A CONQUISTA DE CANAÃ
Enquanto caminhavam pelo deserto, os hebreus contavam a seus filhos uma
velha história. Há quatrocentos anos - diziam eles - um homem chamado Abrão
desceu lá do norte, da cidade de Ur, na Caldéia, e com toda a sua família dirigiu-se
para o sul da Palestina.
Era uma ordem de Deus.
Ele receberia por herança uma terra, teria uma descendência tão grande
como as estrelas do céu, e através dele todas as famílias da terra seriam
abençoadas. Era uma estranha promessa, afinal Abrão não tinha filhos e seu clã
era nômade. Mas ele acreditou na promessa de Deus. Anos mais tarde, Deus trocou
seu nome para Abraão, que quer dizer "pai de uma multidão de nações",
fez um pacto especial com ele e lhe deu um filho, que foi chamado Isaque.
Como líder, Moisés tinha certeza que o acordo feito com Abraão estava
sendo cumprido. Deus dissera que a terra prometida era Canaã, e que seus
limites iriam do Egito até o rio Eufrates. Explicou também que Canaã estava
ocupada por dez povos guerreiros, sanguinários e idólatras: queneus, queneseus,
cadmoneus, heteus, periseus, refains, amorreus, cananeus, girgaseus e jebuseus.
Mas eles seriam arados da terra, como mato bravo arrancado para permitir a
semeadura.
Um novo líder
Durante os anos de caminhada pelo deserto, Moisés foi formando uma
liderança que julgou capaz de dirigir a conquista da Palestina. Entre seus
homens de confiança havia um jovem chamado Josué. Tinha sido seu assistente
pessoal, e quando grupos de assaltantes amalequitas começaram a ameaçar a segurança
dos hebreus, Josué liderou um grupo de combatentes. Era disciplinado, ousado e
muito corajoso.
Como dirigente militar recebeu de Moisés uma missão especial: fazer
parte de um grupo de espiões que deveriam se infiltrar em Canaã. As ordens eram
precisas: observar a terra, o que produzia, se os campos eram férteis, como era
o povo, se era organizado, numeroso, e se haviam fortalezas. Deviam também
trazer frutos da terra.
Os espiões chegaram até as proximidades de Hebrom, que fica ao sul de
Jerusalém, e depois de dias trouxeram a Moisés um relatório terrível:
-- É, na verdade, uma terra que produz leite e mel, em abundância. Vimos
cachos de uvas que tinham que ser transportados numa vara por dois homens, de
tão grandes. Mas o povo que habita na terra é muito poderoso, as cidades são
grandes, fortificadas. Vimos gigantes e nos sentimos como se fôssemos
gafanhotos, de tão pequenos diante deles.
Excluindo Josué e Calebe, os outros espiões estavam em pânico. E o medo que
tinham foram transmitindo ao povo, que então rebelou-se contra Moisés.
-- Foi para isso que você nos tirou do Egito, para a gente morrer aqui,
no deserto, para sermos massacrados a espada, nós, nossas mulheres e nossos
filhos?
Josué e Calebe ainda tentaram reverter a situação. Explicaram que a
terra era excelente e que se era da vontade de Deus a terra prometida seria
entregue na mão deles, não importava a força dos povos ocupantes, pois "a
sombra protetora de Deus lhes foi tirada".
Mas a mentalidade escrava do povo prevaleceu. Não estavam preparados
para lutar. E diante da rebelião, Deus afirmou que nenhum deles entraria na
terra, mas seus filhos. Assim, durante quarenta anos caminharam pelo deserto. E
os filhos dos escravos foram transformados em guerreiros. Forjados
sob o sol escaldante, confiantes na promessa de que a terra lhes seria
entregue.
Os espiões que se acovardaram e sublevaram o povo contra Deus e Moisés
foram presos e condenados à morte. Josué por sua coragem e fidelidade a Deus
despontou como sucessor de Moisés.
As tribos atacam
Os hebreus não eram um grupo homogêneo. Mesmo sendo descendentes de
Abraão, no correr dos séculos miscigenaram-se com outros povos semitas e
inclusive com os próprios egípcios. Estavam, no entanto, unidos através da fé
no Deus único, e dos rituais semitas, dos quais o principal deles, nessa época,
era a circuncisão.
Cada tribo recebeu o nome do patriarca de que descendia: Rubem, Simeão,
Judá, Issacar, Zebulom, Efraim, Manassés (esses dois, netos de Abraão, filhos
de José, que juntos formavam uma tribo), Benjamim, Dã, Aser, Gade e Naftali.
Havia ainda uma outra tribo, a de Levi, que era a dos sacerdotes. Dessa
maneira, a nação de Israel surgiu como uma confederação de tribos, sem governo
centralizado. Seria governada por juizes, homens sábios que julgavam suas
tribos a partir das leis deixadas por Moisés.
Assim, após a morte de Moisés, os hebreus conquistaram a Palestina
liderados por Josué, considerado pelos historiadores um dos maiores generais da
história. Formou regimentos com guerreiros jovens, que ao contrário de seus
pais estavam desejosos de combater por Iaveh, o Deus de Israel. Os regimentos
foram organizados a partir das doze tribos que formavam a confederação hebréia.
A estratégia inicial de Josué consistiu em montar seu quartel general em
Gálgala, ao oriente da cidade de Jericó, e a partir daí atacar as cidades de Ai
e Gabaom. Em Gálgala já estavam estabelecidas as tribos de Rubem, Simeão e
Manassés. Ali havia água em abundância, provisão para os combatentes e lugar
seguro para armazenar os despojos.
Guerra de extermínio
Antes de iniciar o período da conquista, Josué deu combate aos grupos
inimigos, nômades, que poderiam ameaçar a produção agrícola das tribos já
instaladas em Gálgala. Só
depois disso, tomou Jericó, fortaleza avançada do território de Canaã e
conhecida na época como "a princesa do vale do Jordão".
A cidade de Jericó data, segundo pesquisas arqueológicas, do ano oito
mil antes de Cristo. Por ter uma fonte e um oásis e estar estrategicamente
situada, foi ocupada por povos diferentes, como os amorreus e cananeus, e
muitas vezes destruída. Antes da conquista por parte dos hebreus, foi atacada
por faraós da 18a dinastia e totalmente destruída. De novo reconstruída, tinha
nessa época muros altos, de pedras macho e fêmea, duas torres, e casas
retangulares e espaçosas.
Essa linda cidade, que também recebia o nome de Cidade das Palmeiras,
dominava o vale do Jordão e as passagens para as montanhas do oeste. Antes de
atacá-la, Josué enviou dois jovens oficiais do recém formado exército para
espionar a região. Eles entraram na cidade, foram protegidos e escondidos por
uma prostituta chamada Raabe, e depois voltaram ao quartel general de Josué com
uma grande notícia:
-- Realmente Deus nos deu toda esta terra. Os seus habitantes estão
apavorados com nossa presença.
Josué então chamou os sacerdotes, que leram para os oficiais e soldados uma
ordem que Deus tinha dado a Moisés.
"Quando saírem para guerrear contra teus inimigos, se virem
cavalos, carros de combate e um povo mais numeroso do que vocês, não fiquem com
medo, pois com vocês está o Senhor Deus, que tirou vocês do Egito. Quando
estiverem para começar o combate, o sacerdote se aproximará para falar aos
soldados e lhes dirá: 'Ouve, ó Israel! Estais hoje prestes a guerrear contra
teus inimigos. Não se acovardem, não fiquem com medo, não tremam, nem se
atemorizem diante deles, porque o Senhor Deus marcha com vocês, lutando com
vocês'."
Depois, os sacerdotes disseram:
-- Quem tem uma tenda nova e ainda não a usou? Volte para a sua tenda,
para que não morra na batalha e não possa curtir sua tenda nova. Quem plantou
uma vinha e ainda não colheu os primeiros cachos de uva? Volte para sua tenda,
para que não morra na batalha e não coma de seus primeiros frutos. Quem acaba
de casar-se e ainda não completou sua lua de mel? Volte para sua tenda, para
que não morra na batalha e não usufrua sua noite de núpcias.
E por fim os sacerdotes, perguntaram:
-- Quem está com medo e se considera um covarde? Volte para sua tenda
para que não contagie seus irmãos.
Então, Josué destacou os oficiais e definiu o ataque.
Por ordem divina, rodearam a cidade uma vez por dia, durante sete dias.
Tocavam trombetas, gritavam e saltavam. Ao sétimo dia, todo o povo, com os
soldados e os sacerdotes, rodearam sete vezes a cidade, tocando trombetas e
gritando. De repente, ao som mais agudo da trombeta, os muros caíram permitindo
a entrada do povo. A cidade foi amaldiçoada, seus habitantes executados, com
exceção de uma moça, prostituta, de nome Raabe e da família do pai dela. Os
despojos de ouro e prata foram levados para o tabernáculo, que era a tenda onde
estava a arca da aliança, com os Dez Mandamentos.
Foi uma guerra implacável. E diante disso, é o caso de perguntar: o
extermínio realizado pelos israelitas foi um ato justificável?
Na época, Canaã estava sendo permanentemente disputada por
conquistadores. Confederações de reinos, agrupados em torno de uma cidade,
lançavam-se contra outros pequenos reinos. Os filisteus, por exemplo, não eram
originários da região, vinham da ilha de Caftor, mais conhecida como Capadócia.
Instalaram-se na região de Gaza, exterminando os Avins que viviam nesse
território.
Assim, os hebreus tinham tanto direito à terra como os que foram
despojados. Eram conquistadores lutando contra conquistadores.
E quanto ao seu modo de atuar nas operações de guerra? Caso tomemos os
padrões guerreiros da época, os hebreus não eram nem mais sanguinários, nem
mais cruéis. Os assírios, por exemplo, decapitavam os povos vencidos, fazendo
pirâmides com seus crânios. Crucificavam ou empalavam os prisioneiros,
arrancavam seus olhos e os esfolavam vivos. Não há casos de tortura na tradição
guerreira dos israelitas.
Sem dúvida, Deus utilizou o povo de Israel para trazer sua justiça sobre
os cananeus. Seus costumes religiosos estavam entre os mais bárbaros de todo o
mundo antigo. Ofereciam sacrifícios humanos e infantis a seus deuses. Eram
idólatras, dominados por vícios vergonhosos e abomináveis. É interessante notar
que antes dos hebreus se lançarem à conquista da Palestina, Deus lhes falou:
"Ó Israel, hoje vocês estão atravessando o rio Jordão para conquistar
nações mais numerosas e poderosas, cidades grandes e fortificadas. (...)
Portanto, vocês devem saber que o Senhor Deus vai atravessar na frente, como um
fogo devorador. É ele quem exterminará. Vocês, então, desalojarão rapidamente
esses povos, os farão perecer, conforme falou o Senhor Deus. Quando Iaveh os
tiver removido de sua presença, vocês não devem dizer nos seus corações: 'É por
causa da nossa justiça que O Senhor nos fez entrar na posse dessa terra'. É por
causa da perversidade dessas nações que Iaveh irá expulsá-las da tua
frente." (Deuteronômio 9:1, 3 e 4).
Dessa maneira, os cananeus estavam sendo punidos por Deus por causa de
seus crimes, sua idolatria e vida promíscua. E, também, para evitar que seu
exemplo levassem os hebreus aos mesmos erros. Segundo a maneira de pensar dos
antigos israelitas, Deus responsabiliza tanto as nações como os indivíduos.
Vitória quase completa
Depois da conquista de Jericó, Josué tomou a cidade de Ai, que fazia
fronteira com Gálgala. Recebeu, então, a visita de embaixadores do reino de
Gabaom com os quais Josué celebrou uma tratado de paz, sem consultar antes o
Deus de Israel.
Os reis de Jerusalém, Hebrom, Jerimote, Laquis e Eglom formaram uma
aliança e atacaram Gabaom. Como Josué havia feito um acordo bilateral com
Gabaom, teve que sair em sua defesa e lançar um ataque contra os cinco reis.
Conseguiu derrotá-los e conquistou as cidades de Maceda, Libna e Laquis.
Estabeleceu um acampamento provisório perto de Eglom e daí lançou-se à
conquista de mais três cidades, Eglom, Hebrom e Debir. A essa altura, já havia
ocupado toda a região central e sul da Palestina.
Josué voltou então para Gálgala. Descansou meses e começou a organizou os
futuros ataques ao norte de Canaã, região onde estavam localizadas cidades
populosas e fortificadas.
O rei de Asor chefiava uma confederação de reinos e ficou sabendo dos
planos de Josué. Reuniu, então, todas as cidades vizinhas e organizou uma
confederação para enfrentar militarmente o exército hebreu. A mais violenta das
batalhas aconteceu às margens do rio Merom. Josué derrotou os exércitos
confederados, queimou a cidade de Asor e tomou todas as cidades dos reinos
aliados. Estrategicamente, foi sua maior vitória, pois com ela quebrou o poder
dos cananeus.
Mas nem todos os habitantes da Palestina tinham sido exterminados.
Cidades importantes ficaram intocadas, principalmente as da região norte da
Filístia.
Foi longa a guerra da conquista, durou 45 anos.
Apesar de ser o maior general da história de Israel, Josué cometeu três
erros: fez aliança com os gabaonitas, permitiu aos jebuseus permanecerem em
Jerusalém e não destruiu as bases dos filisteus no litoral.
Esses erros, isolaram as tribos de Judá e Simeão do resto do país. A
entrada principal para o território de Judá ficou sob controle dos jebuseus,
que ocupavam Jerusalém. E toda a região permaneceu cercada pelas cidades dos
gabaonitas. Esta situação criou um separatismo entre as tribos do norte e as do
sul e acabou fracionando a confederação hebréia.
A divisão da terra
A repartição da terra foi feita parcialmente em Gálgala e depois em
Siló, cidade para onde havia sido transportada a tenda da congregação. Essa
primeira distribuição de terras foi realizada por uma comissão formada pelo
sacerdote Eleazar, pelo general Josué e por dez chefes dos clãs. Havia uma lei
básica, que já havia sido promulgada e que orientava a divisão. As tribos mais
populosas receberiam as porções maiores. Os sacerdotes destinaram duas urnas,
uma para receber o nome das tribos e outra para as regiões da Palestina que
seriam sorteadas. Assim, o método de distribuição combinava a sorte - podia ser
no sul, no centro ou no norte da Palestina -, com um elemento objetivo, a
população de cada tribo. As questões de limites ou permanência de tribos nos
lugares onde já se encontravam, como era o caso das tribos de Rubem, Simeão e
Manassés, foram decididas pela comissão.
Depois de uma semana de trabalhos, a confederação das tribos de Israel
estava assim distribuída:
· A parte montanhosa ao sul foi entregue à tribo de Judá.
· A parte montanhosa ao centro, à tribo de José. Este território foi dividido
entre as tribos de Efraim e Manassés, filhos de José.
· A parte montanhosa central coube à tribo de Benjamim.
· A parte excedente do território entregue a Judá, por ser grande demais, ficou
com à tribo de Simeão.
· O território que limitava a parte montanhosa central com a região norte foi
entregue às tribos de Zebulom e de Issacar.
· A região costeira coube às tribos de Aser e Naftali.
· Dois territórios foram entregues à tribo de Dã, um no litoral central e outro
no extremo norte.
· Os territórios ao oriente do Jordão foram entregues as tribos de Rubem e
Gade. A parte que coube a Manassés também estava do lado oriental do rio
Jordão.
Era tradição no antigo Oriente Médio que o crime de sangue fosse vingado
por um parente da pessoa assassinada. Através de Moisés, Deus deu ao povo uma
legislação que punia severamente os crimes contra a pessoa, fossem eles
assassinatos, seqüestros ou violências sexuais. Com isso, Deus tirava a justiça
das mãos do vingador individual e a colocava sob responsabilidade social. Mas
Josué sabia que muitos crimes podiam acontecer sem premeditação, por acidente
ou imprevisto. Por isso, criou também as cidades de refúgio, onde pessoas que
ainda não tinham sido julgadas e condenadas pela justiça recebiam o direito de
asilo. Era uma forma de oferecer misericórdia àqueles que involuntariamente
tinham cometido um erro.
Nas cidades de refúgio nenhum vingador de sangue tinha permissão para
entrar, e dentro dela os perseguidos tinham o direito de viver sem serem
molestados.
Terminada a guerra, Josué pediu aos dirigentes da confederação de
tribos, como recompensa pelos serviços prestados, a cidade de Timnate-Sera, que
ficava no alto do monte Efraim. Viveu aí seus últimos dias e morreu com 110
anos.
AUTOR DESCONHECIDO
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