SOU EU RESPONSÁVEL POR MEU IRMÃO?
Vivemos em uma
sociedade onde predominam alguns lemas como: “cada um por si e Deus por todos”,
“cuida da sua vida, que da minha eu cuido”, “cada macaco no seu galho”, “não
meta o nariz onde não é chamado”. Todos estes ditados populares trazem a
mensagem que cada um deve se preocupar somente com aquilo que lhe diz respeito.
Em suma, não seja enxerido!
Cada um desses
ditados tem seu valor e sua verdade dentro de certo contexto. Realmente é
desagradável quando pessoas começam a dar opiniões em nossas vidas, e se
meterem em tudo que fazemos ou sentimos. Primeiramente porque não gostamos de
nos sentir impotentes, de mostrar nossa vulnerabilidade. Sentimo-nos mal quando
nossas fraquezas são apontadas, quando somos descobertos em nossa incapacidade
para lidarmos com alguns problemas. Em segundo lugar não gostamos de ter nossas
vidas invadidas por outras pessoas, ter nossa liberdade cerceada, restringida
pelo outro, isso nos dá a sensação que estamos perdendo o domínio de nós mesmos.
Contudo estes
ditados populares também nos induzem a um viver errado, a um modelo de vida
centrado no “eu”, onde cada um procura não se envolver com o outro. É egoísmo refinado e mascarado achar que cada um “é por
si”, pois o evangelho nos lembra de que somos chamados a “amar o próximo como a
si mesmo!”.
Além
do mais, o Deus revelado por Jesus como Pai “nosso”, não pode satisfazer as
vontades de “cada um por si”, pois Ele nos vê e nos ama como filhos e filhas
que provém do seu amor e formam uma única família – todos os filhos devem ter
suas necessidades supridas.
No fundo estes
ditados nos servem como desculpa para nos escondermos de nosso dever e de nossa
responsabilidade para com o outro. Refugiamo-nos na desculpa de que devemos respeito
à liberdade do outro. A preocupação em não sermos desagradáveis tem nos tornados
por um lado negligentes quanto às dores e as necessidades do nosso próximo.
Afinal sou eu
responsável por meu irmão? Essa pergunta foi levantada por Caim e ela levanta a
questão se de fato somos todos unidos uns aos outros.
1 - CONTEXTUALIZANDO
Vimos em nosso
último encontro que a família de Jesus, a Santíssima Trindade, vive na mais
perfeita unidade existente. Cada membro dessa família, Pai, Filho e Espírito
Santo, coexistem um no outro, sendo dessa forma responsáveis um pelo outro.
Aprendemos
também que Deus criou o homem e a mulher, a Sua imagem e semelhança, e
instituiu a família com o propósito de que o homem e a mulher pudessem viver a
mesma unidade existente na Santíssima Trindade. Homem e mulher deveriam se unir
e se tornar uma só carne. Dois indivíduos que seriam unidos pelo amor.
Entretanto o
pecado entrou na história humana gerando um caos nas relações humanas. O ser
humano que fora criado por Deus, macho e fêmea, e assim foram criados com o
propósito de se unirem, numa relação sustentada pelo amor, e por meio dessa
união se tornarem um ser único e indivisível. Esse projeto foi comprometido,
pois com o pecado passaram a se ver como seres independentes um do outro.
No amor somos
chamados a cuidarmos uns dos outros, a sermos responsáveis uns pelos outros.
Mas logo no início da criação, após a queda de Adão e Eva, encontramos a
história do primeiro homicídio da humanidade. Temos então...
2 – O DESVIO DE CONDUTA DE CAIM
Caim e Abel eram filhos de Adão e Eva. Caim, o mais velho
era lavrador, e Abel, o mais nova, pastor. Passado algum tempo Caim trouxe do
fruto da terra, do fruto de seu trabalho uma oferta ao Senhor. Não sabemos
exatamente o tempo em que Caim entregou sua oferta e nem a qualidade dos frutos
de sua oferta, mas o texto enfatiza que Abel trouxe as partes gordas de suas
primeiras crias, isto é, trouxe o que tinha de melhor para Deus, dando-nos a
entender que Caim não deu o melhor e possivelmente não deu de suas primícias
para Deus.
Diante as ofertas de Caim e Abel, Deus se agradou da
oferta de Abel e não se agradou da oferta de Caim. Caim se
enfureceu e se encheu de inveja por Abel e decidiu matá-lo, conforme podemos
ler:
8 Disse, porém, Caim a seu irmão Abel: "Vamos para o
campo". Quando estavam lá, Caim atacou seu irmão Abel e o matou. 9 Então o Senhor perguntou a Caim: "Onde está
seu irmão Abel?" Respondeu ele: "Não sei; sou eu o responsável por
meu irmão?". 10 Disse o Senhor:
"O que foi que você fez? Escute! Da terra o sangue do seu irmão está
clamando". (Gênesis 4.8-10)
Após o homicídio
Caim se colocou diante de Deus acreditando não ser responsável pela vida de seu
irmão. Sua resposta a Deus “Sou eu o responsável por meu irmão?” demonstra que
Caim não se importava com a vida de seu irmão. Caim não se sentia responsável
pela vida de seu irmão.
Caim, assim como nossa cultura emergente, universalizou a
individualidade – potencializou a individualidade no mundo. Dividiu o que não
deveria ser dividido. Deu início ao conceito de que cada um é responsável por
si unicamente – “cada um por si e Deus por todos”.
Entretanto Deus
afirmou para Caim: “O sangue do seu irmão está clamando”. Esta afirmação de
Deus para Caim deixava claro que para Deus Caim era responsável pela vida de
seu irmão. Caim pôs fim aos sonhos de Abel e aos sonhos da geração de Abel, mas
também colocou fim a tudo que Abel poderia proporcionar a ele mesmo, Caim.
Isto significa que somos responsáveis pela vida de nossos
irmãos, e não somente os irmãos sanguíneos, também os da pátria, os da fé e os
irmãos descendentes da mesma raça, a raça humana. Somos todos descendentes de Adão
e Eva, todos criados a imagem e semelhança de Deus. Todos nós estamos unidos de
alguma forma uns nos outros. Estamos unidos economicamente, ecologicamente,
racialmente e geneticamente. Estamos unidos por essa grande teia que é a vida.
A vida que nos foi dada por Deus e que foi dada a todos.
A atitude de
Caim é um desvio de conduta causado pelo pecado.
Precisamos nos lembrar de que fomos criados a fim de vivermos
a mesma unidade existente na Trindade Santíssima. Mais uma vez eu reafirmo – a
família é o primeiro lugar onde você é desafiado a viver a unidade, a olhar
para seus pais e irmãos como parte de você mesmo. Depois essa compreensão de
unidade, de existir no outro e com o outro, deve se estender as demais relações
sociais, mas é na igreja de Jesus Cristo que você pode compreender e
experimentar essa verdade; é quando você se compreende como filho de Deus e
compreende o amor de Deus e seu amor por cada ser humano que tudo faz sentido.
Amar a Deus é amar o seu próximo; amar o seu próximo é amar a Deus; amar a Deus
e o seu próximo é amar a si mesmo, pois toda sua existência está contida em
Deus, fora de Deus você não tem como existir. Diante disso...
3 – O PRÓXIMO É O MEIO PARA VOCÊ SE
RELACIONAR COM DEUS
Jesus
nos amou de forma assombrosa. O Deus Filho deixou sua glória e se fez homem
como nós e por nós morreu na cruz. Jesus nos amou incondicionalmente. Ao nos
amar, Jesus também estava demonstrando todo seu amor ao Pai.
20 Se alguém afirmar: "Eu amo a Deus", mas odiar seu
irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a
Deus, a quem não vê. (1 João 4.20)
O apóstolo João
está escrevendo esta carta para diferentes igrejas, por isso, ele trata do amor
entre irmãos, mas me sinto seguro em dizer que podemos estender estas palavras
de amor para todas as pessoas que fazem parte de nossos relacionamentos, pois
Jesus disse “que devemos amar o nosso próximo, como
a nós mesmos”
(Gl 5.14), também disse “que devemos amar nossos inimigos” (Lc 6.27).
O próximo é a
maneira como eu e você temos para nos aproximarmos de Deus. A imagem de Deus
está no próximo, está no outro.
Você serve a Deus servindo ao seu próximo. Você é
responsável pelo seu próximo.
Sem o próximo
você não tem condições de demonstrar seu amor a Deus, e, Deus chega a você
através do seu próximo. Como você conheceu a Deus? A Bíblia chegou a você
porque alguém a escreveu e outro alguém a editou.
Essa é a
realidade, por exemplo, dos dons espirituais. Deus nos capacitou com dons diferentes
para que possamos servi-Lo, servindo uns aos outros. A diversidade dos dons nos
torna dependentes uns dos outros. Ninguém é completo sem o outro. O que nos
torna responsáveis pelo outro. Negar o dom que Deus me deu ao meu irmão ou ao
meu próximo, é negar o amor de Deus a eles. Isto me torna culpado diante de
Deus.
Assim como o “sangue de Abel clamava diante de Deus”, o
sangue daqueles a quem nego amor clama diante de Deus. Não posso fugir da minha
responsabilidade para com a grande família humana, principalmente para os da
família da fé.
Diferentemente de Caim que universaliza a individualidade,
Jesus individualiza o universal. Jesus torna todos um, nele mesmo.
Se você diz que
ama a Deus e não ama o seu próximo a quem você pode ver, João diz que você é
mentiroso. Se você não consegue se sensibilizar com a dor e necessidade de quem
você vê, você não consegue se sensibilizar com a dor de Deus a quem você não
pode ver.
Se você diz que
ouve a Deus, mas não ouve o que as pessoas lhe dizem, você não ouve a Deus,
pois Deus fala através de pessoas que interpretam sua Palavra.
O próximo é a materialização de Deus para nós. Por que Deus
nos manda confessar nossos pecados uns aos outros? Confessar o pecado é o meio pelo
qual aquele que confessa encontre cura para sua alma. O propósito é que ele não
seja rejeitado por confessar sua falha, mas acolhido por aquele que ouviu sua
confissão, para que dessa forma sinta o amor e o perdão de Deus e então seja libertado
da culpa e do medo.
A comunidade de
Cristo, a família de Deus é a comunidade de pecadores que partilham seus
pecados com o fim de encontrar Deus no outro e serem curados de sua culpa.
Deus se revela
quando o meu próximo me ama de fato, me corrige com amor e me abraça. Através
dele Deus me abraça. Quando meu próximo chora comigo, é Deus que chora comigo.
Quando o outro estende a mão a mim, é Deus que estende a mão a mim.
O amor de Deus é
materializado através do meu próximo. Você é o próximo de alguém.
CONCLUSÃO:
Todos os seres
humanos foram feitos a imagem e semelhança de Deus. Todo ser humano foi
predestinado em Cristo Jesus para pertencer à família de Deus. Cada ser humano
é alvo do amor de Deus. Antes da criação do mundo Deus já sonhava em ter cada
filho e filha de Adão como seus próprios filhos.
Deus esperava
que o ser humano vivesse numa relação harmoniosa e sustentada pelo amor, assim
como Ele vive na Santíssima Trindade. Que esse amor levasse o homem e a mulher
a se tornarem uma só carne. A viverem de forma a existirem no outro e para o
outro.
Deus instituiu a
família para que esse pequeno núcleo se tornasse o lugar onde a humanidade
pudesse iniciar o aprendizado do amor, com o fim de expandir essa vivência de
amor em todas as suas redes relacionais, em todas as esferas de sua vida. Se
compreendendo responsável não só pela existência de seu núcleo familiar, mas de
toda raça humana, de toda criação.
Por isso Deus
espera que amemos cada ser humano, não importando sua crença, sua raça, sua
condição econômica ou social, pois em cada ser humano Deus imprimiu sua imagem,
ainda que possa não parecer aos nossos olhos. E cada vez que vamos em direção a
um ser humano, em direção ao nosso próximo, estamos indo em direção ao Deus
Criador.
No “próximo”
Deus se materializa para que eu possa demonstrar meu amor por Ele de forma
prática, conforme podemos ler em Mateus 25.34-45.
34 "Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita:
‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi
preparado desde a criação do mundo. 35 Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer;
tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; 36 necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive
enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram’. 37 "Então os justos lhe responderão: ‘Senhor,
quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38 Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos,
ou necessitado de roupas e te vestimos? 39 Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te
visitar?’ 40 "O Rei responderá:
‘Digo-lhes a verdade: o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos (nἀδελφῶν - adelphon), a mim o fizeram’. (Mateus 25.34-40)
Quando amo meu
próximo, amo a Deus, assim também, quando firo o meu próximo, firo a Deus.
41 "Então ele dirá aos que estiverem à sua esquerda:
‘Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o diabo e os
seus anjos. 42 Pois eu tive fome, e
vocês não me deram de comer; tive sede, e nada me deram para beber; 43 fui estrangeiro, e vocês não me acolheram;
necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês
não me visitaram’. 44 "Eles também
responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou
necessitado de roupas ou enfermo ou preso, e não te ajudamos?’ 45 "Ele responderá: ‘Digo-lhes a verdade: o que
vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram
de fazê-lo’. (Mateus 25.41-45)
Portanto ame a
todas as pessoas como se fossem filhos e filhas de Deus. Ao fazer isso você
estará servindo a Deus e ainda poderá dessa forma levar muitas pessoas a se
tornarem filhos e filhas de Deus, porque ao amá-las elas poderão ver Deus
materializado através de você. Deus te abençoe.
Pr. Cornélio
Póvoa de Oliveira
12/05/2019
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