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terça-feira, 19 de dezembro de 2017

ARTIGOS TEOLÓGICOS 9 - A PASTORAL DA PERIFERIA: O PARADIGMA DA GALILÉIA EM JESUS

A Pastoral Da Periferia: O Paradigma Da Galiléia Em Jesus

Introdução

Esta reflexão quer ser uma pequena contribuição na busca de uma pastoral urbana a partir do agir da Igreja no mundo, modelada em Cristo Jesus, usando para isto o paradigma de Jesus na Galiléia.
Este tema é desafiador porque, dentro de nosso contexto Latino Americano, podemos nos identificar com o paradigma de Jesus na Galiléia, pois a missão de Jesus se desenvolveu na periferia da Galiléia.
Não podemos falar de periferia sem mencionar Orlando Costas, que se orgulhava de fazer parte do povo Latino Americano. Estar na periferia com eles era parte de sua alegria e prazer.  A periferia para ele era mais do que uma localização geográfica, porque ele também a entendia em termos sociológicos. Para ele periferia se refere a pessoas que não possuem voz nem poder em relação à cultura dominante. Costas fala sobre periferia em relação ao ministério de Cristo, e conseqüentemente, em relação à missão da Igreja. Traz o argumento de que a Galiléia é a periferia, o lugar dos marginalizados, e isto confere a Jesus a força e a voz profética para desafiar as estruturas de Jerusalém. A periferia provia Costas não somente de uma metodologia de missões da Igreja, mas também de fundamento para a construção de sua missiologia. Missões, portanto, devem seguir o modelo Galileu da práxis de Jesus.[1][1] É nesta compreensão que iremos desenvolver nosso artigo.
Como a Igreja na América Latina pode articular e praticar uma pastoral urbana a partir da periferia? Como desenvolver uma pastoral da periferia?
O propósito deste trabalho é demonstrar que a pastoral da periferia é o modelo prático de missão urbana, capaz de resgatar a esperança para um povo excluído, capaz de se inserir no seu meio, alcançá-los e levá-los a uma libertação que promova a vida em Cristo a ponto de se tornarem agentes missionários.


I - A Galiléia na época de Jesus

 A Galiléia, na época de Jesus se localizava na região norte da Palestina, que formava, junto com a Peréia, o território administrado por Herodes Antipas (4 aC a 37 dC). Esta região era dominada pela corrupção e pela exploração do povo, e toda esta situação negativa fazia aumentar na população a esperança messiânica de que um Messias iria libertar seu povo da violência deste governo. [1][2] A Palavra Galiléia vem do hebraico Galill, que significa círculo. Isso porque o local físico da Galiléia é realmente um círculo. Isaías a descreve como o círculo dos gentios, rodeados de pagãos. Os galileus formavam um povo que vivia à sombra da morte, que estava sempre sob ameaça de perigo, ou, em outras palavras, um povo que vivia na periferia. Foi na Galiléia que Jesus realizou parte de sua missão.
Seu território retangular tinha cerca de 64 quilômetros de norte ao sul, e cerca de ro? quilômetros de leste a oeste, tendo como fronteira natural, ao leste, o Rio Jordão e o mar da Galiléia, cortado na região próxima do Mediterrâneo pela faixa de terra da Síria-Fenícia que se estia para o sul ao longo da costa[1][3]. Graças à sua posição geográfica, beneficiava-se com as influências de todos os países do mundo, pois grandes rotas de caravanas se dirigiam de Damasco para o Sul (Egito e Arábia). Neste sentido a opção de Jesus pela Galiléia foi  estratégica para o desenvolvimento de sua missão.
Por esta razão a Galiléia estava longe de ser uma região rural e atrasada embora fosse também conhecida pela variedade, fertilidade e beleza de seu território.[1][4] Esta região era favorecida pela criação de rebanhos. Com um clima subtropical e com seus vales cheios de riachos, se beneficiava com o cultivo de frutas. A terra estava concentrada nas mãos de grandes proprietários.[1][5] Mas pela sua mistura com pagãos e dialeto próprio (Mt 26:73) a língua falada era o aramaico galileu. Os galileus eram tidos pelos judeus como ignorantes e violadores da Lei (Jo 7:41; Mc 14:70) [1][6]. A influência dos gentios sobre os judeus se tornou tão intensa que os judeus acabaram sendo empurrados para o sul, onde permaneceram por meio século, e por esse fato a Galiléia teve que se reorganizar  o que, juntamente com diversidade de sua população, contribuiu para que os galileus fossem desprezados pelos judeus do sul.[1][7]

II - A opção de Jesus pela Galiléia  

Traçar o ministério de Jesus na Galiléia é como expor sua condição naquele espaço de tempo, e ainda revelar o cumprimento da promessa: “era desprezado e o mais rejeitado entre os homens...” Is 49:3. Jesus optou pela Galiléia porque Ele se identificou com o seu povo. Podemos dizer que Ele hoje se identifica com o contexto de boa parte do mundo dos dois terços. Galilea um profundo teólogo e pastoralista da América Latina nos faz perceber facilmente como era o estilo de vida de Jesus na Galiléia, e como este estilo se assemelha com esta parte do mundo dizendo:  
"Isto é Nazaré, onde o estilo de vida não foi escolhido por ele nas aplicações concretas, mas lhe foi imposto por seu ambiente: o próprio de um povo sombrio, marginalizado, de operários manuais sem horizontes... Onde a pobreza é a imposta por seu meio, por seus limites, por escassez de todo tipo, pelo tempo de que não se dispõe, pelas incomodidades, pelo que não podemos fazer nem ter".[1][8]
Devemos considerar então que as cidades da Galiléia, como Nazaré, Caná, Cafarnaum, Betsaida e Tiberíades, além do lago da Galiléia, são os cenários mais familiares da vida pública de Jesus. É neste contexto de pastoral da periferia que Jesus começa e desenvolve sua missão, mostrando assim que esta missão será marcada pelo sofrimento e pela justiça e que, apesar destas limitações, sua prática e mensagem efetivarão sua missão que transforma, reconstitui e liberta este povo.
Orlando Costas diz que:
"Somente por ter iniciado na periferia, trabalhando do fundo para a superfície, é que as boas novas do Reino de Deus podem ser vividamente demonstradas e a mensagem de libertação, justiça e paz pode ser anunciada com credibilidade".[1][9]
A citação acima mostra que para se desenvolver uma pastoral urbana modelada em Cristo Jesus devermos começar pela periferia. Esta é uma pista muito interessante para desenvolvermos uma pastoral urbana voltada para a evangelização do fundo para a superfície, de acordo com a cidade e, sem dúvida, isto nos desafia a repensar estratégias e métodos que temos usado.
Fazer opção pela periferia é fazer opção por uma pastoral voltada para o povo excluído e marginalizado, é seguir o exemplo de Jesus.

III – Uma Pastoral da Periferia Encarnada
 O Evangelho é a presença viva de Deus na história. É a narração do fato de que Filho de Deus decidiu descer até nós e assumir a nossa realidade. Isto significa que Cristo assumiu nossa natureza, se fez carne (Jo 1:14). Ele foi anunciado por João Batista como aquele que “é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vós batizará com o Espírito Santo e com fogo.” (Mt 3:11). Este poder, segundo Marcos, já chegou (Mc 1:9-11), veio habitar entre nós. Jesus está presente na Galiléia.
Esta vinda de Jesus é um acontecimento tão tremendo em nossa história que demonstra a misericórdia de Deus para conosco. Sim, o Filho (Verbo - Jo 1:14) veio para ficar, para realizar sua missão. Veio para que pudesse habitar, para que houvesse reconciliação entre Deus e os homens, para que através de sua graça e verdade o homem possa ser dirigido agora por Ele.
Os evangelistas mostram que a encarnação de Jesus se dá como servo e Ele manifestou sua preocupação com a salvação de todos os homens e do homem como um todo. Jesus Cristo é o maior exemplo de servo, "o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos" (Mt 20:28). Ele está encarnado no meio do povo para servir e, por esta razão, não existe pastoral da periferia sem seguimos o Seu exemplo. Na pastoral urbana proposta para América Latina teremos que servir e não sermos servidos, senão o “paradigma de Jesus na Galiléia” não estará encarnado em nossa missão.
Devemos aprender que o fato de Jesus vir como servo faz com que o Filho de Deus viva inserido nas mesmas dificuldades do povo, pois Ele é tentado (Mt 4:1-11; Lc 4:1-13), tem sede (Jo 4:7; 19:28), fome (Mc 11:12; Mt 4:2), se queixa dos discípulos (Mc 7:18), chora (Jo 11:35; Lc 19:41) se indigna de situações (Mc 3:5), fica triste (Mt 26:38), desabafa contra seus opositores (Mc 8:12), fica nervoso com as insinuações de Pedro (Mc 8:33), se cansa (Jo 4:6; Mc 4:37-38). Segundo Leonardo Boff, Jesus participou de todas as dimensões humanas.[1][10] Boff diz ainda:
“Por isso, comentava o bom pastor de almas, que foi o autor da epístola aos hebreus, ele pode compadecer-se de nossas fraquezas, porque em tudo foi tentado à nossa semelhança, exceto no pecado (Hb 4:15)”.[1][11]
A pastoral da periferia de Jesus carrega dentro de si o caminho dos filhos de Deus, ou seja, assim como Ele participou da vida humana, agora seus seguidores se tornam participantes da vida divina, por seu intermédio.
Na pastoral da periferia a encarnação significa: andar com o povo, comer com o povo, acolher, abraçar, chamar para si os possessos e libertá-los, não rejeitá-los e nem julgá-los, e ainda falar a sua língua. Estas características do paradigma de Jesus na Galiléia nos trazem lições tremendas para a ação da igreja no mundo.
Como precisamos desenvolver uma pastoral na qual, assim como Jesus, não ficaremos indiferentes à pobreza, ou mesmo à situação econômica das pessoas, mas estaremos presentes. Jesus tratava todos com amor e chegou a dizer ao jovem rico que queria herdar a vida eterna: "Vai vende o que tens, dá-o aos pobres" (Lc 18:22). Em Lucas 21:1-4, Jesus disse que a oferta, que parecia irrisória, da viúva pobre, que tinha direito a esmolas, é muito maior do que a feita pelos ricos. Assim a encarnação de Jesus é se identificar com todos os pequeninos por  pertencerem à sua classe e, mais interessante, é que não tentou sair dela, pelo contrário trouxe uma nova perspectiva para eles. Este é o objetivo da pastoral urbana: não tirar os marginalizados e desprezados da sociedade, mas dar a eles uma nova oportunidade para que, onde estão, possam ter novas perspectivas de vida.
Por esta razão que a encarnação de Jesus no paradigma da Galiléia é o núcleo central de sua missão. Não se pode fazer missão sem este conteúdo da missão. Caio Fábio faz a seguinte observação a este respeito:
“Deus se fez gente em Jesus de Nazaré e, por essa causa, a humanidade pode tocar e ser tocada pela experiência da graça de Deus, o que, como conseqüência, traz ao ser humano a realidade da salvação.”[1][12]
A encarnação de Cristo foi o primeiro ato para o desenvolvimento de sua missão. Se quisermos desenvolver uma pastoral da periferia eficaz, não temos outra opção senão entendermos a encarnação como um núcleo central de nossa missão urbana. Este é o método utilizado por Jesus para se aproximar dos homens. Descobrimos, então, que o segredo da ação da Igreja no mundo é este: se aproximar do homem urbano.

IV – Uma Pastoral da Periferia com Ensino
 O ensino de Jesus na Galiléia ocupa um lugar muito especial para os evangelistas. Mateus narra que Jesus percorria toda a Galiléia ensinando, em todas as cidades e povoados (Mt 4:23; 9:35). Marcos narra o evangelho da ação e do ensino de Jesus na Galiléia (Mc 1:21-22; 2:13; 4:1). Lucas e João também discorrem sobre o ensino na atividade de Jesus na Galiléia (Lc 4:31-32; Jo 6:59). Os evangelistas não se limitam apenas ao ensinamento de Jesus na periferia da Galiléia, mas destacam que é nesta periferia que o ensinamento de Jesus se torna a sua própria prática. Ao lermos os evangelhos vemos que Jesus ensina a fazer fazendo. Por esta razão, que para o cumprimento de sua missão, vai chamar as pessoas para se associar a Ele, com o propósito de ensinar e enviar.
De uma forma geral todos os evangelistas mostram que os discípulos, ao ouvirem o  chamado de Jesus, abandonam tudo para entrar nesta caminhada incerta, simplesmente porque crêem em Sua mensagem. Os evangelistas nos mostram de forma clara que Jesus depende de pessoas, precisa de colaboradores, e por isto seleciona doze discípulos aos quais, na medida em que vão caminhando, Ele vai ensinando a agir, e assim vão assimilando e aprendendo na prática. Jesus sabia que na “Escola da Vida” o aluno aprende no cotidiano, no aparente sem valor, sem nada de extraordinário. Percorrendo os caminhos da Galiléia, indo em direção a Jerusalém, os evangelistas mostram Jesus tirando vantagens dos fatos  que vão se sucedendo.[1][13] Em outras palavras, Jesus vai ensinar seus discípulos na vida prática da Galiléia, em seu cotidiano, sinalizando para nós que a pastoral da periferia se faz com a aprendizagem prática porque a cada dia se aprende alguma coisa. É por isso que a pastoral da periferia é sempre contextual e dinâmica. Nunca se esgota o aprendizado.
O ensinamento de Jesus baseia-se na obediência de coração. O caminho percorrido por Jesus no cumprimento de sua missão é este dirigido aos seus discípulos, onde eles, sob pressão, eram confrontados pelos opositores. Eram também ensinados e isto os preparava para dar continuidade à sua missão. E  este tipo de preparação exigia, por parte dos discípulos, obediência.
Sem dúvida alguma que o ensino de Jesus, dirigido aos discípulos, não excluiu ninguém e não negligencia as multidões, pelo contrário, os evangelistas  mostram como Jesus cuidava das multidões e, muitas vezes, às suas necessidades eram tão grandes que Ele e seus discípulos não tinham tempo nem para comer (Mc 6:31).
Esta atividade de Jesus como mestre (rabbi), cheio de autoridade, aponta para o descrédito da doutrina oficial, na qual os escribas não tinham autoridade alguma (Mc 7:29) porque suas ações não estavam centradas a favor do homem, ao contrário de Jesus, que coloca seu ensinamento e ação a favor da restauração do Homem. Nas palavras de Airton José da Silva:
“O conteúdo do ensinamento de Jesus não é especificado, mas toda ênfase é colada nas ações de Jesus em favor do Homem (Mc 1:16-45). Esta ação suscita uma reação em que a multidão O procura.”[1][14]
Devemos considerar que essa multidão que O procurava era um povo que vivia na periferia (oprimido e explorado), e essa composição marcada pelo domínio dos homens abre-se para Jesus como uma oportunidade para faz nascer aos poucos, em sua caminhada, uma nova vida, onde as relações são novas, de fraternidade, partilha e perdão. E estas relações não podem apenas ser ensinadas e aprendidas, elas têm que ser vivenciadas.[1][15] Este modo de ensinar e agir vai gerar muitos conflitos em sua missão, com este sistema de convivência social que controla, domina e aliena as pessoas.
Todo o movimento de Jesus na Galiléia estava cheio de elementos pedagógicos, assim como vimos anteriormente que a sua inserção na Galiléia tinha como objetivo se identificar com os anseios e esperanças do seu povo. Jesus também usou as curas e os milagres como uma ferramenta pedagógica[1][16], como se fossem parábolas da vida real. Ele comunicava verdades importantes através de seus milagres e ainda com suas lutas e vitórias contra os demônios dava sinais evidentes de que o reino de Deus tinha chegado. A ponto de o primeiro agente missionário comissionado por Jesus, fora os doze discípulos, ter sido um endemoninhado gerasseno (Mc 5:1-20) que, depois de sua libertação, foi enviado a compartilhar tudo que o Senhor lhe tivera feito com a sua família e a sua cidade. Estas ações de Jesus transformam o dominado (oprimido) em um homem livre, e esta liberdade faz dele um agente de libertação para muitas outras pessoas simples que o cercam, e ensina como o Reino de Deus está acessível a todos que vivem na periferia. E a este respeito bem escreveu Euclides Martins:
“Jesus quebra a ideologia daqueles que pensam que são os únicos que sabem e que podem determinar o que se pode e o que se não pode fazer. Jesus desbloqueia o acesso ao Reino e diz que ele não está reservado aos “sábios e inteligentes”. Jesus ensinou que o povo pertence unicamente a Deus, e nenhuma autoridade tem o direito de querer ser dona do povo (Mc 12:1-17)”.[1][17]
Desta forma a força pedagógica de Jesus na Galiléia, diante dos acontecimentos e elementos variados, nos mostra que podemos encontrar o caminho do ensino para nossa pastoral da periferia e inserirmos em nosso meio este mesmo processo de libertação e redenção do qual Jesus foi Mestre.

V - Uma Pastoral da Periferia com Oposição

  Jesus percorrendo os caminhos da Galiléia, em busca de realizar sua missão, encontra pela frente forças que se opõem as suas atuações. Assim também em nossa Galiléia existem perigos e tentações. É necessário, porém, sermos realistas e fazer uma leitura séria da missão de Jesus, e observamos que as mesmas oposições presentes na Galiléia, sejam elas religiosas ou não, também encontraremos sempre que quisermos desenvolver uma pastoral de periferia.

Por outro lado, esta realidade também nos desafia a enfrentar todas as controvérsias e, diante dos conflitos, quando muitos pensam em desistir, devemos olhar para Jesus, que nunca negou sua missão. Pelo contrário, enfrentou todos seus opositores.  
Lucas e Marcos mostram Jesus em movimento na Galiléia e, a partir de um momento, coloca uma mudança de ambiente, quando Jesus sai da Galiléia a caminho de Jerusalém, onde será preso e morto. Em todo seu caminho Jesus rompe com o sistema imposto pela classe dominante, sua principal adversária.
Só o fato de fazer parte da periferia já é o suficiente para encontrarmos adversários. Ainda mais quando se tem uma missão. A missão de Jesus é marcada por obstáculos (Lc 8:5-8), e mesmo os discípulos podem cair na armadilha dos adversários de Jesus ou do “Adversário” (Mc 8:33 e Lc 22:3-6).[1][18] Seus adversários são os escribas, fariseus e herodianos. Todos eles controlavam o sistema de convivência social e ideológico que domina as pessoas e as alienas. Através deles o Adversário, Satanás, manifesta-se.
O evangelista Marcos mostra que para os adversários a pureza se obtinha através dos ritos e não do amor (Mc 7:1-23). Por esta razão vivem espionando Jesus para denunciá-lo e desmoralizá-lo (Mc 2:6-7,16,18, 24; 7:1-5 e 8:11), e assim se afastam de Jesus e trabalham para afastar dele as multidões. Por isto a ação de Jesus é encarada como subversiva. Airton José da Silva faz o seguinte comentário a este respeito:
“A ação de Jesus em defesa da vida é sistematicamente apresentada como subversiva dos esquemas judaicos, pois sempre coloca o homem acima da Lei e, freqüentemente, contra a Lei. A  preocupação de Jesus é com a vida do homem e com as necessidades reais das pessoas, contrariando, por isso, as ambições de poder e riqueza dos  “donos” do povo”.[1][19]     
Airton completa sua idéia dizendo que é importante compreender que a narrativa de Marcos sobre os conflitos de Jesus com a ideologia judaica, principalmente legalista farisaica, refaz também os conflitos de sua comunidade romana entre os cristãos de origem gentílica e os cristãos de origem judaica com tendências legalistas.[1][20] Desta forma, os adversários de Jesus continuam na igreja primitiva e com certeza ainda hoje estão presentes em nossas cidades. Assim como provocaram a estratégia de causar mal a Jesus, que culmina na decisão de eliminá-lo (Mt 12:9), continuam com a mesma estratégia: desviar-nos do caminho proposto por Jesus.
Jesus foi capaz de confrontar o sistema religioso porque ele era mais opressor e explorador do que o sistema político. Os próprios judeus de classe média, que se revoltavam contra Roma, oprimiam os pobres e os ignorantes. O povo sofria mais devido à opressão dos escribas, fariseus, saduceus e zelotas do que por causa dos romanos. O protesto por parte da classe religiosa contra os romanos era hipócrita. É esse o ponto principal da resposta que Jesus dá aos fariseus e herodianos sobre a questão de pagar impostos a César. A resposta de Jesus revela que seus adversários são hipócritas e a falta de sinceridade na pergunta revela que o verdadeiro sentido é a sede de dinheiro.[1][21]  
Lutar pela vida foi a forma que Jesus enfrentou seus adversários na Galiléia. Temos que convir que  a igreja latino-americana enfrenta muitas oposições, e a luta pela vida supera as previsões humanas, preserva a vida e supera as forças destrutivas do nosso adversário.

 

Conclusão

 “Jesus percorria toda a Galiléia” Mt 4:23. Este verso pode resumir toda a nossa reflexão. Podemos dizer ainda que a pastoral da periferia é mais que um método ou uma opção de missão, é parte da missão da igreja. Faz parte de uma caminhada onde não se pode parar, pois há que se percorrer toda Galiléia. Tem que estar acessível a todos, não pode excluir ninguém, pelo contrário, tem que se inserir, ou melhor, se encarnar neste paradigma, pois assim pode trazer libertação, transformação e edificação. Ela se torna a ação da igreja no mundo.

A reflexão foi colocada. A ação depende de nós. Minha oração é que Deus nos abra os olhos para uma pastoral da periferia que gere vida.

 
Bibliografia

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Ricardo Martins Matioli

  

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