A Luz da
Vida
“Falou-lhes pois Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem Me
segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.” João 8:12.
Ao falar estas palavras, estava Jesus no pátio do templo, especialmente relacionado
com as cerimônias religiosas da festa dos tabernáculos. No centro desse pátio
erguiam-se dois altos pilares sustentando suportes de lâmpadas, de grandes
dimensões. Depois do sacrifício da tarde, acendiam-se todas as lâmpadas, que
derramavam luz sobre Jerusalém. Essa cerimônia comemorava a coluna luminosa que
guiara Israel no deserto, e era também considerada como apontando para a vinda
do Messias. À noitinha, quando se acendiam as lâmpadas, o pátio apresentava uma
cena de grande regozijo. Homens de cabelos brancos, os sacerdotes do templo e
os príncipes do povo, uniam-se em festivas danças ao som dos instrumentos e dos
cantos dos levitas.
Na iluminação de Jerusalém, o povo exprimia sua esperança da vinda do Messias,
para espalhar Sua luz sobre Israel. Para Jesus, porém, tinha a cena mais ampla
significação. Como as irradiantes lâmpadas do templo iluminavam tudo em
derredor, assim Cristo, a fonte da luz espiritual, ilumina as trevas do mundo.
Todavia, o símbolo era imperfeito. Aquela grande luz que Sua própria mão pusera
no céu era uma representação mais fiel da glória de Sua missão.
Era de manhã; o Sol acabava de erguer-se sobre o Monte das Oliveiras, e seus
raios incidiam com ofuscante claridade no mármore dos palácios, fazendo
rebrilhar o ouro das paredes do templo,
quando Jesus, apontando-o, disse: “Eu sou a luz do mundo.” João 8:12.
Muito posteriormente, foram essas palavras repetidas, por alguém que as ouvira,
nesta sublime passagem: “NEle estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a
luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.” “Ali estava a luz
verdadeira, que alumia a todo o homem que vem ao mundo.” João 1:4, 5 e 9. E
muito depois de Cristo haver ascendido ao Céu, Pedro também, escrevendo sob a
iluminação do Espírito divino, evocou o símbolo empregado por Cristo: “E temos
mui firme a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a
uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia esclareça, e a estrela da
alva apareça em vossos corações.” II Ped. 1:19.
Na manifestação de Deus a Seu povo, a luz fora sempre um símbolo de Sua
presença. À ordem da palavra criadora, no princípio, a luz brilhara das trevas.
Estivera velada na coluna de nuvens de dia, e na de fogo à noite, conduzindo os
vastos exércitos de Israel. Resplandecera com terrível majestade em volta do
Senhor, no Monte Sinai. Repousava sobre o propiciatório no tabernáculo. Enchera
o templo de Salomão, ao ser dedicado. Nas colinas de Belém, quando os anjos
trouxeram a mensagem de redenção aos pastores de vigia, brilhara a luz.
Deus é luz; e nas palavras: “Eu sou a luz do mundo”, Cristo declarou Sua
unidade com Deus e Sua relação para com toda a família humana. Fora Ele que, no
princípio, fizera com que “das trevas resplandecesse a luz.” II Cor. 4:6. Ele é
a luz do Sol, e da Lua, e das estrelas. Era Ele a luz espiritual que, em
símbolo e tipo e profecia, brilhara sobre Israel. Mas não somente para a nação
judaica fora dada essa luz. Como os raios solares penetram até aos mais
afastados recantos da Terra, assim a luz do Sol da Justiça resplandece sobre
toda alma.
“Ali estava a luz verdadeira, que alumia a todo o homem que vem ao mundo.” O
mundo tem tido seus grandes ensinadores, homens de cérebro gigantesco e dotados
de admirável capacidade de investigação, homens cujas declarações têm
estimulado o pensamento e aberto à visão vastos campos de conhecimento; e esses
homens têm sido honrados como guias e benfeitores de sua raça. Alguém existe,
porém, que os supera a todos. “A todos quantos O receberam, deu-lhes o poder de
serem feitos filhos de Deus.” “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho
unigênito, que está no seio do Pai, Esse O fez conhecer.” João 1:12 e 18.
Podemos seguir os passos dos grandes homens do mundo até aonde se estende o
registro da história humana; a Luz, porém, existia antes deles. Como a Lua e as
estrelas de nosso sistema solar brilham pelo reflexo da luz do Sol, assim, no
que há de verdadeiro em seus ensinos, refletem os grandes pensadores do mundo
os raios do Sol da Justiça. Toda jóia de pensamento, todo lampejo de intelecto,
provém da luz do mundo. Ouvimos muito, hoje em dia, acerca da “educação
superior”. A verdadeira “educação superior” é a comunicada por Aquele “em quem
estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência”. Col. 2:3. “NEle
estava a vida, e a vida era a luz dos homens.” João 1:4. “Quem Me segue não
andará em trevas”, disse Jesus, “mas terá a luz da vida.”
Com as palavras “Eu sou a luz do mundo” (João 8:12), Jesus Se declarou o
Messias. O velho Simeão, no templo em que Jesus ora ensinava, falara dEle como “Luz
para alumiar as nações, e para glória de Teu povo Israel.” Luc. 2:32. Por essas
palavras, aplicava a Ele uma profecia familiar a todo o Israel. Por intermédio
do profeta Isaías, o Espírito Santo declarara: “Pouco é que sejas o Meu servo,
para restaurares as tribos de Jacó, e tornares a trazer os guardados de Israel;
também Te dei para luz dos gentios, para seres a Minha salvação até à
extremidade da Terra.” Isa. 49:6. Esta profecia era geralmente compreendida como
se referindo ao Messias, e quando Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo”, o povo
não podia deixar de reconhecer que Ele Se declarava o Prometido.
Para os fariseus e principais, essa afirmação afigurava-se arrogante presunção.
Que um homem como eles próprios tivesse essas pretensões, não podiam eles
tolerar. Aparentando passar por alto Suas palavras, perguntaram: “Quem és Tu?”
Intentavam forçá-Lo a declarar-Se o Cristo. Sua aparência e obra estavam em
tanto desacordo com a expectativa do povo que, segundo criam Seus astutos
inimigos, uma declaração positiva de Sua parte como Messias, daria lugar a que
Ele fosse rejeitado como impostor.
Mas à pergunta deles: “Quem és Tu”, Jesus replicou: “Isso mesmo que já desde o
princípio vos disse.” João 8:25 e 26. O que revelara em Suas palavras,
manifestava-se também em Seu caráter. Ele era a personificação das verdades que
ensinava. “Nada faço por Mim mesmo; mas falo como o Pai Me ensinou. E Aquele
que Me enviou está comigo; o Pai não Me tem deixado só, porque Eu faço sempre o
que Lhe agrada.” João 8:28 e 29. Ele não tentou provar Sua messianidade, mas
mostrou Sua unidade com Deus. Se o espírito deles houvesse estado aberto ao
amor divino, teriam recebido a Jesus.
Entre os ouvintes, muitos foram para Ele atraídos com fé, e a estes Jesus
disse: “Se vós permanecerdes na Minha palavra, verdadeiramente sereis Meus
discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8:31 e
32.
Estas palavras ofenderam os fariseus. Passaram por alto a longa sujeição de seu
povo a um jugo estrangeiro, e exclamaram, zangados: “Somos descendência de
Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes Tu: Sereis livres?” João 8:33.
Jesus olhou a esses homens, escravos da malignidade, cujos pensamentos iam após
vinganças, e respondeu com tristeza: “Em verdade, em verdade vos digo que todo
aquele que comete pecado é servo do pecado.” João 8:34. Eles se achavam na pior
espécie de servidão – governados pelo espírito do mal.
Toda alma que recusa entregar-se a Deus, acha-se sob o domínio de outro poder.
Não pertence a si mesma. Pode falar de liberdade, mas está na mais vil
servidão. Não lhe é permitido ver a beleza da verdade, pois sua mente se
encontra sob o poder de Satanás. Enquanto se lisonjeia de seguir os ditames de
seu próprio discernimento, obedece à vontade do príncipe das trevas. Cristo
veio quebrar as algemas da escravidão do pecado para a alma. “Se pois o Filho
vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” “A lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus ” nos
liberta “da lei do pecado e da morte.” Rom. 8:2.
Não há constrangimento na obra da redenção. Não se exerce nenhuma força
externa. Sob a influência do Espírito de Deus, o homem é deixado livre para
escolher a quem há de servir. Na mudança que se opera quando a alma se entrega
a Cristo, há o mais alto senso de liberdade. A expulsão do pecado é ato da
própria alma. Na verdade, não possuímos capacidade para livrar-nos do poder de
Satanás; mas quando desejamos ser libertos do pecado e, em nossa grande
necessidade, clamamos por um poder fora de nós e a nós superior, as faculdades
da alma são revestidas da divina energia do Espírito Santo, e obedecem aos
ditames da vontade no cumprir o querer de Deus.
A única condição em que é possível o libertamento do homem, é tornar-se ele um
com Cristo. “A verdade vos libertará” (João 8:32); e Cristo é a verdade. O
pecado só pode triunfar, enfraquecendo a mente e destruindo a liberdade da
alma. A sujeição a Deus é restauração do próprio ser – da verdadeira glória e
dignidade do homem. A lei divina, à qual somos postos em sujeição, é a “lei da
liberdade”. Tia. 2:12.
Os fariseus haviam declarado ser filhos de Abraão. Jesus lhes disse que essa
pretensão só podia ser assegurada mediante a prática das obras de Abraão. Os
verdadeiros filhos de Abraão viveram, como ele próprio vivera, uma vida de
obediência a Deus.
Não buscariam matar Aquele que estava falando a verdade que Lhe fora dada por
Deus. Conspirando contra Cristo, os rabis não estavam fazendo as obras de
Abraão. Não tinha nenhum valor a simples descendência natural de Abraão. Sem
ter com ele ligação espiritual, a qual se manifestaria em possuir o mesmo
espírito, e fazer as mesmas obras, não eram seus filhos.
Este princípio se relaciona com igual peso a uma questão longamente agitada no
mundo cristão – a da sucessão apostólica. A descendência de Abraão
demonstrava-se não por nome e linhagem, mas pela semelhança de caráter. Assim a
sucessão apostólica não se baseia na transmissão de autoridade eclesiástica,
mas nas relações espirituais. Uma vida influenciada pelo espírito dos
apóstolos, a crença e ensino da verdade por eles ensinada, eis a verdadeira
prova da sucessão apostólica. Isto é que constitui os homens sucessores dos
primeiros mestres do evangelho.
Jesus negou que os judeus fossem filhos de Abraão. Disse: “Vós fazeis as obras
de vosso pai.” Em zombaria, responderam: “Nós não somos nascidos de
prostituição; temos um Pai, que é Deus.” João 8:41. Estas palavras, em alusão
às circunstâncias de Seu nascimento, foram atiradas como uma estocada contra
Cristo, em presença dos que começavam a nEle crer. Jesus não deu ouvidos à
baixa insinuação, mas disse: “Se Deus fosse o vosso Pai, certamente Me
amaríeis, pois que Eu saí, e vim de Deus.” João 8:42.
As obras deles testificavam de suas relações com aquele que era mentiroso e
assassino. “Vós tendes por pai ao diabo”, disse Jesus, “e quereis satisfazer os
desejos de vosso pai: ele foi homicida desde o princípio, não se firmou na
verdade, porque não há verdade nele.… Mas porque Eu vos digo a verdade, não Me
credes.” João 8:44-46. O fato de Jesus falar a verdade, e isso com convicção,
era motivo de não ser recebido pelos chefes judeus. Era a verdade que
escandalizava esses homens cheios de justiça própria. A verdade expunha a
falácia do erro; condenava-lhes o ensino e a prática, e era mal-recebida.
Preferiam fechar os olhos à verdade a humilhar-se e confessar que tinham estado
em erro. Não
amavam a verdade. Não a desejavam, embora fosse a verdade.
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