A PERSPECTIVA MISSIONÁRIA DE PAULO
I - Introdução
A vida de Paulo é uma riqueza sem fim. Para
qualquer aspecto do ministério dele, que focalizarmos nosso olhar, não faltará
material de pesquisa, seja para estudá-lo como teólogo, escritor, pastor e
mestre, ou missionário. Embora para este último caso não exista, ainda, um bom
acervo sobre a missiologia de Paulo, principalmente em português. É lamentável,
porque Paulo, o missionário é, com certeza, uma das facetas mais importantes do
apóstolo. Não encontrei, em língua portuguesa, um livro sequer com o título de
Paulo, o missionário. Em inglês existe apenas (até onde temos conhecimento) o
livro Paul the missionary, de William M. Taylor, publicado pela Harper &
Brothers Publishers em 1902. É verdade que existem livros e artigos, tanto em
português quanto em inglês (alguns deles são citados neste ensaio
bíblico-teológico), que tratam da obra missionária de Paulo como um todo,
porém, somente o livro de Taylor traz em sua capa um título específico. Neste
meu estudo veremos como a teologia de Paulo subsidiava a sua missão e
vice-versa. Mas qual era a natureza dessa teologia? Como era feita? Como o
apóstolo entendia a dinâmica de sua missão no contexto de seu ministério
apostólico? Além disso, quais eram as verdadeiras motivações missionárias dele?
Eram tão somente teológicas, apocalípticas e escatológicas ou envolviam mais
alguma coisa? E quanto à estratégia de trabalho, o apóstolo possuía alguma?
Qual? Enfim, qual era a perspectiva missionária de Paulo?
A estas e outras perguntas tentaremos
responder no decorrer deste estudo.
II - Estudo Gramatical
A palavra "missionário" não aparece
na Bíblia. O termo equivalente no Novo Testamento é "apóstolo".
Entretanto, não existe unanimidade entre os estudiosos quanto ao uso de
apóstolos como sinônimo para "missionário". Everett Harrison (In
EHTIC, 1988, p. 104), por exemplo, observa que não há justificativa para fazer
de "apóstolo" o equivalente de missionário. Johannes Blaw (A Natureza
Missionária da Igreja, 1966, pp. 77,8), por sua vez, reconhece que
originalmente os termos "apóstolo" e "missionário" não eram
sinônimos, mas depois houve uma mudança. Diz ele:
Antes de mais nada deve ficar
entendido que a palavra "apóstolo", na sua origem e significação, não
é sinônima de "missionário", no sentido comumente atribuído a este
último termo. (...). Só depois da ressurreição (de Cristo) o título
"apóstolo" toma a conotação especial de "missionário", de
enviado às partes extremas da terra.
Concordamos com Blaw e, principalmente, com
Timóteo Carriker (Missões na Bíblia, 1992, p. 120), por afirmar: O termo
missionário vem do latim, que, por sua vez, traduz a palavra grega apostolos, a
qual significa o enviado (1).
2.1 O significado amplo de apóstolos
a. No grego clássico
No grego clássico, o substantivo apóstolos aparece pela primeira vez na linguagem marítima, significando um navio de carga ou a frota enviada. Mais tarde passou a designar o comandante de uma expedição naval e também um grupo de colonizadores enviados para além-mar. Nos papiros podia designar uma fatura, ou mesmo um passaporte. Somente em duas passagens em Heródoto é que apóstolos significa um enviado ou emissário como pessoa individual. Os termos comuns são aggelos (mensageiro) ou keryx (arauto). O historiador Flávio Josefo usou apóstolos ao tratar de um grupo de judeus enviados para Roma (Ant. In NDTNT, p. 234).
Todos os empregos de apóstolos no grego
clássico têm duas idéias em comum. 1) Uma comissão expressa e 2) Ser enviado
para além-mar. Assim, conforme lembram Eicken e Lindner, o sentido da raiz, no
caso do substantivo, é estreitado na sua definição (In DITNT, 1984, p. 234).
Acredita-se (2) que foi somente mais tarde,
nos círculos gnósticos, que o termo apóstolos passou a transmitir o conceito
oriental de emissários como mediadores da revelação de Deus. No gnosticismo o
termo em questão podia ser empregado no singular (apóstolos) para se referir a
um salvador celestial, ou no plural (apostoloi), para representar certo número
de pessoas "salvadoras" ou "espirituais" (EICKEN &
LINDNER, In DITNT, 1984, pp. 234,5).
b. Na LXX
Na Septuaginta (LXX), a versão grega do Antigo Testamento hebraico, o termo "apóstolo" não era usado no sentido técnico de designar alguém para um ofício "missiológico", mas sim, uma nomeação para se cumprir qualquer função ou tarefa que normalmente se definia com clareza. Isto explica, de certa forma, porque o verbo apostélloo e não o substantivo apóstolos é empregado quase que exclusivamente no AT. O verbo apostélloo não se encontra no Antigo Testamento no sentido de "ser enviado" para fazer missões, conforme aparece no Novo Testamento. O judaísmo não conhece missões no sentido de oficialmente enviar missionários (Eicken e Lindner, In DITNT, 1984, p. 235). Isto não quer dizer que a Bíblia deixe de reconhecer a idéia de missões no Antigo Testamento. O que ocorre é que existe entre o AT e o NT, no que concerne à obra missionária, uma diferença de grau e ênfase, mas não de essência ou natureza da missão (3).
b. No Novo Testamento
Ao contrário da LXX, no Novo Testamento o substantivo apóstolos recebe uma ênfase toda especial. Aparece 6 vezes em Lucas, 28 em Atos, 34 em Paulo, uma vez em Hebreus, 3 vezes em Pedro, uma vez em Judas, 3 vezes em Apocalipse. Mateus, Marcos e João empregam a palavra uma vez cada em seus respectivos evangelhos. No NT, um apóstolo (no sentido técnico como o termo era usado, isto é, um enviado de Deus para anunciar as boas novas de salvação) era alguém que não só tinha visto o Senhor ressuscitado, mas que devia ser capaz de afirmar, fundamentando a sua afirmação, que havia sido chamado e designado de modo especial, diretamente pelo próprio Senhor, para ser apóstolo.
2.2. O significado restrito (4) de
apóstolos
a. "apóstolos" em Paulo
Para Paulo, a vocação e comissão para o apostolado não eram através dos homens, "mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai" (Gl 1.1 cf. Rm 1.5; 1 Co 1.1; 2 Co 1.1). Tal comissão veio através de um encontro com o Senhor ressurreto (1 Co 15.7; Cl 1.16), que pessoalmente entregou a ele a mensagem do evangelho (1 Co 11.23; 2 Co 4.6; Gl 1.12). O apóstolo pregou o evangelho a homens e mulheres como "embaixador" de Cristo (2 Co 5.20), não por capacidade inata do seu ser (2 Co 3.5), mas pela livre graça de Deus (1 Co 15.9,10; Ef 3.8).
Não fica claro em Paulo a quem ele
considerava apóstolo. É evidente que ele se incluía no número deles, conforme
afirma catorze vezes em suas epístolas. Pertenciam também ao grupo de
apóstolos, na opinião de Paulo, Pedro (Gl 1.18,19), Júnias, Andrônico (Rm 16.7)
e Barnabé (Gl 2.1,9,13). Alguns estudiosos, como D. Muller (In DITNT, 1984, p.
237), questionam se Paulo considerava Tiago, irmão do Senhor, como sendo
apóstolo, argumentando que a expressão ei me ("senão") de Gálatas
1.19 é ambígua. Entretanto, Harrison (In EHTIC, 1988, p. 104) esclarece que:
A explicação mais natural de Gl 1.19 é
que Paulo está esclarecendo que Tiago, o irmão do Senhor, é um apóstolo, de
conformidade com o reconhecimento que recebia da igreja de Jerusalém. Em
harmonia com isto, em I Co 15.5-8, onde Tiago é mencionado, todos os demais são
apóstolos.
Curiosamente Paulo nunca aplica o título de
apóstolo aos Doze como grupo específico. Segundo D. Muller (In DITNT, 1994, p.
237),
não podemos ter certeza de que as
características que Paulo atribuía aos apóstolos são necessariamente aplicáveis
ao apóstolo do NT propriamente dito, ou se Paulo considerava que os Doze fossem
apóstolos, e qual era o número dos apóstolos nos dias de Paulo.
É evidente que no conceito amplo que Paulo
tinha do termo apóstolo, os Doze certamente estavam incluídos. Pelo menos em
duas epístolas suas Paulo lança luz sobre esta questão. Em 1 Coríntios 15.5,7
ele diz: E apareceu a Cefas, e, depois, aos doze. Depois foi visto por
Tiago, mais tarde por todos os apóstolos (grifo nosso). E em Gálatas
1.18,19: Decorridos três anos, então subi a Jerusalém para avistar-me com
Cefas, e permaneci com ele quinze dias; e não vi outro dos apóstolos, senão
a Tiago, o irmão do Senhor (grifo nosso).
b. Paulo como apóstolo
Os aspectos distintos do apostolado de Paulo
foram a nomeação direta dele por Cristo (GI 1.1) e a designação feita a ele do
mundo gentio como sua esfera de trabalho (At 26.17,18; Rm 1.5; Gl 1.16; 2.8).
Seu apostolado foi reconhecido pelas autoridades em Jerusalém, de conformidade
com sua própria reivindicação no sentido de ser classificado em pé de igualdade
com os primeiros apóstolos. Apesar disso, nunca afirmou ser membro do grupo dos
Doze (1 Co 15. 11), pelo contrário, mantinha-se independente. Era capacitado
para dar testemunho da ressurreição porque a sua chamada viera do Cristo
ressurreto (At 26.16-18; 1 Co 9.1). Paulo considerava seu apostolado uma
demonstração da graça divina, bem como uma chamada à labuta sacrificial, ao
invés de uma oportunidade para se vangloriar (1 Co 15.10). Não dava nenhuma
sugestão de que a posição especial de apóstolo o exaltasse acima da Igreja e
que o distinguisse dos demais que tinham dons espirituais (Rm 1.11, 12; 1 Co
12.25-28; Ef 4.11). Sua autoridade não se derivava de alguma qualidade especial
nele (1 Co 3.5), mas do próprio evangelho, na sua verdade e no seu poder para
convencer (Rm 1.16; 15.18; 2 Co 4.2). Além disso, o chamado e missão de Paulo
estavam tão ligados à sua vida, a ponto do apóstolo designar o evangelho de
"meu evangelho" (Rm 2.16; 16.25; 2 Tm 2.8). Mas mesmo assim,
procurava deixar claro quando estava dando a sua própria opinião (Cf. 1 Co
7.10-12).
Se quisermos um quadro completo do que o Novo
Testamento entende por missão e evangelismo, basta observarmos o relato do
apóstolo Paulo sobre a natureza de seu próprio ministério de evangelização (5).
III - Análise Histórica
3.1. A pessoa de Paulo
O divisor de águas na vida de Paulo foi o seu
encontro com Jesus no caminho de Damasco. A vida do apóstolo, portanto, pode
ser dividia em antes e depois de sua conversão.
a. Seu passado
Antes da sua conversão, Paulo era um judeu
comprometido e zeloso com suas tradições. O orgulho de Paulo com a sua herança
judaica (Rm 3.1,2; 9.1-5; 2 Co 2.22; Gl 1.13,14 e Fp 3.4-6) o levou a perseguir
a comunidade cristã (Gl 1.13; Fp 3.6; 1 Co 15.8; v.t. At 8.1-3; 9.1-30).
Desde seu nascimento, por volta de 30 A.D.,
até seu aparecimento em Jerusalém como perseguidor dos cristãos, há pouca
informação sobre a vida de Paulo. Sabe-se pelo testemunho dele mesmo que era da
tribo de Benjamim e zeloso membro do partido dos fariseus (Rm 11.1; Fp 3.5; At
23.6). Era cidadão romano (At 16.37; 21.39; 22.25-28). Nasceu em Tarso, uma
importante cidade localizada na Cilícia, na costa oriental do Mediterrâneo, a
norte de Chipre e um notável centro de cultura e intelectualidade grega.
Estudiosos, como E. E. Ellis (In NDB, 1986,
p. 1217), supõem que Paulo se tornou familiarizado com diversas filosofias
gregas e cultos religiosos durante sua juventude em Tarso. Entretanto, Atos
22.3 parece indicar que Paulo apenas nasceu em Tarso e foi educado em
Jerusalém. Eu sou judeu, nasci em tarso da Cilícia, mas criei-me nesta
cidade e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei
de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois
no dia de hoje (grifo nosso).
Ainda jovem, Paulo recebeu autoridade oficial
para dirigir uma perseguição contra os cristãos, na qualidade de membro de uma
sinagoga ou concílio do sinédrio, conforme ele mesmo descreve em Atos 26.10 (e
assim procedi em Jerusalém. Havendo eu recebido autorização dos principais
sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e contra estes dava o meu
voto, quando os matavam) e Atos 26.12 (Com estes intuitos, parti para Damasco,
levando autorização dos principais sacerdotes e por eles comissionado).
À luz da educação e preeminência precoce de
Paulo (cf. At 7.58; Gl 1.14), supomos que sua família desfrutava de alguma
posição político-social. O acesso do sobrinho de Paulo entre os líderes de
Jerusalém (At 23.16,20) parece favorecer essa suposição.
b. Sua conversão
Apesar de não existir evidências bíblicas de
que Paulo conheceu Jesus durante Seu ministério terreno, seus parentes crentes
(cf. Rm 16.7) e sua experiência com o martírio de Estêvão (At 8.1) devem ter
produzido algum impacto sobre ele. A pergunta, e principalmente a afirmação de
Cristo ressurreto, conforme registrada em Atos 26.14, dá a entender isso. E,
caindo todos nós por terra, discursa Paulo perante o rei Agripa, ouvi uma voz
que me falava em língua hebraica: Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura
coisa é recalcitrares contra os agrilhões.
O Dr. Timóteo Carriker nos faz uma breve mas
não menos importante observação quanto à conversão de Paulo. Diz ele:
A conversão de Paulo não era resultado
de grandes sentimentos de culpa pelo pecado, como tipificado na tradição
luterana. Alguns (como K. Stendahl) até preferem falar dum
"chamamento" em vez de conversão, e observam que Paulo mesmo prefere
esse primeiro termo. Dizem que Paulo não "mudou de religião", de
judeu para cristão, mas que permaneceu judeu, qualificando sua fé como a de um
judeu cristão (Missão Integral, 1992, p. 226).
Apesar desta observação, o próprio Carriker
admite que ainda prefere usar o termo "conversão" para descrever o
encontro de Paulo com Jesus, pois obviamente ele revisou radicalmente sua
percepção sobre Jesus. Embora ele não tenha abandonado todos os elementos do
judaísmo, alguns pontos fundamentais foram completamente reformulados. E ainda:
A sua experiência de conversão
provocou uma revisão radical no seu estilo de vida e na sua visão do mundo.
Passou de principal perseguidor a principal protagonista do movimento cristão
primitivo; de "zeloso pelas tradições dos nossos pais" a
"apóstolo dos gentios" (Missão Integral, 1992, p. 226).
Estou de pleno acordo com o autor.
Vale lembrar, ainda, que os três relatos da
conversão de Paulo (Atos 9, 22 e 26) são importantes não somente pelo
significado da sua conversão propriamente dita, mas também pela importância de
se entender a pessoa de Paulo acerca de sua união com Cristo e de seu
ministério entre os gentios.
c. Seu ministério
A partir do encontro com Jesus no caminho de
Damasco, Paulo passaria de perseguidor a perseguido; de causador de sofrimentos
a sofredor.
O Senhor resumiria, ao relutante Ananias, o
árduo ministério de Paulo nesses termos: Vai, porque este é para mim um
instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como
perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer
pelo meu nome [At 9.15, 16] (grifo nosso).
À parte de um intervalo no deserto da
Transjordânia, Paulo passou os três primeiros anos de seu ministério pregando
em Damasco (At 9.19; Gl 1.17). Pressionado pelos judeus de Damasco, o apóstolo
fugiu para Jerusalém, onde Barnabé o apresentou aos irmãos duvidosos de sua
conversão (At 9.26-28). Seu ministério em Jerusalém dificilmente durou duas
semanas, pois novamente os judeus procuravam matá-lo (At 9.29). Para evitá-los,
Paulo retornou à cidade de seu nascimento (At 9.30), passando ali um
"período de silêncio" de cerca de dez anos. Certamente este período é
silencioso apenas para nós, pois Barnabé, ouvindo falar de sua obra e
relembrando seu primeiro encontro com o apóstolo, solicitou a este que fosse
para Antioquia da Síria ajudá-lo numa florescente missão entre os gentios (At
11.19-26). De Antioquia, Paulo e Barnabé foram enviados para socorrer os irmãos
pobres da Judéia (At 11.29,30). Os dois permaneceriam juntos até a primeira
viagem missionária.
3.2. O mundo no tempo de Paulo
No tempo de Paulo três povos contribuíram
significativamente para a expansão do mundo de então, e em especial para a
propagação do evangelho, a saber: os romanos, os gregos e os judeus.
a. O domínio romano
Uma das grandes contribuições de Roma nos
tempos bíblicos foi a Pax Romana. As guerras entre as nações tornaram-se quase
impossíveis sob a égide daquele poderoso império. Esta paz entre as nações
favoreceu extraordinariamente a proclamação do evangelho entre os povos. Além
disso, a administração romana tornou fácil e segura as viagens e comunicação
entre as diferentes partes do mundo. Os piratas foram varridos dos mares e as
esplêndidas estradas romanas davam acesso a todas as partes do império. Essas
estradas notáveis realizaram naquela civilização o mesmo papel das nossas
estradas de rodagem e estradas de ferro da atualidade. E elas eram tão bem
vigiadas que os ladrões desistiam de seus assaltos. De modo que as viagens e o
intercâmbio comercial tiveram um amplo desenvolvimento. NICHOLS comenta:
É provável que durante os primeiros
tempos do Cristianismo o povo se locomovia de uma cidade para outra ou de um
país para outro, muito mais do que em qualquer outra época, exceto depois da
Idade Média. Os que sabem como as atuais facilidades de transporte têm
auxiliado o trabalho missionário, podem compreender o que significava esse
estado de coisas para a implantação do Cristianismo (História da Igreja Cristã,
1985, p. 7).
Seria praticamente impossível ao apóstolo
Paulo, e a outros de seu tempo, espalhar o evangelho mundo afora como o fizeram
sem essa liberdade e facilidade de trânsito possibilitadas pelo império romano.
b. A influência grega
Era típico do império romano não influenciar
na cultura dos povos conquistados, por isso, no início da era cristã os povos
que habitavam as regiões do Mediterrâneo já haviam sido profundamente
influenciados pelo espírito do povo grego. Colônias gregas, algumas das quais
com centenas de anos, foram amplamente disseminadas ao longo da costa do
Mediterrâneo. Com seu comércio os gregos foram em toda parte. A influência
deles espalhou-se e foi mais acentuada nas cidades e países onde se
estabeleciam os mais importantes centros do mundo de então. A influência dos
gregos foi tão poderosa que o período do domínio romano foi corretamente
denominado de greco-romano. Quer dizer, Roma governava politicamente mas a
mentalidade dos povos desse império tinha sido moldada fundamentalmente pelos
gregos.
Contudo, uma das maiores contribuições gregas
para o advento do cristianismo foi a disseminação da língua em que o evangelho
seria pregado ao mundo pela primeira vez. Uma prova da extensão e da influência
do grego está no fato de que a língua mais falada nos países situados às
margens do Mediterrâneo era o dialeto grego conhecido por KOINÊ, o dialeto
"comum". Era esta a língua universal do mundo greco-romano, usada
para todos os fins no intercâmbio popular. Quem quer que a falasse seria
entendido em toda parte, especialmente nos grandes centros onde o cristianismo
foi primeiramente implantado. Os primeiros missionários, como por exemplo
Paulo, fizeram quase todas as suas pregações nesta língua e nela foram escritos
os livros que vieram a constituir o nosso Novo Testamento.
c. O povo judeu
Os judeus prepararam o "berço" do cristianismo, por assim dizer. Primeiramente porque anteciparam a vida religiosa em que foram instruídos o Senhor Jesus, os cristãos primitivos em geral e o apóstolo Paulo em particular (At 23.6; 26.5). Além disso, a expectativa messiânica e a preservação do Antigo Testamento pelos judeus foram fundamentais para a confirmação do evangelho. Vale lembrar que muitos gentios eram prosélitos ou simpatizantes do judaísmo, o que acabou se tornando um meio para se alcançar estas pessoas. Era o costume de Paulo ir às sinagogas com o objetivo de evangelizar esses gentios.
Talvez a maior contribuição que o
cristianismo recebeu veio por parte dos judeus da dispersão. Esses judeus,
espalhados pelo mundo em virtude dos cativeiros que sofreram, podiam ser
encontrados em quase todas as cidades daquela época. Em qualquer canto em que
estivessem preservavam a religião judaica e estabeleciam suas sinagogas. Em
muitos lugares realizavam trabalho missionário ativo. Assim, ganhavam entre os
gentios numerosos prosélitos, tornando conhecidos os ensinamentos judaicos. A
missão judaica foi uma precursora importante das missões cristãs porque
espalhou, extensivamente entre os gentios, elementos básicos essenciais tanto
ao judaísmo quanto ao cristianismo, como por exemplo a remissão de pecados na
pessoa do Messias. Muitos gentios, pelo contato com os judeus, foram inspirados
por essa expectação, ficando assim preparados para a aceitação de Cristo como o
Salvador que havia de vir.
- MISSÕES EM PAULO
1.
A missiologia de Paulo
Dentre algumas dicotomias
que a igreja evangélica brasileira enfrenta atualmente, uma delas é a
polarização entre teologia e missões. Este reducionismo evangélico foi
detectado pelo Dr. Augustus Nicodemus Lopes (Paulo,Plantador de Igrejas,1997,
p. 5), ao dizer que a separação entre teologia e missões tem penetrado nas
igrejas e organizações missionárias no período moderno, e tem produzido efeitos
perniciosos até o dia de hoje. Isto é verdade. E a causa dessa divergência
teológica, com sua conseqüência danosa para a igreja, foi acertadamente
observado pelo Dr. Michael Green (Evangelização na Igreja Primitiva, 1989, p.
7) quando disse: A maior parte dos evangelistas não se interessa muito por
teologia; e a maioria dos teólogos não se interessa muito por evangelização.
Alguns teólogos, como
o renomado Dr. Nicodemus, e missiólogos, como o igualmente ilustre Dr. Timóteo
carriker, são concordes quanto a importância da teologia e missões na vida da
igreja. No entanto, será que a ênfase que eles dão às motivações missionárias
de Paulo está correta? É o que procuraremos mostrar a seguir.
a.
As motivações missionárias de Paulo
.O conceito do Dr.
Augustus Nicodemus Lopes
O Dr. Nicodemus é
pastor presbiteriano, mestre em Novo Testamento pela Potschefstroom University
for Christian Higher Education, na África do Sul e doutor em hermenêutica e
estudos bíblicos pelo Westminster Theological Seminary, Filadélfia, USA, com
cursos especiais na Universidade Teológica da Igreja Reformada da Holanda.
Atualmente coordena a área de teologia exegética do Centro de Pós-Gradução
Andrew Jumper, em São Paulo e leciona exegese no Seminário Presbiteriano Rev.
José Manoel da Conceição, também em São Paulo. É autor de vários livros e
artigos, dentre os quais destacamos Paulo, plantador de igrejas: Repensando
fundamentos bíblicos da obra missionária (Fides Reformata. São Paulo: JMC,
Vol. II, Nº 2, 1997).
De acordo com o Dr.
Nicodemus, a atividade missionária de Paulo era resultado direto da sua
teologia. Ele pergunta:
O que motivava o
apóstolo Paulo a sair plantando igrejas, organizando comunidades ao longo da
bacia do Mediterrâneo, apesar da rejeição dos seus patrícios e das implacáveis
perseguições que sofria? (p. 7)
E responde: O que o movia não eram arroubos de
piedade, espírito proselitista, amor ao lucro, popularidade ou qualquer outra
motivação similar. Essas motivações não teriam suportado as angústias do campo
missionário por muito tempo. Paulo estava movido por suas convicções
teológicas. (p. 7, grifo do autor).
Segundo ele, a ação
missionária de Paulo era resultado dessas convicções teológicas.
Um ponto que
esclarece bem o que o Dr. Nicodemus entende por "convicções
teológicas" de Paulo é a exemplificação que ele faz com a teologia de
missões de William Carey, missionário batista que viveu no século XIX. Carey
era um calvinista ardoroso, que tinha um coração inflamado por missões e não
podia compreender a obra missionária como outra coisa senão a extensão das
suas convicções como crente no Senhor Jesus (pp. 5,6). E prossegue:
É interessante observar
que no livrete Enquiry, onde estabelece os motivos da sua atividade
missionária, Carey segue uma seqüência similar à obra Theory of Missions,
escrita pelo teólogo e missiólogo alemão Gustav Warneck (1834-1910). Isso
mostra que Carey, mesmo sem ter tido o treinamento teológico de Warneck, esboça
a sua missiologia teologicamente. Carey nunca usa o argumento das "almas
que estão se perdendo" nem justifica-se a partir de suas convicções
batistas. Sua preocupação é com a promoção do Reino de Cristo (p. 6, nota 2).
O Dr. Nicodemus
salienta, ainda, que toda reflexão teológica deveria desembocar em subsídios
para o esforço expansionista da Igreja de Cristo. Esses esforços, segundo ele,
nada mais podem ser do que teologia em ação. Entende que quando a nossa prática
missionária não é fertilizada e controlada por uma reflexão teológica correta,
ela acaba se tornando em ativismo, desempenho estilizado ou simplesmente uma
aplicação frenética de métodos.
E quais eram, segundo
o Dr. Nicodemus, as convicções teológicas que motivavam a obra missionária de
Paulo? Eram basicamente três. A primeira dessas convicções é que os últimos
dias já começaram. Paulo estava vivendo nos últimos dias, dias de
cumprimento, em que os fins dos séculos haviam chegado para ele. A segunda convicção
do apóstolo Paulo era que as antigas promessas de Deus encontravam
concretização histórica na Igreja de Cristo. Era na Igreja que a restauração de
Israel se consumava e a plenitude dos gentios estava entrando. A terceira
convicção de Paulo era que Deus o havia chamado para edificar essa Igreja (1).
O conceito do Dr. C.
Timóteo Carriker
O Dr. Carriker é
pastor da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (P. C. – U.S.A.). Trabalha no
Brasil desde 1977. Cursou o bacharelado na Universidade da Carolina do Norte,
em Charlote, o mestrado em teologia no Seminário Teológico Gordon-Conwell, e o
mestrado em missiologia e doutorado em estudos interculturais do Seminário
Teológico Fuller. É professor e diretor acadêmico do Centro Evangélico de
Missões, em Viçosa, MG. Dos seus escritos destacamos, para este propósito, o
livro Missão Integral: Uma teologia bíblica (São Paulo: Editora Sepal,
1992) e o artigo A missiologia apocalíptica da carta aos Romanos (Fides
Reformata. São Paulo: JMC, Vol. III, Nº 1, 1998).
Enquanto o Dr.
Nicodemus parte da teologia para a missão, o Dr. Carriker claramente inverte a
ordem. Segundo ele, as profundas convicções teológicas de Paulo brotaram de
intenso envolvimento missionário e pastoral. Segue-se, de acordo com o Dr.
Carriker, que a teologia consiste primariamente de reflexão acerca da
missão, não sendo esta mera aplicação conseqüente daquela, mas missão está no
âmago da teologia. (Missão Integral, p. 7). E ainda:
Como Martin Kahler
reconheceu em 1908, missão, de fato,é a mãe da teologia (Bosch 1980:24) e não
uma subdivisão menor e dispensável da teologia prática. De modo inverso,
Pedro Savage observa que "a teologia é, em essência, missiológica"
(1984:56). Isto é, a missiologia é fundamental à teologia porque é o
lugar aonde a fé e a estratégia se encontram no caminho para o mundo num dado
momento específico. Entendendo a missiologia na sua devida relação teológica,
se torna patente a necessidade de seu enraizamento sólido na Bíblia. (pp.
7,8)
Em sua exposição de Romanos,
o Dr. Carriker observa que esta carta se caracteriza por uma extensa elaboração
teológica e é a teologia que melhor indica o contexto ou os contextos da
carta, inclusive o apelo feito pelo apóstolo para que os cristãos romanos
apóiem a sua missão espanhola. Mas, segundo ele, não é uma teologia abstrata e
desconectada da situação missionária de Paulo. É uma
teologia de missão.
Citando Krister Stendahl, assevera que este é um dos poucos biblistas que
percebeu isso, quando iniciou um dos seus últimos livros com a seguinte
afirmação:
Romanos é a última
declaração de Paulo acerca da sua teologia de missão. Não é um tratado
teológico sobre a justificação pela fé... Quando falo de Romanos como a
declaração, feita por Paulo, da sua teologia de missão, estou convencido de que
a teologia paulina tem o seu centro norteador na percepção apostólica de Paulo
sobre a sua missão aos gentios. Conseqüentemente, Romanos é central à nossa
compreensão de Paulo, não por causa da sua doutrina da justificação, mas porque
a doutrina da justificação está aqui no seu contexto original e autêntico: como
um argumento a favor da posição dos gentios baseada no modelo de Abraão
(Romanos 4). (pp.
132,3). (2)
Quais eram, portanto,
segundo o Dr. Carriker, as convicções que levaram um "fariseu dos
fariseus" a se tornar apóstolo dos gentios? De acordo com ele, devemos
qualificar que Paulo não desenvolveu seu ministério de fundamentos
exclusivamente dogmáticos. Nem podemos afirmar que Paulo era um
"teólogo" no sentido que muitos o fazem hoje em dia, como se fosse um
pensador sistemático. Em vez de considerá-lo como um teólogo sistemático,
devemos encará-lo como um teólogo pastoral, que desenvolveu sua perspectiva não
de reflexão acadêmica divorciada das situações concretas e problemas
eclesiásticos em que se envolvia. Paulo seria uma sorte de teólogo peregrino
(ou missionário!) que, na estrada da experiência da vida e do ministério,
procurava teologar a partir da sua realidade. Assim, Paulo seria melhor
descrito como um teólogo de práxis que, partindo da sua experiência, refletia
nela a base das escrituras hebraicas e do seu encontro com Jesus crucificado e
ressurreto.
Avaliando os dois
conceitos
Mesmo numa análise
ligeira dos conceitos de nossos teólogos (Nicodemus e Carriker), é possível
observar que ambos enfatizam, de maneira positiva, a importância do valor
conjunto da teologia e missões no ministério de Paulo e da igreja, e também o
prejuízo que a igreja experimenta quando divorcia uma da outra. Nenhum dos dois
desmerece a teologia ou a missão. À despeito de tanto um quanto o outro
procurar rever os conceitos de "teologia" e "missões" à luz
de suas convicções teológicas. Mas isto também é positivo, pois como o Dr.
Nicodemus bem observa, quando a nossa prática missionária não é conduzida por
uma reflexão teológica correta, ela acaba se tornando em mero ativismo. Por
outro
lado, o Dr. Carriker
salienta, com muita propriedade, que não podemos afirmar que Paulo era
um "teólogo" no sentido que muitos o fazem hoje em dia, como se fosse
um pensador sistemático. Em vez de considerarmos Paulo como um teólogo
sistemático, devemos encará-lo como um teólogo pastoral, que não desenvolvia
sua perspectiva teológica academicamente, mas no contexto da missão.
Entretanto, a questão
fundamental é se a teologia de Paulo era motivada por sua missiologia e
vice-versa. A tese que defendemos é pelo "sim". Paulo foi um
grande missionário porque era um grande teólogo, e que, por sua vez, era um
grande teólogo porque foi um grande missionário. Infelizmente esta tese não é
defendida pelo Dr. Nicodemus e muito menos pelo Dr. Carriker. Um teólogo
geralmente não admite que a teologia (principalmente a sua própria) é fruto de
uma missiologia bem definida e um missiólogo, por sua vez, não costuma afirmar
que a missão por ele defendida é o resultado de uma teologia bíblica coerente
(3).
Mas em Paulo a missão
é teológica e a teologia é missiológica. Ele não apenas não separava uma da
outra, mas também subordinava uma a outra. Um bom exemplo disso é sua carta aos
Romanos. Tomemos como exemplo o capítulo 15 dessa carta. Para Samuel Escobar,
fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana,
A missiologia de
Paulo muitas vezes é expressa como exposição teológica, entrelaçada com
referências de sua prática missionária. Penso que Romanos 15.11-33 é um texto
ilustrativo da metodologia de Paulo, especialmente relevante para a reflexão
missiológica na América Latina. Esta passagem apresenta uma interação entre a
teoria e a prática, entre os fatos da vida em obediência a Deus e a reflexão
sobre esses fatos (Desafios
da Igreja na América Latina, 1997, p. 89). E resume:
Uma leitura cuidadosa
de Romanos 15.11-33 evidencia uma estrutura de quatro partes da missiologia de
Paulo. Em cada seção encontraremos um "fato" central ligado à Prática de Paulo, seguido da reflexão
pastoral e missiológica que é estimulada por esse fato e que gira em torno
dele. O primeiro é proclamação: "Proclamarei plenamente o evangelho
de Cristo" (v. 17-22); o segundo é previsão: "Planejo [vê-los]
quando for à Espanha" (v. 23-24); o terceiro é conclusão:
"Agora, porém, estou de partida para Jerusalém" (v. 25-29); e o
quarto é luta: "Recomendo-lhes, irmãos [...] que se unam a mim em
minha luta" (v. 30-33). (Idem) (4).
Ademais, a motivação
missionária de Paulo não era determinada somente por convicções teológicas e
escatológicas, como sugere o Dr. Nicodemus (1997, pp. 5-21), ou apocalípticas,
como pretende o Dr. Carriker (1998, pp. 124-148), mas que, além disso, o
apóstolo possuía o coração inflamado de paixão e amor pelos perdidos (5).
Como resultado do
amor de e a Cristo, Paulo amava os perdidos (Cf. 2 Co 5.14; Rm 1.5; 9.3; Ef
3.1; Fp 3.7; 1 Ts 1.5; 2 Tm 2.10). O amor tornava Paulo afetuoso e caloroso
em sua evangelização (PACKER, Evangelização e Soberania de Deus,
1990, p. 38). Escrevendo aos tessalonicenses o apóstolo dizia que "...
nos tornamos dóceis entre vós...". E ainda, "assim,
querendo-vos muito, estávamos prontos a oferecer-vos não somente o evangelho de
Deus, mas, igualmente, a nossa própria vida, por isso que vos tornastes muito
amados de nós" (1 Ts 2.7,8). O amor também fazia Paulo ter
sensibilidade, sendo capaz de adaptar-se às circunstâncias em sua
evangelização; embora se recusasse terminantemente a alterar sua mensagem para
agradar as pessoas (cf. 2 Co 2.17; Gl 1.10; 1 Ts 2.4), ele se esforçava ao
máximo, em sua apresentação da mesma, para evitar escândalo e não dificultar
desnecessariamente o caminho para aceitação e resposta positivas (cf. 1 Co
9.16-27; 10.33). Segundo Packer, Paulo
procurava salvar os homens e, visto que procurava salvá-los, não se contentava
apenas em informá-los sobre a verdade; mas empenhava-se em se pôr ao lado
deles, começando a pensar juntamente com eles, a partir de onde se encontravam,
falando-lhes em termos que podiam compreender e, acima de tudo, evitando tudo
quanto pudesse fazê-los adquirir preconceitos contra o evangelho ou pôr pedras
de tropeço em seu caminho. Em seu zelo por manter a verdade, nunca perdeu de
vista as necessidades e reivindicações das pessoas. Seu alvo e objetivo, em
todas as suas atividades no evangelho, até mesmo no calor da polêmica evocada
por pontos de vista contrários, nunca deixou de ser conquistar almas,
convertendo aqueles que considerava seus próximos à fé no Senhor Jesus Cristo. Tal era a evangelização, de acordo com Paulo:
sair em amor, como agente de Cristo no mundo, a fim de ensinar aos pecadores a
verdade do evangelho, tendo em vista a conversão e a salvação dos mesmos (Evangelização,
1990, p. 38).
b.
As estratégias missionárias de Paulo
As estratégias
missionárias de Paulo eram o resultado direto e natural de suas motivações.
Dentre os vários meios utilizados por Paulo para divulgar o evangelho (6),
destaquemos os mais utilizados pelo apóstolo; a saber, a escolha de centros
estratégicos e as sinagogas.
Paulo percorria as
estradas romanas anunciando o evangelho e fazendo discípulos nas principais
cidades das províncias imperiais, verdadeiros centros estratégicos. Ele
concentrava suas atividades nesses locais, tornando o que outrora eram campos
missionários em bases de sua missão. Tessalônica, por exemplo, tornou-se a base
missionária para a província da Macedônia; Corinto a base para a província da
Acaia; Éfeso a sua base para a Ásia proconsular. A igreja de Roma também seria
uma possível base para a evangelização na Espanha (cf. Rm 15.24).
Quando voltamos
nossos olhos para o livro de Atos (7), percebemos que os missionários daquela
época, de modo geral, e Paulo, em especial, concentravam seus esforços
geralmente naqueles centros estratégicos do ponto de vista cultural, econômico,
religioso, político e geográfico até. Embora no caso deste último a estratégia
de trabalho de Paulo não era tanto geográfica quanto humana ou cultural, no
sentido de etnias (8).
O Dr. Timóteo
Carriker faz uma importante observação acerca dos centros estratégicos de
Paulo. Diz ele:
Paulo procurava
atingir primeiro os centros provinciais que não eram evangelizados na sua
missão. Isto era uma estratégia do "quadro geral" e não dos detalhes,
isto é, não de todo e qualquer lugar. Ele não tentava evangelizar o mundo
gentílico totalmente, mas contava com a obra evangelizadora das comunidades que
ele estabeleceu para continuar a missão. Ele mesmo se apressava para a tarefa
urgente de pregar o evangelho para aqueles que não o ouviam (Romanos 10.14).
Sua perspectiva era de "preencher" ou "completar" os
principais lugares que faltavam no mundo gentílico e prosseguir em frente [veja
peplérókenai em Romanos 15.19] (Missão Integral, 1992, pp. 235,6).
As sinagogas judaicas
também faziam parte das estratégias missionárias de Paulo. Roland Allen (9)
reconheceu quatro características da pregação de Paulo nas sinagogas. Em
primeiro lugar, é possíveis ver em Paulo a simpatia e a conciliação com as
sensibilidades dos ouvintes: a apresentação é clara, ele está disposto a
aceitar o que há de bom na posição deles, simpatiza com suas dificuldades,
mostrando que ele os aborda com sabedoria e tato. Em segundo lugar, ele
tem coragem de reconhecer abertamente as dificuldades, de proclamar verdades
não muito fáceis de engolir, e de recusar-se inapelavelmente a fazer coisas
difíceis parecerem fáceis. Em terceiro lugar, vem o respeito por seus
ouvintes, suas capacidades intelectuais e suas necessidades espirituais. Em
quarto lugar, há uma confiança inabalável na verdade e no poder do
evangelho. Não estaremos longe da verdade ao supormos que estas eram
características típicas da pregação na sinagoga, nos primeiros tempos da
missão, em que as oportunidades ainda estavam abertas. Os missionários
cristãos aceitavam com gratidão esta oportunidade de falar a Israel, nas três
primeiras décadas decisivas antes que a porta das sinagogas lhes fossem
fechadas (GREEN, Evangelização, 1989, p. 240).
Mas por que será que
o apóstolo Paulo priorizava as sinagogas judaicas como parte de sua estratégia?
Antes de tudo é preciso lembrar que Paulo era essencialmente um apóstolo
enviado por Cristo aos gentios. Na época de sua conversão no caminho de
Damasco, o Senhor Jesus disse que o livraria "dos gentios, para os quais
eu te envio" (At 26.17). Entre os apóstolos ficou acertado que Tiago,
Pedro e João iriam para a circuncisão (judeus) e ele, Paulo, "para os
gentios" (Gl 2.9). Entre Pedro e Paulo, por exemplo, havia uma consciência
marcante da missão deles aos judeus e gentios, respectivamente (Gl 2.7,8).
Em quase toda
sinagoga judaica existiam, além de judeus é claro, dois grupos distintos de
gentios. O primeiro grupo era formado pelos denominados "prosélitos",
isto é, gentios convertidos ao judaísmo. Os homens eram circuncidados,
concordavam em obedecer a lei e guardar o sábado, faziam peregrinações a
Jerusalém, e daí em diante não eram mais gentios, e sim judeus.
O segundo grupo de gentios que normalmente freqüentava a sinagoga era formado pelos "tementes a Deus". Eram apreciadores da lei e do ensinamento judaicos, mas por uma série de razões pessoais achavam por bem não se desvincular de suas raízes gentílicas, como os prosélitos, para se tornarem judeus. Todavia, eles freqüentavam a sinagoga regularmente, ainda que tivessem que ficar na parte que lhes era reservada, não lhes sendo permitido a participação completa dos cerimoniais litúrgicos. Em suma, enquanto os "prosélitos" eram ex-gentios, os "tementes a Deus" ainda eram gentios. E embora Paulo tivesse o que dizer aos três grupos que freqüentavam a sinagoga, seu objetivo principal era converter os gentios que lá estavam, os tementes a Deus (10).
O segundo grupo de gentios que normalmente freqüentava a sinagoga era formado pelos "tementes a Deus". Eram apreciadores da lei e do ensinamento judaicos, mas por uma série de razões pessoais achavam por bem não se desvincular de suas raízes gentílicas, como os prosélitos, para se tornarem judeus. Todavia, eles freqüentavam a sinagoga regularmente, ainda que tivessem que ficar na parte que lhes era reservada, não lhes sendo permitido a participação completa dos cerimoniais litúrgicos. Em suma, enquanto os "prosélitos" eram ex-gentios, os "tementes a Deus" ainda eram gentios. E embora Paulo tivesse o que dizer aos três grupos que freqüentavam a sinagoga, seu objetivo principal era converter os gentios que lá estavam, os tementes a Deus (10).
A estratégia de um
homem como Paulo era basicamente simples: ele só tinha uma vida, e estava
decidido a usá-la o máximo possível, tirando dela o melhor proveito no serviço
de Jesus Cristo. Sua visão era ao mesmo tempo pessoal, urbana, provincial e
global (GREEN,
Evangelização, 1989, p. 318).
1.2. As missões de
Paulo
A obra missionária de
Paulo é vastíssima, quer seja compreendida no tanto de trabalho que ele
realizou, quer seja no aspecto do próprio conceito de missões que o apóstolo
tinha. Para Paulo missões não era proclamação fria, automática e desencarnada.
Era, antes de tudo, proclamação compromissada, significando a manutenção
daqueles aos quais ele alcançou mediante a pregação e ensino do evangelho.
Missões em Paulo não era mero espiritualismo, mas pura encarnação. Ele se
preocupava com o ser humano em sua totalidade. Um bom exemplo disso está em ele
não se esquecer dos pobres (cf. 2 Co 8; Gl 2.10). Sua missão era fazer
"missão integral", no sentido em que essa expressão é usada na
missiologia contemporânea.
Neste tópico nos
limitaremos às missões pelas quais Paulo é mais conhecido e através das quais
ele deu forma ao seu ministério e de onde produziu suas epístolas inspiradoras,
isto é, suas viagens missionárias, conforme registradas em Atos (11) e em seu
testemunho de Romanos 15.
a. A primeira viagem
missionária de Paulo
Obedecendo à direção
divina e sob os auspícios da igreja de Antioquia, o apóstolo iniciou sua
primeira viagem missionaria entre 45 e 50 A.D. Com Paulo estavam Barnabé e João
Marcos. Partiram de Antioquia para Selêucia, situada na foz do Orontes e dali
para Chipre, terra de Barnabé. Desembarcando em Salamina, na costa de Chipre,
começaram a trabalhar, como de costume, nas sinagogas. Percorreram toda a ilha
até chegarem a Pafos, na costa sudoeste. Neste lugar despertaram a atenção de
Sérgio Paulo, procônsul romano. Saiu-lhes ao encontro um feiticeiro chamado
Barjesus, também conhecido por Elimas o mago, que opondo-se a Paulo procurava
Desviar a atenção do procônsul (At 13.6, 7). Paulo resistiu-lhe indignado e
repreendeu-o severamente, ferindo-o temporariamente com cegueira. Resultou
disto a conversão de Sérgio Paulo (At 13.12). Partindo de Chipre navegaram para
a Ásia Menor e chegaram a Perge na Panfília. Ali Marcos, por motivos ignorados,
deixou seus companheiros e regressou a Jerusalém. Os dois, Paulo e Barnabé,
saíram de Perge, rumo ao norte, passando por Frígia e indo até Antioquia da
Pisídia. Ali o povo da cidade, incitados pelos judeus, levantou-se contra Paulo
e Barnabé e os expulsaram (At 13.50). De Antioquia passaram a Icônio, outra
cidade da Frígia, onde uma copiosa multidão de judeus e gregos foram
convertidos (At l3.51). Por causa da perseguição dos judeus, partiram de Icônio
para Listra e Derbe, cidades da Licaônica (At 14.1-7). Em Listra Paulo curou um
coxo, foi adorado juntamente com Barnabé, pregou o evangelho, foi apedrejado e
lançado fora da cidade como morto (At 14.8-19). Restabelecido vão a Derbe, de
Derbe a Listra, de Listra a Icônio, de Icônio a Antioquia da Pisídia,
fortalecendo os discípulos e elegendo presbíteros. Atravessando a Pisídia,
passam pela Panfília e Perge. Tendo anunciado a Palavra em Perge, desceram a
Átalia e dali navegaram para Antioquia da Síria (At 14.20-26).
b. A segunda viagem
missionária de Paulo
Tempos depois, por
volta do ano 50, Paulo propôs a Barnabé uma segunda viagem missionária (At
15.16). Mas o apóstolo não queria que João Marcos fosse com eles, o que
provocou a separação dos dois grandes missionários da Igreja Primitiva. Silas
foi o companheiro de Paulo nessa segunda viagem. Primeiro visitaram as igrejas
da Síria e da Cilícia; depois passaram para os lados do norte, atravessaram as
montanhas do Tauro e passaram às igrejas que Paulo havia fundado na sua
primeira viagem. Foram a Derbe e a Listra. Nesta última cidade Timóteo se
juntou a eles. De Listra foram para Icônio e Antioquia da Pisídia. Após alguns
"impedimentos" do Espírito Santo (At 16.6,7), desceram a Trôade, onde
Paulo teve a visão do varão macedônio. Obedecendo a este chamado, os
missionários vão, juntamente com Lucas, para a Europa. Desembarcando em
Neápolis, seguem logo para a importante cidade de Filipos. Vale lembrar que
Atos 16 e a carta de Paulo aos filipenses formam um dos mais belos retratos de
sua missiologia. De Filipos, onde Lucas ficou, Paulo, Silas e Timóteo foram
para Tessalônica, lugar em que alcançaram grandes resultados entre os gentios,
fundando ali uma igreja (At 17.1-9). Por causa da perseguição dos judeus, os
irmãos enviaram Paulo para a Beréia; deste lugar, após valiosos resultados até
mesmo dentro da sinagoga, seguiu para Atenas (At 17.10-15), cidade onde Paulo
proferiu seu famoso discurso, mas com poucos resultados (At 17.16-31). Depois
partiu para Corinto, onde ficou dezoito meses e, ao contrário de Atenas, os
resultados foram admiráveis (At 18.1-11). A missão de Paulo em Corinto foi uma
das mais frutíferas da história da Igreja Primitiva. De Corinto foi para Éfeso,
ficando pouco tempo, seguiu para Cesaréia, indo apressadamente para Jerusalém.
Havendo saudado a igreja desta cidade, voltou a Antioquia, de onde havia
partido (At 18.22).
c. A terceira viagem
missionária de Paulo
Depois de algum tempo
em Antioquia, o apóstolo Paulo, talvez no ano 54 A.D., deu início à sua
terceira viagem missionária. Primeiro atravessou a região da Galácia e da
Frígia, afim de fortalecer os discípulos (At 18.23); depois vai a Éfeso,
capital da Ásia e uma das cidades de maior influência no oriente. Paulo
permaneceu três anos em Éfeso (At 20.31). Durante três meses ensinou na
sinagoga e, depois, durante dois anos na escola de Tirano (At l9.8-10). Seu
trabalho nesta cidade notabilizou-se pela riqueza de instrução (At 20.18-31),
pela realização de milagres (At 19.11,12), pelos resultados obtidos, porque
todos os que habitavam na Ásia ouviram o evangelho (At 19.10) e pelas
constantes perseguições (At 19.23-40). De Éfeso partiu para a Macedônia, e
depois de fortalecer os discípulos com muitas exortações, viajou para a Grécia,
onde permaneceu três meses (At 20.12).
Agora iniciaria sua
última viagem a Jerusalém, acompanhado de amigos, representantes das várias
igrejas dos gentios (At 20.4). Seu plano inicial era navegar diretamente para a
Síria, mas uma conspiração dos judeus o obrigou a voltar pela Macedônia (At
20.3). Demorou-se em Filipos enquanto seus companheiros foram para Trôade.
Depois da festa da páscoa Paulo foi com Lucas para Trôade (At 20.5), onde os
companheiros os esperavam e ali ficaram uma semana (At 20.6). De Trôade Paulo
viajou para Assôs (At 20.13). Depois de uma rápida passagem por Mitilene e
Samos, Paulo e mais alguns amigos chegaram a Mileto (At 20.14, 15). De Mileto
mandou chamar os presbíteros de Éfeso, e naquele local é registrado um dos
episódios mais emocionantes da Bíblia (At 20.17-38). Partindo de Mileto o navio
seguiu diretamente para a ilha de Cós e no dia seguinte chegaram a Rodes. De
Rodes passaram a Pátara, nas costas da Lícia (At 21.1). Achando um navio que ia
para a Fenícia embarcaram, e seguindo viagem passaram por Chipre, desembarcando
em Tiro (At 21.2, 3) ficando durante
sete dias nesta
cidade. De Tiro partiram para Ptolemaida (At 21.5,6) e no dia seguinte, após
afetuosa despedida, chegaram em Cesaréia. A despeito de alarmantes predições e
das lágrimas dos irmãos para que não fosse a Jerusalém (At 21.4, 10-12), Paulo
seguiu em frente e assim, acompanhado dos irmãos, terminou a terceira viagem
missionária (At 21.12-15).
d. As
"viagens" à Roma e à Espanha
Escrevendo aos
crentes de Roma, Paulo observa que durante anos se esforçou em pregar o
evangelho "desde Jerusalém e circunvizinhanças, até o Ilírico" (Rm15.19).
Mas agora, não tendo
já campo de atividade nestas regiões, e desejando há muito visitar-vos, penso
em fazê-lo quando em viagem para a Espanha, pois espero que de passagem estarei
convosco e que para lá seja por vós encaminhado, depois de haver primeiro
desfrutado um pouco a vossa companhia (Rm 15.23,24).
Carlos Del Pino (In
Missões e a igreja brasileira, 1993, p. 58) comenta que em Romanos 15.22-24
todo esforço, a visão e o investimento de vida do apóstolo durante anos
naquelas regiões o levaram a duas atitudes específicas em relação aos romanos.
Segue-se abaixo um esboço de Del Pino dessas atitudes de Paulo:
1. Não visitar os
romanos (15.22). E o próprio Paulo nos dá suas razões para isso:
a.
O
evangelho já havia se estabelecido em Roma, já havia igreja lá. E, de acordo
com o que ele mesmo disse no v. 20, não seria conveniente que ele, Paulo,
exercesse seu ministério ali;
b.
Muitos
outros povos ainda careciam de receber o evangelho e Paulo via-se impulsionado
por força do ministério recebido de Deus, para trabalhar em regiões ainda não
atingidas.
2. Visitar os romanos
(15.23,24). Agora Paulo tinha razões para visitar os romanos.
São elas:
a.
Término
das atividades naquelas regiões; novos lugares precisam ser alcançados (15.23);
b.
Desejo
antigo de conhecer a igreja romana (15.23);
c.
Devido
a sua visão de alcançar novos povos, esta visita não seria para lazer, mas para
estabelecer na igreja em Roma uma base missionária para o Ocidente até a
Espanha – "para lá ser por vós encaminhado" (15.24,28).
Mas por que Paulo não
tinha mais campo de atividades naquelas regiões? O que ele fazia lá para que
tenha terminado o seu trabalho? Del Pino lembra que
Paulo proclamava o
evangelho naquelas regiões. O que ele está dizendo no v. 23 é que houve o
cumprimento de um ministério específico por uma pessoa específica (Paulo). Não
significa que ninguém mais teria nada para fazer ali; ao contrário, muito
trabalho ainda havia para ser feito, tanto de evangelismo quanto de ensino,
exortação etc. Outros poderiam e deveriam continuar ali exercendo seus
ministérios, mas aquilo para o que Paulo havia sido chamado por Deus já havia
se completado naquelas regiões. Isso também não significa que o ministério de
Paulo em si houvesse terminado por completo, tanto que ele buscava uma nova
região onde pudesse desenvolvê-lo. O que o apóstolo fez "desde
Jerusalém e circunvizinhanças até ao Ilírico", que foi "pregar
o evangelho" (15.20), era exatamente o que ele pretendia continuar
fazendo, em seguida, na Espanha. Para isso, ele precisava de uma nova base de
missões: a igreja em Roma! (1993, p. 59).
E mais:
Para tratarmos sobre
esta nova base de missões, precisamos entrar no v. 24. Aqui Paulo revela
claramente seus propósitos e seus meios. Veja bem, o propósito final de Paulo,
seu objetivo real, não era apenas conhecer a igreja de Roma. Isso ele poderia
ter feito em outras circunstâncias. Seu objetivo final era chegar à Espanha.
Este objetivo reflete o esforço de Paulo (15.20) e sua vocação (15.21),
conforme já temos enfatizado. Ele pretendia chegar à Espanha para ali continuar
desenvolvendo o seu ministério; "de passagem" por Roma (15.24),
ele esperava ir à Espanha, enviado pela igreja de Roma. Quando Paulo diz no v.
24 "para lá seja por vós encaminhado", ele não apenas tinha em
mente, mas estava claramente dizendo as coisas necessárias para a sua viagem e
subsistência lá (1993,
p. 59).
Paulo chegou em Roma
por volta do ano 60 A.D. como prisioneiro (cf. At 27 e 28). Lucas relata que
"por dois anos permaneceu Paulo na sua própria casa que alugara" (At
28.30) com toda liberdade de receber a todos que o procuravam e de pregar o evangelho
(At 28.30,31). Para quem pretendia apenas passar por Roma, e livre, dois
anos, e preso, era tempo de mais. Após esta sua primeira prisão
(domiciliar), o apóstolo, entre outras viagens, provavelmente tenha chegado à
Espanha (DEL PINO, 1993, p. 59).
II - RELEVÂNCIA PARA
O NOSSO POVO E IMPLICAÇÕES PARA A MISSÃO DA IGREJA
A sociedade
brasileira carece de uma mensagem evangélica confrontadora. Não que ela queira
ser tocada em suas feridas, mas à luz da Bíblia não podemos oferecer às pessoas
um evangelho paliativo e barateado. O cristianismo puro e simples (para
usar o título em português do livro de C. S. Lewis) precisa ser a mensagem e o
estilo de vida de todo homem e de toda mulher salvos em Cristo.
Em se tratando de
evangelho para o povo brasileiro, a igreja evangélica, não raramente, tem ido
ou para o extremo da mensagem desencarnada, distante da realidade cotidiana do
povo, mediante a apresentação de um evangelho transcendente que alcança as
estrelas mas esquece da terra; ou tem, por outro lado, oferecido Jesus Cristo
às pessoas como se Ele fosse um produto de consumo a disposição nas prateleiras
do mercado eclesiástico. Apresenta-se Cristo no melhor dos estilos "fada
madrinha". Em nome de Cristo promete-se ao povo casa, carro, dinheiro;
enfim, toda sorte de prosperidade, sem contar a confusão que se faz entre as
fraquezas e tristezas sentidas por alguém em relação aos objetivos não
alcançados por ele e a verdadeira convicção de pecados. As pessoas não devem
ser confrontadas em termos de "você não conseguiu? Venha para Jesus que
você consegue", mas sim encaradas como pecadoras que precisam urgentemente
da graça redentora.
Cremos sinceramente
que Cristo pode dar tudo e até mais do que é prometido às pessoas em termos de
prosperidade; porém, não podemos perder de vista as implicações e exigências do
evangelho autêntico.
Além disso, a
sociedade brasileira carece do evangelho que seja encarnado na vida dos
crentes. Um cristianismo integral que seja a expressão de uma vida santificada
e consagrada ao Senhor. Em outras palavras, a manifestação viva daquilo que
dizemos acreditar.
Hoje em dia parece
que virou moda e status ser crente. No meio artístico, por exemplo,
ouve-se falar daquele e daquela como os mais novos irmãos na fé; entretanto,
aqui e ali ficamos sabendo dos escândalos que esses "irmãos" cometem.
Não negamos que haja conversões de verdade entre os artistas, porém, é preciso
que o quanto antes a pureza do evangelho, com todas as suas implicações para a
igreja e a sociedade, seja resgatada em nosso meio. É necessário que "o
sal da terra" e "a luz do mundo", a Igreja de Jesus Cristo, seja
a verdadeira opção de vida, ou mais que isso, seja, de certo modo, o sentido da
vida para todo aquele que perece em seus próprios pecados; a verdadeira diferença
na vida de tantos que permanecem indiferentes.
Que Deus nos ajude a
começar em nós, nos impulsionando a pregar o evangelho como o fez com Paulo. O
apóstolo Paulo fazia do evangelho a razão de seu viver e de outras pessoas.
Paulo é um exemplo fabuloso de compromisso com a verdade do evangelho. Ele
nunca a comprometia. Podia como poucos ser imitado como imitador de Cristo (1
Co 11.1). Acredito que não seria exagero de minha parte dizer que Paulo
alcançou mais pessoas para Cristo por sua vida de dedicação e seriedade ao reino
de Deus do que em suas pregações propriamente ditas. Semelhantemente o povo
brasileiro precisa ver na igreja de hoje pessoas que vivam o que dizem crer. A
prática é a expressão do que acreditamos. Se não praticamos o que falamos,
então a nossa pregação não passará de retórica evangélica desqualificada.
III – CONCLUSÃO
A perspectiva
missionária de Paulo era "preencher" ou "completar" os
principais lugares que faltavam no mundo gentílico e continuar seguindo em
frente, motivado por uma teologia pastoral de vida, pela esperança escatológica
do retorno imediato de Cristo e por seu amor aos perdidos como resultado do seu
amor por Jesus, com estratégias missionárias bem definidas. Valeria a pena
seguirmos o apóstolo com essa mesma perspectiva missionária? Certamente que
sim. Pois é nesse contexto de missão que o intrépido sede meus imitadores
como eu sou de Cristo encontraria, aqui, a sua melhor e mais
completa aplicação. Se a igreja hoje imitasse Paulo como ele imitava Cristo,
missões seriam o nosso maior projeto de vida.
AUTOR DESCONHECIDO
(Não nos responsabilizamos pelo conteúdo teológico deste material)
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