria que um profeta estaria sendo um verdadeiro profeta? Ou que um Messias seria um verdadeiro Messias?
Um equívoco popular poderia levar, pois, à morte um verdadeiro profeta, e mesmo a um verdadeiro Messias.
O autor do texto parece haver sentido a dificuldade, porquanto apresenta o seguinte em sua continuidade:
"Se disseres a ti mesmo: como posso eu distinguir a palavra que não vem do Senhor? Quando o profeta tiver falado em nome do Senhor, se o que ele disse não se realizar, é que essa palavra não veio do Senhor. O profeta falou presunçosamente. Não o temas" (Deuteronômio, 18, 21-22). E se o profeta vaticina sobre um futuro distante? Se o futuro distante for de um ano, ficará inatacável por um ano. Se for de um século, ou de vários séculos, pior ainda.

 
 
96. Os profetas comportaram-se como homens extraordinários, que, de pouco em pouco, estabeleceram a doutrina religiosa e a organização do culto, do sacerdócio, do povo, e até dos negócios do reino enquanto este persistia.
Foram primeiros grandes profetas, Samuel, Elias, Eliseu.
Nos últimos anos da independência atuam as grandes figuras de Amós, Isaías, Jeremias.
Durante e depois do exílio surgiram Daniel, Ageu, Zacarias, Jonas, Malaquias.
Finalmente desapareceram os profetas, talvez porque ninguém mais conseguiu convencer ao povo que fosse admitido como profeta. Efetivamente cada tempo se guia por idiossincrasias coletivas.
No lugar dos profetas surgem os intelectuais judeus, que formarão uma apreciável tradição, que finalmente culminará na criação do Talmud (vd) e na produção filosófica.

 
 
97. Moralismo. Lutaram os profetas pela preservação da lei mosaica, ou seja, pela identidade judaica, contra qualquer assimilação.
Os cananeus adoravam em Baal o Deus da fecundidade. A deusa Astarte era, por assim dizer, sua esposa, outra beneficiária das uniões fecundas. Este culto em geral se fazia nos outeiros sob alguma árvore frondosa ou em templo ali construído, onde Baal e Astarte eram cultuados pelo concúbito sagrado a que se dedicavam os jovens.
No fim do reino, - dito pela retórica dos profetas, - a cisão espiritual fora quase completa. O culto de Javé estava esquecido e a mocidade afluía em massa aos templos da fecundidade. Daí porque os profetas chamaram de prostituição à apostasia.
Oséias lembrou-se mesmo de comparar o povo de Israel a uma esposa de Deus, mas que foi adúltera, por ter esquecido seu verdadeiro Deus, indo-se prostituir aos ídolos, em reboliço com a massa dançante, ao som da música orgíaca. Ao mesmo tempo a classe rica, explorando sempre mais os pobres, dispendia com o luxo.
É este o quadro que o profeta Amós tem diante dos olhos, quando vitupera, chamando as mulheres ricas de "vacas gordas", predizendo-lhes que serão deportadas para Nínive, com soldados atrás de si a cutucá-las de lança em punho.
Amós era um fazendeiro corajoso e independente. Foi dos profetas mais sinceros, todavia sem resultados concretos.
Simplisticamente, mas ao nível do seu tempo, afirmavam os profetas que Deus ameaçava com castigos. Como tais eram interpretados os desastres da guerra e as calamidades da peste, do granizo, dos gafanhotos, das secas, da fome.

 
 
98. Três eram os modos pelos quais os campeões do javismo manifestaram ao povo a vontade do Deus: pela palavra, pelo discurso (pois os profetas foram essencialmente oradores) e por ações simbólicas.
Originais foram as ações simbólicas, onde as vezes se mostram difíceis as interpretações, permitindo mesmo o falseamento futuro das mesmas.
Com uma ação simbólica anunciou Aías as cisão das 12 tribos. Tomando o manto que trazia, dividiu-o em 12 partes, tendo depois convidado Jerobão a tomar 10 retalhos (3 Reis 11,29-39). Seriam as 10 tribos de Israel, que depois da morte de Salomão, se separariam de Jerusalém, para formar o novo reino de Samaria, sob Jeroboão.
A ações simbólicas são de grande interesse para explicar as visões, pois os profetas diziam receber os comunicados divinos geralmente sob formas visíveis. As imagens que viam poderiam não ter significado em si, devendo expressar com mais força uma verdade que o profeta percebia com segurança.
No futuro Apocalipse de João, se fala de trombetas e animais monstruosos; trata-se de visões de realidades, que hão de vir sem terem necessariamente a forma que apresentavam na visão, mas no sentido expresso pelos símbolos.
Por vezes os símbolos dos profetas são enfáticos, outras vezes são brilhantes. Estes símbolos têm atrás de si a velha tradição bíblica. Mas um dia eles surgiram a primeira vez, e então poderão ter sido criados como efeitos do subconsciente, do misticismo, da força da imaginação, do pensamento antropomorfista, do antropocentrismo.

 
 
99. Descreveu o profeta Isaías sua visão admirável de Deus, mas em que se nota a influência do zoroastrismo persa:
 "Vi o Senhor sentado sobre um alto e elevado trono, e as franjas de seu vestido enchiam o templo. Os serafins estavam por cima do trono; cada um deles tinha seis asas; com duas cobriam a sua face, e com duas cobriam os seus pés, e com duas voavam. E chamavam um para outro e diziam: Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos, toda a terra está cheia da sua glória. E estremeceram os umbrais das postas à voz do que clamava, e a casa encheu-se de fumo" (Isaías 6,1-4).
Deus não é contudo assim, mas se representa deste modo maravilhoso nas visões dos profetas.

 
II- Vaticínios sobre o Messias. 4251y101.
102. Os profetas falam em nome de Deus, mas não são necessariamente vaticinadores, conforme a semântica futura fez crer. Por sua vez, como vaticinadores não se referem apenas ao futuro Messias. Os profetas também vaticinaram calamidades e a destruição de cidades, como de Jerusalém e Babilônia, bem como acontecimentos escatológicos, notadamente o fim do mundo.
A palavra vate, de onde vaticínio, procede da latina vates, de onde respectivamente vaticinium, derivando finalmente de velha raiz ítalo-céltica. Vaticino e vate pertencem portanto à linguagem ocidental, com o sentido fundamental de adivinho, respectivamente adivinhação. Estendeu-se também vate ao significado de poeta, porquanto a inspiração era considerada divina.
Profeta é termo derivado do grego, composto do prefixo p r ó (= antes, em frente, para adiante) e n 0 : \ (= falar), de onde B D @ n Z J 0 l (= profétes), aquele que fala, enunciando os oráculos dos deuses.
 Finalmente, foi o termo profeta utilizado para traduzir o hebraico nabhi, cujo sentido é orador, arauto.

 
O carisma profético de maior frequência na predição do futuro consistia na antevisão de castigos e desastres, geralmente à infidelidade do povo eleito.

 
 
103. Os vaticínios sobre o Messias foram menos frequentes, pois a preocupação do profeta se concentrava na formação moral do povo. Suas predições messiânicas surgiram como um acabamento, ou cume de sua obra total de profeta.
O reino messiânico por vezes era lembrado pelo profeta apenas quando se via a necessidade de consolar o povo, oprimido por tantos flagelos e opressões por parte dos ricos.

Os diferentes aspectos vaticinados por Isaías sobre o Messias são revelados nas visões geralmente como um Triunfador e Grande Rei a inaugurar uma época feliz.
Mas não é esquecido também o caráter sofredor do Messias, revelando que ele salva sofrendo.
Também aqui mostrou-se Isaías um visionário admirável, descrevendo o Messias como aquele sobre o qual eram postos os pecados, ao modo como os judeus faziam colocando-os sobre o bode expiatório, depois lançado no deserto.
 De outra parte, a imagem do Messias sofredor reflete a Índole das religiões primitivas, as quais destacam as práticas de purificação e expiação.
A partir do profeta Daniel se desenvolveu ainda vastamente a literatura escatológica, ou apocalíptica, quase sempre ligada à imagem do Messias.  O mesmo Jesus se referiu à escatologia do juízo final. O cristianismo escatológico tem seu ponto mais alto no Apocalipse de João.

 
 
104. A perspectiva profética importa ser entendida para uma interpretação mais racional das visões dos profetas. Em qualquer visão, e assim também nas dos profetas, as coisas futuras são geralmente apresentadas em quadros sucessivos, como se todos estivessem no presente.
A visão do profeta vê o quadros sucessivos do futuro, como que sobrepostos simultaneamente. O profeta vê umas coisas se sucedem às outras, sem lhes ser dado saber quantos anos vão de permeio. O futuro é visto por eles ao modo de quem olha para montanhas longínquas, percebendo as sucessões de montes, sem os vales que estão entre uns e outros.
Vêem os profetas num mesmo quadro a destruição de Jerusalém pelos Babilônios, a seguir a restauração, e por trás da restauração o fulgor do reino messiânico, tudo isto sem as distâncias de tempo.
Jesus, ao predizer a segunda destruição de Jerusalém, pelos romanos, que a tomaram no 70 (quarenta anos após a predição), teria falado ao modo profético.
Haviam-lhe perguntado os apóstolos – Quando será o fim do mundo? E ele disse, que antes disto seria destruída Jerusalém. E viriam muitas calamidades; depois disto seria a vez do fim do mundo...
Também disse Jesus que depois de o evangelho ter sido pregado em todo o mundo virá o fim; mas não o fixou com exatidão.
Duas perspectivas as vezes parecem suceder de imediato, porque a primeira serve de tipo da segunda.
Por exemplo Jesus descreve o fim do mundo tendo as calamidades de Jerusalém como uma espécie de ponto de apoio.
Da mesma forma, os profetas falando das calamidades antigas de Israel passam a ver o julgamento de todos os povos.
Ciro, libertador do cativeiro de Babilônia (538 a.C.),  é figurado pela exegese cristã como o tipo de Messias Salvador.
As vezes a interpretação total da profecia passa a esclarecer-se de todo só depois de cumprida, segundo a teoria mencionada que distingue o "tipo" e o futuro.
Não sabemos até que ponto os textos proféticos foram influenciados pela literatura escatológica (de ficção) que então começava a surgir e crescer até os tempos cristãos.

 
 
105. Outras vezes os profetas têm visões sucessivas de coisa simultânea, sobretudo ao tratarem da escatologia.
Tal sucede, como se pode mostrar, nos quadros sucessivos do Apocalipse cristão, escrito por João. A verdade é como que demonstrada em muitos aspectos e representada em figuras diversas de selos, anjos, trombetas, etc. Não há sucessões cronológicas no tempo, mas sucessão de quadros.
A literatura escatológica usando o gênero ficcional opera com grande versatilidade. Não quer o texto necessariamente dizer que tudo aquilo suceda em épocas diferentes e sucessivas da história.
 As visões escatológicas não divide o futuro em épocas a serem medidas e constatadas depois por cientistas e historiadores.

 
 
106. A imprecisão cronológica das profecias é a principal fraqueza delas. Prever com imprecisão acontecimentos similares ao do passado não é extraordinariamente difícil, porque é possível fazê-lo a partir de um raciocínio. Além disto, quando os textos são redigidos depois dos fatos, ocorre uma tendência ao selecionamento das previsões efetivamente ocorridas (vd 117).

 
 
107. Profecia messiânica de Isaías. Merecem particular atenção algumas visões dos profetas e que se têm procurado dar como efetivamente messiânicas. Neste elenco se destacam as visões de Isaías, cuja linguagem tem sido aproveitada na literatura cristã para descrever a fisionomia de Jesus.
 As comparações mais frequentes são como os sacrifícios de animais como da ovelha e do bode expiatório sobre o qual eram postos os pecados.
"Um menino nasceu para nós, e um filho nos foi dado e foi posto o principado sobre o seu ombro; e será chamado admirável, conselheiro, Deus, forte, pai do século futuro, príncipe da paz. O seu império se estenderá cada vez mais, e a paz não terá fim; sentar-se-á sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o firmar e fortalecer pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre" (Isaías, 9,6-9).
Ali está a imagem que vingou na esperança popular judia, do Messias futuro, similar ao Deus Mitra, dos persas, nascido como menino Deus. Os cristãos identificaram o menino com a pessoa de Jesus. A partir dele passaram a ser atribuídas as mesmas imagens criadas por Isaias a Jesus sem que para isto haja documentação direta.
Na segunda parte do livro se sucedem ainda com frequência passagens dadas como messiânicas. Ciro aparece como tipo do Messias, - para os cristãos, como tipo de Jesus, -  e este Messias, - logo também Jesus, - é designado Servo de Javé.

 
 
108. No capítulo 41 se prediz a destruição de Babilônia por Ciro, que fará justiça e libertará os Judeus. Em paralela vem o capítulo 42, vaticinando e descrevendo o futuro Messias.
"Eis o meu servo, eu o amparei, o meu escolhido, no qual a minha alma pôs a minha complacência; sobre ele derramei o meu espírito; ele espalhará a justiça entre as nações.
(Sendo manso) não chamará, nem fará acepção de pessoas... Fará justiça conforme a verdade. Não será triste, turbulento, até que estabeleça a justiça sobre a Terra... Eis o que diz o Senhor... eu sou o Senhor, que te chamei na justiça, e te toma pela mão, e te conservei, e te pus para seres a reconciliação do povo, e a luz das nações...
As primeiras coisas (que vos predisse) cumpriram-se; agora anuncio outras de novo; far-vo-las-ei ouvir, antes que sucedam" (Isaías 42,1-7).

 
 
109. No capítulo 49 em diante Isaías torna a descrever o Servo de Javé e agora em um novo aspecto. Está protegido por Deus e é a sua glória, mas foi colocado em suma humilhação e angústia, estado este que lhe valeu a salvação do mundo.
A profecia, que os cristãos interpretam como cumprida pelo sacrifício redentor da cruz de Jesus e que ninguém melhor teria antevisto do que Isaías, que todavia não fala em morte na cruz.
Isaías descreveu o Messias tendo como fundo as imagens de seu tempo, em que o bode expiatório era seviciado e tocado para o deserto.
"Eis que o meu servo procederá com inteligência, será exaltado e elevado, chegará ao cúmulo da glória. Assim como pasmaram muitos à vista de ti, assim será sem glória o seu aspecto entre os homens, e a sua figura desprezível entre os filhos dos homens.
Ele borrifará muitas nações, diante dele reis taparão a boca; porque o viram aqueles a quem nada tinha sido anunciado a seu respeito; e os que não tinham ouvido falar dele o contemplarão.
Quem deu crédito ao que nós ouvimos? E a quem foi revelado o braço do Senhor? E ele subirá como o arbusto diante dele, e como raiz que sai de uma terra sequiosa; ele não tem beleza, nem formosura, e vimo-lo e não tinha parecença do que era, e por isso não fizemos caso dele.
Ele era desprezado, o último dos homens, um homem de dores e experimentado nos sofrimentos; e o seu rosto estava encoberto; era desprezado, e por isso nenhum caso fizeram dele.
Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas, e ele mesmo carregou com as nossas dores; e nós o reputamos como um leproso, e como um homem ferido por Deus e humilhado.
Mas foi ferido por causa das nossas iniquidades, foi despedaçado por causa dos nossos crimes; o castigo, que nos devia trazer a paz, caiu sobre ele, e nós fomos sarados com as suas pisaduras. Todos nós andamos desgarrados como ovelhas; cada um se extraviou por seu caminho; e o Senhor carregou sobre ele a iniquidade de todos nós.
Foi oferecido, porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; como uma ovelha que é levada ao matadouro, e como um cordeiro diante do que o tosquia guardou silêncio e não abriu a sua boca. Ele foi tirado pela angústia e pelo juízo. Quem contará a sua geração? Porque ele foi cortado da terra dos viventes; eu o feri por causa da maldade do meu povo.
E (o Senhor) lhe dará os ímpios (convertidos) em recompensa da sua sepultura, e o rico em recompensa da sua morte, porque ele não cometeu iniquidade, nem nunca se achou dolo na sua boca.
E o Senhor quis consumi-lo com sofrimentos, mas quando tiver oferecido a sua vida pelo pecado, verá uma descendência perdurável e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos. Verá o fruto do que a sua alma trabalhou, e ficará satisfeito.
Este mesmo justo meu servo (diz o Senhor) justificará muitos com a sua ciência, e tomará sobre si as suas iniquidades. Por isso eu lhe darei por sorte uma grande multidão (de nações) e ele distribuirá os despojos dos fortes, porque entregou a sua vida à morte, e foi posto no número dos malfeitores, e tomou sobre si os pecados de muitos, intercedeu pelos pecadores" (Isaías (52,13-53,12).
Os textos de Isaías serão interpretados messianisticamente já pelos primeiros cristãos como se aprecia na pregação de Filipe (Atos 8,27-38) (vd ). =

 
 
110. As profecias de Jeremias, Ezequiel, Miquéias configuram o Messias, como a oportunidade quando as 12 tribos voltarão a se reunir.
Jeremias pregou antes e depois da destruição de Jerusalém, acontecimento que teria anunciado. E assim também se refere à restauração, com textos considerados por isso mesmo messiânicos. Não se casou. Foi considerado similar a Jesus, e acreditavam alguns que este fosse Jeremias retornado (Mt 16, 14).
Ezequiel destacou aspectos escatológicos do Messias, e até porque será um príncipe para todo o sempre.
Mas a figura do Messias vai assumindo novas faces, de acordo com o momento em que fala o profeta. Este, ora retoma imagens anteriores, ora lhe acrescenta novas particularidades. Nem em tudo é original, porque já depende de idéias anteriores.
Miqueas, contemporâneo de Isaías, depois de anunciar a conversão de todos os povos, afirmou que o local do nascimento do Messias será em Belém:
"E tu Belém, és pequena, mas de ti é que me há de sair aquele que há de reinar em Israel, e cuja geração é desde o princípio, desde os dias da eternidade" (Miqueas 5, 1-2).
 Finalmente, depois da queda dos reinos de Samaria (Israel) e de Jerusalém (Judá) o Messias já perde a imagem da continuidade de uma realidade presente. Cresce em uns profetas a imagem política e nacionalística do Messias, e assim vai até ao tempo de Jesus. Já então desaparecem os profetas, e o Messias passa a ser definido entre os judeus pelas tradições rabínicas, ao mesmo tempo que entre cristãos se desenvolve um novo tipo, identificado em Jesus.
Imaginam os últimos profetas ao Messias como futuro salvador e príncipe da paz.

111. O profeta  Daniel, no primeiro ano do reinado persa de Dario, tem em Babilônia uma visão admirável, em que o anjo Gabriel o instrui sobre a época da vinda do Messias. No seu tempo a profecia foi tomada seriamente e os contemporâneos esperavam o Messias exatamente no tempo em que Jesus se manifestou ao público.
Em 49 anos (e semanas de anos) Jerusalém seria reedificada, como de fato foi, quando saiu o edito do rei da Pérsia. Depois de mais 434 anos (62 semanas de anos), o Messias seria ungido o que teria sucedido realmente no ano 15 de Tibério, ao tempo de João Batista (Lc. 4,18).
No meio de mais uma semana de anos o ungido seria morto, em sacrifício e deveras Jesus o foi. A soma das semanas dá 70. No texto profético diz-se apenas "semana" e não "semana de anos" mas os comentários antigos e modernos concordam em se tratar de semanas de anos, até porque facilita comprovar a profecia.
"Setenta semanas (de anos) foram decretados sobre o teu povo e a tua cidade santa, a fim de que a prevaricação se consume, e o pecado tenha o seu fim, e a iniquidade se apague, e a justiça eterna seja trazida e as visões e profecias se cumpram, e o Santo dos santos seja ungido.
Sabe, pois, isto e adverte-o bem: Desde a saída da ordem (ou edito) para Jerusalém ser reedificada, até ao Messias chefe, passarão sete semanas e sessenta e duas semanas; e serão reedificadas as praças e os muros nos tempos de angústia. E, depois das sessenta e duas semanas, será morto o Messias, e o povo que o há de negar, não será mais seu. E um povo com o seu capitão, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário; e o seu fim será uma ruína total, e depois do fim da guerra, virá a desolação decretada.
 E (o Cristo) confirmará com muitos a sua (nova) aliança durante uma semana; e no meio da semana fará cessar a hóstia e o sacrifício; e a desolação; e a desolação durará até à consumação e até ao fim (do mundo)" (Daniel 9,24-27).

112. O profeta Ageu não é menos impressionante. Quando do retorno do cativeiro, se passava a reconstruir o templo, os que haviam conhecido o anterior se lamentavam de quanto era inferior ao antigo.
Então o profeta os consolou, afirmando que, embora deficiente, ele teria uma glória maior, a de nele pisar o Messias:
"Porque isto diz o Senhor dos Exércitos: ainda falta um pouco, e eu comoverei o céu e a terra, o mar e todo o universo. E abalarei tidas as nações, e virá o desejado de todas as gentes: e encherei de glória esta casa" (Ageu 37-8).

 
113. Malaquias (cerca do ano 430 a.C.) fez progredir a idéia do sacrifício do Novo Testamento, já bastante clara em Isaías.
Depois de rejeitar os sacrifícios judaicos, conclui Deus, pela boca do profeta:
"O meu afeto não está em vós, - diz o Senhor dos Exércitos, - nem eu aceitarei oferenda alguma da vossa mão. Porque, desde o nascer do Sol até o poente, o meu nome é grande entre as nações, e em todos lugares se sacrifica e se oferece ao meu nome uma oblação pura; porque o meu nome é grande entre as nações" (Malaquias 1,10-11).

 
 
114. As profecias mostram de como a idéia messiânica quase nula no primeiros livros chamados a Lei, se foi definindo cada vez mais nos profetas. O novo conceito era o de que viria um Messias sofredor e vitorioso, nascido de Israel para o bem de todas as gentes, e o ritual da nova era não seria aquele dos sacrifícios de carneiros do templo, mas um sacrifício novo.

 
 
115. Do ponto vista sistemático, as predições dos profetas, ainda não se podem considerar cumpridas. Não há provas enfáticas de que Jesus (ou outro) efetivamente seja o Messias como fora anunciado.
A verificação da predição pressupõe a verificação direta do acontecimento mesmo. É o que resta apurar a respeito de Jesus.
No que concerne à religião, que nele teve início, ela não atingiu, mesmo após dois mil anos, a humanidade inteira, e nem é praticada inteiramente pelos que se denominam cristãos.
A situação atual do cristianismo é estacionária, não revelando progressos como acontecia no passado. Todavia continuemos a examinar com vistas a ter um pensamento crítico e não apenas opinativo.

 
 

ART. 6-o. AINDA O MESSIAS NOS SALMOS. 4251y117.

 
 
118. A alma do povo se manifesta na poesia popular, razão porque se pode esperar que a esperança messiânica também deixasse ali manifestações. O messianismo dos salmos é, pois, uma coisa natural e não imperada.
Jesus declarou: "é necessário que se cumpra o que se disse de mim na Escritura e nos Salmos" (Lc.24,24). Esta declaração, atribuída por Lucas a Jesus, confirma o reflexo do messianismo na poesia popular.
Ao som da arpa e dos instrumentos acalentava o povo as promessas antigas. O rei Davi, pelo ano 1000 a.C., organizara um coro permanente a serviço das cerimônias do templo. Ali se desenvolveram o canto e a poesia.
Conservam-se 150 salmos. Na forma em que agora se encontram, dificilmente serão tais quais como eram ao tempo de Salomão e Davi, aos quais foram atribuídos em sua maioria. É possível mesmo que alguns salmos bíblicos tenham sido assimilações tomadas aos povos vizinhos.
As normas da composição poética dos semitas não eram as mesmas dos método mais adiantados dos gregos
O essencial da poesia hebraica é o paralelismo. Cada verso compõe-se de duas partes, uma paralela à outra. A segunda parte se justapõe à primeira por palavras sinônimas, ou opostas por oposição absoluta, ou a maneira de causa e efeito. A repetição do pensamento acentua fortemente a cor semítica dos salmos.

 
119.  Salmos messiânicos. Os cristãos consideram Messiânicos os salmos 2, 15, 109, e com muita frequência ainda os salmos 21, 44, 71.
Outros textos são considerados indiretamente messiânicos, por tratarem dos "tipos" do Messias ou de assuntos relativos de qualquer forma a ele.
O fato da messiânidade de uma poesia não se deve procurar apenas no significado dos termos, mas antes na interpretação do autor, que se conhece pela interpretação tradicional, judia ou cristã.
 Entre o fato de haverem sido considerados messiânicos e a efetiva messianidade há, todavia, uma grande distância.

 
 
120. É apreciável o salmo messiânico, de número 109 (ou Hebr. 110), atribuído ao rei Davi. Com uma beleza rara, nele o Messias aparece como rei, sacerdote, dominador universal e eterno.
Não há prova direta de que seja do mesmo Davi. O contexto certamente diverge, se o admitirmos ou não.
 A interpretação messiânica do salmo é confirmada pelo próprio Jesus. Haviam-no os fariseus experimentado com perguntas melindrosas, como esta, - se deviam pagar o tributo a César.
A seguir Jesus também os interrogou:
- "Que vos parece de Cristo? De quem é ele filho?
Responderam-lhe:
- De Davi.
Jesus disse-lhes:
 - Como pois lhe chama Davi, em espírito, Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que ponho os teus inimigos como escabelo de teus pés? Se pois Davi o chama Senhor, como é ele seu filho?
E ninguém lhe podia responder uma só palavra; e daquele dia em diante não houve mais quem ousasse interrogá-lo" (Mt.22, 42-46).
 Apesar da figura que o salmo atribui ao Messias, descreve-o contudo como um rei cruel, que esmagará a cabeça de muitos e empilhará cadáveres.  A expressão "escabelo de teus pés" atribui ao Messias o costume oriental, segundo o qual o rei vencedor apoiava os pés sobre a nuca do vencido.
 
121. Texto do Salmo 109 (dito messiânico):

 
I 1.  "Oráculo do Senhor ao meu Senhor:
 Assenta-te à minha direita,
 até que ponha os teus inimigos como escabelo de teus pés.

2.  De Sião estenderá o Senhor
 o cetro de tua potência:
 Domina entre os teus inimigos.

3. Contigo a soberania, no dia do teu nascimento,
 dos esplendores da santidade.
 Antes da Aurora, como orvalho eu te gerei.
II 4. Jurou o Senhor e não se arrependerá:
 Tu és sacerdotes para sempre
 Segundo a ordem de Melquisedec.

III 5. O Senhor está à tua direita:
 No dia de sua cólera esmagará os reis.

   6.   Julgará as nações, empilhará cadáveres,
 esmagará cabeças de muitos na terra.
 Beberá da torrente no caminho
 Por isto levantará a cabeça".

 
No salmo 15 ocorre uma alusão a ressurreição do Messias:
"Não abandonareis a minha alma no cheol. Num permitireis que o vosso santo veja a corrupção" (SI. 15, 10).
Estas palavras Pedro as citou no discurso de Pentecostes, quando afirma a ressurreição de Jesus.

 
 
122. O salmo 71, atribuído a Salomão, também é considerado messiânico pela tradição judaica e cristã, em vista de considerar um reino universal.
Destaca as excelências do reino de Salomão, prefigurando nestas glórias as do Messias.
Importa advertir para os arroubos peculiares à poesia, porquanto assim não foi o reino de Salomão das 1000 esposas, nem poderá ser o reino do Messias. Vale certamente o lirismo deste salmo, do qual entretanto muito se tem abusado.

 
I. 1. Dai, ó Deus, ao rei a vossa equidade,
       E ao filho do rei a vossa justiça,
   2. Para que governe com justiça o vosso povo,
       e com equidade os vossos pequeninos.

   3. Para o povo tragam as montanhas a paz,
       e as colinas a justiça.

   4. Ele protegerá os humildes do povo,
       salvará os filhos dos pobres
       e esmagará os opressores.

 
II. 5. Ele viverá tanto quanto o sol,
         E quanto a lua através das gerações.
     6. Descerá como a chuva sobre a relva,
         como os aguaceiros que irrigam a terra.  7. Florescerá em seus dias a justiça,
         e uma paz profunda até que cesse de existir a lua.

III. 8. E dominará de um a outro mar,
          E desde o rio até aos confins da terra.
     9. Diante dele se curvarão os seus inimigos,
         e morderão o pó os seus adversários.
   10. Os reis de Tarsis e das ilhas lhe oferecerão presentes;
   11. hão de adorá-lo todos os reis,
           e servi-lo todos os povos.

IV. 12. Ele há de livrar o pobre que o invoca,
            E o miserável que não tem defensor.

      13. Terá compaixão do fraco e do indigente,
            e salvará a vida dos desvalidos.  14 Há de livrá-los da injustiça e da opressão,
            e aos seus olhos será precioso o seu sangue.
V. 15. Por isso viverá; hão de oferecer-lhe o ouro da Arábia;
           Por ele hão de orar sempre; e bendizê-lo sem cessar.

      16. Haverá na terra fartura de trigo;
            nos cimos das montanhas hão de sussurrar as mesas
            como no Líbano.
            E florescerão os habitantes das cidade,
            Como a erva dos campos.

      17. Para sempre será bendito o seu nome;
            e se perpetuará enquanto brilhar o sol,
            e nele serão benditas todas as raças da terra;
            todas as nações hão de proclamá-lo feliz.

      18. Bendito o Senhor Deus de Israel,
            só ele opera maravilhas;

       19. Bendito o seu nome glorioso através dos séculos,
             de sua glória se encha toda a terra.
             Assim seja! Assim seja!"

 


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