A JUSTIÇA SANTA
15 Nesta vida sem sentido eu já vi de tudo: um justo que morreu apesar da
sua justiça, e um ímpio que teve vida longa apesar da sua impiedade. 16 Não seja excessivamente justo nem demasiadamente
sábio; por que destruir-se a si mesmo? 17 Não seja
demasiadamente ímpio e não seja tolo; por que morrer antes do tempo? 18 É
bom reter uma coisa e não abrir mão da outra, pois quem teme a Deus evitará
ambos os extremos. (Eclesiastes 7.15-18)
A tradição
rabínica afirma que o livro de Eclesiastes foi escrito por Salomão já em sua
idade avançada. Salomão neste livro está compartilhando de sua experiência de
vida para nos ajudar a compreendermos a vida.
A primeira
leitura destes versos podem nos levar a uma conclusão errada sobre o viver uma
vida santa. O autor não encontra sentido na vida diante o que seus olhos viram.
Primeiro o justo veio a morrer cedo, quando era esperado que ele tivesse vida
longa. Depois o ímpio teve vida longa, quando este deveria ter morrido cedo. Para
a tradição judaica a longevidade estava condicionada a uma vida santa e justa
diante de Deus.
1
Meu filho, não se esqueça da minha lei, mas guarde no coração os meus
mandamentos,
2
pois eles prolongarão a sua vida por muitos anos e lhe darão prosperidade e
paz. (Provérbios 3.1,2)
Mas diante tal
infortúnio que seus olhos viram estaria Salomão dizendo: “As coisas não são bem
assim. Portanto viva com equilíbrio. Seja justo em algumas coisas, mas às vezes
compre um filme pirata e vá se divertir. Trabalhe honestamente, mas sonegue o imposto
afinal o governo nos rouba mesmo. Dê esmola com a mão direita, mas tome um
pouco com a mão esquerda, não seja otário. Vá à igreja, mas não deixe de se
divertir no carnaval está cheio de meninas e meninos dando mole nos bloquinhos”.
Será que é isso que Salomão está querendo dizer? Nem tanto ao mar nem tanto a
terra, como diz o ditado popular. Nem tanto a Deus nem tanto ao diabo.
Certamente não é
isso que Salomão está querendo dizer. Vejamos o que ele está nos ensinando
através de sua experiência.
1 – TODOS OS EXTREMOS SÃO PERIGOSOS
18 É bom reter uma coisa e não abrir mão (יָדֶ֑ךָ
– yādh – mão aberta) da outra, pois quem teme a Deus evitará ambos os extremos. (Eclesiastes 7.18)
É bom reter uma
coisa. De que coisa o autor está falando? Retenha o pensamento em não ser justo
demais e nem sábio demais aos seus próprios olhos.
Não abra mão da
outra coisa também. Retenha também o pensamento em não ser ímpio demais e nem
tolo demais.
Todos extremos
são perigosos na vida. Todo aquele que busca ser perfeito demais em alguma
coisa se perde em algum ponto da estrada, em algum lugar no caminho se desvia, e
acaba se tornando escravo de sua busca extrema.
Somos incapazes
de viver no extremo devido o pecado, pois somos limitados emocionalmente,
fisicamente e espiritualmente. Somos incapazes de ver o que se passa no coração
de um homem para fazermos julgamentos certos e sábios, assim como somos
incapazes de controlar a maldade que existe em nós, se a ela dermos o controle
total de nosso ser.
Portanto não
devemos tentar vender a ninguém a imagem que somos “justos” ou “sábios”, porque
cedo ou tarde nossa imperfeição se mostrará.
Vídeo: Excesso (todo excesso destrói o seu ser).
A justiça santa, perfeita de Deus, não é alcançada nos
extremos de nossas ações, nem no extremo de nossas forças; mas no extremo do
abandono do nosso “eu”. Somente quando abandonamos inteiramente nosso “eu” é
que permitimos que a justiça divina e santa se manifeste em nós e por meio de
nós, no poder do Espírito Santo. Nem sempre a justiça de Deus se
manifesta a nosso favor neste tempo presente, ou como a compreendemos que ela deveria
se manifestar.
A justiça divina
é santa e perfeita. Somente Deus possui toda sabedoria, conhecimento e amor
perfeito para julgar com perfeição.
2 – OS PERIGOS DOS EXTREMOS
16 Não seja excessivamente justo nem demasiadamente sábio; por que destruir-se (shamem)
a si
mesmo? 17 Não seja demasiadamente ímpio e não seja tolo; por que morrer (mŭth) antes
do tempo? (Eclesiastes 7.15-18)
Segundo Salomão
os extremos nos levarão a uma destruição do nosso ser e a uma morte prematura.
A palavra
destruir (v.16), do hebraico “Šamēm ou Shamem”, significa atordoar, entorpecer.
Aquele que busca ser extremamente justo e sábio acaba por se entorpecer em sua
própria justiça e sabedoria. Ele irá perder a noção da realidade e acabará
destruindo a si mesmo.
Essa pessoa não conseguirá aceitar os desígnios de Deus, pois não encontrará
respostas dentro de suas limitações humanas que possam ser suficientemente
justas e sábias para lhe acalmar o coração.
Sua sabedoria e
sua justiça lhe afirmam que o justo deve ser próspero em todas as dimensões de
sua vida, pois isso é justo. Ela passará a questionar Deus e se tornará ingrata
e amarga quando as coisas não corresponderem a este padrão.
Como pode um
justo morrer ainda jovem? Como pode um justo sofrer? Como pode uma criança
morrer por um tiro de bala perdida? Como pode uma mulher morrer espancada por
seu marido a quem ela dedica sua vida? Como pode pessoas inocentes enterradas
vivas por um lamaçal, como em Brumadinho? Como pode um corrupto ser próspero?
Como pode um assassino viver impune?
Salomão está
dizendo que ele viu com seus próprios olhos o justo sofrer e morrer ainda
jovem, assim como o ímpio prosperar e viver uma longa vida. Por isso ele está
dizendo que não devemos ser extremistas em nosso censo de justiça e nem em
nossa sabedoria, pois tal atitude certamente destruirá nosso homem interior.
A morte daquele
que busca ser demasiadamente justo e sábio é a morte da alma, do ser como
pessoa. A morte daquele que busca ser
demasiadamente ímpio ou tolo é a morte física (mŭth – hebraico
– v.17),
pois alcançara somente o ódio ou o medo das pessoas. Medo este que cedo ou
tarde se voltará contra o opressor.
Há muitas coisas
debaixo do céu que não nos foram reveladas. Há muitas decisões tomadas por Deus
que só Ele sabe por que as tomou. A nós cabe confiar que Deus é Deus, que Deus
é amor e que todas as suas decisões são tomadas para o bem maior de todos nós.
Algumas vezes o
sofrer do justo é com o fim de transformá-lo ainda mais a imagem de Jesus
Cristo, outras vezes é causada por aqueles que o invejam, outras vezes é
consequência de um desastre natural ou mesmo um desastre calculável, mas
ignorado pelos homens ou quem sabe simplesmente um teste para saber onde está
seu coração.
O que o autor de Eclesiastes quer nos ensinar é que o
justo não deve esperar ser tratado pela proporção da sua justiça. Nem tudo
funciona na base da exata retribuição.
3 – DEFININDO O EXTREMO DA JUSTIÇA
Salomão nos
ensina que não devemos viver nos extremos.
Quando um justo se torna demasiadamente justo? Deus é justo e
a bíblia nos ensina que devemos ser justos também. Esse é um dever inegociável.
O limite entre ser justo e o ser “exageradamente justo” é ultrapassado quando algumas
das marcas de exageros se fazem presentes. Todo justo pratica obras de justiça,
e deve se esmerar em fazê-las, mas o demasiadamente justo:
·
Primeira Marca: Vive a expectativa que as pessoas o
tratem segundo o que ele julga ser justo. Quando isso não acontece ele julga as
pessoas como injustas e as coloca em sua lista negra. Sua lógica funciona na
base da meritocracia e de uma visão parcial da realidade. Julga tudo a partir
de sua leitura. Não existe misericórdia nessa relação.
·
Segunda Marca: Exige de Deus
que este o trate segundo o que ele entende ser justo. Se Deus não faz o que ele
espera, ele transfere a falta de resposta de Deus a outras pessoas, pois sendo
extremamente justo não consegue ver erro em si mesmo. Passa apontar os pecados
daqueles que vivem ao seu redor. Ele se torna não ensinável.
·
Terceira Marca: Passa a avaliar sua vida a partir de
suas obras. Ele se apega tanto as regras e rituais que não consegue mais
perceber Deus fora delas. Acredita que Deus lhe abençoará por causa de suas boas
obras. Vive uma relação com Deus baseada em retribuição. Ele se torna infeliz,
pois a vida deixa de ter prazer e apenas deveres.
Aqueles que se
movem neste mundo a partir de sua religiosidade, de sua própria justiça cometem
erros em seus julgamentos como podemos ver na parábola dos trabalhadores da
vinha (Mateus 20.1-16).
É justo quem
trabalhou uma hora ganhar igual aos que trabalharam três horas? É justo quem
trabalhou três horas ganhar igual aos que trabalharam seis horas? O que é
justo? Não pode o senhor da vinha por misericórdia e amor dar o mesmo pagamento
a todos? Porventura não é ele o dono do seu dinheiro e o distribui a quem
quiser? A injustiça não está no senhor da vinha, pois este cumpriu sua palavra
com aqueles que foram contratados. A injustiça está naqueles que não julgaram
ser justo que aqueles que trabalharam menos horas ganhassem igual aos que
trabalharam mais. Que direito têm eles para determinarem como o senhor da vinha
deve gastar o seu dinheiro.
Aqueles que
vivem no extremo da justiça não conseguem entender que o Pai faça uma festa
para o irmão que retornou após ter gastado de forma irresponsável o dinheiro do
Pai.
A justiça santa
de Deus não é baseada nos méritos, não tem nada haver com quem deu mais ou
menos para o Reino de Deus. A justiça divina é baseada unicamente no amor. Deus
abraça todos que receberem seu filho Jesus Cristo como Senhor e Salvador de
suas vidas.
Deus abraça
todos que se arrependeram de seus pecados e que reconhecem que não possuem
justiça alguma, mas que confiam plenamente na justiça realizada na cruz por
Cristo Jesus.
Reflexão Final:
Salomão termina
o livro de Eclesiastes com as seguintes palavras:
13 Agora
que já se ouviu tudo, aqui está à conclusão: Tema a Deus e guarde os seus
mandamentos, pois isso é o essencial para o homem.
14 Pois
Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está
escondido, seja bom, seja mal. (Eclesiastes 12.13,14)
Pr. Cornélio
Póvoa de Oliveira
23/02/2019
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