FUNDAÇÃO DO CRISTIANISMO
CAP.
1-o.
CRISTIANISMO A PARTIR DO
VELHO MESSIANISMO DOS PROFETAS. 4251y015.
16. Introdução. O cristianismo é basicamente um messianismo.
Começa, pois o exame do cristianismo sob esta perspectiva.
Ora o messianismo é um fenômeno sociológico muito complexo,
ocorrido em diferentes partes do mundo, com nomes diferentes e direções várias,
dificilmente previsíveis, mas não de todo fora de um sistema.
Principia o messianismo, em qualquer povo em que ele
aconteça, com a crença em um Messias , e com a busca, por intermédio deste,
de um resultado coletivo.
O messianismo judaico originário foi sobretudo político, no
sentido de que um Messias restabeleceria o reino de Israel.
Enquanto este restabelecimento não se efetivava, um leque de
reinterpretações se foi criando, desde as formas simplesmente políticas, até as
espirituais, como a dos essênios e a dos cristãos.
Portanto, o objetivo final do messianismo cristão seria um Reino
de Deus. Os que conseguem pertencer ao Reino de Deus, são considerados salvos,
e os demais perdidos para o Inferno eterno.
Tudo finalmente se completa por uma geral escatologia, denominada
Fim do mundo.
17. Tratado o cristianismo como um messianismo, também ele se poderá
tornar compreensível como um fenômeno sociológico. Nesta condição, o
messianismo cristão admite ser tratado como um fenômeno entre outros similares.
Quando um grupo social se encontra em dificuldades, admite
facilmente uma liderança. Se este grupo social for dominantemente constituído
de indivíduos simples, a liderança carismática se torna muito eficiente. Há
indivíduos especialmente talhados para a liderança carismática.
Em princípio os Messias são criaturas humanas. Mas a ideologia
poderá desenvolver conceitos políticos, tais como os que interpretam as
referidas criaturas humanas como tendo sido enviadas por Deus. De outra parte,
não é impossível que Deus envie um Messias.
Eis porque se pergunta, se Jesus é apenas um indivíduo
carismático humano, ou se efetivamente foi enviado por Deus.
Resulta haver duas interpretações básicas para o messianismo
cristão:
- é um messianismo efetivamente divino, conforme acredita a fé de muitos;
- é um messianismo meramente sociológico, espontaneamente gerado na mentalidade de massa e seus líderes carismáticos, cuja ideologia sobre o Reino de Deus não teria origem divina.
Como fenômeno sociológico, há também a considerar que um
messianismo pode adquirir grande porte, enquanto outros modelos de messianismo
sucumbem.
As vezes sucumbe um messianismo, por absorção, como o dos
essênios pelos cristãos.
Outras vezes um messianismo poderá ser simplesmente reprimido por
um messianismo maior, como o dos cátaros da Idade Média, estes destruídos por
uma cruzada cristã.
De certo modo, através dos tempos, o messianismo cristão procurou
liquidar o tradicional messianismo judaico.
A história da fundação do cristianismo deverá examinar, portanto,
distintamente dois aspectos, - o passado social de um povo aspirando um
Messias, e as condições carismáticas de Jesus para o exercício desta função.
Pergunta-se, pois, primeiramente pelos judeus, na fase
periclitante de sua história política e sobretudo depois da queda do seu reino,
587 a .C.,
quando desenvolveram amplamente a idéia do messias ao qual caberia restabelecer
sua independência.
Ao parecer que esta situação política se tornava irreversível,
poderiam alguns se ter imaginado um messias espiritual, restaurador ao menos do
culto judaico. Era o que mais o menos parecia acontecer desde Herodes o Grande,
reconstrutor do templo, no qual o culto foi exercido até sua destruição no ano
70.
Completa-se a pergunta, - teria dali nascido, finalmente, o
messianismo espiritual cristão, como uma das variantes do messianismo judaico,
e que em sua variação interpretou a Jesus, como um Messias enviado por Deus, e
finalmente até como uma pessoa divina?
Eis uma questão complexa a examinar, que envolve num todo,
a judeus e cristãos, a crentes e descrentes.
Está, pois, equacionado o problema, com suas alternativas
extremas, em que todas deverão ser buscadas com isenção de ânimo, para se
verificar qual exclui a outra.
Em sequência didática, apresentam-se, a propósito, os seguintes
temas iniciais:
ART. 1-o.
DO JUDAÍSMO ANTIGO EM GERAL. 4251y018.
19. A história inicial do judeus, como é apresentada pelos livros
bíblicos, é redigida com o mesmo estilo heróico dos mesopotâmicos e egípcios,
com episódios espetaculares e patriarcas longevos.
A primeira figura de fisionomia histórica definida é Abraão, de
cerca de 1700 a .
C., época de Hamurabi, rei da Babilônia. Dito como procedente de Ur,
Mesopotâmia, veio mais para Ocidente, instalando-se numa região que depois se
denominaria Palestina. Somando o que os textos bíblicos e os islâmicos
atribuem à Abraão, dificilmente se poderá admitir a historicidade de todo os
episódios.
O texto bíblico declara que Deus prometeu esta terra aos seus
descendentes, desde o rio do Egito até o rio Eufrates (Gênesis 15,18). Eis um
texto comprometedor para o relacionamento político entre os povos da região.
20. Os descendentes de Abraão se transferiram para o Egito, onde
prosperaram. O assim chamado povo eleito, ao sentir-se com força de abandonar
este país, tentou rumos próprios. Depois de um estágio no deserto, arremeteu-se
à conquista de Canaan (ou Palestina).
Moisés comandou o povo e lhe deu as leis fundamentais junto ao
monte Sinai. Estes sucessos datam de cerca do ano 1270 a .C. Sucedido por
Josué, este comandou a conquista do novo país.
As doze tribos de Israel foram governadas inicialmente por
Juízes.
Instalou-se o reino por volta de 1020 a .C. sucessivamente sob Saúl, David,
Salomão. Os quase 100 anos de pequena glória vão até cerca do ano 929 a .C., quando se dividiu o
poder, entre Samaria e Jerusalém.
Desenvolveu-se a partir de então o profetismo messianista. É que
as dificuldades a que passaram então os dois reinos eram próprias para que os
profetas levantassem a imagem de um Messias restaurador.
O reino de Israel (10 tribos) chamado também Reino da Samaria (nome
da capital), foi conquistado pelos Ninivitas em 722 a .C. O da Judéia (tribo
de Judá), com capital em Jerusalém, foi tomado pelos babilônios em 587 a .C.
Terminou em 587
a .C. a fase áurea dos judeus, quando se formaram seus
ritos e se fixou o corpo principal do texto bíblico. Mas cresce a partir de
então a importância o texto religioso, porquanto havia desaparecido o poder
civil nacional.
21. Finalmente, o mundo semita passará ao controle dos hindu-europeus,
com a vitória dos persas, em 538
a .C., sobre a até então poderosa Babilônia.
Foi permitida pelo conquistador Ciro uma liberdade relativa aos judeus,
que concluíam então 40 anos de Cativeiro.
Parte dos judeus retornou a Jerusalém, reconstruindo um modesto templo.
Os outros se difundiram por todo o vasto império persa.
É importante observar que o contato com o mundo exterior sujeitou os
judeus a influências da religião zoroástrica, a qual uns passaram a rejeitar e
outros assimilaram em parte..
Depois de um século no contexto persa, acontecia outra transformação,
porque todo o complexo persa fora conquistado pelo mundo helênico, de Alexandre
Magno, em 434 a .C..
Os judeus passarão a um império ainda maior, em 64 a .C., ou 63 a . C., o Império romano.
22. Neste quadro político e cultural, como ainda pensar no messianismo
dos antigos profetas?
Entrementes houvera ocorrido o episódio passageiro do reino dos
Macabeus (164- 63 a .C.).
Ao tempo em que o reino helênico seleucida de Antioquia da Síria enfraquecida,
frente à política romana, conseguiram os Macabeus a independência da Judéia,
inclusive o apoio romano.
Seriam depois os mesmos romanos que engoliriam, tanto a Síria, quanto a
Judéia (63 a .C.).
Com a revolta, a cidade de Jerusalém é destruída em 70.
Depois de mais esta derrota os judeus serão uma nação errante pelo
mundo, ainda que sempre unida e influente, cultivando o espírito de raça eleita
e religião própria.
Como já se adiantou, a falta do governo nacional prestigiou os escritos
religiosos antigos. Sem poder civil nacional, cresceu a importância dos chefes
religiosos. Não tivessem os judeus perdido a independência, a Bíblia não teria
tomado as proporções que alcançou.
Diferentemente, os relatos míticos gregos não puderam adquir o mesmo
Status, porque havia uma instância política. Ao invés de uma escritura sagrada
a se impor sobre o grupo, tiveram desenvolvimento a constituição civil, o
direito e a filosofia.
Ao universalismo praticado pelos judeus se acresceu contudo
modernamente o pequenino Estado de Israel, restaurado em 14-5-1948, quase
teocrático, sob a autoridade do Kessenet, constituído de 120 membros.
No plano ideológico, ficou o Estado de Israel inserido no mundo
judaico, - e mesmo cristão, - como uma espécie de Estado Vaticano II,
porquanto, embora tenha o sentido político de dar chão a um povo, contém ainda
um significado religioso messiânico.
23. Judaísmo. A religião judaica não oferece um sistema dogmático
fechado, abrindo-se em um leque de diferentes significados semânticos, que
podem finalmente incluir sob sua denominação o próprio cristianismo.
A versatilidade semântica do judaísmo decorre de seu mesmo passado
histórico. Explica-se o fenômeno pela circunstância de haver desaparecido
cedo uma autoridade religiosa centralizadora dogmatizante.
O judaísmo oscila bastante e se divide em orientações divergentes, sem
que sejam consideradas heréticas, apesar de conflitantes entre si. Une-se em
torno da idéia da predestinação judaica, efetiva no entender de uns, simbólica
no de outros.
24. O monoteísmo é uma das principais e consideráveis características
do judaísmo.
Ocorrem entretanto tendências de fugir a este princípio central.
Continuaram práticas diversas, algumas de adesões os deuses dos povos
vizinhos. Outras, de fetiches e cabala.
Cresceu o elenco das entidades intermediárias, como os anjos; estes
ganharam importância no judaísmo posterior, após o exílio em Babilônia, quando
os judeus ficaram sob a influência religiosa persa.
Entre os cristãos finalmente se desenvolveu a crença na Trindade das
pessoas divinas, cuja conceituação teológica é pronunciadamente neoplatônica.
Mas não foi o monoteísmo uma novidade exclusivamente judaica. Já haviam
acontecido no Egito algumas tentativas de introdução do monoteísmo.
Também os primeiros filósofos gregos, no 5-o século a.C.,
insistiram numa revisão do conceito de divindade.
De outra parte, a noção de Deus, por parte do velho judaísmo, foi
rudimentar e antropomórfica, havendo sido inferior à dos primeiros filósofos
gregos.
Sem especulação filosófica a respeito de Deus e sem cuidado em
defini-lo, o povo judeu vagamente concebeu a Deus como um ser pessoal, quase ao
modo dos humanos; que age e fala; que tem mãos, pés, braços, olhos, lábios; que
se apresenta em certo lugar e mora nos céus; que é nacionalista e tudo promete
aos judeus, até mesmo um Messias poderoso, capaz de se impor a todas as nações.
Na tradução da Bíblia conhecida como Septuaginta (do séc. 3-o. a.C.)
vários antropomorfismos são substituídos por circunlóquios, o que revela uma
melhoria de mentalidade filosófica. Também será em Alexandria que se
desenvolverá uma exegese alegórica, entre judeus, como Filon, e entre cristãos,
com destaque Orígenes.
Foi a melhoria dos conceitos, - resultante da tradução de uma língua de
cultura inferior, para outra de cultura superior,- uma conquista da
inteligência; mas de outra parte, a melhoria dos conceitos nos adverte que pode
estar ocorrendo um rompimento em teses essenciais da tradição.
No caso da Bíblia judaica temos ainda hoje tanto o original hebraico,
como o texto vertido ao grego, para poder comparar e julgar.
Todavia, com referência aos livros cristãos do Novo Testamento, eles
são a transcrição para o grego do ensinamento de Jesus, o qual pregara em aramaico. Esta
circunstância oferece dúvidas sobre o exato pensamento de Jesus, porquanto o
texto grego certamente é portador de núcleo cultural diferenciado e melhor
trabalhado.
ART. 2-o.
DOCUMENTOS DO MESSIANISMO JUDAICO. 4251y027.
28. Num determinado momento da história do desenvolvimento de um povo
aparece a escrita. Ela tende a ser ocupada pelas operações mais complexas dos
negócios, e ainda pelas doutrinas progressivamente mais complicadas das
religiões.
Didaticamente, oferece-se o seguinte roteiro:
- Do livro sagrado em geral (vd
4251y030);
- Da Lei (o Pentateuco) e dos Profetas (livros destes) (vd 4251y040);
- Do método de interpretação (vd 4251y051).
30. O livro dito sagrado surgiu em época sem recursos adequados para
escrevê-lo.
Este é um paradoxo, porquanto a revelação sobrenatural deve ser
conceituada como uma ajuda ao homem. Parece, então, que mais sábio teria sido
levar a revelação diretamente à consciência de cada um.
Os primeiros livros, escritos ao modo de folhas
sobrepostas, substituindo os rolos, datam apenas do 3-o. século depois de
Cristo. Os rolos eram volumes no sentido mesmo da palavra, que quer dizer o que
se volve, ou o que se desenrola.
Tal acontecia com os livros bíblicos, quer do antigo quer do novo
Testamento, cujos rolos, à medida que iam sendo lidos, eram desenrolados em uma
extremidade, para continuar a leitura, ao mesmo tempo que enrolados na outra,
em que a leitura ia sendo terminada.
Uma Epístola, como as de Paulo Apóstolo, poderia estender-se por uma
faixa de metro de extensão. Os antigos empregaram geralmente rolos de papiro,
ou de pergaminho, ou de cobre. Rolos do Velho Testamento foram reencontrados
nos achados do Mar Morto, meados do século 20.
31. Papel, pergaminho, livro. O nome papel decorreu, por
transformações várias, do de papiro, - do latim papyrus, por sua vez do grego
papyros. Este nome designava uma grande erva fibrosa, classificada
cientificamente como Cyperus papyrus (isto é, da família das ciperáceas), que
crescia como nativa nas margens do rio Nilo, Egito.
Aprenderam ali os mesmos egípcios a extrair dela o material para a
fabricação do papel, cruzando as fibras do caule de 2 metros , e submetendo a
trama a um banho de óleo de cedro, que o tornava incorruptível.
Graças ao papiro conservaram-se muitos textos antigos. A pilhagem
concentrou um grande número deles nas coleções dos museus da Europa,
principalmente do Museu Britânico, de Londres, e Louvre, de Paris.
O papel de pasta mecânica foi inventado na China no início do 2-o.
século, mas somente no século 12 entra na Europa através da produção e comércio
árabe.
Os ocidentais o aperfeiçoaram, ampliando-lhe as utilidades. Em 1978 o
francês Nicolas Louis Robert inventou a máquina de produção de papel em folhas
contínuas.
O pergaminho, - nome derivado do latim tardio pergaminum, por sua vez
do clássico pergamena, - foi desenvolvido em Pérgamo (Ásia Menor), no 2-o
século a. C., quando acontecera dificuldade de importação do papiro do
Egito. Consiste no preparo da pele de carneiro, ovelha ou cordeiro, raspada e
macerada, curtida em substâncias alcalinas. O novo material de escrita
firmou-se apenas a partir do século 4 d.C., vindo a alcançar seu
esplendor com as iluminuras da Idade Média.
A vantagem do pergaminho decorreu da possibilidade de ser raspado com
vistas a novo uso.
Dali se originaram os palimpsestos. Os sinais restantes dos textos
anteriores, por vezes legíveis a olho nu, mas geralmente por meio de
expedientes específicos, como a fotografia infravermelha, permitiram reaver
informações importantes.
Por exemplo, o Novo Testamento do Códice C (Ephraemi Rescriptus) foi
recuperado sob os escritos de Santo Efrém do século 12, sob o qual se
encontrava o outro, remontando ao século 4-o.
O livro de páginas sobrepostas, substituindo os rolos, teve origem no
pergaminho, que, por ser mais resistente que o papiro, facilitou a nova forma.
Ao que parece, tudo teria começado na biblioteca de Pérgamo.
Assim preparado o velho livro se chama códice (costura). Caderno, -
nome derivado do latim quaternus (= quatro) - lembra que uma folha se dobrava em quatro. Mas desde logo
também se fez conhecer o livro de papiro.
No final do I século depois de Cristo, ao tempo do imperador Domiciano,
o livro já era frequente. Todavia, estes primeiros livros já estão
desaparecidos.
A palavra livro (de liber) lembra a cortiça, material entre a casca e a
madeira da árvore, que, quando mais delgada, era tomada para escrever, o que
depois passou a significar o produto final, isto é, o livro paginado.
32. Velho Testamento e Novo Testamento. Os livros
sagrados dos judeus são aqueles que os cristãos denominam Velho Testamento, ou
seja do Velho Pacto, feito por Deus com o povo eleito. Querem os cristãos que
Jesus tenha dissolvido o pacto anterior, e feito um Novo Pacto, razão porque os
livros correspondentes se denominam Novo Testamento.
33. O cânon dos livros sagrados. Nome derivado do
grego (= vara convertida em instrumento de
medida, régua, noma, lei), cânon passou a ter variado uso semântico, entre os
quais também o de lei que determina quais os livros sagrados oficialmente
considerados inspirados.
Divergem os cânones, e foram polemicamente estabelecidos no curso dos
séculos. Só este fato compromete em muito a validade geral dos livros sagrados
como um todo. Os critérios adotados oferecem algumas fragilidades, e que
explicam o porque de tais divergências, e que finalmente podem influenciar os
conceitos sobre o messianismo.
Com referência ao cânon judeu foi fixado definitivamente em
Jâmnia entre 90 a
100 depois de Cristo. Para a cidade de Jâmnia da costa palestina do mar
Mediterrâneo, havia sido transferida a sede do sinédrio, depois da destruição
de Jerusalém, ano 70, e foi ali que se reorganizou. Outros escritos judaicos se
prestaram também para a definição do pensamento messiânico da época.
Os cristãos admitem os livros bíblicos do cânon judaico, acrescentando
os do chamado Novo Testamento. Mas discordam tanto sobre os do Antigo
Testamento, como do Novo.
Os protestantes mantêm os livros do Antigo Testamento, os mesmos do
Cânon judaico, o que significa somente os escritos em língua hebraica.
Os cristãos católicos incluíram como livros do Antigo Testamento obras
piedosas, algumas escritas em grego, por judeus helênicos, geralmente de
Alexandria, a saber os assim chamados 7 dêutero-canônicos: Tobias, Judite,
Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1 e 2 Macabeus, e partes de Daniel e Ester.
Ficou, portanto, o cânon cristão protestante idêntico ao judaico,
diferente do católico, no que se refere ao Antigo Testamento.
Também acontecerão algumas diferenças no Novo Testamento, no qual o
cânon católico inclui maior número de textos.
34. O cânon cristão da Igreja católica se fixou paulatinamente, sob a
influência de Tertuliano (c. 260-220). Em princípio, o cânon católico contém
todos os livros contidos na Vulgata Latina.
Não sem muita polêmica, o cânon da Igreja católica se definia no
Concílio de Cartago, de 397. Ganhou caráter definitivamente claro, em 1546, por
definição do Concílio de Trento, ao estabelecer como "sacros e
canônicos" todos os livros da Vulgata Latina.
35. Septuaginta. Os judeus helizantes, já de longa data,
haviam traduzido a Bíblia para o grego e lhe associaram mais outros
livros, redigidos originariamente no mesmo grego, a pedido do rei
Ptolomeu II, Philadelphus (285-346
a .C.), para a grande biblioteca de Alexandria..
Chamou-se à tradução Septuaginta, ou Versão dos Setenta, porque teria sido
traduzida por 72 especialistas em 72 dias,
Esta informação se infere de uma narrativa que consta na Carta de
Aristeas, hoje considerada expúrea. Pode-se contudo aceitar o conteúdo no que
afirma de mais genérico, e é citada pelo judeu Josefo Flavo (1-o século), em suas Antiguidades
judaicas XII, 2, e pelo cristão do Eusébio de Cesareia (c. 263-339) em sua Preparação Evangélica ,
III, 2-5.
A Septuaginta se fez conhecida também como Versão grega e ainda como
Vulgata. Depois que São Jerônimo traduziu a Bíblia para o latim, passou a ser
mais conhecida como Vulgata a versão latina. Mas esta melhor se diz Vulgata
latina. A grande validade da Septuaginta, sobretudo na antiguidade, foi ter
servido para melhor compreensão do texto mesmo em hebraico, porquanto os
próprios judeus já não o falavam.
36. O Talmud, o principal texto judeu pós-bíblico, tem origem a
partir do século da era cristã, a maneira de um novo elenco de tradições
judaicas. Este volumoso texto, com diferentes origens, mantém a fé do
messianismo prometido. Mais significativo é o Talmud de Babilônia, que o de
Jerusalém, ambos todavia valiosos.
37. Com referência ao Antigo Testamento dividiam-se também os judeus em
palestinos, referência à Palestina, onde ficava Jâmnia, e em helenizados,
o que se dizia dos que se haviam habituado à língua grega, o que aconteceu
primeiramente em Alexandria, onde surgiram.
Desde então se passou a distinguir, quanto aos livros bíblicos
oficialmente aceitos, entre o Cânon Palestino, de dimensão menor, e o Cânon
Alexandrino, maior.
38. Os antigos cristãos, de fisionomia evidentemente mais helênica,
adotaram o Cânon Alexandrino.
Esta circunstância foi logo aproveitada pelos judeus palestinos para se
distinguirem dos cristãos, e se tornou motivo de polêmica. Foi também uma razão
para dar combate aos seguidores do Nazareno. Explica finalmente porque alguns
textos em versão grega de judeus antigos passaram a ser tomados como igualmente
bíblicos pelos cristãos, enquanto que para os judeus continuaram sendo
apócrifos.
Finalmente os próprios cristãos se dividem, mais tarde, no século 16,
quando os protestantes aderem também ao Cânon Palestino. Ficaram
excluídos como apócrifos vários livros, e ainda partes de outros livros, como a
história de Susana, de Baal e do Dragão (Daniel caps. 3 e 4) e os últimos 7 capítulos
de Ester.
Com referência ao Novo Testamento ocorreu divisão semelhante,
estabelecendo- se pois uma geral confusão documental religiosa.
Eusébio de Cesarea, em sua História Eclesiástica
(§ III, 25) anotava que em seu tempo (sec. 3) não eram universalmente
reconhecidos no Oriente os livros, por isso também chamados dêutero-canônicos,
as Epístolas de Tiago, de Judas, segunda de Pedro, duas de João, e ainda de
Paulo aos Hebreus e o Apocalipse.
Também aqui os protestantes do século 16 deixaram, pelo menos em parte,
os livros dêutero-canônicos do Novo Testamento.
II - A Lei
e os Profetas. 4251y040.
41. Uma divisão classificatória divide os livros do Antigo Testamento
em Lei (ou Torah) e Profetas (Nebim).
Reúne Lei, ou Torah, aos livros mais antigos, representando a
mentalidade mosaica. Nestes escritos o messianismo judaico se conserva ainda
moderado.
Profetas, ou Nebim, são os livros escritos posteriormente, quando
a nação está mais problematizada, e portanto adequada para o discurso
messianista. Surge também então a imagem do anjo ao modo persa.
Acontecia portanto já no curso do Antigo Testamento uma espécie de Novo
Testamento, em função às inovações introduzidas pelos profetas.
Os saduceus, peculiarmente tradicionais, admitiam apenas os livros da
Lei. Os livros chamados dos Profetas são do elenco mais moderno, aceito pelos
fariseus, zelotas, essênios, cristãos.
Quando Jesus se referiu à Lei e aos Profetas, situou-se em um
contexto claramente não saduceu, por conseguinte mais próximo dos fariseus,
zelotas, essênios.
42. Pentateuco. Sobre a antiguidade e autenticidade do
Pentateuco, primeiro conjunto de cinco livros da Bíblia, se pensa hoje mui
diferentemente que em alguns séculos atrás.
Os cinco livros mencionados se intitulam Gênesis, Êxodo, Números,
Levítico, Deuteronômio. Ao mesmo grupo, dado como o mais antigo, pertence o
livro denominado Josué. O grupo se denominou então Hexateuco, porque já não de
cinco, mas de seis livros. A denominação Pentateuco, - do grego Pentáteuchos,
pela junção dos elementos pente (= cinco) e teuchos (= folha de papiro, papel,
livro), - data de Orígenes e Tertuliano, da primeira metade do 3o século
cristão, indicando com isto o caráter de cinco livros. Na forma hebraica o
Pentateuco se diz Torah ( ), que se
traduz por A Lei. Nesta condição aparece na já citada expressão "A Lei e
os Profetas".
A distribuição dos cinco livros do Pentateuco é bastante óbvia:
Gênesis trata da origem do Universo e dos primeiros patriarcas, até
Abraão;
Êxodo da saída do Egito para a península do Sinai;
Números, um catálogo de famílias e recenseamento;
Levítico, uma exposição ritual;
Deuteronômio, uma reexposição da Lei.
Ao conjunto se acrescenta finalmente, Josué, a história da conquista da
Palestina.
43. Tradicionalmente os cinco livros do Pentateuco eram atribuídos a
Moisés, do século 13 a .C.
e o seguinte a Josué (do século 12
a .C.). Alguns atribuíam até mesmo os sinais vocálicos
postos sob as letras, ou mesmo acima, à Esdras (século 6-o. a.C.),
imediatamente após a libertação do cativeiro de Babilônia (538 a .C.), quando não ainda a
Moisés. Na verdade estes sinais são muito mais recentes, criados nas sinagogas
de Tiberíades e Babilônia para garantir a reta pronúncia de uma língua já não
bem dominada pelo leitor.
Ainda que os primeiros livros sagrados, - os cinco denominados em conjunto Pentateuco ,
- tenham sido tradicionalmente atribuídos a Moisés, do remoto século 12 ou 13 a .C., eles datam
efetivamente de cerca do século 8-o ou 7-o, conforme análises mais precisas
determinaram, mostrando a presença sacerdotal no texto.
Os primeiros livros, que dão início à Bíblia pelo século 8-o, fixam,
entretanto, tradições de longa data, havendo sido trabalho de diversos autores
e em datas distintas.
O texto em parte é novo e em parte faz transparecer redações
anteriores, que podem ser crônicas as mais diversas, relatos de guerra, poemas
e salmos, narrativas fantasiosas.
Transcreve ainda o texto definitivo, direta ou indiretamente, versões
mesopotâmicas mais antigas sobre o dilúvio, o paraíso e a criação do mundo. As
narrativas fantásticas do Gênesis não são de inteira originalidade.
Este episódio deixava claro que as religiões tradicionais não possuíam
seguro conhecimento de seu próprio fundamento.
Simon duvidou da origem mosaica do Pentateuco. O mesmo logo se dirá
também do livro de Josué. Generalizou-se rapidamente a convicção da origem
fragmentária dos livros iniciais da Bíblia.
O médico e professor de Paris, Jean Astruc (1684-1766) advertiu que a
narrativa mais antiga da criação se refere a Deus pelo nome de Elohim, e que a
outra utiliza o nome pessoal de Javé, repetindo o mesmo acontecimento sob outra
perspectiva.
44. No século 19 firmou-se a hipótese, conhecida por Graf-Wellhausen,
que reduz o Pentateuco a uma reunião de quatro fragmentos principais, reunidos
em épocas difíceis de definir, classificadas pelas letras:
E - Documento Eloístico;
J - Fonte Javista;
D - Fonte Deuteronomista;
P- Documento Sacerdotal (ou Priester Kodex, na expressão alemã).
A alteração, - introduzida no texto por Graf, nesta hipótese que vem de
Wellhausen, - consistiu em passar o documento sacerdotal (P), por ser mais
recente, do primeiro plano (E.J.P) ao último (E.J.D.P), sendo nisto logo
acompanhado pelos novos intérpretes.
A consequência foi a diminuição da antiguidade da redação final de todo
Pentateuco, visto que a fonte deuteronômica já é recente (entre o século 6-o e
7-o).
Parece que a fonte javista é mais antiga; todavia se encontra
intimamente fundida como documento eloístico; sua união como J. E., os impede
de serem tratados em
separado. O desenrolar dos dois se observa pela diferença dos
nomes no texto e pela repetição dos mesmos conteúdos narrados.
A fonte Deuteronomista (D) é de clara outra procedência, que a dos
documentos javista e eloísta (J.E.). Teria sido escrito pouco antes do tempo do
rei Josias (c. 638- 608), porquanto se afirma que o livro do Deuteronômio fora
achado no 18o ano do seu reinado em Judá. Apresenta uma espiritualidade uniforme e
contínua insistência de reforma. Seu estilo é marcadamente distinto.
O Documento Sacerdotal (P) consiste, antes de tudo, no ajustamento da
estrutura total, do Pentateuco.
Ajusta entre si os documentos E. J..
Ajusta a seguir E. J. ao tema do Deuteronômio (D).
Os elementos do documento sacerdotal constituem um código de conteúdo
histórico e legislativo, regulando cerimônias e festas. Dentre desta estrutura,
são colhidos os elementos das fontes anteriores, javística, eloística,
deuteronômica.
De maneira geral, o novo livro é reflexo da influência sacerdotal, de
uma época em que se fazia sentir fortemente.
45. Pertenceriam também ao documento sacerdotal (P) os elementos
históricos do Êxodo.
O episódio da marcha dos Israelitas, do mar do sítio de Kadesh,
constituem talvez o centro de toda a narrativa do Pentateuco; em seu torno se
teriam reunido os demais documentos.
Desta sorte, - no pensamento de Eluard Meyer e outros estudiosos, - o
exame do Pentateuco não teria o ponto de partida principal no Gênesis, mas no
Êxodo (Cf. Hexateuch, Mc Millan, Everyman's Encyc. 7, p.120). É uma hipótese
lógica, desde que se ponha como mais recente o autor sacerdotal (P).
O livro de Josué, que se atribuía ao mesmo Josué, mantém-se na
estrutura do Pentateuco, como se fosse o seu complemento narrativo e sacerdotal
(P).
Atende às profecias sobre a promessa e conquista da Terra Prometida.
46. Como decidir sobre a antiguidade do Pentateuco e suas etapas de
elaboração?
Postos os argumentos em sistemática, pode-se alegar em primeiro lugar o
aspecto da linguagem.
A língua hebraica bíblica se distingue em:
período de Moisés até o tempo dos reis (1270-1000 a .C.);
período do início do reino até o exílio babilônico (1000-585 a .C.);
período do exílio, quando a linguagem hebraica deixou paulatinamente de
ser falada, substituindo-se pelo aramaico, a língua que Jesus e os primeiros
cristãos falaram;
seguem-se o hebraico míschnio, talmúdico, finalmente o neo-hebraico ou
moderno.
Do período anterior ao dos reis (1000 a .C.) sobram fragmentos, que revelam um
caráter arcaico. É o que se observa no texto bíblico do "Cântico de
Debbora" (Juízes, 5) e em achados arqueológicos diversos. Este seria o
hebraico do Pentateuco, se Moisés fosse o seu autor. Mas, não é o hebraico que
ali se encontra.
O período áureo da língua hebraica bíblica foi o dos profetas, ao tempo
dos reis, destacando-se Isaías, que atendeu pelos anos 700 a .C.. Ora este é o
hebraico, que, em variadas formas, se manifesta no Pentateuco e no livro de
Josué.
Um segundo argumento capaz de decidir sobre a origem diferente das
diversas partes do Pentateuco se funda no feitio do conteúdo.
O elevado adiantamento do ritual sacerdotal descrito no Pentateuco
também remete ao tempo mais recente dos profetas, e mesmo de após a restauração
(539 a .C.),
quando, sob os persas, os sacerdotes exerciam importantes funções diretivas em
Jerusalém.
No século 5o a.C. o Pentateuco e o livro de Josué já estariam em forma
definitiva. Narram-se episódios sobre a morte de Moisés e de Josué, e de
outros. Não se trata de simples acrescentamento ao modo do moderno
"apêndice", mas se encontram no próprio texto, o qual portanto
não seria do próprio Moisés.
47. Autoria coletiva sucessiva. E assim já chegamos ao que
verdadeiramente sucedia. Os primitivos judeus não tinham do livro a noção de
obra exclusiva de um só autor. Tinha seguramente o livro, - geralmente um
pequeno texto, - um primeiro autor, ou mesmo um autor dominante, mas seu
conteúdo ia sendo reajustado e aumentado pelos copistas. De época em época
ocorriam as interferências maiores.
Foi assim que, finalmente, os sacerdotes de Jerusalém tinham em mãos um
código, que se passou a chamar Toráh (lei, instrução), porque nele constavam as
antigas leis e as novas circunstâncias, as vezes evolutivas, em que se
formularam.
Mas em um certo momento passou Toráh a se distinguir dos novos
livros, tais como os dos profetas, porquanto os tempos tornaram os escritos
mais abundantes.
Em vista da autoria coletiva e sucessiva como se encarava o livro, não
pode o Pentateuco ser atribuído a Moisés, e sua continuação a Josué.
Criado pela manipulação de fragmentos e adendos, deve agora ser lido o
Pentateuco com muita cautela, sem a ingenuidade do leitor comum. Somente com
acurado espírito crítico se aproveita ler tais escritos.
48. Os Livros dos Profetas, como são chamados, nem todos remotam
ao tempo dos primeiros profetas.
Não deixaram escritos os primeiros profetas - Samuel, Elias, Eliseu,
Jonas .
Com referência a Jonas, o livre que leva seu nome apenas narra um
episódio referente a este personagem; acontece o mesmo com os dois livros que
têm a denominação I e II de Samuel.
No final do reino (fim do reino do norte, em 722 a .C. e fim de Judá em 588 a .C.) surgiram os
profetas escritores, subdividos em grandes e pequenos.
Chamam-se grandes profetas os que deixaram textos maiores e que se
citam pelos nomes dos mesmos profetas, formando um grupo de 4:
Isaías (atua pelos séculos 700 a .C., sob os reis Ezequiel e Manassés),
Jeremias (no tempo da queda do reino, 587 a .C.),
Ezequiel (em Babilônia),
Daniel (em Babilônia).
Doze são os profetas menores, pelos seus escritos mais reduzidos e que
lhes são atribuídos, tendo início cerca de ano 750 a .C., mais ou menos nesta
sequência cronológica:
Amós, Oseas, Joel, Abdias, Jonas, Miqueas, Nahum, Habacuc, Sofonias,
Ageo, Zacarias, Malaquias.
- o não cumprimento das leis de Deus resultará em castigo, a saber a
destruição do reino pelos seus inimigos;
- a aspiração da restauração do reino é prevista profeticamente;
- as nações oprimidas retornarão aos seus pagos, como também a nação
judia para a sua terra;
- haverá um "Ungido" (o que em hebraico é dito messias),
portanto um rei, a que se deverá a grande bênção da salvação.
Qual a exata fisionomia deste messias? Não é clara em nenhum profeta,
sendo as declarações de Isaías as mais caracterizadas.
III - O
método de interpretação. 4251y051.
52. Um texto antigo importa em uma interpretação. No passado o método
de interpretação literal do texto bíblico sempre dominou sobre o de
interpretação figurada.
Há entretanto duas modalidades de interpretação literal, a literal
formal (estritamente literal) e a literal histórico-crítica. Uma e outra tomam
o texto em sentido objetivo, isto é, com o sentido próprio das palavras, que,
portanto não são transpostas a um sentido figurado e simbólico.
53. Fundamentalistas. A interpretação literal formal, ou
estritamente literal, adotado hoje pelos fundamentalistas, quer que todo o
conteúdo do texto seja revelado, portanto sagrado em toda a linha. A rigidez
desta posição era tal, que os judeus sequer queriam retocar a letra.
Quando posteriormente os massoretas (letrados ou mestres judeus)
cuidaram de anotar as vogais, pois hebraico era grafado sem as vogais,
estas foram acrescidas por meio de pontuações por cima ou por baixo das letras,
mas não no curso delas, para não afetar o texto grafado e considerado sagrado.
Enquanto a mentalidade do homem se manteve na simplicidade, a
interpretação literal formal não apresentou maiores dificuldades. De pouco em
pouco a percepção da extravagância de muitas das narrativas dadas como sagradas
, - tais como a tentação de Adão e Eva, detalhes do dilúvio, idade dos
patriarcas, parada do Sol, a linguagem antropomórfica para se referir a Deus,
etc., - enfraqueceu o prestígio inicial da exegese literal formal ao pé da
letra.
54. Dificuldades da exegese alegórica. Encaminharam-se as
interpretações alegóricas e figuradas, particularmente na escola de Alexandria,
onde os judeus do 1o século antes da era presente atingiam notório desenvolvimento
intelectual.
Filon de Alexandria, que viveu entre 20 a .C. e 40 d.C. é o
principal representante desta escola, além de ser representativo filósofo
neoplatônico.
Também os cristãos de Alexandria enveredam pelo mesmo caminho, e têm em
Orígenes, - um castrado por virtude e feito sacerdote, - o mais antigo erudito
representante, já no início do 3o século d.C..
No Ocidente, onde Santo Ambrósio (333-397) adotou o mesmo método de
interpretação figurativa, vingou todavia maiormente a interpretação literal,
com Agostinho de Hipona (354-430).
Na verdade, não parece que os escritores bíblicos quisessem
sistematicamente situar-se em uma linguagem simbólica. Àquela época isto não
teria justificativa, senão dentro de um contexto calculado. Por isso, o método
literal sempre se impôs, apesar das dificuldades oferecidas pelas narrativas
fantasiosas do texto.
55. Mas o método literário formal, ao pé da letra, foi todavia cedendo
lugar à interpretações em que a realidade impôs o sacrifício de partes do
texto. O problema estava em como torcer o texto sem comprometer a revelação que
se lhe atribuía.
Para quem simplesmente não admite esta revelação, a interpretação
histórico- crítica, como veio a ser chamada, não podia oferecer dificuldades.
Para os outros, crentes ainda da revelação, somente restou admitir a
inclusão de erros culturais cometidos pelo homem simples ao receptar a
revelação. Caber-lhe-ia apenas separar a verdade revelada, desvestindo-a dos
erros culturais.
Entre estes erros poderiam figurar as afirmativas de ciência, como de
geografia, física, astronomia, história, etc., em que os autores bíblicos se
mostram por vezes muito ignorantes. Deus, como que, teria jogado moedinhas de
ouro em um palheiro, para que os homens se metessem a penosamente colhê-las.
Mas não seria esta uma maneira ingênua de defender a revelação?
De outra parte, não basta que uma verdade seja limpidamente apresentada
(sem defeitos antropomórficos e científicos) para que por si só se afirme como
sobrenatural, ou revelada. Uma tal propriedade é apenas a condição negativa,
para que se possa começar a perguntar se dita afirmativa procede de Deus.
Poderá ser também a afirmação de um homem inteligente, e nada mais.
Tendem os povos primitivos e os homens simples em geral a admitir que
uma inspiração mais significativa seja divina. Não basta a elevação de um
pensamento para que de pronto seja considerado uma revelação do alto. O
pensamento também pode ser genial sem ser revelado por Deus.
56. A interpretação histórico-crítica encontra seus
primeiros sinais no curso da Renascença, do século 15 e 16. É propulsionada
pelo deísmo maçônico e alguns grupos protestantes, com resistência dos
católicos.
O recuo da exegese católica à interpretação literal histórico-crítica,
que denunciava os excessos sobrenaturalísticos do literário ao pé da letra,
começou a precipitar-se com o já mencionado oratoriano padre Richard Simon,
autor de uma Histórica crítica do Novo Testamento (1678) e de uma nova tradução
do Novo Testamento (1702), além de outros trabalhos do gênero em que se revela
um precursor da crítica moderna do texto.
Posto Richard Simon no ostracismo, voltou a ser destacado pelo teólogo
luterano Johamn Jaques Semler (1725-1791) um dos fundadores da crítica textual
da Bíblia, sendo sobretudo no século 19 reconhecido como um dos precursores da
referida crítica moderna do texto Bíblico.
Desagradou Richard Simon a católicos e protestantes. Mas foi aceito
mais cedo por estes últimos. O fato é que desde Richard Simon a ingenuidade em
assuntos bíblicos paulatinamente veio decrescendo. Seu trabalho foi crítico,
desacreditando a exegese literal dos escolásticos medievais.
Não poupou sequer a exegese do grande Tomás de Aquino, até porque
alegava o barbarismo do século em que este viveu, quando não havia condições
adequadas para desenvolver melhor interpretação do texto bíblico.
Foi contundente para o tempo de Richard Simon a dúvida sobre a origem
mosaica do Pentateuco. Retirou desta sorte a Moisés sua importante autoridade,
e diminuiu a própria antiguidade da Bíblia. Esta passou a ser vista como um
documento iniciado pelos sacerdotes judeus, pelo século 7o a.C., em vez de no
12o a.C.. Esta mudança redundou em consequências revolucionárias para a crítica
do conteúdo e validade dos textos.
Quanto ao influente bispo J. B. Bossuet, o inspirador da oposição
tradicionalista, publicou então, em Paris, uma Defesa da tradição e do Santos
Padres (1693). Defendia especialmente a exegese literal de Santo Agostinho,
contestando sobretudo a afirmação de Richard Simon, de que já aquele padre da
antiga igreja fizera inovações sobre a doutrina da graça.
As liberdades se haviam tornado difíceis na França, com a revogação em
1685 do Edito de Nantes, que em 1598, garantia aos protestantes (huguenotes)
igualdade civil. Foi a igualdade restabelecida somente em 1787, quando já iam
adiantado o espírito da revolução francesa, vindo dois anos depois.
Ponderou moderadamente o religioso beneditino Bernardinus Oepfel:
"Negandum non est in operibus a R. Simon conscriptis interdum
proponi conjecturas vere audaces, sed ex altera parte J. Bousset saepe nec
aeque nec prudenter judicavit" (Intr. Generalis in Sacram Scripturam,
1958, p.9)
ART. 3. A INSPIRAÇÃO DIVINA
ATRIBUÍDA AOS LIVROS BÍBLICOS. 4251y058.
59. Primeiramente sobre as dificuldades. A inspiração divina é em
princípio algo excelente. Todavia, quando atribuída a livros situados no tempo
remoto, deverá ser provada, com a melhor segurança epistemológica possível.
Didaticamente pode-se primeiramente advertir para as dificuldades
epistemológicas advertidas por alguns. Depois, - no curso deste texto, em
oportunidades diversas, - se advertirá para o que dizem os que acreditam nesta
inspiração.
Desta forma o desenvolvimento da questão da inspiração atribuída às
textos bíblicos se tratará objetivamente.
Que valeria uma revelação fundada apenas em uma convicção sem
provas? E por que apelar a provas tão difíceis de estabelecer, como esta a de
que Deus teria falado através dos profetas?
Se Deus, em princípio, pode escolher o caminho que quiser, mesmo o mais
difícil, não é absurdo que tenha escolhido os primitivos tempos para fazer sua
revelação, coletada em papiros, dos quais apenas restam cópias. Todavia, é
necessário que se o prove. Sobretudo é necessário, que se o prove quando se
trata de assuntos que alcançam toda a humanidade, como é o caso do anúncio do
Messias e da subordinação da salvação a um ritual.
60. Os povos de infra-estrutura mental primária admitem facilmente a
presença da divindade por trás de fenômenos naturais mais complexos, como os da
chuva, dos trovões, do amor, do nascimento, e até das fontes, do mar imenso,
das catástrofes, dos males, etc..
Por isso, os povos primitivos interpretam aos fenômenos menos
inteligíveis como tendo sido operados por entidades mágicas, por ninfas, por
bruxas, ou simplesmente pelo destino fatal.
O pensamento mágico do homem primário dificilmente poderia evadir-se de
interpretar fenômenos para-psicológicos como se fossem simplesmente naturais.
Ainda que metafisicamente fosse possível admitir a existência de fenômenos
sobrenaturais, não tem o homem primitivo condições para distinguir entre o
para- psicológico e o sobrenatural.
Estas dificuldades de interpretação fizeram nascer em diversas regiões
do mundo convicções religiosas com origem atribuída à inspiração divina. Do
mesmo modo como se pedem provas aos autores bíblicos sobre sua alegada
inspiração, também deverão ser requeridas aos respectivos autores dos livros
sagrados dos brâmanes, budistas, islâmitas, e outros.
Por mais admiráveis que sejam certas particularidades dos livros
bíblicos, no que concerne à segurança de sua autenticidade e de sua fidelidade,
sempre restam detalhes, que se desejariam melhor esclarecidos.
Em assuntos de tamanha relevância, que dizem respeito a um destino
extraterrestre de salvação e de condenação, é razoável pensar que deveria haver
melhores recursos para decidir, caso as propostas fossem sérias. Mesmo que
alguns contestem tal objeção, ela não deixa de ser assunto para debate.
Ainda que tudo seja possível para a liberdade de Deus, espera-se que
ele faça revelações suficientemente perfeitas, se escolheu fazê-las.
61. Os primeiros pensadores destacados da época moderna a negarem a
inspiração sobrenatural da Bíblia, e o consequente não caráter divino das
instituições delas dependentes, foram eminentes filósofos, - o inglês Thomas
Hobbes (1588-1679), empirista, e o holandês Baruch Spinoza (1632-1677),
pensador monista.
Ambos foram condenados pelas autoridades eclesiásticas, o último
inclusive por algumas instâncias ;judaicas.
Também os primeiros representantes do deísmo, tais como Herbert
de Cherbury (1583-1648), seu iniciador, e imediatos seguidores, Samuel Clarke
(1675-1729), John Toland (1670-1722), Mathew Tindal (1657-1733), negaram a
revelação bíblica.
62. Thomas Hobbes, já citado, filósofo sistemático e político,
examinou também a situação da Igreja em suas relações com o Estado e a natureza
da própria religião. Restringiu notavelmente os conceitos tradicionais sobre o
espírito de seu tempo, protestantes e católicos. Perseguido também
politicamente, passou por isso a publicar no exterior os demais livros.
Sua obra De cive (Paris, 1642) foi dois anos após a publicação colocada
no Index dos livros proibidos da Igreja Católica. Editou obras latinas em
Amsterdam, inclusive Leviatan (1651), agora traduzida para o latim; foram
também incluídas no Index proibitivo.
Deus existe, diz Hobbes, mas "não compreendemos nada acerca do que
ele é, senão só que existe".
Quanto à revelação, em que acreditam os cristãos, advertiu Hobbes que
não há prova convincente de que Deus tenha falado a alguma outra pessoa,
"a qual (sendo ser humano) pode equivocar-se e (o que é pior), pode
mentir".
Não negando diretamente a revelação e as coisas espirituais, que
antes lhe parecem ser coisas da imaginação, opina que é melhor nada dizer a tal
respeito:
"Ocorre, com os mistérios da nossa religião, o mesmo que com as
pílulas salutares que se empregam nas enfermidades; quando se tragam
inteiramente, têm virtude de curar; porém quando se saboreiam, temos que
atirá-las fora, na maioria dos casos, sem que produza efeito" (Leviatan,
c.32).
Sobre a doutrina, de que Deus ilumina aos que lêem as sagradas
escrituras, põe- na em dúvida
Para o monismo panteísta de Spinoza, Deus é o ser total e perfeito. A
salvação está na filosofia, que leva o homem à consciência do que deve ser.
Em uma visão racionalista, como a de Spinoza, resta sem maior
significação a crença nos profetas, ainda que para aquele antigo tempo fosse a
fórmula adequada em vista da rusticidade mental de então. Hoje só resta fazer
uma interpretação racional da Bíblia pelo método histórico.
64. No mesmo caminho se encontravam os demais deístas, já citados.
Admitindo embora a leitura da Bíblia, a queriam sem milagres, sem ritos e sem a
superstição dos mitos.
O deísmo estabelece que a criação se efetivou de modo a não precisar
concertos, como se fosse defeituosa. Deus a fez suficiente perfeita, de sorte a
não precisar ficando a administrá-la.
66. Certamente, as dificuldades para com a revelação atribuída aos
textos bíblicos não são poucas, para tantos as tenham advertido. Afinal, que
provas haveria em favor da revelação se a documentação bíblica se oferece tão
obscura e afundada na noite dos tempos e da ignorância do homem antigo?
O milagre seria a prova? Mas como se provariam os próprios milagres?
Cada caso é um caso, importando por isso o exame de um primeiro depois seguir
para um segundo, o da revelação. Finalmente, o da revelação iria conduzir ao
Messias, em função do qual, por último, se estabelecerá o cristianismo.
E se se apelara uma autoridade? Mas antes disto também esta autoridade
precisa provar o milagre individual que a instituiu como tal.
Como se percebe, a inspiração divina atribuída aos livros bíblicos tem
condicionantes epistemológicos de difícil resposta por parte dos que os
propõem como inspirados.
Por isso é que um prudente agnosticismo toma conta dos menos
apressados, enquanto outros, os mais otimistas, crêem generosamente, e dizem
mesmo que a fé é uma graça de Deus. Mas, deverão também provar isto!
Finalmente vêm aqueles que asseveram que Deus introduz
dificuldades para induzir os seres humanos ao esforço, porque o esforço em
busca da liberdade é uma virtude. Eis nada mais que hipóteses.
Epistemologicamente, hipóteses não são mais que hipóteses. Também as
hipóteses postulam provas. Mas a fé dos espíritos menos exatos se contenta com
a ilusão das hipóteses.
ART. 4. O
MESSIANISMO ANTES DOS PROFETAS ESCRITORES. 4251y068.
Didaticamente importa uma consideração preliminar generalizada sobre o
conceito de Messias e da função que se lhe atribuía.
I - Nome,
conceito e função do Messias. 4251y071.
72. O Messias, pelo seu conteúdo verbal, significa ungido. Esta palavra
indica o cerimonial sacramental primitivo e oriental, de que o poder vem de
Deus, devendo, em consequência, ser conferido através de uma cerimônia sagrada,
portanto, por um sacerdote.
No hebraico Messias se diz Mashiah.
O nome deriva do verbo mashah, que quer dizer ungir (com óleo), isto é,
consagrar.
Os sinais hebraicos são lidos a partir da direita.
Depois que predominou o uso do aramaico, a forma vulgarizada veio a ser
Me h .
A partir do nome em aramaico se fez a grecização Messias.
Latinização Messias, -ae. A tradução grega de Messias é (=Christós).
Esta tradução se faria fatalmente, porque o grego era a língua erudita do
tempo, e falada em Antioquia (capital da província da Síria, a que pertencia a
Palestina), onde o nome efetivamente surgiu.
Embora o nome de cristão também se pudesse aplicar aos messianistas
judeus, ele veio efetivamente a se fixar, na forma grega, apenas para os que
atribuíam a Jesus a messianidade.
No vocabulário grego se encontram as seguintes formas:
Chrio - c r íw (= ungir).
Christós - c r i o t óV (= ungido).
Chrisma - c r ío m a (= creme, óleo).
Estão ainda nítidas em nossa linguagem do Ocidente, Cristo, crisma,
creme transpostos do grego para todos os idiomas.
Em última instância, tudo deriva da raiz européia ghrei - com o
significado de ungir. No inglês encontra-se, como derivada desta raiz européia
geral a palavra grime, com o sentido atual de sujeira e imundície.
73. Que era exatamente o conceito de Messias para os antigos judeus?
Várias foram as interpretações sobre o que seria o Messias, o qual existia
também na esperança de outros povos da antiguidade, no sentido de que cada um
se julgava eleito e possuía mesmo um deus nacional.
Posteriormente, ao se desenvolver a doutrina sobre os anjos, veio-se a
conceber um anjo protetor para cada nação. Ainda hoje se conserva a imagem do
padroeiro, ou padroeira nacional, de cada país.
O messianismo dos judeus evoluiu a partir de uma noção vaga de proteção
divina deste povo, por isso chamado eleito de Deus, até uma formulação
personalista de chefe salvador, dito Filho do Homem (isto é, ser humano), rei
(chefe com poder), sacerdote ou profeta (com função religiosa).
Quanto ao Messias em si mesmo, apresenta ainda a fase da espera do
Messias e a de sua efetiva vinda.
Esperariam ainda hoje os judeus o Messias? A diversidade ideológica a
este respeito não permite uma resposta simples.
Os cristãos, - inicialmente todos eram judeus, - acreditaram ter vindo
o Messias na pessoa de Jesus, havendo dado a ele uma interpretação
espiritual.
Uns e outros, - judeus e cristãos em geral, - argumentam à base de
textos proféticos vagos, e que, pelo tema, deveriam ser mais contundentes.
Entretanto os cristãos alegam também o fato da vinda do Messias, na pessoa de
Jesus, o qual assim se teria apresentado.
Contra, argumentam terceiros, que o messianismo não passa de uma
crença, cujos fundamentos carecem de validade.
Os negadores da inspiração dos livros sagrados e finalmente do
Messianismo, inclusive do cristianismo, procuram completar a negação,
explicando sociologicamente como foi possível o surgimento de tais convicções.
74. O conceito da origem divina do poder, que gerou a crença no
Messias, foi superado pela filosofia grega e sobretudo pelo antigo Direito
Romano. Este destacou o caráter natural das instituições políticas e
estabeleceu a eleição dos cargos, ou, pelo menos, o reconhecimento tácito pelo
povo.
Mas a influência do cristianismo reformulou, neste particular, o
Direito Romano, de sorte a estabelecer a idéia do Sacro Império, cujo
Imperador, era ungido pelo papa.
A sacralidade do poder civil se pode apreciar em toda a história do
povo hebreu, desde Moisés, chamado por Deus para guiar o povo israelita. É bem
notada na unção do rei Saul, pelo profeta Samuel e assim sempre, no decurso de
sua história.
Inclusive os Imperadores Romanos eram cultuados no Oriente, mais do que
no Ocidente, em vista da mentalidade sacral do poder. Portanto, nem Moisés, nem
qualquer rei ou imperador eram considerados depositários de um poder originário
do povo. Este não elegia, mas obedecia ao ungido de Deus.
75. Enquanto ungido, o Messias não seria necessariamente um Deus. Sua
natureza essencial é a de chefe ungido, por quem de direito o pudesse investir.
Os seguidores de Jesus, tendo-o por Messias, finalmente também o
julgaram Deus. Não obstante, ser ungido chefe e ser Deus eram coisas distintas
no conceito originário de Messias.
76. Qual a função do Messias? O que a palavra significa, e o que
os escritos do Antigo Testamento oferecem, permite estabelecer que o povo Judeu
geralmente entendia o Messias, como personagem excepcional, que teria a
missão de restabelecer o estado social e religioso antes havido.
Como se sabe, a partir de David, rei cerca do ano 1011, e fundador
propriamente dito do reino judeu, tivera a nação cerca de um século de glória,
e que tivera particular destaque sob Salomão (c. 972-929 a . C.), construtor do
templo de Jerusalém.
Para a missão restauradora, o chefe excepcional seria ungido por quem
de direito, o que, para a mentalidade teocrática antiga, significava uma unção
de Deus.
Mais detalhadamente, o ungido haveria de restabelecer a justiça social,
com destaque para os pobres, e a pureza dos rituais religiosos, tendo Jerusalém
por capital, onde todos os povos haveriam de honrar o mesmo Deus.
A justiça social e o destaque para os pobres é peculiar a qualquer
messianismo, pois o povo vencido se considera injustiçado e empobrecido.
Quanto ao restabelecimento do culto, também este, durante a submissão
está penetrado pelas influências da religião do vencedor, que deverá ser
eliminado.
Ainda que os diferentes grupos, quer judeus, quer seguidores de Jesus,
façam reinterpretações do velho conceito messiânico, estas reinterpretações não
se podem fazer legitimamente senão a partir daquele conceito fundamental
de restauração do estado social e religioso do reino judeu.
Por exemplo, os que pretendiam um messianismo temporal, se distinguem
daqueles do espiritual, pela diferença de uma Jerusalém terrestre e uma
Jerusalém celeste.
77. No que concerne a aspectos divergentes das várias modalidades de
messianismo judeu, pode-se reduzir todas elas a duas tendências básicas: a de
acento crescente e a do esvaziamento contínuo.
1) A modalidade messianista que acentuou crescentemente a idéia de
Messias, como um indivíduo eminentemente extraordinário, e que tonou dois
rumos:
a) a que acentuou o aspecto nacional do povo judeu, como se observa nos
fariseus e nos ativistas denominados zelotas;
b) a que acentuou o aspecto universal, entendendo por povo, toda a
humanidade, de que o povo eleito judeu seria a prefiguração preparatória.
Esta outra colocação foi sobretudo a dos essênios e cristãos.
2) A modalidade messianista de esvaziamento contínuo, considerou a
restauração do reino de Judá como uma aspiração em plano meramente
naturalístico, sem maiores intervenções de ordem sobrenatural.
Nesta outra modalidade messianista, o conquistador Ciro, que em 539 a .C. libertou os judeus
do cativeiro babilônico, foi um enviado ou Messias (isto é, Cristo);.
Continuaram a pensar algo semelhante os saduceus, à época do mundo
helênico- romano.
Hoje, mais ou menos nesta forma atenuada, a idéia messiânica subsiste
vagamente no sionismo dos judeus modernos, convictos estes de que, como povo,
terão uma posição especial entre as nações. Portanto, não poderiam os judeus
simplesmente desaparecer na geral miscigenação das etnias.
A interpretação histórico-crítica, que se opõe à validade em si mesma
das idéias messiânicas, tende a reduzir todas as tendências messianistas a uma
infundada ideologia.
II -
Primeiros sinais da crença messiânica. 4251y079.
80. Na alta antiguidade judaica a idéia do Messias como se veio a crer
depois, é quase inexistente, podendo-se todavia perceber uma vaga conceituação
a seu respeito, até porque todos os povos primitivos tendem a se considerar
eleitos.
A idéia do messiânica progride nos textos proféticos, os quais
posteriormente deram oportunidade a interpretações variadas, e que podem ser
equivocadas. Importa, por conseguinte, iniciar com um exame a respeito dos
textos deste Messias vaticinado.
Neste sentido pode-se discutir, objetivamente, o que de fato os
textos significam. E, a seguir, que opiniões messiânicas desenvolveram
posteriormente, com ou sem apoio nos referidos textos, os saduceus, os
fariseus, zelotas, essênios, cristãos do início e cristãos posteriores.
81. Uma dificuldade se oferece quanto à genuinidade dos textos. Se
afinal o Pentateuco resultou de um trabalho coletivo (documentos J.E.D.P.),
tem-se de lê-lo com cautela.
O mesmo se deverá advertir sobre os livros imediatos, inclusive dos
Reis, porque não sabemos exatamente quando se ultimou a última redação dos
mesmos e que passara a ser tomada como definitiva. Mesmo que se atribuam a
Moisés os livros do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números,
Deuteronômio), eles foram redigidos efetivamente pela volta dos séculos 7-o e
6-o. a.C., embora utilizando alguns documentos mais antigos.
Em decorrência os sinais messiânicos atribuídos ao período anterior aos
profetas escritores, poderão ter sido retroprojetados para aquele tempo mais
antigo, por inserção feita pelos autores mais recentes, isto é, do tempo dos
últimos reis de Judá.
Importa esta consideração, para avaliar interpretações messiânicas que
se dêem a acontecimentos anteriores. Tais indicações contidas no Pentateuco
podem refletir, senão o pensamento dos responsáveis pela redação posterior,
quando as idéias messianistas já se encontravam adiantadas e podiam ter um
efeito retroativo sobre o remeximento dos textos mais antigos, como os que se
referem ao paraíso, ao patriarca Jacó, ao rei David.
"E o Senhor disse à serpente, - pois que fizeste isto, és maldita
entre todos os animais e bestas da terra; andarás de rastos sobre o teu peito e
comerás pó todos os dias de tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher entre
a tua posteridade e a posteridade dela. Pisar-te-á ela a cabeça e tu ferirás o
seu calcanhar" (Gênesis3,15).
Não há no texto menção direta a um futuro Messias, porque a
direção da linguagem é a dos personagens do mesmo texto. Mas neste plano já
ocorre uma idéia de salvação, que passará a ser explorada no futuro por
teólogos e exegetas.
A tipologia encontrou uma analogia, fazendo de Adão o tipo de Jesus.
Sendo Adão o Pai de todas as gentes, Jesus é o pai, pela graça ou regeneração
de todos os eleitos do novo reino, o messiânico.
Eva, como a mãe do gênero humano, seria, paralelamente o tipo de Maria,
mãe de Jesus, porquanto esta, por através de seu filho, se tornou a mãe de toda
a salvação.
Finalmente, haveria uma luta entre o bem e o mal, que se exerceu pelos
descendentes de "mulher" e da "serpente". Saindo vitoriosa
a boa descendência.
"Eu farei de ti um grande povo, e te abençoarei e
engrandecerei o teu nome e serás bendito. Abençoarei os que te abençoarem, e
amaldiçoarei os que te amaldiçoarem, e em ti serão benditas todas as nações da
terra" (Gênesis 12.2-3).
Principia então, conforme o texto, um nacionalismo religioso, ainda sem
messias personificado.
Mas quem seriam hoje os descendentes de Abraão? Os judeus, através de
Isaac e Judá? Ou os árabes através de Ismael? Ou os samaritanos, através
dos outros irmãos de Juda?
Se a promessa se transmitiu a Isaac, deste continuou em Jacó. Suponha-se
que ficasse com aquele filho que o pai abençoasse, havendo sido relegado o
irmão Esaú, apesar de mais velho. Por sua vez Jacó relegou também o filho mais
velho, passando a benção a Judá.
As exclusões, - válidas, ou não, - restringiram cada vez mais o grupo
ao qual se atribuiu a função messiânica, de sorte a se estabelecer uma espécie
de nobreza ou aristocracia.
83. Em Judá, a primeira vez o Messias aparece mais ou menos
personificado num homem futuro:
"Judá, teus irmãos te louvarão: a tua mão subjugará as cervizes de
teus inimigos; os filhos de teu pai se prostrarão diante de ti: Judá é ainda
como um leão ainda novo. Tu te levantaste, meu filho, para roubares a presa; e
quando descansavas, estiveste deitado como um leão, e uma leoa: quem se
atreverá a despertá-lo?
O cetro não será tirado de Judá, nem do príncipe de sua descendência,
até que venha aquele que deve ser enviado" (Gênesis 49, 8-10).
Passariam os anos incertos dos "juízes" e só em 1012 David da
tribo de Judá se tornará rei sobre sua tribo e depois sobre todas as restantes.
A profecia começa a cumprir-se?
Mas, tudo foi relatado posteriormente, apesar de o texto ser do
Gênesis. Importa prudência, porquanto poderá ter sido apenas a projeção de um
redator posterior a interpretar o passado.
Ao se dispor a levantar um templo ao Senhor seu Deus, ponderou ao
profeta Natan:
"Tu não vês que eu habito em casa de cedro, enquanto a arca
de Deus está posta debaixo de umas peles?" (2 Samuel, 7, 2).
Ao que respondeu o profeta:
"Vai e faze tudo o que tens no coração, porque o Senhor é
contigo.
Naquela mesma noite o Senhor falou a Natan, contrariando-lhe o
conselho. Vai e dize ao servo David: Eis o que diz o Senhor: Não és tu que me
farás uma casa para habitar" (2 Samuel, 7,3-5).
A disposição de Deus, transmitida pelo profeta Natan ao rei David:
"Quando chegar o fim de teus dias e repousares com os teus pais,
então suscitarei depois de ti a tua posteridade, aquele que sair de tuas
entranhas, e firmarei o seu reino. Ele me construirá um templo, e firmarei para
sempre o seu trono real. Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho.
Se ele cometer alguma falta, castigá-lo-ei com vara de homens, e com
açoites de homens, mas não lhe tirarei minha graça, como a retirei de Saul, a
quem afastei de ti. Tua casa e teu reino estão estabelecidos para sempre diante
de mim, e o teu trono está firme para sempre (2 Samuel, 7; 11-16).
David respondeu com uma oração, em que reaparece o mesmo pensar.
85. Novamente se encontra a idéia de um trono eterno no salmo 88 :
"Encontrei David, meu servo; com o meu santo óleo o ungi"
(88,21).
"Eternamente o guardará a minha misericórdia, e a minha aliança
com ele será estável. E farei que a sua descendência subsista por todos
os séculos, e que seu trono dure tanto quanto os dias do céu" (88,29-30).
"Jurei uma vez (para sempre) pela minha santidade não faltarei a
David. A sua descendência permanecerá eternamente. E o seu trono será como o
sol diante de mim, e como a lua que subsiste para sempre, e (Deus) o testemunho
que está no céu, é fiel" (88,36-38).
86. Ter-se-ia realizado a profecia feita a David sobre a
eternidade do seu reino? Do ponto de vista literal dos textos, ela falhou. Nada
prova hoje haver um descendente de David no trono. Nem sequer se conhece um
descendente destronado, que o possa provar documentalmente.
Teria falido a profecia sobre a perenidade do reino de David? Depois de
dividir-se em dois reinos, ambos vieram a cair, não muito depois, - em 722 a .C., o de Samaria, em 587 a .C., o da Judéia.
Ou bastaria que houvesse o da Judéia sido restabelecido, ainda que em
oportunidades diversas e sem que fosse em nome de um descendente de David?
Ou a profecia fora apenas a nível espiritual?
Na interpretação espiritual dos cristãos, o reino de David ter-se-ia
perpetuado em Jesus de Nazaré. O reino deste, segundo a crença, é dito ser
eterno; e ainda, segundo a mesma crença, este Messias se manifestará num
fim de mundo contundente, oportunidade em que aparecerá sobre as nuvens.
87. Atentos à coerência do messianismo com as promessas ao rei David,
tiveram dois Evangelistas, - Mateus e Lucas, - o cuidado de apresentar uma
genealogia de Jesus, que, partindo dos patriarcas de Israel, passa pela pessoa
de David, e chega à José.
Mateus dá início ao seu Evangelho com a genealogia:
"Livro de genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de
Abraão:
Abraão gerou Isaac; Isaac gerou Jacob; Jacob gerou Judá e seus irmãos,
Judá gerou de Tamar, Farés e Zara. Farés gerou Esrón. Esron gerou Arão. Arão
gerou Aminadab. Aminadab gerou Naasson. Naasson gerou Salmon. Salmon gerou
Booz, de Raab. Boos gerou Obed, de Rute. Obed gerou Gessé.
Gessé gerou o rei David. O rei David gerou Salomão, daquela que fora mulher
de Urias.
Salomão gerou Roboão. Roboão gerou Abias. Abias gerou Asa. Asa gerou
Josafá. Josafá gerou Jorão. Jorão gerou Ozias. Ozias gerou Joatão. Joatão gerou
Acaz. Acaz gerou Ezequias. Ezequias gerou Manassés. Manassés gerou Amon. Amon
gerou Josias. Josias gerou Jeconias e seus irmãos, no cativeiro de Babilônia.
E depois do cativeiro de Babilônia, Jeconias gerou Salatiel. Salatiel
gerou Zorobabel. Zorobabel gerou Abiud. Abiud gerou Eliacim. Eliacim gerou
Azor. Azor gerou Sadoc. Sadoca gerou Aquim. Aquim gerou Eliud. Eliud gerou
Eleazar. Eleazar gerou Matã. Matã gerou Jacó. Jacó gerou José, esposo de Maria,
da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo" (Mt 1, 1-16).
88. Lucas ofereceu a genealogia de Jesus no curso já adiantado do texto
(Lc. 3, 23-28), e pela forma inversa, além de variações sensíveis nos nomes
indicados. Atribuem-se estas variações à indicação de ramos distintos, porém de
antepassados comuns.
Este fato mostra não ser possível ater-se muito a detalhes bíblicos.
Além disto, Lucas recuou a genealogia até Adão, o que certamente incide em
haver omitido muitos nomes.
Eis como se apresenta inicialmente o texto de Lucas:
"Quando Jesus começou o seu ministério, tinha cerca de trinta
anos, e era tido por filho de José, filho de Heli, filho de Matat, filho de
Levi, filho de Melqui, filho de Mané, filho de José, filho de Matatias, filho
de Amós, filho de Naum, filho de Hesli, filho de Nagé, filho de Maat, filho de
Matatias, filho de Semei, filho de José, filho de Judá, filho de Joanã, filho de
Resa, filho de Zorobabel, filho de Salatiel, filho de Neri, filho de Melqui,
filho de Cosã, filho de Helmadão, filho de Her, filho de Jesus, filho de Jorim,
filho de Matat, filho de Levi, filho de Simeão, filho de Judá, filho de José,
filho de Eliacim, filho de Meleia, filho de Mena, filho de Matata, filho de
Natã, filho de David,
filho de Jesé, filho de Obed, filho de Booz, filho de Salmon, filho de
Naason, filho de Aminadab, filho de Arão, filho de Esron, filho de Farés, filho
de Jusá, filho de Jacó, filho de Isaac, filho de Abraão, filho de Taré, filho
de Nacor, filho de Sarug, filho de Ragau, filho de Faleg, filho de Eber, filho
de Salé, filho de Cainã, filho Arfaxad, filho de Sem, filho de Noé, filho de
Lamec, filho de Matusalém, filho de Henoc, filho de Jared, filho de Malaleel,
filho de Cainã, filho de Henós, filho de Set, filho de Adão, filho de
Deus" (Lc 3, 23-38).
89. Na genealogia de Jesus aparecem nomes conhecidos, desde os
patriarcas, passando por David, continuando por vários dos reis, estes até o
cativeiro de Babilônia, e depois ainda por figuras destacadas, até alcançar
José, esposo de Maria.
Na genealogia oferecida por Mateus aparece também Jesus como
descendente da mulher de Urias, a qual David atraíra com encantos.
Maria também teria sido descende de David. Segundo os cristãos
católicos Jesus seria apenas filho adotivo de José. Dever-se-ia então, para
melhor atender ao ponto de vista de vista católico, ter apresentado uma
genealogia materna, que, a partir de Maria fosse através dos reis até David.
Mas esta não a apresentaram os evangelistas.
ART. 5-o. O
MESSIAS DOS PROFETAS ESCRITORES. 4251y090.
91. Depois de David (+972
a . C.) não mais se restringe a linhagem do Messias, que
seria descendente do Santo Rei. O progresso da imagem do Messias passa a se fazer
em torno de sua fisionomia pessoal.
O Messias nascerá na cidade de David, - Belém - ; haverá de sofrer e
esmagar o inimigo; de todas as partes do mundo virão os servidores ofertar-lhe
presentes; Israel ou Sião se fará gloriosa.
Deveu-se aos profetas o desenvolvimento da imagem do Messias. Assim
sendo, importa uma consideração sobre os mesmos profetas, para a seguir
estabelecer mais particularmente o que escreveram sobre o Messias os profetas
escritores.
93. Embora existindo desde sempre em Israel, o profetismo entrou a ter
significação especial sobretudo após os anos 900 a .C., quando
paulatinamente fora declinando o poder civil. Passou então o profetismo a ser
uma instituição paralela ao poder público, emprestando uma nota peculiar ao
novo tempo. Em decorrência também ganhou sua primeira redação a Bíblia (vd 47).
Os profetas posteriores escreveram livros. Em razão deste uso,
passou-se a distinguir na literatura sagrada duas ordens de escritos,
designados a Lei e os Profetas. De futuro, não admitindo os saduceus aos
Profetas como livros sagrados, hão também de rejeitar a nova figura do Messias,
que os profetas haviam desenvolvido.
94. Prometidos. Já antes de haverem aparecido, os profetas foram
prometidos aos judeus ao pé do Monte Sinai, - pelo menos o dizem os textos. Mas
a promessa é insegura de haver efetivamente acontecido, porque os livros do
Pentateuco, onde se encontra a referência, foram elaborados pelos
sacerdotes ao tempo dos profetas escritores.
Na véspera de penetrar na Palestina, Moisés preparou o povo e num dos
seus discursos, declarou:
"O Senhor teu Deus, te suscitará dentre os teus irmãos, um profeta
como eu. É a ele que devereis ouvir.
Foi o que tu mesmo pediste ao Senhor, teu Deus, em Horeb (um dos três
massiços do Sinai), quando lhe disseste no dia da assembléia:
Oh! Não ouça eu mais a voz do Senhor, meu Deus, nem torne a ver mais
esse fogo ardente, para que eu não morra!
E o Senhor disse-me eles falaram bem em tudo. Eu lhes suscitarei
do meio de seus irmãos um profeta semelhante a ti; e porei na sua boca as
minhas palavras, e ele lhe dirá tudo o que eu lhe mandar. Mas o que não quiser
ouvir as palavras que lhe disser em meu nome, eu me vingarei dele. Mas o
profeta que, corrompido pela arrogância, quiser dizer em meu nome o que eu não
lhe mandei dizer, ou falar em nome dos deuses estranhos, será morto"
(Deuteronômio 18,15-20).
Colocada no singular, a expressão "suscitarei um
profeta" não oferece dificuldade, para se entender que os profetas
poderão ser muitos, sucedendo-se como uma instituição, pois em outro se
diz também "suscitarei a vós um rei", e eles foram muitos.
No mesmo texto se contrapõe o mau e o bom profeta, o que induz mais
ainda a idéia de que a expressão profeta se usou no sentido coletivo ou
abstrato. Depois de Moisés muitos foram admitidos como profetas e não um só.
Quem determinaria que um profeta estaria sendo um verdadeiro profeta?
Ou que um Messias seria um verdadeiro Messias?
Um equívoco popular poderia levar, pois, à morte um verdadeiro profeta,
e mesmo a um verdadeiro Messias.
O autor do texto parece haver sentido a dificuldade, porquanto
apresenta o seguinte em sua continuidade:
"Se disseres a ti mesmo: como posso eu distinguir a palavra que
não vem do Senhor? Quando o profeta tiver falado em nome do Senhor, se o que
ele disse não se realizar, é que essa palavra não veio do Senhor. O profeta
falou presunçosamente. Não o temas" (Deuteronômio, 18, 21-22). E se o
profeta vaticina sobre um futuro distante? Se o futuro distante for de um ano,
ficará inatacável por um ano. Se for de um século, ou de vários séculos, pior
ainda.
96. Os profetas comportaram-se como homens extraordinários, que, de
pouco em pouco, estabeleceram a doutrina religiosa e a organização do culto, do
sacerdócio, do povo, e até dos negócios do reino enquanto este persistia.
Foram primeiros grandes profetas, Samuel, Elias, Eliseu.
Nos últimos anos da independência atuam as grandes figuras de Amós,
Isaías, Jeremias.
Durante e depois do exílio surgiram Daniel, Ageu, Zacarias, Jonas,
Malaquias.
Finalmente desapareceram os profetas, talvez porque ninguém mais
conseguiu convencer ao povo que fosse admitido como profeta. Efetivamente cada
tempo se guia por idiossincrasias coletivas.
No lugar dos profetas surgem os intelectuais judeus, que formarão uma
apreciável tradição, que finalmente culminará na criação do Talmud (vd) e na
produção filosófica.
97. Moralismo. Lutaram os profetas pela preservação da lei mosaica, ou
seja, pela identidade judaica, contra qualquer assimilação.
Os cananeus adoravam em Baal o Deus da fecundidade. A deusa Astarte
era, por assim dizer, sua esposa, outra beneficiária das uniões fecundas. Este
culto em geral se fazia nos outeiros sob alguma árvore frondosa ou em templo
ali construído, onde Baal e Astarte eram cultuados pelo concúbito sagrado a que
se dedicavam os jovens.
No fim do reino, - dito pela retórica dos profetas, - a cisão
espiritual fora quase completa. O culto de Javé estava esquecido e a mocidade
afluía em massa aos templos da fecundidade. Daí porque os profetas chamaram de
prostituição à apostasia.
Oséias lembrou-se mesmo de comparar o povo de Israel a uma esposa de
Deus, mas que foi adúltera, por ter esquecido seu verdadeiro Deus, indo-se
prostituir aos ídolos, em reboliço com a massa dançante, ao som da música
orgíaca. Ao mesmo tempo a classe rica, explorando sempre mais os pobres,
dispendia com o luxo.
É este o quadro que o profeta Amós tem diante dos olhos, quando
vitupera, chamando as mulheres ricas de "vacas gordas",
predizendo-lhes que serão deportadas para Nínive, com soldados atrás de si a
cutucá-las de lança em punho.
Amós era um fazendeiro corajoso e independente. Foi dos profetas mais
sinceros, todavia sem resultados concretos.
Simplisticamente, mas ao nível do seu tempo, afirmavam os profetas que
Deus ameaçava com castigos. Como tais eram interpretados os desastres da guerra
e as calamidades da peste, do granizo, dos gafanhotos, das secas, da fome.
98. Três eram os modos pelos quais os campeões do javismo manifestaram
ao povo a vontade do Deus: pela palavra, pelo discurso (pois os profetas foram
essencialmente oradores) e por ações simbólicas.
Originais foram as ações simbólicas, onde as vezes se mostram difíceis
as interpretações, permitindo mesmo o falseamento futuro das mesmas.
Com uma ação simbólica anunciou Aías as cisão das 12 tribos. Tomando o
manto que trazia, dividiu-o em 12 partes, tendo depois convidado Jerobão a
tomar 10 retalhos (3 Reis 11,29-39). Seriam as 10 tribos de Israel, que depois
da morte de Salomão, se separariam de Jerusalém, para formar o novo reino de
Samaria, sob Jeroboão.
A ações simbólicas são de grande interesse para explicar as visões,
pois os profetas diziam receber os comunicados divinos geralmente sob formas
visíveis. As imagens que viam poderiam não ter significado em si, devendo
expressar com mais força uma verdade que o profeta percebia com segurança.
No futuro Apocalipse de João, se fala de trombetas e animais
monstruosos; trata-se de visões de realidades, que hão de vir sem terem
necessariamente a forma que apresentavam na visão, mas no sentido expresso
pelos símbolos.
Por vezes os símbolos dos profetas são enfáticos, outras vezes são
brilhantes. Estes símbolos têm atrás de si a velha tradição bíblica. Mas um dia
eles surgiram a primeira vez, e então poderão ter sido criados como efeitos do
subconsciente, do misticismo, da força da imaginação, do pensamento
antropomorfista, do antropocentrismo.
99. Descreveu o profeta Isaías sua visão admirável de Deus, mas em que
se nota a influência do zoroastrismo persa:
"Vi o Senhor sentado sobre um alto e elevado trono, e as
franjas de seu vestido enchiam o templo. Os serafins estavam por cima do trono;
cada um deles tinha seis asas; com duas cobriam a sua face, e com duas cobriam
os seus pés, e com duas voavam. E chamavam um para outro e diziam: Santo,
Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos, toda a terra está cheia da sua
glória. E estremeceram os umbrais das postas à voz do que clamava, e a casa
encheu-se de fumo" (Isaías 6,1-4).
Deus não é contudo assim, mas se representa deste modo maravilhoso nas
visões dos profetas.
II-
Vaticínios sobre o Messias. 4251y101.
102. Os profetas falam em nome de Deus, mas não são necessariamente
vaticinadores, conforme a semântica futura fez crer. Por sua vez, como
vaticinadores não se referem apenas ao futuro Messias. Os profetas também
vaticinaram calamidades e a destruição de cidades, como de Jerusalém e
Babilônia, bem como acontecimentos escatológicos, notadamente o fim do mundo.
A palavra vate, de onde vaticínio, procede da latina vates, de onde
respectivamente vaticinium, derivando finalmente de velha raiz ítalo-céltica.
Vaticino e vate pertencem portanto à linguagem ocidental, com o sentido
fundamental de adivinho, respectivamente adivinhação. Estendeu-se também vate
ao significado de poeta, porquanto a inspiração era considerada divina.
Profeta é termo derivado do grego, composto do prefixo p r ó (= antes,
em frente, para adiante) e n 0 : \ (= falar), de onde B D @ n Z J 0 l (= profétes), aquele que
fala, enunciando os oráculos dos deuses.
Finalmente, foi o termo profeta utilizado para traduzir o
hebraico nabhi, cujo sentido é orador, arauto.
O carisma profético de maior frequência na predição do futuro consistia
na antevisão de castigos e desastres, geralmente à infidelidade do povo eleito.
103. Os vaticínios sobre o Messias foram menos frequentes, pois a
preocupação do profeta se concentrava na formação moral do povo. Suas predições
messiânicas surgiram como um acabamento, ou cume de sua obra total de profeta.
O reino messiânico por vezes era lembrado pelo profeta apenas quando se
via a necessidade de consolar o povo, oprimido por tantos flagelos e opressões
por parte dos ricos.
Os diferentes aspectos vaticinados por Isaías sobre o Messias são
revelados nas visões geralmente como um Triunfador e Grande Rei a inaugurar uma
época feliz.
Mas não é esquecido também o caráter sofredor do Messias, revelando que
ele salva sofrendo.
Também aqui mostrou-se Isaías um visionário admirável, descrevendo o
Messias como aquele sobre o qual eram postos os pecados, ao modo como os judeus
faziam colocando-os sobre o bode expiatório, depois lançado no deserto.
De outra parte, a imagem do Messias sofredor reflete a Índole das
religiões primitivas, as quais destacam as práticas de purificação e expiação.
A partir do profeta Daniel se desenvolveu ainda vastamente a literatura
escatológica, ou apocalíptica, quase sempre ligada à imagem do Messias. O
mesmo Jesus se referiu à escatologia do juízo final. O cristianismo
escatológico tem seu ponto mais alto no Apocalipse de João.
A visão do profeta vê o quadros sucessivos do futuro, como que
sobrepostos simultaneamente. O profeta vê umas coisas se sucedem às outras, sem
lhes ser dado saber quantos anos vão de permeio. O futuro é visto por eles ao
modo de quem olha para montanhas longínquas, percebendo as sucessões de montes,
sem os vales que estão entre uns e outros.
Vêem os profetas num mesmo quadro a destruição de Jerusalém pelos
Babilônios, a seguir a restauração, e por trás da restauração o fulgor do reino
messiânico, tudo isto sem as distâncias de tempo.
Jesus, ao predizer a segunda destruição de Jerusalém, pelos romanos,
que a tomaram no 70 (quarenta anos após a predição), teria falado ao modo
profético.
Haviam-lhe perguntado os apóstolos Quando será o fim do mundo? E ele
disse, que antes disto seria destruída Jerusalém. E viriam muitas calamidades;
depois disto seria a vez do fim do mundo...
Também disse Jesus que depois de o evangelho ter sido pregado em todo o
mundo virá o fim; mas não o fixou com exatidão.
Duas perspectivas as vezes parecem suceder de imediato, porque a
primeira serve de tipo da segunda.
Por exemplo Jesus descreve o fim do mundo tendo as calamidades de
Jerusalém como uma espécie de ponto de apoio.
Da mesma forma, os profetas falando das calamidades antigas de Israel
passam a ver o julgamento de todos os povos.
Ciro, libertador do cativeiro de Babilônia (538 a .C.), é figurado
pela exegese cristã como o tipo de Messias Salvador.
As vezes a interpretação total da profecia passa a esclarecer-se de
todo só depois de cumprida, segundo a teoria mencionada que distingue o
"tipo" e o futuro.
Não sabemos até que ponto os textos proféticos foram influenciados pela
literatura escatológica (de ficção) que então começava a surgir e crescer até
os tempos cristãos.
105. Outras vezes os profetas têm visões sucessivas de coisa simultânea,
sobretudo ao tratarem da escatologia.
Tal sucede, como se pode mostrar, nos quadros sucessivos do Apocalipse
cristão, escrito por João. A verdade é como que demonstrada em muitos aspectos e
representada em figuras diversas de selos, anjos, trombetas, etc. Não há
sucessões cronológicas no tempo, mas sucessão de quadros.
A literatura escatológica usando o gênero ficcional opera com grande
versatilidade. Não quer o texto necessariamente dizer que tudo aquilo suceda em
épocas diferentes e sucessivas da história.
As visões escatológicas não divide o futuro em épocas a serem
medidas e constatadas depois por cientistas e historiadores.
107. Profecia messiânica de Isaías. Merecem particular atenção algumas
visões dos profetas e que se têm procurado dar como efetivamente messiânicas.
Neste elenco se destacam as visões de Isaías, cuja linguagem tem sido
aproveitada na literatura cristã para descrever a fisionomia de Jesus.
As comparações mais frequentes são como os sacrifícios de animais
como da ovelha e do bode expiatório sobre o qual eram postos os pecados.
"Um menino nasceu para nós, e um filho nos foi dado e foi posto o
principado sobre o seu ombro; e será chamado admirável, conselheiro, Deus,
forte, pai do século futuro, príncipe da paz. O seu império se estenderá cada
vez mais, e a paz não terá fim; sentar-se-á sobre o trono de Davi e sobre o seu
reino, para o firmar e fortalecer pelo direito e pela justiça, desde agora e
para sempre" (Isaías, 9,6-9).
Ali está a imagem que vingou na esperança popular judia, do Messias
futuro, similar ao Deus Mitra, dos persas, nascido como menino Deus. Os
cristãos identificaram o menino com a pessoa de Jesus. A partir dele passaram a
ser atribuídas as mesmas imagens criadas por Isaias a Jesus sem que para isto
haja documentação direta.
Na segunda parte do livro se sucedem ainda com frequência passagens
dadas como messiânicas. Ciro aparece como tipo do Messias, - para os cristãos,
como tipo de Jesus, - e este Messias, - logo também Jesus, - é designado
Servo de Javé.
108. No capítulo 41 se prediz a destruição de Babilônia por Ciro, que
fará justiça e libertará os Judeus. Em paralela vem o capítulo 42, vaticinando
e descrevendo o futuro Messias.
"Eis o meu servo, eu o amparei, o meu escolhido, no qual a minha
alma pôs a minha complacência; sobre ele derramei o meu espírito; ele espalhará
a justiça entre as nações.
(Sendo manso) não chamará, nem fará acepção de pessoas... Fará justiça
conforme a verdade. Não será triste, turbulento, até que estabeleça a justiça
sobre a Terra... Eis o que diz o Senhor... eu sou o Senhor, que te chamei na
justiça, e te toma pela mão, e te conservei, e te pus para seres a
reconciliação do povo, e a luz das nações...
As primeiras coisas (que vos predisse) cumpriram-se; agora anuncio
outras de novo; far-vo-las-ei ouvir, antes que sucedam" (Isaías 42,1-7).
109. No capítulo 49 em
diante Isaías torna a descrever o Servo de Javé e agora em um
novo aspecto. Está protegido por Deus e é a sua glória, mas foi colocado em
suma humilhação e angústia, estado este que lhe valeu a salvação do mundo.
A profecia, que os cristãos interpretam como cumprida pelo sacrifício
redentor da cruz de Jesus e que ninguém melhor teria antevisto do que Isaías,
que todavia não fala em morte na cruz.
Isaías descreveu o Messias tendo como fundo as imagens de seu tempo, em
que o bode expiatório era seviciado e tocado para o deserto.
"Eis que o meu servo procederá com inteligência, será exaltado e
elevado, chegará ao cúmulo da glória. Assim como pasmaram muitos à vista de ti,
assim será sem glória o seu aspecto entre os homens, e a sua figura desprezível
entre os filhos dos homens.
Ele borrifará muitas nações, diante dele reis taparão a boca; porque o
viram aqueles a quem nada tinha sido anunciado a seu respeito; e os que não
tinham ouvido falar dele o contemplarão.
Quem deu crédito ao que nós ouvimos? E a quem foi revelado o braço do
Senhor? E ele subirá como o arbusto diante dele, e como raiz que sai de uma
terra sequiosa; ele não tem beleza, nem formosura, e vimo-lo e não tinha
parecença do que era, e por isso não fizemos caso dele.
Ele era desprezado, o último dos homens, um homem de dores e
experimentado nos sofrimentos; e o seu rosto estava encoberto; era desprezado,
e por isso nenhum caso fizeram dele.
Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas, e ele
mesmo carregou com as nossas dores; e nós o reputamos como um leproso, e como
um homem ferido por Deus e humilhado.
Mas foi ferido por causa das nossas iniquidades, foi despedaçado por
causa dos nossos crimes; o castigo, que nos devia trazer a paz, caiu sobre ele,
e nós fomos sarados com as suas pisaduras. Todos nós andamos desgarrados como
ovelhas; cada um se extraviou por seu caminho; e o Senhor carregou sobre ele a
iniquidade de todos nós.
Foi oferecido, porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; como uma
ovelha que é levada ao matadouro, e como um cordeiro diante do que o tosquia
guardou silêncio e não abriu a sua boca. Ele foi tirado pela angústia e pelo
juízo. Quem contará a sua geração? Porque ele foi cortado da terra dos viventes;
eu o feri por causa da maldade do meu povo.
E (o Senhor) lhe dará os ímpios (convertidos) em recompensa da sua
sepultura, e o rico em recompensa da sua morte, porque ele não cometeu
iniquidade, nem nunca se achou dolo na sua boca.
E o Senhor quis consumi-lo com sofrimentos, mas quando tiver oferecido
a sua vida pelo pecado, verá uma descendência perdurável e a vontade do Senhor
prosperará nas suas mãos. Verá o fruto do que a sua alma trabalhou, e ficará
satisfeito.
Este mesmo justo meu servo (diz o Senhor) justificará muitos com a sua
ciência, e tomará sobre si as suas iniquidades. Por isso eu lhe darei por sorte
uma grande multidão (de nações) e ele distribuirá os despojos dos fortes,
porque entregou a sua vida à morte, e foi posto no número dos malfeitores, e
tomou sobre si os pecados de muitos, intercedeu pelos pecadores" (Isaías
(52,13-53,12).
Os textos de Isaías serão interpretados messianisticamente já pelos
primeiros cristãos como se aprecia na pregação de Filipe (Atos 8,27-38) (vd ).
=
110. As profecias de Jeremias, Ezequiel, Miquéias configuram o Messias,
como a oportunidade quando as 12 tribos voltarão a se reunir.
Jeremias pregou antes e depois da destruição de Jerusalém,
acontecimento que teria anunciado. E assim também se refere à restauração, com
textos considerados por isso mesmo messiânicos. Não se casou. Foi considerado
similar a Jesus, e acreditavam alguns que este fosse Jeremias retornado (Mt 16,
14).
Ezequiel destacou aspectos escatológicos do Messias, e até porque será
um príncipe para todo o sempre.
Mas a figura do Messias vai assumindo novas faces, de acordo com o
momento em que fala o profeta. Este, ora retoma imagens anteriores, ora lhe
acrescenta novas particularidades. Nem em tudo é original, porque já depende de
idéias anteriores.
Miqueas, contemporâneo de Isaías, depois de anunciar a conversão de
todos os povos, afirmou que o local do nascimento do Messias será em Belém:
"E tu Belém, és pequena, mas de ti é que me há de sair aquele que
há de reinar em Israel, e cuja geração é desde o princípio, desde os dias da
eternidade" (Miqueas 5, 1-2).
Finalmente, depois da queda dos reinos de Samaria (Israel) e de
Jerusalém (Judá) o Messias já perde a imagem da continuidade de uma realidade
presente. Cresce em uns profetas a imagem política e nacionalística do Messias,
e assim vai até ao tempo de Jesus. Já então desaparecem os profetas, e o
Messias passa a ser definido entre os judeus pelas tradições rabínicas, ao
mesmo tempo que entre cristãos se desenvolve um novo tipo, identificado em
Jesus.
Imaginam os últimos profetas ao Messias como futuro salvador e príncipe
da paz.
111. O profeta Daniel, no primeiro ano do reinado persa de Dario,
tem em Babilônia uma visão admirável, em que o anjo Gabriel o instrui sobre a
época da vinda do Messias. No seu tempo a profecia foi tomada seriamente e os
contemporâneos esperavam o Messias exatamente no tempo em que Jesus se manifestou
ao público.
Em 49 anos (e semanas de anos) Jerusalém seria reedificada, como de
fato foi, quando saiu o edito do rei da Pérsia. Depois de mais 434 anos (62
semanas de anos), o Messias seria ungido o que teria sucedido realmente no ano
15 de Tibério, ao tempo de João Batista (Lc. 4,18).
No meio de mais uma semana de anos o ungido seria morto, em sacrifício
e deveras Jesus o foi. A soma das semanas dá 70. No texto profético diz-se
apenas "semana" e não "semana de anos" mas os comentários
antigos e modernos concordam em se tratar de semanas de anos, até porque
facilita comprovar a profecia.
"Setenta semanas (de anos) foram decretados sobre o teu povo e a
tua cidade santa, a fim de que a prevaricação se consume, e o pecado tenha o
seu fim, e a iniquidade se apague, e a justiça eterna seja trazida e as visões
e profecias se cumpram, e o Santo dos santos seja ungido.
Sabe, pois, isto e adverte-o bem: Desde a saída da ordem (ou edito)
para Jerusalém ser reedificada, até ao Messias chefe, passarão sete semanas e
sessenta e duas semanas; e serão reedificadas as praças e os muros nos tempos
de angústia. E, depois das sessenta e duas semanas, será morto o Messias, e o
povo que o há de negar, não será mais seu. E um povo com o seu capitão, que há
de vir, destruirá a cidade e o santuário; e o seu fim será uma ruína total, e
depois do fim da guerra, virá a desolação decretada.
E (o Cristo) confirmará com muitos a sua (nova) aliança durante
uma semana; e no meio da semana fará cessar a hóstia e o sacrifício; e a
desolação; e a desolação durará até à consumação e até ao fim (do mundo)"
(Daniel 9,24-27).
112. O profeta Ageu não é menos impressionante. Quando do retorno do
cativeiro, se passava a reconstruir o templo, os que haviam conhecido o
anterior se lamentavam de quanto era inferior ao antigo.
Então o profeta os consolou, afirmando que, embora deficiente, ele
teria uma glória maior, a de nele pisar o Messias:
"Porque isto diz o Senhor dos Exércitos: ainda falta um pouco, e
eu comoverei o céu e a terra, o mar e todo o universo. E abalarei tidas as
nações, e virá o desejado de todas as gentes: e encherei de glória esta
casa" (Ageu 37-8).
113. Malaquias (cerca do ano 430 a .C.) fez progredir a idéia do sacrifício
do Novo Testamento, já bastante clara em Isaías.
Depois de rejeitar os sacrifícios judaicos, conclui Deus, pela boca do
profeta:
"O meu afeto não está em vós, - diz o Senhor dos Exércitos, - nem
eu aceitarei oferenda alguma da vossa mão. Porque, desde o nascer do Sol até o
poente, o meu nome é grande entre as nações, e em todos lugares se sacrifica e
se oferece ao meu nome uma oblação pura; porque o meu nome é grande entre as
nações" (Malaquias 1,10-11).
114. As profecias mostram de como a idéia messiânica quase nula no
primeiros livros chamados a Lei, se foi definindo cada vez mais nos profetas. O
novo conceito era o de que viria um Messias sofredor e vitorioso, nascido de
Israel para o bem de todas as gentes, e o ritual da nova era não seria aquele
dos sacrifícios de carneiros do templo, mas um sacrifício novo.
115. Do ponto vista sistemático, as predições dos profetas, ainda não
se podem considerar cumpridas. Não há provas enfáticas de que Jesus (ou outro)
efetivamente seja o Messias como fora anunciado.
A verificação da predição pressupõe a verificação direta do
acontecimento mesmo. É o que resta apurar a respeito de Jesus.
No que concerne à religião, que nele teve início, ela não atingiu,
mesmo após dois mil anos, a humanidade inteira, e nem é praticada inteiramente
pelos que se denominam cristãos.
A situação atual do cristianismo é estacionária, não revelando progressos
como acontecia no passado. Todavia continuemos a examinar com vistas a ter um
pensamento crítico e não apenas opinativo.
ART. 6-o.
AINDA O MESSIAS NOS SALMOS. 4251y117.
Jesus declarou: "é necessário que se cumpra o que se disse de mim
na Escritura e nos Salmos" (Lc.24,24). Esta declaração, atribuída por
Lucas a Jesus, confirma o reflexo do messianismo na poesia popular.
Ao som da arpa e dos instrumentos acalentava o povo as promessas
antigas. O rei Davi, pelo ano 1000
a .C., organizara um coro permanente a serviço das
cerimônias do templo. Ali se desenvolveram o canto e a poesia.
Conservam-se 150 salmos. Na forma em que agora se encontram,
dificilmente serão tais quais como eram ao tempo de Salomão e Davi, aos quais
foram atribuídos em sua maioria. É possível mesmo que alguns salmos bíblicos
tenham sido assimilações tomadas aos povos vizinhos.
As normas da composição poética dos semitas não eram as mesmas dos
método mais adiantados dos gregos
O essencial da poesia hebraica é o paralelismo. Cada verso compõe-se de
duas partes, uma paralela à outra. A segunda parte se justapõe à primeira por
palavras sinônimas, ou opostas por oposição absoluta, ou a maneira de causa e
efeito. A repetição do pensamento acentua fortemente a cor semítica dos salmos.
119. Salmos messiânicos. Os cristãos consideram Messiânicos os
salmos 2, 15, 109, e com muita frequência ainda os salmos 21, 44, 71.
Outros textos são considerados indiretamente messiânicos, por tratarem
dos "tipos" do Messias ou de assuntos relativos de qualquer forma a
ele.
O fato da messiânidade de uma poesia não se deve procurar apenas no
significado dos termos, mas antes na interpretação do autor, que se conhece
pela interpretação tradicional, judia ou cristã.
Entre o fato de haverem sido considerados messiânicos e a efetiva
messianidade há, todavia, uma grande distância.
120. É apreciável o salmo messiânico, de número 109 (ou Hebr. 110),
atribuído ao rei Davi. Com uma beleza rara, nele o Messias aparece como rei,
sacerdote, dominador universal e eterno.
Não há prova direta de que seja do mesmo Davi. O contexto certamente
diverge, se o admitirmos ou não.
A interpretação messiânica do salmo é confirmada pelo próprio
Jesus. Haviam-no os fariseus experimentado com perguntas melindrosas, como
esta, - se deviam pagar o tributo a César.
A seguir Jesus também os interrogou:
- "Que vos parece de Cristo? De quem é ele filho?
Responderam-lhe:
- De Davi.
Jesus disse-lhes:
- Como pois lhe chama Davi, em espírito, Senhor, dizendo: Disse o
Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que ponho os teus
inimigos como escabelo de teus pés? Se pois Davi o chama Senhor, como é ele seu
filho?
E ninguém lhe podia responder uma só palavra; e daquele dia em diante
não houve mais quem ousasse interrogá-lo" (Mt.22, 42-46).
Apesar da figura que o salmo atribui ao Messias, descreve-o
contudo como um rei cruel, que esmagará a cabeça de muitos e empilhará
cadáveres. A expressão "escabelo de teus pés" atribui ao
Messias o costume oriental, segundo o qual o rei vencedor apoiava os pés sobre
a nuca do vencido.
121. Texto do Salmo 109 (dito messiânico):
I 1. "Oráculo do Senhor ao meu Senhor:
Assenta-te à minha direita,
até que ponha os teus inimigos como escabelo de teus pés.
2. De Sião estenderá o Senhor
o cetro de tua potência:
Domina entre os teus inimigos.
3. Contigo a soberania, no dia do teu nascimento,
dos esplendores da santidade.
Antes da Aurora, como orvalho eu te gerei.
II 4. Jurou o Senhor e não se arrependerá:
Tu és sacerdotes para sempre
Segundo a ordem de Melquisedec.
III 5. O Senhor está à tua direita:
No dia de sua cólera esmagará os reis.
6. Julgará as nações, empilhará cadáveres,
esmagará cabeças de muitos na terra.
Beberá da torrente no caminho
Por isto levantará a cabeça".
No salmo 15 ocorre uma alusão a ressurreição do Messias:
"Não abandonareis a minha alma no cheol. Num permitireis que o
vosso santo veja a corrupção" (SI. 15, 10).
Estas palavras Pedro as citou no discurso de Pentecostes, quando afirma
a ressurreição de Jesus.
122. O salmo 71, atribuído a Salomão, também é considerado messiânico
pela tradição judaica e cristã, em vista de considerar um reino universal.
Destaca as excelências do reino de Salomão, prefigurando nestas glórias
as do Messias.
Importa advertir para os arroubos peculiares à poesia, porquanto assim
não foi o reino de Salomão das 1000 esposas, nem poderá ser o reino do Messias.
Vale certamente o lirismo deste salmo, do qual entretanto muito se tem abusado.
I. 1. Dai, ó Deus, ao rei a vossa equidade,
E ao filho do rei a vossa justiça,
2. Para que governe com justiça o vosso povo,
e com equidade os vossos
pequeninos.
3. Para o povo tragam as montanhas a paz,
e as colinas a justiça.
4. Ele protegerá os humildes do povo,
salvará os filhos dos pobres
e esmagará os opressores.
II. 5. Ele viverá tanto quanto o sol,
E quanto a lua através
das gerações.
6. Descerá como a chuva sobre a relva,
como os aguaceiros que
irrigam a terra. 7. Florescerá em seus dias a justiça,
e uma paz profunda até
que cesse de existir a lua.
III. 8. E dominará de um a outro mar,
E desde o rio
até aos confins da terra.
9. Diante dele se curvarão os seus inimigos,
e morderão o pó os
seus adversários.
10. Os reis de Tarsis e das ilhas lhe oferecerão
presentes;
11. hão de adorá-lo todos os reis,
e servi-lo
todos os povos.
IV. 12. Ele há de livrar o pobre que o invoca,
E o
miserável que não tem defensor.
13. Terá compaixão do fraco e do
indigente,
e
salvará a vida dos desvalidos. 14 Há de livrá-los da injustiça e da
opressão,
e
aos seus olhos será precioso o seu sangue.
V. 15. Por isso viverá; hão de oferecer-lhe o ouro da Arábia;
Por ele
hão de orar sempre; e bendizê-lo sem cessar.
16. Haverá na terra fartura de trigo;
nos
cimos das montanhas hão de sussurrar as mesas
como
no Líbano.
E
florescerão os habitantes das cidade,
Como
a erva dos campos.
17. Para sempre será bendito o seu nome;
e se
perpetuará enquanto brilhar o sol,
e
nele serão benditas todas as raças da terra;
todas as nações hão de proclamá-lo feliz.
18. Bendito o Senhor Deus de Israel,
só
ele opera maravilhas;
19. Bendito o seu nome glorioso
através dos séculos,
de sua glória se encha toda a terra.
Assim seja! Assim seja!"
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