INTRODUÇÃO
Sou pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) há cinco
anos e, enquanto cursei o seminário, trabalhei como evangelista na mesma
denominação por um período de três anos.
Ao tomar a decisão de escrever este trabalho, o
fiz por duas razões: primeiro por amar minha igreja e em segundo lugar porque
queria ter maior conhecimento sobre a teologia subjacente à práxis do poder
pastoral de minha igreja. Confesso que as duas razões foram muito importantes
ao escolher o tema, porque tenho visto muitos colegas de pastorado
desacreditando em nosso sistema de governo.
Tenho observado, nesse período em que estou
atuando como pastor, muitas falhas nas lideranças de nossas igrejas. Por vezes
essas falhas são causadas por colegas que utilizam suas atribuições pastorais,
com autoritarismo. Acreditam que ao serem ordenados, tornam-se perfeitos e que
todos os seus desejos e sonhos são os melhores para a igreja, o que os leva a
não aceitarem oposições dentro dos conselhos instituídos.
Outra questão relacionada à liderança refere-se
à postura de presbíteros que, uma vez legitimamente ordenados, assumem
determinadas atribuições inerentes ao ministério pastoral. Tal atitude os levam
a não respeitarem mais ao seu pastor, muitas vezes desrespeitando também a
posição dos membros que os elegeram.
Esses desvios de papéis desencadeiam conflitos
internos que acabam por enfraquecer as lideranças de nossas igrejas quando
deveríamos nos fortalecer enquanto organização, na busca do cumprimento de
nossa missão como Igreja.
Vivemos dias em que o número de igrejas tem se
multiplicado. Diversas denominações têm surgido, e muitas delas têm alcançado
nossos membros por meio da televisão, rádio, jornais e revistas.
As denominações pentecostais e neo-pentecostais
trazem uma nova proposta de culto que se distancia de nossos cultos clássicos.
Em sua liturgia há espaço para as palmas, ritmos musicais diversificados,
testemunhos, entre outras formas de adoração. O mesmo não acontece em nossos
cultos clássicos, que carecem de espaço para participação mais ativa dos fiéis,
mais espontâneas e contextualizadas. Esses cultos têm trazido a nossos membros
uma nova percepção da forma de cultuar a Deus, e também novas doutrinas; e que
tem trazido a nós já algum tempo alguns problemas. Entretanto parece-nos que
ainda não conseguimos lidar com estes problemas.
Se por um lado temos fiéis desejosos de
diversificar sua forma de adoração, por outro, temos um grupo significativo de
pastores e presbíteros que insistem em manter o estilo de culto do século XVI.
Nesse contexto instala-se o conflito. As
diferentes necessidades do grupo geram expectativas e, muitas vezes,
descontentamentos. O papel do pastor é de suma importância para a solução dos
conflitos internos de sua igreja. No entanto, nem sempre esses lideres estão
abertos ao diálogo franco, às decisões coletivas, ao consenso democrático que
se abram para as mudanças.
Do mesmo modo que algumas lideranças fecham-se
às mudanças e impõem suas posições de manutenção de modelos tradicionais de
culto, outras há que tentam impor às suas igrejas a participação em novos
movimentos, do mesmo modo desprezando o desejo da maioria.
Quando os lideres não conseguem sustentar suas
posições diante dos liderados tornam-se intolerantes e autoritários, o que os
leva a perder a legitimidade de seu poder pastoral, causando, como tem
acontecido freqüentemente, cismas na igreja. Quando o pastor não tem ao seu
lado a maioria do seu Conselho, ele é descartado. Seus anos de estudos, sua
vocação, seu amor a Deus, tudo passa a ser questionado e a partir daí seus
sonhos ministeriais parecem ter acabado.
Diante dessa crise que vive nossa instituição,
sem dúvida alguma, os pastores têm sofrido sérias conseqüências. Esses e outros
problemas têm levado muitos pastores a questionar sua vocação-funcional. Daí
advém meu interesse em analisar questões relacionadas ao exercício do poder
pastoral neste momento histórico-cultural em que vivemos. Ao analisar o poder
pastoral pretendo ajudar a nós pastores a descobrirmos um caminho para uma ação
pastoral que possa ser relevante para os nossos dias.
Neste trabalho busco
compreender o discurso do poder pastoral na Igreja Presbiteriana do Brasil.
Qual o tipo de poder pastoral tem sido proposto pela Igreja Presbiteriana do
Brasil? Se eu conseguir responder a esta pergunta, tenho certeza de que estarei
abrindo um caminho para um diálogo sincero acerca de nossas posições pastorais.
CAPITULO I
A TEOLOGIA BÍBLICA DO PODER PASTORAL NO NOVO
TESTAMENTO
As Escrituras Sagradas estão repletas de textos
referentes à figura do pastor e de conceitos sobre o poder. Entretanto nos
preocuparemos em estudar somente os textos que se encontram no Novo Testamento,
uma vez que estes textos abrangem todos os aspectos do ministério do pastor e
de como o poder deve ser visto por estes.
1. O poder pastoral é um modelo de
poder-serviço
O conceito de
poder-serviço aparece primeiramente no N.T. nas palavras de Jesus e em sua
própria vida. Jesus era um líder-servo em todos os sentidos do conceito. Jesus
viveu para o cumprimento de sua missão.
Ela dará à luz um filho e lhe
porão o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles (Mt
1:21).
O anjo, porém, lhes disse: Não
temas: eis aqui vos trago boa nova de grande alegria, que o será para todo o
povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o
Senhor (Lc 2:10-11).
Da descendência deste, conforme a
promessa, trouxe Deus a Israel o Salvador, que é Jesus (At 13:23).
Jesus começou a cumprir
sua função de Pastor (poimẽn[1])
messiânico pela casa de Israel[2].
Entretanto, Ele foi enviado para a salvação do mundo e não apenas de Israel,
como nos mostram os seguintes textos:
No dia seguinte, viu João a
Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado
do mundo! (Jo 1:29).
Porque Deus amou ao mundo de tal
maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça,
mas tenha a vida eterna (Jo 3:16)
Sua vida foi uma
dedicação completa a esta missão. A missão era estruturante da compreensão do
poder pastoral de Jesus.
Da mesma forma que Jesus,
seus discípulos mais próximos, o qual hoje denominamos de apóstolos, viveram em
função da missão. Segundo os relatos dos próprios apóstolos foi Jesus quem os
comissionou:
Jesus, aproximando-se,
falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide,
portanto[3],
fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo (Mt 28:18-19).
E disse-lhes (Jesus)[4]:
Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for
batizado será salvo, quem, porém, não crer será condenado (Mc 16:15-16).
e (Jesus)[5]
lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer, e ressuscitar
dentre os mortos no terceiro dia, e que em seu nome se pregasse arrependimento
para remissão de pecados, a todas as nações, começando em Jerusalém. Vós sois
testemunhas destas cousas (Lc 24:46-48).
Disse-lhes, pois, Jesus outra
vez: Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio (Jo 20:21).
Os apóstolos se dedicaram
a essa missão dando assim continuidade à missão de Jesus. Enquanto Jesus se
dedicou exclusivamente a Israel, os apóstolos receberam de Jesus a ordem de ir
a todas as nações anunciando o Evangelho. Semelhantemente a Jesus, os apóstolos
viram a missão como estruturante do poder pastoral.
Considerando a missão
estruturante do poder pastoral, podemos afirmar que o poder pastoral é
poder-serviço. Toda a ação do pastor como agente do Reino de Deus deve ser a
serviço da missão.
A missão[6]
de Jesus e de seus discípulos era conduzir a humanidade de volta a um
relacionamento pacífico com Deus. Jesus morreu para salvar todo o mundo (kosmo),
e, seus discípulos deveriam anunciar a grande salvação que Jesus conquistou
através de sua morte e ressurreição para toda a humanidade.
Jesus e os apóstolos, ao
se relacionarem com outros, buscavam em suas ações criar objetos concretos e
simbólicos que apontassem aos homens a salvação e o que é o Reino de Deus. Por
exemplo: as parábolas, a Ceia do Senhor, o batismo, etc.
É nas relações de
trabalho e fazeres do dia-a-dia que os grupos sociais produziam idéias,
valores, instituições. Eram nessas relações que as idéias, os conceitos do
Reino, os valores da vida eram transmitidos por Jesus e seus apóstolos, e
aqueles que cressem (aceitassem) passavam a fazer parte da nova comunidade que
foi inaugurada por Jesus Cristo.
O poder pastoral
implicava exatamente na construção dessa nova comunidade, na construção de uma
comunidade de santos que estavam ligados pela mesma fé, pelo mesmo espírito
libertador e serviçal.
Em seus discursos, eles,
sempre se colocavam na posição de servos, mesmo quando faziam uso de palavras
duras. Como Jesus o fez diversas vezes, dirigindo-se aos fariseus, escribas e
saduceus (Mt 16:6; Lc 13:1017; 14:1-6, etc.,), e como os apóstolos o fizeram
àqueles que se opunham, de alguma forma, ao evangelho (At 4:17-20; 5:1-11; At
13:8-12; 1 Co 5:3-7; etc). Seus objetivos eram sempre o propósito da missão,
levar a humanidade a conhecer o caminho da salvação. A missão era o centro e o
alvo de seus discursos e ações.
O apóstolo Mateus nos
deixa claro que Jesus conhecia toda extensão de sua missão ao escrever as
seguintes palavras: “Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus
discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas cousas
dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto, e
ressuscitado no terceiro dia” (Mt 16:21).
Em seu comentário sobre
estas palavras, Tasker diz o seguinte:
Ele tem discernimento profético
de tudo que Lhe está sobrevindo. Sabe que, embora todas as estradas que levam para
longe de Jerusalém estejam abertas diante dele, é a estrada para
Jerusalém que ele tem de palmilhar, e é nessa cidade “santa” que terá de sofrer
indignidades e injustiças nas mãos das autoridades religiosas, ser morto, e
ressuscitar no terceiro dia.[7]
O conhecimento que
possuía de sua missão o levava a exercer um poder-serviço; e este conhecimento
era motivador para exercer este poder-serviço.
Tasker diz o seguinte: “A
marca do reino de Cristo é a cruz do criminoso, em que Ele coroou um ministério
de serviço amoroso submetendo a sua vida a uma morte penal, pagando com isto o
elevado preço que tinha de ser pago...”.[8]
As palavras de Jesus:
“tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir...”
(Mt 20:28); demonstram bem o pensamento de Jesus com relação ao poder pastoral
como poder-serviço.
Os apóstolos, após a
festa de pentecostes (At 2), quando ocorreu a descida do Espírito Santo,
demonstraram ter compreendido sua missão, embora a princípio não em sua
totalidade[9].
Fez-se necessário um evento sobrenatural[10]
para que Pedro pudesse compreender que o Evangelho deveria ser pregado a toda
criatura, como fora ordenado na grande comissão. Entretanto a compreensão que
os apóstolos tiveram de sua missão os levaram a pregar o Evangelho, mesmo
debaixo de ameaças do Sinédrio para que não mais falassem a respeito de Jesus.
Lucas descreve a
perseguição que a Igreja começará a sofrer em seu inicio e a coragem de Pedro e
João diante do Sinédrio que os ameaçava, e proibia-lhes de mencionar o nome de
Jesus. A resposta de Pedro e João, descritas nas linhas abaixo, são uma
manifestação de que nesse momento de suas vidas, a missão, já era estruturadora
de suas ações. O poder pastoral que haviam recebido de Jesus na comissão já
estava sendo manifesto como poder-serviço. Eles foram capazes de colocar suas
vidas a serviço do Reino de Deus, como podemos perceber nas palavras dos
apóstolos: “Mas Pedro e João lhes responderam: Julgai se é justo diante de Deus
ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus; pois nós não podemos deixar de
falar das cousas que vimos e ouvimos” (At 4:19-10).
Marshall diz que neste
acontecimento “o aspecto principal, porém, é que a obediência superior, devida
a Deus, está em jogo, e esta obediência está em posição mais alta do que os
mandamentos de qualquer sistema religioso ou político (para os judeus,
tratava-se de um sistema único e exclusivo)”.[11]
Assim como Jesus, os
apóstolos estavam prontos para sacrificar-se em prol da missão, da implantação
do Reino de Deus.
O apóstolo Paulo também
tinha conhecimento de sua missão: “Porém, em nada considero a vida preciosa
para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que
recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At
21:24). Por isso, também manifestava um poder pastoral serviçal. Chamamos aqui
poder pastoral serviçal, aquele que é exercido como poder-serviço.
O poder pastoral é
salvífico e sacrificial, ou seja, está plenamente voltado à salvação do
indivíduo. O poder pastoral só pode ser considerado um poder-serviço quando
suas ações estão voltadas para o bem do outro, para a salvação do outro, ainda
que para isso o pastor tenha que doar sua própria vida.
Este poder-serviço é um
poder salvífico, pois sua finalidade como serviço, como missão é salvar todos
os indivíduos, é conduzir as pessoas ao céu; também é sacrificial, pois os
pastores estão dispostos a colocarem sua própria vida a disposição da missão, como
Jesus e os apóstolos fizeram; contudo este poder salvífico e sacrificial, na
visão bíblica, respeita a liberdade dos indivíduos.
Podemos afirmar que o
poder pastoral é um poder que busca através do consenso (comunhão) construir
uma nova comunidade. Este poder visa prestar serviço as pessoas, sem buscar
interesses próprios, nem de alguns, nem de alguma instituição, mas tão somente
o bem de todas as pessoas. Na visão bíblica o poder pastoral é uma práxis
libertadora, pois busca levar o indivíduo à salvação, libertá-lo do pecado e
conduzi-lo a uma nova ética de vida, através do discurso da chegada do Reino de
Deus.
Podemos concluir que o
poder pastoral é um poder-serviço, salvífico e sacrificial porque está
estruturado na missão. Por se estruturar na missão é um poder responsável.
Veremos na próxima seção que este poder está presente em toda a comunidade, uma
vez que todos são chamados para a missão.
2. O poder pastoral
convoca a comunidade para a responsabilidade da missão
Quando Jesus convocou
seus discípulos para a responsabilidade da missão, Ele não estava convocando
apenas seus discípulos mais próximos (os apóstolos), mas a todos seus
discípulos, de todas as épocas, a todos que creram e aos que virão a crer em
Suas palavras.
A multidão dos discípulos, chamados
pelo Senhor para a tríplice missão de ensinar, batizar e governar (Mt 28:19s),
alargam-se no Povo de Deus da nova Aliança que na diakonia tou logou (At 6:4); na fração do pão (At 2:42), e no ministério
caritativo (At 4:32ss), continua a missão recebida por Cristo.[12]
O apóstolo Pedro
compreendeu que esse poder pastoral serviçal não era algo exclusivo a eles
apóstolos, mas era um poder que deveria ser exercido por toda a Igreja de
Cristo. Esse conceito pode ser percebido através de suas palavras, ao escrever
aos eleitos que eram forasteiros da dispersão:
Também vós mesmos, como pedras
que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim
de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de
Jesus Cristo (1 Pe 2:5).
Vós, porém, sois raça eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de
proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz (1 Pe 2:9).
Pedro compreendeu que
havia sido chamado para proclamar o amor de Deus a todas as nações, povos,
raças e muito mais que isso, compreendeu que a Igreja havia sido chamada para
ser um povo de sacerdotes, isto implica dizer, que ela possui um poder
pastoral, a serviço do mundo.
Ênio R. Mueller reafirma
as palavras de Pedro que todos são sacerdotes e não alguns poucos ordenados
pela instituição[13].
Os crentes são as pedras que
gradativamente vão compondo a estrutura da construção. Enquanto esta construção
não está acabada, há uma missão a ser cumprida; a imagem usada sofre uma
pequena transformação, tornando-se a construção um templo, e as pedras, vivas
que são, os sacerdotes que nele oficiam. Os crentes são assim constituídos sacerdócio
santo. A palavra hierateuma designa o sacerdócio como coletividade,
o corpo de sacerdotes (Taylor). É significativo o fato de que todos fazem parte
dele, e não somente um grupo de clérigos institucionalmente ordenados ou alguma
casta sacerdotal.[14]
Uma vez que todos são sacerdotes; todos são
responsáveis pela construção da nova comunidade. Todos são chamados para ajudar
na edificação dessa casa espiritual e dessa forma manifestando o poder pastoral
para o cumprimento da missão. O cuidar das almas (pregar, discipular, ensinar,
servir) é um mandamento dado para todos os crentes (Mt 28:19-20; Mc 10:45;
16:15). O poder pastoral não exclui ninguém, pelo contrário, ele inclui a todos
na responsabilidade da missão.
Precisamos nos despertar para a noção de que
toda a igreja é missionária[15],
e que portanto, todos foram comissionados e não apenas aqueles que são
ordenados para o ministério ou os que recebem um chamado missionário
especifico. Diante da realidade que toda igreja é missionária, todos recebem
autoridade e poder para realizarem a missão. Com isso não se desprestigia o
lugar daqueles que são ordenados. Veja o que Charles Van Engen diz a respeito:
Ainda
assim, a ordenação é muito importante. Sua importância reside no fato de que as
pessoas ordenadas, por meio da consagração pessoal, da fé, do amor, da
esperança e do discipulado sacrificial, são chamadas por Deus para dedicar-se à
preparação do povo missionário para ministrar no mundo.
A
pessoa ordenada, nessa perspectiva, não é mais chamada para o ministério que
qualquer outra pessoa; ao contrário, é designada para capacitar cada membro no
ministério. Precisamos compreender que esses líderes não podem capacitar se não
tiverem autoridade sobre os discípulos dispostos a trabalhar. Essa autoridade
é-lhes outorgada com o fim de fazer deles discípulos dedicados e servos obedientes
nas tarefas que desempenham.[16]
Toda Igreja é chamada para construir símbolos
que dêem aos seres humanos um acervo de saber (dimensão da cultura) que formem
sua identidade (dimensão da personalidade) e criem novas normas de ética e
conduta que estruturem a sociedade (dimensão da sociedade).
O poder pastoral é um poder que chama, que
convoca todos à responsabilidade. Podemos dizer que é um poder que convoca
todos para à construção do mundo-da-vida.
Embora todos sejam considerados sacerdotes, o
próprio apóstolo Pedro, demonstra que algumas pessoas foram separadas para o
exercício do pastorado.
Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu presbítero
como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda co-participante da
glória que há de ser revelada: Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós,...
(1 Pe 5:1-2).
O apóstolo diz que esses presbíteros ou
pastores[17]
deveriam ser modelos para o rebanho (v.3). O termo modelo designa que os
presbíteros seriam, nesse caso, objetos para serem reproduzidos por imitação,
pelo rebanho. O que Pedro estava querendo dizer com isso é que o poder
pastoral, vivido pelos presbíteros, seria reproduzido pelo rebanho em seu
serviço, como embaixadores de Cristo. Toda a comunidade exerceria o modelo de
poder pastoral vivido pelos pastores da comunidade.
O poder pastoral deve ser exercido por toda a
comunidade, pois todos são chamados a serem pregadores do Evangelho (Mc 16:15),
cooperadores do Reino de Deus (1 Co 3:9), ministros da Reconciliação (2 Co
5:18), todos são chamados a sujeitarem-se uns aos outros (Ef 5:21), a amarem
uns aos outros (Jo 13:34), a admoestarem uns ao outros em amor (Rm 15:14), a
chorarem com os que choram, a consolarem uns aos outros (1 Ts 5:11), a
interceder em favor dos outros (1 Ts 5:16). O chamado para o serviço pastoral é
para toda a comunidade, diante disso o poder pastoral pertence à toda a
comunidade. Entretanto, alguns são levantados por Deus, para conduzirem seus
membros ao perfeito exercício desse poder-serviço ou poder comunicativo.
A pastoral é a mediação da salvação na Igreja e através
dela. Se se compreende a Igreja como povo de Deus e – MISTÉRIO de Cristo no
sentido pleno do seu caráter humano-divino, então toda a Igreja resulta responsável
pela pastoral dentro do ordenamento estruturado hierarquicamente[18],
determinado pela universal convocação cristã, pelo oficio e pelo carisma, e
de acordo com a diversidade das tarefas.[19]
Toda a comunidade exerce um poder-serviço para
com as pessoas, porém, todos devem sujeitar-se ao pastor da comunidade, que,
por sua vez é chamado para ser modelo do rebanho, devendo então ser um modelo
do poder serviço (1 Pe 5:3).
A afirmação de que o poder pastoral deve ser
vivido por toda a comunidade nos traz um certo desconforto proveniente da
incompreensão do conceito de “pastor”. No entanto, não encontramos nenhum
desconforto quando afirmamos que todos na igreja são missionários. Talvez
devêssemos pensar melhor no que significa ser missionário. A separação[20]
que a igreja fez durante anos do que é Igreja e do que é Missões, levou-nos a
construir um conceito e um lugar concreto para a palavra “pastor” e para a
palavra “missionário”.
Entendo que “Igreja” e “Missões” passaram a ser
vistos isoladamente, a partir do momento em que a Igreja Católica usou o poder
pastoral para tornar os membros refém da própria Igreja. O ensino da Igreja era
que somente nela[21] o
povo poderia obter salvação, somente o sacerdote (padre ou pastor ordenado)
poderia exercer o poder pastoral para impetrar benção, ministrar os
sacramentos, etc., se tornando assim os únicos mediadores da graça de Deus aos laicatos.
Vimos até o momento que a Palavra de Deus nos
mostra que o poder pastoral é um poder-serviço porque está estruturado na
missão e está presente em toda a comunidade, embora alguns recebam um chamado
especial para ser pastor.
A carta do apóstolo Paulo à Igreja de Eféso é a
base desse pressuposto. Vejamos:
Efésios 4:11-13
Paulo ao escrever sua carta a igreja de Éfeso
(4:11) fornece uma lista contendo cinco ministérios: apóstolos, profetas, evangelistas,
pastores e mestres. Paulo não está preocupado em apresentar uma lista completa
de ministérios aos irmãos de Éfeso, como podemos verificar, por meio de uma
comparação com sua primeira epístola aos irmãos de Corinto (1 Co 12:28).
Segundo Francis Foulkes, “o apóstolo não está
pensando nos ministros de Cristo em seus ofícios, mas sim em seus dons
espirituais específicos e suas tarefas,...”[22].
Temos visto que essa lista de ministérios,
descrita na carta de Éfeso, tem definido na história da igreja os ofícios de
liderança da mesma. Considerando que a igreja presbiteriana acredita que o
ministério dos apóstolos e profetas[23]
já está extinto, sobram neste caso os ministérios do evangelista, pastor e
mestre. Contudo, precisamos compreender que Paulo não estava tão preocupado em
definir a lista de ministérios da igreja, mas sim em dizer que esses
ministérios são dons de Cristo para a igreja. Tal compreensão é importante,
pois, a partir dela poderemos reconhecer que esses ministérios não são dados a
qualquer membro do corpo, mas para àqueles que receberam de Cristo o dom para
exercê-los, isso é, que foram separados por Cristo para tal tarefa.
A expressão a uns registra o fato de que
nem todos podem exercer tais ministérios, além do mais, essa expressão indica também
o fato de que, nessa passagem Paulo não trata esses ministérios como cargos ou
departamentos da igreja. Esses ofícios não devem ser tratados apenas como uma
função dentro de uma estrutura eclesiástica inorgânica. A expressão a uns
está totalmente ligada a pessoas, significa que dentro do Corpo de Cristo uns
receberam autoridade e poder-divino para exercerem oficialmente determinadas
funções e outros não.
“A Igreja pode indicar homens para diferentes
trabalhos e funções, mas, a menos que tenham os dons do Espírito e sejam,
portanto, eles mesmos os dons de Cristo à Sua Igreja, sua indicação será sem
valor”.[24]
Para Paulo os ministérios citados em sua
epístola aos Efésios não possuem poder porque a instituição lhes conferiu poder
nem porque declararam a si mesmos possuidores desse poder. O poder que esses
ministros possuem provém de Cristo, provém de fonte divina e não humana.
No Novo Testamento a palavra “igreja” não
aparece com o sentido de prédio ou uma instituição, mas como “corpo”, como algo
que possui vida. Paulo escreve sua lista de ministros com essa visão de igreja
orgânica, igreja o Corpo de Cristo.
Podemos concluir diante das palavras do próprio
apóstolo Paulo que para ele (Paulo) o pastor não é apenas uma pessoa que possui
um cargo numa instituição. Paulo compreende o pastor como uma pessoa separada
por Cristo, de quem recebeu o dom para exercer o pastorado.
O pastor possui um poder legitimado por Deus
para exercer sua função dentro do corpo de Cristo, embora os demais membros
sejam vistos como detentores do mesmo poder pastoral para o serviço do reino,
na comunidade estes devem sujeitar-se ao pastor.
Podemos dizer que o poder pastoral é um poder
comum a todos, não é exclusivo daquele que é levantado por Deus de quem recebe
poder para exercer o pastorado. Ele é um poder que interage por meio de todos,
pois não é exclusivista, mas sim vivido por toda a comunidade, não esta sujeito
ao próprio pastor, mas a Deus.
Uma vez que Paulo demonstrou que o pastor foi
concedido à Igreja por Cristo, ele preocupou-se em justificar a razão pela qual
Cristo instituiu essa figura na nova instituição que se formava.
“Com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para
o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo[25]”
(Ef 4:12).
No entendimento de Paulo, o pastor é uma pessoa
separada por Deus, no meio de tantos que fazem parte do corpo, para aperfeiçoar
os santos.
A palavra aperfeiçoar (katartismos)
tem que ser destacada nesse texto, pois muitos pastores têm trabalhado
apenas para manter os santos como estão, não buscando aperfeiçoá-los na graça
que lhes foi concedida por Deus. Não trabalham para levá-los a um
aperfeiçoamento, isto é, a um desenvolvimento de sua salvação (Fp 2:12). Paulo
está dizendo que o pastor não recebeu poder (autoridade) de Cristo para apenas
manter o rebanho como está nem para apenas usufruir da gordura e da lã de suas
ovelhas. Para Paulo é indiscutível que o poder pastoral tenha que levar os
santos ao aperfeiçoamento, ao desenvolvimento de sua salvação.
Os santos precisam aprender como viver sua nova
vida em Cristo, como desfrutar da liberdade que Cristo lhes deu, em meio a um
mundo tenebroso, envolto pelos poderes malignos, repleto de falsas religiões e
ciladas que levam a destruição àqueles que se deixarem ser envolvidos por ele. Os
santos precisam aprender a lidar com um sistema que os cerca que é, por tantas
vezes, injusto, opressor e alienador. Cabe a esses homens, que receberam de
Deus o poder pastoral, aperfeiçoar os santos para viverem livres no mundo que
constantemente os busca aprisionar.
Esse aperfeiçoamento busca levar os santos a
desempenharem seu serviço. “Com vistas ao aperfeiçoamento dos santos
para o desempenho do seu serviço” (Ef 4:12). O poder pastoral visa desenvolver
ou aperfeiçoar os santos em sua fé com a finalidade de que eles desempenhem o
serviço que lhes foi outorgado por Cristo.
Os santos são aperfeiçoados para, com o pastor, pastorear o mundo.
Jesus viveu para libertar as pessoas do pecado
e de suas conseqüências; sua práxis pastoral visa libertar o individuo de si
mesmo e deste mundo opressor. Não nos esqueçamos de que essa libertação visa a
todas as dimensões da vida.
Diante disso, temos que Jesus liberta as
pessoas de si mesmas e do mundo que as oprime - entre as pessoas que Jesus
liberta, ele escolhe algumas para pastores. Esses pastores[26]
trabalham na Igreja ou no corpo de Cristo como administradores ou gerenciadores
do corpo, levando os demais membros a um aperfeiçoamento do seu serviço. O
resultado desse aperfeiçoamento é que a Igreja deve se transformar numa agente
libertadora do mundo como Cristo o foi.
As pessoas libertas pelo poder de Jesus manifestado agora através da
Igreja, a ela se unem e dão continuidade à existência da Igreja. Esse é um
círculo que terá seu fim somente com a parousia.
Jesus Liberta as pessoas do mundo ➜ As pessoas libertas se tornam a Igreja de Cristo
Jesus separa alguns de dentro da Igreja para serem pastores
Os pastores treinam os membros da Igreja de Cristo para serem sal e luz do mundo
As pessoas treinadas pelos pastores vão ao mundo, em nome de Jesus, para libertarem mais pessoas
No quadro acima podemos
ver como esse círculo funciona. Diante dessa visão, percebemos a grande
importância do pastor para a Igreja de Cristo.
O pastor tem a função de
aperfeiçoar, treinar, administrar os dons da Igreja para que todos desempenhem
a sua missão libertadora. Faço aqui uma ressalva: embora o pastor seja separado
para o aperfeiçoamento da Igreja, ele pastor não está afastado da missão da
Igreja, assim, como os membros não estão afastados do seu chamado pastoral para
com o mundo. O pastor faz a missão junto com a Igreja, porque não se separam os
membros do corpo, não se separa o braço da perna, como não se separa o olho do
ouvido. O corpo deve agir em unidade, todos os seus membros devem trabalhar
juntos para que o todo funcione bem.
No funcionamento pleno
desse círculo é que se concretiza “a edificação do corpo de Cristo”. Para que
essa edificação venha a acontecer, para que a Igreja alcance sua maturidade (Ef
4:13), ela precisa do pastor treinando-a para ser agente transformadora
(libertadora) do mundo.
Paulo, por meio desse
texto, dá uma importância fundamental aos pastores, as esses homens que
receberam do Senhor Jesus poder para pastorear.
O poder pastoral,
conforme o texto, serve para aperfeiçoar a Igreja para sua missão e em
conseqüência para edificá-la.
“Até que todos[27]
cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita
varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4:13). A
palavra todos inclui nestes versos o pastor.
O poder pastoral exercido
sobre a igreja a conduz à maturidade, incluindo o próprio pastor. Não há na
igreja de Cristo, quem não precise aprender, quem não precise se submeter em
amor ao outro. É precisamente na unidade
promovida quando todos estão na busca do aperfeiçoamento, do desenvolvimento
que todos chegamos a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus.
Para Paulo, o poder do
pastor é um poder dado por Cristo para o aperfeiçoamento dos santos, que por
sua vez devem servir como Cristo serviu e dessa forma edificar a igreja. Cristo
pastoreou todo o povo de Israel, não apenas seus discípulos. Isso se faz
presente em seus discursos aos fariseus, em seu diálogo com a mulher
samaritana, na purificação dos leprosos, no contato com os doentes que vinham
até ele. Assim a Igreja é chamada para pastorear o mundo.
Cumpre enfatizar que o poder pastoral é um
poder não imposto, não opressor por estar estruturado na missão (que é
sacrificial e salvífica) e porque convoca todos para a construção do Reino de
Deus ou podemos dizer, para a realização da missão.
Na próxima seção veremos que esse poder
pastoral não pode ser usado da forma que bem pretendermos por estar a serviço
do Reino de Deus e de seu rei, Jesus.
3. O poder pastoral
está a serviço do Reino de Deus
Podemos dizer que o poder
pastoral está sujeito à missão e que esta está sujeita a Deus (Missio Dei),
uma vez que é Ele quem convoca e quem capacita os indivíduos. Baseados nisso,
podemos afirmar que o poder pastoral está a serviço do Reino de Deus. Essa
afirmação, por si mesma, já designa que o poder pastoral não pode ser usado
para interesses próprios ou de terceiros.
O poder é algo que nos
fascina e que nos corrompe. Lidar com o poder é extremamente perigoso, por isso
é sempre bom ter em mente que o poder pastoral é um poder-serviço e que está a
serviço do Reino de Deus. A partir dessa afirmação analisaremos alguns aspectos
do poder pastoral.
3.1 O exercício do
poder pastoral não deve ser imposto a ninguém
Nesta seção nos ateremos
mais à pessoa do pastor e as suas atribuições.
Pedro, o apóstolo, após
entender o poder pastoral como um poder a serviço do Reino de Deus escreve em
sua carta as seguintes palavras: “Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós,
não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer;...” (1 Pe 5:2).
Ele escreve, aos
presbíteros, exortando-os que deveriam pastorear o rebanho. Segundo o relato de
sua carta, o rebanho estava espalhado em diversas regiões por causa da grande
perseguição aos cristãos, no primeiro século (1 Pe 1:1).
Cumpre lembrar que a
idéia de pastorear está ligada ao trabalho do pastor de ovelhas. Isso significa
que o apóstolo Pedro está dizendo aos presbíteros, que eles deveriam alimentar
o rebanho de Deus e protegê-lo dos inimigos que querem destruir sua fé.
Mas isso não deveria ser
feito por constrangimento. Os presbíteros deveriam pastorear por livre desejo,
voluntariamente. Isto implica dizer que as pessoas que possuíam tal oficio
dentro da igreja deveriam pastorear o rebanho pelo amor que tinham a Jesus. Uma
pessoa que fosse pressionada a aceitar o cargo, possivelmente não assumiria de
coração o rebanho e não se dedicaria como deveria.
Alguns podem ser constrangidos,
pressionados a aceitá-lo, o que não é bom quando tem como conseqüência que eles
não o assumem de coração e a ele não se entregam verdadeiramente. Devem faze-lo
sempre espontaneamente (gr. ekusios, de livre vontade, de boa
vontade). Assim é como Deus quer (gr. Kata theon, que poderia
significar também “da forma que Deus o faz”; mas o mais provável é que o
sentido seja mesmo “de um modo que agrade a Deus”, “que seja como Ele acha que
deve ser”).[28]
Essas palavras de Pedro
também nos servem como alerta para a escolha de futuros presbíteros e pastores.
Jesus não constrangeu a nenhum de seus discípulos a seguirem-no, ele tão
somente os chamava (Lc 6:12; Jo 1:35-51), e em uma certa ocasião chegou a
perguntar a eles se eles queriam deixá-lo (Jo 6:65-67). Pedro diz que o poder
pastoral não pode ser imposto a ninguém. Aquele que pastoreia deve fazê-lo por
espontaneidade, não por constrangimento.
Toda ação feita por
constrangimento não seria bem vista. Uma ação baseada no constrangimento significa
a falta de “consenso”. Constrangimento demonstra que a pessoa não foi
convencida pelo discurso apresentada a ela, de forma que se fez necessário o
uso da força (violência) para que essa pessoa aceitasse o ofício.
O poder pastoral deve ser
recebido com espontaneidade, isto é, aquele que recebe esse ofício, e, junto
com este o poder, deve fazê-lo por livre vontade. Somente uma pessoa que tenha
convicção de seu chamado, que tenha paz sobre este chamado deve aceitar esse
ofício.
Na prática eclesial “não
por constrangimento” significa que a pessoa que exercerá o poder pastoral, o
fará por ter convicção de que Deus a escolheu para esse ofício, não por alguma
outra razão.
Na construção do mundo da
vida o respeito à identidade dos indivíduos é algo fundamental. No entanto,
muitas vezes, isto não acontece no mundo e nem na igreja. Pessoas são
obrigadas, por diferentes circunstâncias, a exercerem cargos que não sentem o
menor desejo de fazê-lo. Dentro desse modelo inadequado de construção de mundo
é que encontramos pessoas infelizes, vivendo o que não queriam viver, lutando
por bandeiras as quais não queriam carregar. Por isso, dentro das igrejas,
encontramos pastores e obreiros cansados porque sentem um peso terrível sobre
si, um peso que na verdade não deveriam carregar. Pastores que assumiram esse
oficio por constrangimento. Pessoas que se sentiram coagidas a se tornarem
pastores porque falavam bem ou porque não havia pastores onde moravam ou por
outras circunstâncias. Em fim, pessoas que foram colocadas nesse cargo por
outras sem levarem em conta a palavra do apóstolo Pedro. Muitos pastores
continuam a perpetuar esse modelo constrangedor sobre suas igrejas impondo a
seus membros cargos que estes não desejam ou não possuam o dom para exercer.
As pessoas devem ter
liberdade para se expressarem, para lutarem por aquilo que desejam. Essa
liberdade deve ser assegurada a todos.
A igreja, como
instituição, deve assegurar a todos essa liberdade, não forçando ninguém
assumir tarefas indesejáveis. Pelo contrário, deve sim lutar pela liberdade de
todos os seus membros, ensinando-os e motivando-os a aprimorarem suas
habilidades e competências.
A proposta bíblica
consiste no consenso, de deixar que, por meio do debate de idéias com o grupo,
e de propostas, cada indivíduo tome suas próprias decisões. Diante disso,
podemos afirmar que o poder pastoral deve nascer sob a ação comunicativa, e não
pelo o uso da força e do constrangimento. O pastor surge da espontaneidade e da
voluntariedade de servir aos demais membros da igreja.
3.2 O poder pastoral
não busca glória para si mesmo
“Aquele, porém, que se
gloria, glorie-se no Senhor. Porque não é aprovado quem a si mesmo se louva, e,
sim, aquele a quem o Senhor louva”[29]
(2 Co 10:17-18).
O apóstolo Paulo
repreende aqui aqueles que buscam glória para si; aqueles que buscam serem
louvados entre os homens.
Nem mesmo os discípulos
de Jesus escaparam do desejo pelo poder.
Então chegou a ele a mulher de
Zebedeu, com seus filhos; e, adorando-o, pediu-lhe um favor.
Perguntou-lhe ele: Que queres?
Ela respondeu: Manda que, no teu reino, estes meus dois filhos se assentem, um
à tua direita, e o outro `a tua esquerda.
Mas Jesus respondeu: Não sabeis o
que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu estou para beber? Responderam-lhe:
Podemos.
Então lhes disse: Beberei o meu
cálice; mas assentar-se à minha direita e à minha esquerda não me compete
concede-lo, é, porém, para aqueles a quem está preparado[30]
por meu Pai (Mt 20:20-23).
Podemos encontrar
referências a este mesmo tema nos Evangelhos de Marcos (Mc 10:42-45) e Lucas
(Lc 22:24-27).
Tasker[31]
entende que nesse incidente, Tiago e João revelaram a força e a fraqueza do seu
discipulado. A fraqueza se faz presente pela falta de compreensão do Reino de
Deus, e a força pela resposta firme em participar do cálice que Jesus estava
para beber.
Não podemos nos esquecer
que para os judeus o Messias iria reinar para sempre e colocaria todas as
nações debaixo do domínio de Israel.
Morris diz que diante do
acontecimento “evidentemente, os discípulos pensavam que estava perto o reino
de Deus, e discutiam sobre o melhor lugar nele”.[32]
Poder, neste caso, está
ligado também com o termo prestígio. Sentar-se ao lado de Jesus implicava estar
nos lugares de honra, o que daria a eles prestígio, conseqüentemente poder,
diante dos demais pela posição de honra que ocupavam diante do rei.
Como descreve Tasker,
“toda esta preocupação ligada ao orgulho de posição do reino era evidência de
profunda incompreensão da parte de Tiago e João do sentido em que o termo
“grandeza” devia ser aplicado ao “glorioso colégio apostólico”.[33]
Tal acontecimento levou
Jesus a repreendê-los e a contrastar os dois modos pelos quais se pode exercer
autoridade e manifestar poder. Jesus lhes disse:
Sabeis que os governadores dos
povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim
entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós será esse o
que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo (Mt
20:25-27).
Segundo Tasker, quase
invariavelmente o poder corrompe homens e mulheres.
Nas sociedades compostas de
homens e mulheres pecadores, quase invariavelmente a posse de poder corrompe, e
os governantes facilmente se tornam tiranos e opressores; no entanto, todos os
potentados desse tipo sai intitulados “grandes”. No reino de Deus, dado que o
próprio Rei é servo, o titulo “grande” se reserva para os que, inspirados por
seu exemplo, gastam-se livres e alegremente a serviço de outros.[34]
O que Tasker está dizendo
é que no Reino de Deus são considerados grandes aqueles que vivem a serviço do
Reino. Viver a serviço de outros é viver a serviço do Reino. Esse ensinamento
aparece claramente na parábola do julgamento dos gentios (Mt 25:31-46), no
mandamento que determina que nos amemos uns aos outros (Jo 13:34-35).
Morris descreve o
ensinamento de Jesus, baseado no Evangelho de Lucas, da seguinte forma:
Entre os homens de Cristo o maior
deve ser como o menor, i.é, deve aceitar o lugar mais humilde. No
mundo antigo, aceitava-se que a idade dava privilégios. O mais jovem era, por
definição, o menor. No mesmo espírito, o que dirige deve ser como o que
serve. O lavapés que João registra foi uma ilustração notável da disposição
de Jesus de tomar o lugar daquele que serve. Fez assim embora tivesse o
direito ao lugar supremo e os homens naturalmente estimam o que janta como
sendo superior ao garçom.[35]
Morris diz que o grande
ensinamento desse texto é que “Jesus não está dizendo que se Seus seguidores
desejarem subir a posições muito elevadas na igreja, devem primeiramente ser
testados numa posição humilde. Está dizendo que o serviço fiel num lugar
humilde é em si mesmo a verdadeira grandeza”.[36]
O poder pastoral é um
poder a serviço do Reino, portanto não pode ser um poder usado para trazer
prestígio nem honra a ninguém. O poder pastoral deve ser voltado totalmente
para à vontade de Deus.
Quando o poder pastoral é
usado para auto-promoção, ele se torna um poder estratégico.
3.3 O poder pastoral
não busca riquezas
“Ninguém pode servir a
dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um, e amar ao outro; ou se
devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas”[37]
(Mt 6:24).
“Porque o amor ao
dinheiro é raiz de todos os males; e alguns nessa cobiça, se desviaram da fé, e
a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge
destas cousas; antes segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a
mansidão” (1 Tm 6:10-11).
Pedro diz “nem por
sórdida ganância, mas de boa vontade” (1 Pe 5:2). Esta preocupação de
Pedro, reflete a mesma preocupação de Jesus e do apóstolo Paulo, e também
revela o fato de que os presbíteros eram remunerados para o exercício do cargo.
Tais pessoas não poderiam sentir-se motivadas por causa do lucro que poderiam
obter através da fé, ou por causa de bons salários. Pedro aqui não faz objeção
à remuneração dos ministros ou aos salários dos obreiros. Adverte, sim, contra
o pecado da cobiça, a caça ansiosa de rendimentos. A tradução da BLH descreve
bem as palavras de Pedro: “não façam seu trabalho para ganhar dinheiro, mas com
o verdadeiro desejo de servir”.
Em segundo lugar Pedro
diz que o pastor não deveria servir por sórdida ganância. O amor ao dinheiro ou
ao lucro que se poderia obter por meio da fé não deveria ser de forma alguma um
mecanismo de incentivo àqueles que exercem o pastorado. Ninguém deve ser
investido do poder pastoral tendo como fim o dinheiro e não o cuidado com o
rebanho.
A humanidade criou a moeda[38]
(dinheiro) para que, por meio dela os homens pudessem realizar trocas de
matérias primas, alimento, etc. A moeda que foi criada para facilitar a vida
das pessoas, com o passar dos anos, tornou-se motivo de conflitos entre os
seres humanos. A moeda passou a tornar-se tão importante, que o mundo dos
homens começou a girar em torno dela. A moeda colonizou o mundo dos homens.
Diante disso devemos nos
perguntar: Será que também, em nossas igrejas tudo passou a girar em torno do
dinheiro (moeda)? O fim dos eventos promovidos pela igreja é a salvação, ou, o
dinheiro? Quando a moeda colonizou o mundo dos homens, ela colonizou a igreja?
A igreja que se encontra
colonizada pelo dinheiro não pode apresentar um poder pastoral onde todos são
protagonistas do poder, uma vez, que ela age apenas com a finalidade da
obtenção de lucros. Uma instituição colonizada pelo dinheiro é uma instituição
que tem suas ações na dimensão estratégica.
3.4 O poder pastoral
não é dominador
O próprio Jesus afirmou
ser o bom pastor: “Eu sou o bom pastor,...” (Jo 10:11, 14).
Na carta aos Hebreus
encontramos as seguintes palavras afirmando que Jesus é o pastor do rebanho:
“Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso
Senhor, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança” (Hb 13:20).
O apóstolo Pedro escreve
o seguinte aos presbíteros: “Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós,
[...]. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a coroa da
glória” (1 Pe 5:2, 4).
Algo que deve ser notado
é que o rebanho é de Deus e não dos presbíteros, nem do pastor. O pastor foi
colocado pelo próprio Deus para pastorear; mas o rebanho não lhe foi dado no
sentido do pastor ser o dono desse rebanho. O pastor está para servir o rebanho
e deverá prestar contas a Deus do seu serviço. Deus não fica indiferente ao
modo como suas ovelhas são tratadas. Diante as palavras de Pedro podemos,
afirmar que ele tinha consciência de que o pastor estava a serviço do Reino de
Deus.
Se o rebanho é de Deus,
precisamos cuidar para não nos tornarmos dominadores sobre o rebanho que não
nos pertence.
Quando o apóstolo Pedro
adverte os pastores a não serem dominadores do rebanho, ele está dizendo a eles
para não usarem o poder e autoridade de forma indevida, opressora. Muitos usam
seus títulos de pastor ou presbíteros para fazerem o que quiserem dentro da
igreja. Muitos se acham, por serem pastores ou presbíteros, donos da igreja,
coagindo e oprimindo o rebanho de Deus. Mueller diz: “às vezes, os líderes
cristãos têm a tendência a achar que os seus liderados são ‘ovelhinhas’ com as
quais se pode fazer qualquer coisa”[39].
Alguns pastores usam de
seu dom e ofício como meio para manipular as mentes de suas ovelhas. Não buscam
ensiná-las, mas manipulá-las. Pedro vai contra esta forma de poder-domínio
sobre o rebanho, pois é prejudicial tanto ao pastor como à igreja. Pelo contrário,
diz o apóstolo, o pastor (presbítero) deve ser o modelo.
O termo domínio transmite
a idéia de fazer uso do poder de forma maligna. Dominar é exercer um poder que
não permita ao outro fazer uso da liberdade; é exercer um poder com dimensão
estratégica.
Com o crescimento
populacional e com o desenvolvimento das cidades, o homem precisou organizar-se
para poder conviver em sociedade. Dessa necessidade, surgiram as diversas
formas de governo. De uma forma ou de outra alguns homens, ao longo da história
da humanidade, receberam poder para governar, para conduzir nações, cidades,
bairros, famílias, outras instituições. O poder que foi dado a esses homens é
um poder que deve ser voltado para o bem daqueles que lhe concederam o poder. O
rei deve governar em favor de seu povo, assim também o presidente, governador,
prefeito, etc., devem fazer uso do poder de forma a ajudar os que lhes
confiaram o poder.
Contudo, temos visto que
no mundo o poder se tornou um instrumento estratégico para manter o
poder adquirido anteriormente. Em toda nossa sociedade, as instituições estão
comprometidas com a manutenção, defesa e ampliação de seus domínios.
O poder tornou-se um
instrumento tão forte, que muitos lutam para possuí-lo. Nem sempre o poder está
nas mãos daqueles que elegemos em nosso país, mas nas mãos daqueles que
conseguem manipular o povo. O poder hoje se encontra de grande forma na mídia.
A mídia significa poder. Por isso é que os grandes políticos buscam possuir
hoje veículos de comunicação como televisão, jornal, etc.
A mídia possui um poder
avassalador, de forma que ela dita o que o mundo deve ser. Na verdade a mídia
deveria acompanhar o pensamento da humanidade, entretanto ela tem o poder de
fazer o pensamento da humanidade.
Esse poder foi descoberto
nos últimos anos pela igreja. Não sou contra o uso da televisão e outros meios
de comunicação para a pregação do evangelho, pelo contrário, acredito que
devemos usar todos os recursos disponíveis. Contudo a igreja não pode deixar-se
manipular pela mídia. A igreja tem um fim deixado por seu fundador e não deve
dele afastar-se de forma alguma; ou deixará de ser igreja.
Acredito que em nossas
igrejas existe um espaço histórico onde esse poder parece se concentrar, parece
que todos que ali falam ocupam, por um determinado momento um lugar divino,
sim, estou falando do púlpito. O homem que está no púlpito é visto como modelo,
suas palavras são divinizadas e seu poder na igreja é tão forte como o poder da
mídia o é no mundo secular.
O pastor pode através dos
discursos transmitidos à igreja, transformar a cosmovisão das pessoas.
Possivelmente conhecendo esse fato é que o apóstolo Pedro exorta para que os
pastores não sejam dominadores, que por intermédio de seus discursos não
produzam pessoas alienadas. Pelo contrário, espera que eles conduzam as pessoas
à liberdade. O apóstolo os adverte a serem modelos, isto é, a servirem, por
meio do modelo de seu pastorado, a fim de que toda a comunidade cumpra a
missão.
Pedro (v.4) os anima a
permanecerem fiéis no pastorado, afirmando que logo que Jesus Cristo, o Supremo
Pastor se manifestar, eles receberão o galardão merecido.
A verdade é que Pedro
compreendia que a Igreja tinha um só pastor, que guia todos os crentes ao
aprisco celeste. Contudo, durante a peregrinação, isto é, durante o período em
que cremos em Cristo e o momento final de sua revelação, a Igreja procurou, sob
a orientação do Espírito Santo, se organizar para melhor enfrentar as pressões
da vida e para melhor testemunhar a fé que ela proclamava. Nesse processo de
organização, Jesus, deu à Igreja, alguns homens para pastoreá-la, para serem
guias, homens que deviam ajudar a todos, sendo eles mesmo modelos para o
rebanho até a sua volta.
3.5 Reflexão sobre o
conceito do poder pastoral a serviço do Reino de Deus
Como vimos, para Pedro,
aquele que pastoreia o rebanho de Deus não pode fazê-lo por constrangimento,
nem por sórdida ganância, nem como dominador dos que vos foram confiados, antes
devem ser modelos. Pedro apresenta o modelo de poder pastoral usando os
aspectos negativos desse poder, isto é, ele trabalha em cima do que o poder
pastoral não pode ser.
O que o apóstolo Pedro
diz àqueles que pastoreiam é que eles não podem deixar-se serem colonizados
pelas estruturas de ações humanas que formam a sociedade. A igreja não é uma instituição
como as outras; a Igreja é o Corpo de Cristo e seus pastores devem compreender
que o poder que lhes foi dado deve ser usado de forma a dar continuidade à
práxis pastoral de Jesus.
Pedro (1 Pe 5:2-3) está
chamando a atenção dos pastores, pois estes fazem parte deste mundo, cheio de
estruturas sociais corrompidas, que dão valores às pessoas segundo suas funções
e objetivos. O pastor não está aos olhos de Pedro isento de cometer os mesmos
erros e de transformar seu dom, sua vocação em um meio para tirar proveito
daqueles que estão debaixo de suas responsabilidades. Muitos pastores caem
nessa tentação quando começam a se preocupar com a aceitação e aprovação de sua
congregação, quando almejam títulos, quando passam a viver na busca de status,
ou de serem beneficiados através de promoções eclesiais. Caminhando por esse
caminho que o sistema impõe aos pastores, como cidadãos deste mundo, acabam se
tornando instrumentos de opressão, e transformam suas igrejas em instituições
alienadoras, esclerosadas e despóticas. Para o apóstolo Pedro o pastor deve
servir e não buscar ser servido e somente dessa forma se tornará modelo para o
rebanho.
O poder pastoral deve ser
voltado totalmente para a vontade de Deus. O poder pastoral só será
verdadeiramente pastoral na medida que esse poder busca realizar a missão
outorgada por Jesus a nós, assim como Jesus viveu para realizar a vontade do
Pai (Jo 4:34).
Precisamos parar e
pensar: Será que nossa igreja Presbiteriana não tem colaborado, como
instituição, constrangendo pessoas a se tornarem pastores? Será que não temos
levado pessoas a se decidirem por esse ofício pensando numa dimensão
estratégica?
Será que atualmente
muitos de nossos pastores optaram pelo ministério pastoral por causa dos
salários que a igreja lhes oferece? Muitos não escolheram serem pastores porque
não conseguiram se desenvolver em outras áreas? Será que não foi porque
encontraram facilidades para estudar em nossos seminários, visto que os
presbitérios ou igrejas pagam seus estudos? Será que muitos de nossos
evangelistas não se tornam pastores porque a instituição os coloca em segundo
plano (status/salário)?
A colonização da igreja
deve-se ao fato de que ela, possivelmente, deixou de ser vista como Corpo de
Cristo e se tornou uma instituição dirigida por homens.
No lugar de buscar poder
e autoridade, o pastor deve servir seu rebanho com sua própria vida; no lugar
de buscar ostentação e satisfação para si, deve buscar satisfação de todo o seu
rebanho, fazendo com que Cristo seja glorificado por meio de toda igreja; no
lugar de manipular o rebanho, o pastor, deve libertá-lo de todas as cadeias que
o prendem, ensinando-lhes a verdade e permitindo que a própria verdade os
liberte.
Embora muitos sejam
atraídos pelo poder, por causa de suas prerrogativas de mandar, dar ordens, e
exigir cumprimento, conforme é compreendido por nossa cultura ocidental, e
manifestada através de nossa política-sócio-econômica; em nosso estudo
observamos que os grandes líderes bíblicos do Novo Testamento compreendiam o
poder como prerrogativa para servir, e não para ser servido. Suas vidas, assim
como a de Jesus, são ainda hoje exemplos de vidas a serviço do Reino de Deus.
4. O poder pastoral é
co-participativo
A Palavra de Deus nos
mostra claramente que Cristo é o cabeça[40]
da Igreja (Ef 1:22,23; 5:23). Isso significa, que Cristo tem o poder sobre a
Igreja da qual é a autoridade máxima. Nós seus membros somos cooperadores com
Ele na edificação da Igreja, de forma que somos co-participantes do Seu poder.
Isso significa que em Cristo somos protagonistas do poder pastoral exercido por
Ele sobre a igreja. Mas não detentores deste poder.
A esse respeito assim
posiciona-se o apóstolo Paulo:
E nós, na qualidade de
cooperadores com ele, também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de
Deus (2 Co 6:1).[41]
Não que tenhamos domínio sobre a
vossa fé, mas porque somos cooperadores de vossa alegria; porquanto pela fé, já
estais firmados (2 Co 1:24).
Porque de Deus somos
cooperadores; ... (1 Co 3:9)[42].
Nem mesmo sua autoridade
apostólica dava a Paulo o direito de dominar a Igreja ou seus membros. Para
Paulo os líderes estavam sempre na posição de servir e não de serem servidos.
Colin Kruse faz o
seguinte comentário sobre as palavras de Paulo (cf. 2 Co 1:24):
O papel do apóstolo (e de todos
os ministros do evangelho) é o de servo do povo de Deus (cf. 4:5), nunca o de
tirano. Todavia, como nos revela o versículo 23, servir o povo de Deus não
significa fazer apenas o que agrada ao povo. Pode haver necessidade de uma
providencia disciplinar também. Afinal, um apóstolo (à semelhança de todos os
ministros cristãos), conquanto chamado para servir ao povo de Deus, deve
executar seu trabalho em plena obediência aos desejos de seu Senhor.[43]
Charles Van Engen diz que
a Igreja não é uma ditadura[44],
embora ela seja liderada por Cristo, o cabeça, é através dos dons distribuídos
a cada membro do Corpo que a Igreja cumpre a sua missão.
Lideradas por Cristo na condição
de Cabeça, a Igreja se compõe de muitas pessoas diferentes, cada qual com uma
singularidade e funcionando por meio de um conjunto de dons específicos. [...]
A variedade de dons mostra-nos a impossibilidade de uma só pessoa, o “ministro”
ser a única designada para realizar o ministério do corpo de Cristo. Tampouco
se espera que uma pessoa ponha todas as outras a trabalhar. Antes, os líderes
preparam, organizam, assistem e servem os portadores e executores dos dons do
Espírito, mas não controlam, não determinam nem designam esses dons.[45]
Somos tentados a pensar
que a Igreja possui um poder democrático[46],
contudo Van Engen discorda dessa posição também.
O sistema democrático de governo
e de tomada de decisões é sem duvida eficaz, sobretudo para controlar o abuso
de poder e criar igualdade entre os membros. Mas na Igreja Jesus Cristo reina
por meio da operação do Espírito Santo, o qual distribui os dons para o
ministério como, onde e quando lhe apraz” (Van ENGEN, P. 199). Eis um modelo
completamente diverso de organização, sem espaço para o rude individualismo
ocidental. Em lugar disso, os membros do corpo conquistam sua identidade,
função, razão de ser e lugar no ministério à medida que tomam parte no corpo. A
Igreja é mais que um conjunto de indivíduos. Um braço sem corpo, uma mão sem
braço ou um pé sem perna não poderiam ter utilidade. É somente por meio da
correlação estreita com o corpo, como a comunhão dos santos, que cada membro
pode concretizar a própria natureza espiritual como discípulo de Jesus Cristo.[47]
Pedro, no capítulo cinco
de sua carta (1 Pe 5:1-4), dirige-se, especificamente, aos que tinham a
responsabilidade de cuidar da Igreja, os presbíteros. Como tais pessoas
recebiam essa liderança? Não temos resposta a esta pergunta. Segundo Mueller:
As comunidades cristãs primitivas
não tinham uma forma fixa de organização. [...] Certamente as pessoas de mais
idade e mais experiência são candidatas naturais à liderança, embora isso não
seja uma regra (como é o caso de Timóteo, 1 Tm 4:12). Especialmente no caso do
cristianismo, onde o começo da vida de fé é considerado um novo nascimento
(1:3,23), o tempo de cristão e a experiência da fé também contam.
De qualquer forma, parece que as
comunidades da Ásia Menor tinham os seus líderes instituídos (embora pouco
saibamos também sobre o processo de escolha; At 14:23 diz que Paulo “promovia
em cada igreja a eleição de presbíteros”, o que pode significar que eles eram
escolhidos pela própria comunidade). Também não sabemos se se tratava de uma ou
mais pessoas por comunidade, embora as evidencias se inclinem para um grupo de
lideres em cada igreja local[48].
O apóstolo, ao escrever
aos presbíteros da Igreja, coloca-se na mesma posição que eles para falar de
seus deveres. O termo presbítero (ancião) aqui se refere à posição oficial que
ocupavam na Igreja, e não à idade, como é o caso no versículo cinco (v.5). Inclui
os que exercem alguma espécie de função autorizada de pastor e levam sobre si a
respectiva responsabilidade. O termo “ancião” ou “presbítero” era permutável
com “bispo”[49]
ou “supervisor”. Nota-se que Pedro não assume nenhuma superioridade
eclesiástica, mas com profunda humildade nivela-se àqueles a quem está
exortando. Nesse texto temos um pequeno vislumbre da organização simples da
Igreja primitiva, que provavelmente era copiada do sistema das sinagogas
judaicas.
Encontramos também, no
Livro de Atos (15)[50],
a Igreja reunida em forma de representação, isto é, alguns líderes de igrejas
se reuniram em nome de suas igrejas.
Podemos afirmar baseados
nesse enfoque que o poder pastoral era exercido por toda a comunidade, tendo
alguns homens como representantes da comunidade, de tal forma que podemos
chamar esse sistema de poder democrático, mas uma democracia submissa ao Cabeça
da Igreja. Portanto poderíamos dizer que é um governo teo-democrático.
Acredito que Van Engen
tenha razão em dizer que o modelo democrático não representa totalmente o
pensamento bíblico, uma vez que Jesus Cristo é o cabeça da Igreja e o Rei do
Reino de Deus. A Igreja assim como o Reino de Deus possui um líder, e está sob
sua direção, mas não como um ditador porque ele governa em cooperação com todos
os membros da Igreja ou do seu Reino. Por isso acredito que seja um líder
democrático que escolhe homens para representá-lo, e na medida que estes os
representa, sem buscar interesses próprios, cria-se um governo teo-democrático.
Como qualquer Estado,
esse Reino[51]
possui sua própria ética e conduta de vida (possui um poder normativo) que deve
ser vivido por todos que o aceitam. Entretanto ninguém é obrigado aceitar o
Reino de Deus, aqueles que o fazem, tomam essa decisão livremente. Na liberdade
todos caminham na busca do consenso, de fazer com que o Reino de Deus se
estabeleça.
5. Reflexões finais
sobre o capítulo
O poder pastoral só pode
ser compreendido como poder-serviço quando este se submete totalmente à missão
que lhe foi confiada. Para o cumprimento dessa missão, é necessário que todos
(a igreja) sejam incluídos nessa tarefa de pastorear uns aos outros, de cuidar
da criação de Deus, e de forma responsável lutar pela libertação de cada
indivíduo.
O poder que está a
serviço do Reino de Deus busca a implantação desse e a sua justiça (Mt 6:33).
Esse poder pode ser compreendido como um poder comunicativo, uma vez que a
implantação do Reino de Deus não se faz através da força, mas do consenso. Um
poder que está a serviço do Reino de Deus não pode de forma alguma tornar-se
dominador, uma vez que Jesus Cristo foi enviado por Deus para libertar o homem
de todo o pecado, de todas as estruturas pecaminosas. É um poder que
verdadeiramente liberta o ser humano. Um poder que está a serviço de Deus não busca
seus próprios interesses, mas tão somente a realização da vontade do Pai. É
esse um poder voltado para cima, onde aquele que serve se engrandece e se
realiza por poder servir e não ser servido. Um poder que está a serviço do
Reino de Deus não pode ser controlado por homens, nem por instituições, pois
ele se faz presente em todo lugar que houver luta pela justiça, pela paz, pela
verdade. Esse poder ultrapassa até mesmos os limites da igreja, se estende a
todos aqueles que se abrem para pastorear os que passam fome e os
marginalizados pela sociedade. O poder pastoral não se manifesta apenas na
figura do pastor, mas de toda a comunidade que deseja servir ao Reino de Deus.
O poder pastoral é um poder comunicativo onde Deus, torna os homens
cooperadores do Evangelho e co-responsáveis para a sustentação da liberdade de
expressão e da conduta ética de vida do Reino de Deus.
PODER PASTORAL NA TEOLOGIA BIBLICA |
Poder-serviço
(salvífico e sacrificial) |
Estruturado
na missão: Respeita a liberdade dos indivíduos |
Presente
em toda a comunidade |
Todos
são chamados para a responsabilidade (não exclui, mas inclui) |
|
A
serviço do Reino de Deus |
1)
O exercício do poder não é imposto a ninguém; 2)
Não busca glória para si mesmo; 3)
Não busca riquezas; 4)
Não é dominador. |
|
Co-participativo |
Sustentador
da liberdade |
CAPITULO II
A TEOLOGIA DO PODER
PASTORAL NO MINISTÉRIO PRESBITERIANO
1. O surgimento do ministério presbiteriano
O ministério presbiteriano surgiu da Reforma
Protestante do Século XVI. Esta Reforma Protestante foi um movimento que buscou
conduzir o povo de volta à Bíblia, buscando resgatar a Bíblia como único
instrumento de regra para a fé.
A Reforma Protestante foi um movimento libertador.
A igreja se encontrava em densas nuvens negras, suas práticas religiosas eram
escravizadoras e opressoras. Devemos nos lembrar que no século XVI a igreja
possuía poder político e religioso. Durante este período a igreja queimava
aqueles a quem queria usando o pretexto de que eram feiticeiros ou hereges.
Essa era a época das indulgências, das penitências. O povo sofria com medo
terrível do inferno. Dessa forma eram oprimidos porque acreditavam que somente
fazendo a vontade daqueles que dirigiam a igreja alcançariam a salvação.
A Reforma Protestante surgiu como um sopro do
Espírito Santo, trazendo libertação à igreja e a sociedade de sua época,
resgatando novamente para a humanidade a igreja de Cristo, portadora das Boas
Novas.
Através da reforma iniciada por Martinho Lutero, na
Alemanha, diversos movimentos independentes surgiram em outras regiões. Na
Suíça, levantou-se Zwinglio, sucedido depois por João Calvino. As igrejas que
adotaram as doutrinas e o sistema Calvinista, denominam-se Igrejas Reformadas
ou Presbiterianas. Da Suíça, o presbiterianismo se espalhou para os Países
Baixos, França, Escócia e Inglaterra. E, a seguir atingiu a todos os
continentes.
O presbiterianismo chegou no Brasil através do Rev.
Ashbel Green Simonton, que aportou no Rio de Janeiro, no dia 12 de Agosto de
1859. Antes de Simonton houveram tentativas para estabelecer o
presbiterianismo, mas nenhuma delas teve êxito.
O ministério presbiteriano surgiu de um movimento
libertador, revolucionário. Essa é nossa herança de fé. Devido a esse
movimento, somos conhecidos como protestantes.
Para compreendermos melhor a teologia do poder
pastoral no ministério presbiteriano analisaremos a teologia do poder pastoral
de João Calvino, que foi o grande contribuidor da teologia do ministério
Presbiteriano e sendo o maior colaborador do sistema presbiteriano. Também
analisaremos os símbolos de fé (Confissão de Fé Westminster, Catecismo Maior e
Breve Catecismo) adotados pela igreja presbiteriana.
2.
O poder pastoral em João Calvino
Uma vez que pretendemos analisar o poder pastoral em João Calvino, nesta
seção, estudaremos a forma de governo proposta por ele, pois o poder pastoral
manifesta-se através do sistema de governo. Contudo, nos ateremos apenas às
características de governo que estão mais ligadas ao ofício do pastor.
Mais do que qualquer outro, João Calvino foi o reformador que mais deu
atenção à questão da forma de governo. Uma de suas criativas contribuições foi
a quádrupla divisão do Credo dos Apóstolos, como base para sua teologia, o que
lhe permitiu dedicar o quarto e mais longo dos livros da Instituição da
Religião Cristã à Igreja, aos sacramentos e ao estado. Ele teve tanto
interesse como oportunidade para desenvolver um modelo de vida para a Igreja,
que expressasse os ensinos da Escritura e servisse de suporte para a fé e vida
cristã. Sua oportunidade surgiu na cidade de Genebra, onde ele exerceu uma
supervisão pastoral.
Acredito que a compreensão que Calvino possuía do
sacerdócio universal foi fundamental para a formação de sua visão de governo,
portanto iniciaremos nossa análise por meio desse conceito.
2.1 Calvino e o sacerdócio universal
Calvino foi grandemente influenciado por Lutero,
que era defensor do sacerdócio de todos os crentes.
“Ao proclamar o sacerdócio universal de todos os
crentes, Lutero não somente tornou impossível para um grupo na igreja manter
outros em posição inferior, como também elevou a todos os fiéis, incluindo os
considerados mais baixos à condição privilegiada de sacerdotes”.[52]
Lutero compreendeu que, através da justificação,
todos passaram a ter direito a entrar na presença de Deus, por meio de Jesus
Cristo. Sua proposta colocou todas as pessoas na mesma posição diante de Deus.
Todos tornaram-se sacerdotes, podiam falar com Deus e dele receber instruções,
diretamente.
Para Lutero todos também eram sacerdotes por
poderem transmitir a mensagem da Cruz, a mensagem do perdão de Deus. Sua
compreensão do sacerdócio universal colocou novamente os leigos a serviço do
Reino de Deus, uma vez que a igreja os havia excluído de qualquer tarefa.
Passaram desse modo a poder manifestar o amor de Cristo ao próximo.
Entretanto Lutero não pôs fim à ordem sacerdotal,
isto é, ele compreendia que mesmo sendo todos sacerdotes, Deus havia separado
alguns para o ministério sacerdotal a fim de que a igreja funcionasse em
harmonia. Esses sacerdotes, separados por Deus, deveriam ensinar, ministrar os
sacramentos, anunciar a mensagem do perdão. Lutero entendia que estes eram
chamados para doar sua vida em prol da igreja, de uma forma especial para
servir aos demais, ao invés de ter poder sobre os demais.
Calvino, influenciado por Lutero, acreditava na doutrina do sacerdócio de
todos os crentes.
NEle somos
todos sacerdotes [Ap 1:6; 1 Pe 2:9], mas, para [oferecerem-se] louvores e ações
de graças, afinal, para oferecer-nos [a nós próprios] e nossas [cousas] a Deus.
[53]
De sacrifício
deste gênero não pode carecer a Ceia do Senhor, na qual, enquanto a morte lhe
anunciamos [1 Co 11:26] e ação de graças rendemos, outra cousa não oferecemos
senão um sacrifício de louvor. Deste múnus de sacrifícios oferecer chamados
somos todos os cristãos “um sacerdócio real” [1 Pe 2:9], por isso que, pela
intermediação de Cristo, oferecemos esse sacrifício de louvor a Deus de que
fala o Apostolo, “o fruto de lábios que ao nome lhe confessam” [Hb 13:15]. [54]
Diante de tais afirmações, constatamos que
Calvino, assim como Lutero, entendia o sacerdócio universal de todos os crentes
apenas no que se refere ao exercício de prestar louvor, ações de graça e na
pregação do evangelho fora do espaço ocupado pelo ofício pastoral.
Calvino e Lutero deram um grande passo através
desta doutrina, infelizmente eles não conseguiram compreender a dimensão real
do passo que estavam dando e tal erro fez com que a figura do pastor
continuasse sendo praticamente a mesma imposta pela Igreja Católica Romana. Mesmo
nessa nova concepção doutrinaria, o pastor continuava a exercer um poder
estratégico na Igreja. Os membros não podiam desfrutar da Santa Ceia, os novos
convertidos não podiam ser batizados, sem que o pastor estivesse presente para
tal cerimônia. A Igreja continuava dependente da figura do pastor para poder
participar da graça de Deus. As confissões, que eram usadas como meio para
manipular as pessoas, foram substituídas pelas sessões de aconselhamento. O
pastor continuava sendo um ser intocável e reverenciado dentro da Igreja, o que
demonstra a manutenção do sistema hierárquico. É esse o tema de nosso estudo da
próxima seção.
2.2 O pastor ocupa um lugar especial na
Igreja
A ênfase que Calvino dava aos pastores (chamados de presbíteros docentes
ou bispos[55]), que
são caracterizados por sua integridade e competência, era um traço marcante
dessa forma de governo. A importância do pastor ou ministro era dada pela sua
função, e não pelo status que a posição lhe oferecia. O ministro era visto por
ele como o responsável pelo bem-estar da igreja, por ser ele o teólogo da
Igreja que desempenha a responsabilidade da pregação, liderança do culto,
ensino e cuidado pastoral. Estes deveres, para ele, traziam sobre o ministro
severas exigências e responsabilidades.
Calvino entendia que o pastor era responsável pela continuidade do
ministério apostólico:
O Senhor,
quando estava a enviar os Apóstolos, deu-lhes, como foi dito a pouco, a
comissão de pregar o Evangelho e de batizarem os que cressem, para a remissão
de [seus] pecados [Mt 28:19]. Antes disso, porém, havia mandado que
distribuíssem, a Seu exemplo, os sagrados símbolos de Seu corpo e sangue [Lc
22:19]. Eis a santa, a inviolável, a perpétua lei imposta áqueles que sucedem
ao lugar dos Apóstolos, pela qual recebem o mandado da pregação do Evangelho e
da administração dos sacramentos. [...].
Destas e de
passagens similares, que ocorrem a cada passo, pode-se inferir que também na
função dos pastores são estas as duas partes precípuas, anunciar o Evangelho e
administrar os Sacramentos. [...] Enfim, [o] que os Apóstolos fizeram para o
mundo inteiro, isso deve cada pastor ao seu rebanho, a qual foi designado.[56]
Ele compreendia que somente os pastores podiam
ministrar os sacramentos, uma vez que somente eles representavam a continuidade
do ministério apostólico. Em seu estudo a respeito do batismo ele diz o
seguinte:
Nesta matéria
também isto importa saber: fazer-se indevidamente, se pessoas leigas a si
usurpem a ministração do batismo, pois que é múnus do ministério eclesiástico a
dispensação tanto deste quanto da Ceia. Ora, nem ou a mulheres, ou a quaisquer
homens mandou Cristo que batizassem; pelo contrário, [aqueles] a quem havia
constituído Apóstolos a esses deu este mandato. [57]
Sua afirmação não encontra apoio no Novo Testamento, pelo contrário ela é
invalidada diante os testemunhos bíblicos. A Bíblia descreve que um certo
etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, estava voltando de
Jerusalém para sua casa, lendo o Livro do profeta Isaías. Filipe, que é
descrito na Bíblia como evangelista (At 21:8) e diácono (At 6:5), foi tomado
por Deus para explicar ao eunuco o significado das palavras do profeta. O texto
nos diz que o eunuco após ter compreendido a mensagem, e crido que Jesus era o
messias, pediu para ser batizado. Filipe o batizou (At 8:36-38) e esse não foi
o único batismo de Filipe. A Palavra de Deus nos mostra que Filipe batizou
várias pessoas na cidade de Samaria (At 8:12).
O apóstolo Paulo foi batizado por um homem chamado Ananias (At 9:18).
Quem era Ananias dentro da igreja? Embora a Bíblia não fale muito sobre ele
sabemos que não era nenhum líder da igreja, o que nos mostra que o batismo não
era exclusivo aos apóstolos ou a algum outro tipo de liderança. Ananias é
chamado simplesmente de discípulo (At 9:10).
O que esse grande reformador possivelmente não percebeu é que ao dar
excessiva ênfase ou prioridade aos pastores, dava-lhes, também excessivo poder,
o que poderia levá-los à soberba ou ao mau uso do poder. Certamente este não
era o desejo de Calvino.
Calvino, embora buscasse tirar o poder das mãos do clero da Igreja
Romana, trabalhava para manter o poder nas mãos de um novo clero.
Conscientemente ou não, ele estava criando um novo sistema hierárquico
dominador.
2.3 O poder pastoral nas mãos dos oficiais da Igreja
A respeito dos diversos ofícios eclesiásticos Calvino diz o seguinte:
[Aqueles] que
presidem ao governo da Igreja, segundo a instituição de Cristo, são chamados
por Paulo [Ef 4:11], primeiro Apóstolos, em seguida Profetas, terceiro
Evangelistas, quarto Pastores, finalmente Mestres, dos
quais apenas os dois últimos têm função ordinária na Igreja[58];
os outros três o Senhor suscitou no inicio do seu Reino, e suscita ainda, por
vezes, conforme [o] postula a necessidade dos tempos.[59]
Sua compreensão era que somente os pastores detinham o poder, uma vez que
já não existiam apóstolos, profetas e evangelistas.
Seguem-se
Pastores e Mestres, dos quais [não] pode a Igreja prescindir nunca, entre os
quais isto de distinção penso haver: que os mestres nem à disciplina, nem à
administração dos sacramentos, nem às admoestações ou exortações presidem, mas
apenas à interpretação da Escritura, para que entre os fiéis pura e sã se
retenha a doutrina. O múnus pastoral, entretanto, em si contém estas [funções]
todas.[60]
O diaconato também era visto por Calvino como um ofício[61].
Em seus esforços para reformar a Igreja de Genebra,
Calvino estabeleceu quatro ofícios: o de pastores, de mestres (doutores), de
anciãos (presbíteros) e de diáconos.
As Ordenanças
Eclesiásticas, que Calvino redigiu para uma igreja ‘bem ordenada’em
Genebra, se tornaram um dos seus escritos mais influentes. Elas proporcionaram
as quatro ordens que ele acreditava terem sido instituídas por Deus. Os
pastores deviam ter a responsabilidade pela pregação da Palavra, administração
dos sacramentos, instrução e, juntamente com os presbíteros, pela disciplina.
Os doutores deveriam ser os professores com a responsabilidade ‘pela instrução
dos crentes quanto à verdadeira doutrina’. Os doutores mais próximos dos
ministros eram os preletores de teologia, mas a ordem incluía um amplo programa
escolar. Os presbíteros exerciam, com os pastores, a supervisão ‘sobre a vida
de todos’. Os diáconos constituíam o ministério assistencial da Igreja, e especialmente
voltado para o pobre e o enfermo.[62]
Esses ofícios dividem-se em duas ordens: a) dos
presbíteros; b) dos diáconos. A ordem dos presbíteros se divide em regentes (leigos) e docentes
(pastores).
Entretanto o poder pastoral fica unicamente a
cargo da ordem dos presbíteros, ficando a outra ordem responsável unicamente
pela área assistencial da igreja.
Como podemos ver os pastores têm “a
responsabilidade pela pregação da Palavra, administração dos sacramentos,
instrução e, juntamente com os presbíteros, pela disciplina”. Os doutores são
na verdade os pastores que fazem e transmitem a teologia, e são os únicos que
possuem autoridade para isso, de forma que os pastores controlam a verdade e,
juntamente com os presbíteros, exercem a supervisão sobre a vida de todos.
Podemos concluir diante desse sistema que aos pastores é dado todo o poder
sobre a Igreja.
Percebemos claramente que Calvino se afasta do
modelo de poder pastoral bíblico. Podemos chegar a essa conclusão, porque vimos
que o modelo proposto pela Bíblia é um modelo onde todos são chamados para a
responsabilidade pastoral.
No modelo bíblico, aqueles que são ordenados,
para a função pastoral, devem treinar, equipar, capacitar a Igreja para que
esta pastoreie o mundo por meio de uma ação conjunta. Pela perspectiva bíblica
o ofício do pastor, é um dom dentre os muitos distribuídos por Deus à Igreja, o
que não faz o pastor melhor e nem mais santo do que qualquer outro membro, mas
o torna dependente dos demais dons distribuídos pelo Corpo de Cristo.
Calvino entendia a
ordenação (imposição de mãos) como um terceiro sacramento: “Resta a imposição
de mãos, que, como concedo ser um sacramento nas verdadeiras e legítimas
ordenações, ...”.[63]
Essa concepção de Calvino eleva o sacerdote ordenado em relação ao sacerdote
leigo.
Segundo o Dr.
Antonio José do Nascimento filho[64]:
A boa-nova do Novo Testamento é que não mais existem o
sacerdócio da classe clerical do Velho Testamento e o laicato não sacerdotal.
Todo sacerdócio, leigo e ordenado, deriva do sacerdócio único, santo e eterno
de Cristo, e todo ministério é ministério de Cristo, do qual os crentes são
privilegiados em participar de acordo com seus dons.[65]
Diante as palavras acima, podemos afirmar que
não há distinção entre o sacerdócio leigo e o ordenado, uma vez que ambos se
originam de Cristo, e a distinção fica apenas em nível dos dons.
Não encontramos no
ministério de Jesus nenhuma referência de que ele tenha ordenado (no sentido
técnico que usamos hoje) alguém. Os doze discípulos, de Jesus, foram escolhidos
para estarem bem próximos de Si mesmo e para serem enviados a ministrar. Porém
não lemos na Bíblia sobre qualquer cerimônia de ordenação. Marcos (Mc 3:14)
escreve que Jesus designou (poieõ) os doze, enquanto que Lucas (Lc 6:13)
diz que Ele os escolheu (eklegõ). Embora Jesus tenha orado a noite
inteira para a escolha dos doze, nenhuma ordenação ou ato cerimonial são
mencionados na Bíblia.
O que dizer quanto
à escolha de Matias, substituto de Judas Iscariotes? Matias foi escolhido por
meio de um ato de jogo de sorte, e, novamente, nenhum cerimonial, nenhuma
menção sobre ordenação.
No livro dos Atos
dos Apóstolos, mais especificamente, no capitulo seis (6), verso treze (13),
encontramos o cerimonial da ordenação. Embora nem todos os teólogos concordem,
entendemos que aquele cerimonial era uma confirmação de que alguns homens
estavam sendo separados para um serviço especial dentro da Igreja, neste caso,
o serviço que hoje denominamos serviço diaconal. Neste mesmo livro, encontramos
Saulo e Barnabé (At 13:3) passando por esse mesmo ritual, e mais uma vez o
significado é o mesmo: de separação para um serviço especial.
Quanto à ordenação
de presbíteros, não há nem um texto especifico a respeito desse tema. Muitos
dizem que as palavra de Paulo a Timóteo (1 Tm 5:22) referem-se à ordenação de
presbíteros.
Em relação com a discussão acerca dos
presbíteros, Paulo diz: ‘A ninguém imponhas precipitadamente as mãos’ (1 Tm
5:22). Embora o contexto não especifique um processo de seleção de presbíteros,
todo o contexto imediatamente anterior (1 Tm 5:17-21) trata de presbíteros; e a
imposição de mãos seria uma cerimônia para separar alguém para o oficio de
presbítero [...]. Neste caso ele estaria dizendo: ‘A ninguém consagre
precipitadamente como presbitero’. [66]
Porém, em vista do
contexto é talvez mais provável que tais palavras se refiram à recepção de
penitentes de volta à comunhão; basta lermos o início do verso vinte (20):
“Quanto aos que vivem no pecado...”. Não há como se afirmar que ele esteja se
referindo aos presbíteros ou somente a eles.
Isso demonstra que
o Novo Testamento não dá tanta ênfase à ordenação, como Calvino deu. A
ordenação é vista somente como um rito, demonstrando que alguém foi separado
para realizar uma determinada tarefa. A ordenação não é vista de forma
sacramental, possivelmente até mesmo para não tornar ninguém maior do que
outro. A ordenação, pelo contrário, traz mais serviço ao ordenado e mais dever
para com o povo de Deus, pois “aquele que deseja maior honra que seja o menor”.
Sua ênfase na
ordenação faz com que aqueles que são ordenados sejam possuidores de um status
religioso perigoso, e estes eram os únicos, segundo sua visão, que poderiam
administrar a Igreja. A ordenação faz, na prática da vida religiosa, com que o
sujeito deixe de ser leigo e passe a ser visto como um oficial da Igreja.
2.4 A criação do Consistório como mecanismo
de controle do poder pastoral
O Novo Testamento apresenta o que chamamos de primeira reunião conciliar
(At 15). Essa reunião surgiu devido a alguns desentendimentos entre os
judaizantes e os gentios. Os judaizantes, que eram cristãos oriundos da seita
dos fariseus (At 15:5), acreditavam que era necessário que os demais cristãos
não judeus passassem pelo rito da circuncisão. Segundo a descrição Bíblica “se
reuniram os apóstolos e presbíteros para examinarem a questão” (At 15:6).
Baseado nesse modelo de reunião é que Calvino cria ou amplia o conceito de
governo conciliar.
A criação do consistório e do conselho, formado pelos ministros e
presbíteros, foi algo notório para o governo da Igreja e de Genebra, e desse
princípio surge mais tarde o sistema presbiteriano de governo. Nota-se que, com
a criação do conselho, o poder do pastor passa a ser distribuído com outros
oficiais da igreja, re-conhecidos institucionalmente como presbíteros regentes.
A Igreja de
Genebra era constituída pelo ‘Venerável Conselho dos Pastores’ e pelo
Consistório. O Conselho de Pastores tinha funções estritamente eclesiásticas,
especialmente a educação e exame de candidatos à ordenação. O Consistório, ou
Presbitério, não era restrito a pastores, mas também possuía membros leigos
que, na verdade, eram a maioria no Consistório. A obrigação do Consistório era
manter a disciplina eclesiástica dentro da cidade; sua corte era o poder
controlador na Igreja. Entretanto, a corte do Consistório não tinha o direito
de punição civil. [67]
O sistema de governo implantado na Igreja de Genebra, por Calvino, também
foi usado para a administração da cidade. “A área metropolitana era servida por
um consistório e Calvino insistia na responsabilidade do mesmo pela disciplina
da congregação, nas áreas de conduta, participação no culto e conhecimento
cristão”.[68] O poder
do consistório no que se refere à disciplina sobre a conduta e a vida pública
teve seu fim com o avanço das denominações e o desenvolvimento de uma cultura
secular.
O sistema de governo elaborado por Calvino era um sistema representativo,
e, gerador das formas contemporâneas de estruturação do poder.
Cláudio Lembo diz que “não é difícil reconhecer nesta organização
eclesiástica – a Igreja concebida por Calvino – o esquema que dá origem
à estrutura da democracia moderna com seus conselhos e seus parlamentos”.[69]
Calvino afirmava que na Igreja Antiga já existia este modelo de governo.
[Aqueles],
portanto, a quem havia sido injungido o múnus docente, a esses todos chamavam presbíteros.
Esses [presbíteros] elegiam de seu número um em cada cidade a quem davam,
especialmente, o título de bispo[70],
[...]. Mas, as funções que tem o cônsul no Senado: que reporte quanto aos negócios,
solicite os pareceres, presida aos outros no aconselhar, admoestar, exortar,
por sua autoridade reja a toda ação e excute [o] que haja sido decretado por
decisão comum, isso de função sustinha o bispo na assembléia dos presbíteros.
[...] Pois, diz
[ele] que em Alexandria, desde o Evangelista Marcos até Héraclas e Dionísio,
hão os presbíteros sempre colocados em um grau mais elevado um eleito dentre
si, a quem chamavam bispo.
Logo, tinham as
cidades, uma a uma, [seu] colégio de presbíteros, que eram pastores e mestres.[71]
Reconheço a importância de que haja uma organização
para que os Concílios possam funcionar melhor, a ênfase dada aos ministros
(presbíteros docentes) é perigosa, pois muitas vezes estes acreditam serem os
únicos portadores de toda a verdade; isto é, julgam-se os únicos profetas
dentro da Igreja. Muitos pastores acabam querendo presidir a igreja de forma
dominadora; confundem presidir o Conselho com ter todo o poder sobre o Conselho
e conseqüentemente, sobre a Igreja. Este problema também ocorre muitas vezes
nos concílios superiores.
Por outro lado, corremos um risco também quanto aos
presbíteros regentes, uma vez que estes possuem poder e responsabilidades para
as quais nem sempre estão preparados a exercerem. Os presbíteros regentes podem
se tornar problemas nas igrejas, pois, pela falta de conhecimento teológico,
muitas vezes passam a defender práticas costumeiras como se estas fossem
verdades absolutas inalteráveis.
Uma vez que o pastor estava impedido de tomar
decisões referentes à Igreja, ou à disciplina dos membros, sem consultar o
conselho, seu poder foi restringido e dividido com os demais presbíteros do
conselho, contudo o poder pastoral ainda permanecia sob o domínio de uns poucos
homens.
A representatividade se faz presente uma vez
que a Igreja, isto é, seus membros escolhiam os presbíteros regentes; estes
eram ordenados, e passavam a representar os membros da Igreja no conselho.
Esses presbíteros exerciam o poder que lhes fora confiado pelos membros da
Igreja. Essa prática, a um primeiro momento, confirma a tese da existência do
governo democrático no sistema de governo elaborado por Calvino. Entretanto
precisamos nos perguntar: “O governo estabelecido por Jesus para sua Igreja é
democrático?”
Quanto aos candidatos ao sagrado ministério,
estes tinham que passar por um exame que era realizado pelo conselho de
pastores.
Calvino criticava a Igreja Católica Romana por
acreditar que esta tinha roubado o direito do povo escolher seu Bispo.
Já alijado foi todo aquele direito do povo em eleger [o
bispo]. Votos, assentimentos, endossos e todas [as cousas] dessa natureza
desapareceram: aos sós membros do Cabido foi transferida a autoridade inteira.
[...].
Mas, ainda que nenhum outro mal houvesse, como, no entanto,
poderão desculpar isto: que de seu direito hajam assim despojado a Igreja? Com
efeito, dizem, a corrupção dos tempos, uma vez que entre a populaça e os
magistrados em proverem-se bispos mais valiam os ódios e os favoritismos que o
reto e são juízo, assim exigia que o arbítrio desta matéria fosse deferido a
uns poucos.[72]
Sua critica também cabe à Igreja moderna.
Embora nossos presbíteros sejam eleitos pela Igreja, o mesmo não acontece na
escolha dos pastores que muitas vezes são impostos pelos presbitérios, e,
quanto mais subimos em nossos Concílios, mais distantes ficamos de poder
exercer nossos direitos.
Essa estrutura fez com que o poder fosse tirado
do povo para uma classe ordenada, em vez de democracia, foi implantada uma
aristocracia[73],
neste caso os aristocratas (nobres) são os presbíteros.
Para que isto mais facilmente se entenda, dividamos a
Igreja em duas ordens principais, a saber: clero e povo. Clérigos chamo,
segundo o termo usitado, [aqueles] que desempenham o ministério público na
Igreja.[74]
Um poder democrático busca dar ao povo o
direito de se expressar, pois ele busca o consenso da maioria. Num governo
aristocrata, apenas os nobres são ouvidos. Nesse sistema de governo Calvinista,
apenas os nobres (presbíteros) são ouvidos para tratar de disciplina, exclusão
de membros, para tratar de ordenação, e de outros assuntos. Esses nobres
possuem em suas mãos o poder judiciário, executivo e legislativo. Levanto
novamente a pergunta: “Este foi o modelo de governo apresentado por Jesus para
sua Igreja?”
Parece-nos que Calvino temia um poder tirano,
concentrado nas mãos de um único homem (ditador - individual). Seu temor deve
ter surgido da percepção que ele tinha do poder do Romano Pontífice:
Parecemos a alguns demasiado maledicentes e insultuosos
quando Anticristo chamamos o Romano Pontífice. [...] E, para que não objete
alguém que para com o Romano Pontífice torcemos nós indevidamente as palavras
de Paulo, que digam respeito a outrem, mostrarei em breves termos que se não
podem entender de outra forma que a respeito do Papado. Que o Anticristo
haver-se-á de assentar no templo de Deus, escreve [-o] Paulo [II Ts. 2.4]. Em
outro lugar, também descrevendo-lhe a imagem na pessoa de Antíoco, mostra o
Espírito que o reino lhe haverá de estar sito em magniloqüência e blasfêmias de
Deus [Dn 7.25; Ap 13.8]. Daqui concluímos ser uma tirania sobre as almas mais
do que sobre os corpos, que se alce contra o reino espiritual de Cristo.[75]
Em sua
concepção o poder concentrado nas mãos de um só homem é um poder tirano e
usurpador do trono de Cristo, por isso ele chama o que possui este poder de
Anticristo. Contudo em toda a Bíblia o poder pastoral sempre foi dado a um
homem escolhido pelo próprio Deus. Assim tivemos Moisés, Josué, Davi, Salomão,
Roboão e muitos outros. Deus assim exercia seu governo teocrático. Quando um de
seus escolhidos se desviava Deus enviava profetas para trazer concerto ao seu
povo.
No Novo Testamento o escolhido para exercer o
poder pastoral sobre seu povo é Jesus. Ele se torna o rei e pastor eterno da
Igreja. Jesus no uso de sua autoridade, como o Cabeça da Igreja, escolhe da
mesma forma que no Antigo Testamento homens para representá-lo e governar sobre
sua Igreja militante. Assim o governo teocrático continua no Novo Testamento.
Rejeitar a Jesus Cristo e sua forma de governo é não se sujeitar ao próprio
Cristo.
Entretanto, Calvino também parecia temer um
poder democrático (do povo):
Foi, na verdade confesso[-o], e isso com mui excelente
razão, sancionado no Concílio de Laodicéia, que se não faculte a eleição às
turbas[76].
Ora dificilmente jamais acontece que tantas cabeças disponham bem alguma cousa,
com um só sentir, e o mais das vezes verdadeiro é esse [provérbio]: cindir-se a populaça incerta em interesses
contrários.[77]
A respeito desse tema ele ainda diz o seguinte:
“Proclive (inclinado para diante)[78]
é a queda do reino à tirania, mas, não muito mais difícil [a queda] do mando
dos aristocratas à facção de uns poucos; em muito, porém, o mais fácil [é a
queda] do domínio popular à sedição”.[79]
Possivelmente esse seu temor o fez criar um
sistema de governo híbrido onde temos um pouco de aristocracia e de democracia.
Podemos dizer que temos no calvinismo um modelo de poder representativo e
aristocrático.
Entretanto, esse sistema de governo apresenta
alguns problemas: se um indivíduo não concordar com uma lei imposta pelo
Conselho ou pelo Consistório, a quem poderá ele recorrer? Como poderá ele
questionar este Concílio uma vez que este detém todo o poder em suas mãos? Caso ele não respeite às leis baixadas pelo
Concílio Superior, não será tido como um rebelde? Ou então, o que acontece
àqueles que não concordam com seus presbitérios? A título de exemplificação: em
nossos dias estamos assistindo à proibição, da parte de presbitérios, das
palmas e coreografias como forma de adoração, sem que justifiquem, biblicamente
sua posição. Perguntamos: o que acontece àqueles que discordam dessa proibição?
Dentro de um sistema democrático, é imperativo
que todos possam se defender, que todos possam colocar suas propostas sem serem
taxados de hereges, rebeldes, insubmissos (contra o sistema), pentecostais[80],
ou coisas parecidas. No sistema democrático deve ser dado o direito de
exposição das idéias a todos, embora se leve em conta o consenso da maioria.
Contudo não há consenso quando não há liberdade de defesa de posição, ou quando
leis não estão legitimadas e amparadas pelos ensinamentos bíblicos, afinal de
contas, temos orgulho em dizer que nossa única regra de fé e pratica é a
Palavra de Deus.
2.5 A relação entre Igreja e Estado
Para Calvino o Reino de Deus e o Governo Civil,
embora distintos em natureza e função, não se excluem e nem são incompatíveis.
Ele fez as seguintes afirmações ao tratar desse
assunto:
Mas, na verdade, quem saiba discernir entre o corpo e a
alma, entre esta vida presente, e transitória, e aquela [vida] futura, e
eterna, nem dificilmente entenderá que o reino espiritual de Cristo e a ordem
civil são cousas postas muitíssimo à parte. [...].
Como, porém, há pouco chamamos a atenção a que este gênero
de governo [é] distinto daquele reino espiritual e interior de Cristo, assim,
há-se de saber nem em qualquer cousa conflitarem. Ora, na verdade, esse [reino
espiritual] já em nós agora sobre a terra inicia certos primórdios do reino
celeste e, de certo modo, auspicia nesta vida mortal e passageira a
bem-aventurança imortal e incorruptível. [...]
Pelo que, já a ninguém deve ser dubitável que a potestade
civil seja vocação não somente santa e legitima diante de Deus, mas até a mais
sagrada e, longe, a mais honrosa de todas em toda a vida dos mortais[81].
Sua objeção aos anabatistas que não aceitavam a
idéia de que os cristãos devessem exercer o governo civil era veemente.
Objetam [aqueles] que desejariam induzir a anarquia que, se
bem que outrora ao povo rude hajam governado reis e juízes, hoje, no entanto,
de modo nenhum à perfeição que, com Seu Evangelho, trouxe Cristo quadra esse
gênero servil de governar. Nisto não apenas sua ignorância manifestam, mas
também seu orgulho diabólico, enquanto a si perfeição arrogam de que, na verdade,
nem uma centéssima parte neles se percebe. Mas, de qualquer natureza que sejam,
fácil é a refutação, porque, onde Davi exorta a todos os reis e governantes a
beijarem ao filho de Deus [Sl 2:12], não ordena que, deposta hão sido
investidos sujeitem[-no] a Cristo, para que [Ele] Só tenha sobre todos a
eminência.[82]
Ele compreendia que os cristãos podiam, ao
mesmo tempo exercer a função de magistrado civil, e de ministros de Deus no
exercício do múnus de governar. Tais magistrados poderiam se necessário fazer
uso de armas para manter seu poder e a paz sobre seu domínio, como ele descreve
em seu livro Tratado das Religiões (Vol. IV, cap. XX, 6,7, 10,11).
Todo seu entendimento e sua teologia a esse
respeito partiam do princípio da Soberania de Deus. Seu entendimento a respeito
da relação entre a Igreja e o Estado era novo para sua época.
Philip Hughes resume o pensamento de Calvino:
Na verdade, toda a estrutura da sociedade, conforme
concebida na mente de Calvino, estava baseada na distinção entre Igreja e Estado
como dois poderes separados e cujas esferas de autoridade estavam claramente
definidas: a primeira brandindo a espada do Espírito na fiel proclamação da
Palavra de Deus, e o segundo brandindo a espada secular na manutenção de um
governo bom e justo e na punição de transgressores das leis estatutárias; e
ambos estão sujeitos à autoridade suprema do Deus onipotente.
Entendendo que Deus é soberano sobre todos e
tudo, o Estado também está debaixo da soberania de Deus.
Para o exercício do magistrado Deus deu dons
específicos de governo para alguns homens. Calvino entendia as estruturas como
um grande corpo. Igreja, família e Estado formavam um corpo, onde cada membro
possuía dons para o melhor desempenho desse corpo.
Os membros do Estado bem como os da Igreja, com seus
diversos dons, estão unidos num corpo com funções mutuamente dependentes.
Assim, Calvino desenvolveu aquilo que tem sido chamado um conceito “orgânico”
da Igreja, do Estado e da família, etc.[83]
O fato de alguns receberem dons peculiares do
Espírito para governar, fazia com que a autoridade destes magistrados fosse
reconhecida como divina, como descreveu o próprio Calvino: “Ademais, inda que
entre os próprios magistrados variadas são as formas, nenhuma diferença,
entretanto, há neste aspecto, para que não devam ser todos de nós tomados como
ordens de Deus”.[84]
Esta visão trazia algumas implicações para a
Igreja como nos mostra Skinner:
A primeira implicação, e ‘o primeiro dever dos súditos para
com os seus magistrados’, é que eles ‘devem ter na mais alta conta esse ofício’
(p. 1509). A segunda é que os súditos não apenas devem ser obedientes, mas
também evitar toda atividade política infundada, cuidando de ‘não se intrometer
nos assuntos públicos ou invadir sem razão o gabinete do magistrado’ (pp. 1510,
1511). Mas a implicação principal é que jamais se deve resistir aos comandos do
magistrado. Nesse ponto crucial, Calvino é absolutamente enfático. ‘Ninguém se
engane aqui. Pois, como não se pode resistir ao magistrado sem ao mesmo tempo
resistir ao próprio Deus, muito embora pareça possível desprezar-se impunemente
um magistrado desarmado. Deus ainda está armado para vingar com todo o poder
tal desacato a Ele próprio’[85]
(1511).[86]
Devemos considerar que Calvino, ao escrever
seus primeiros tópicos do capitulo XX de seu livro As Institutas ou Tratado
da Religião Cristã, tinha em mente um magistrado que fosse fiel à sua
função de defender os injustiçados, de lutar pelos direitos do povo. Entretanto
parece que sua posição não se alterou mesmo diante governantes injustos e
cruéis.
[os] que, porém, dominam injusta e imoderadamente, esses
[hão sido] de Si suscitados para punir-se a iniqüidade do povo; todos,
igualmente, foram providos daquela santa majestade com que investiu ao legítimo
poder.[...].
Mas, dirás, mútuas obrigações a seus súditos devem os
governantes. Isto já [o] hei confessado. Se, porém, disso estatuis que somente
aos governos justos se há de render
obediência, és um argumentador insulso[87].
[...] Pelo que, se de um príncipe feroz somos cruelmente atormentados, se de
[um príncipe] avarento ou voluptuoso somos rapacemente[88]
esbulhados[89],
se de [um príncipe] ignavo[90]
somos negligenciados, se, finalmente, de [um príncipe] ímpio e sacrílego somos
oprimidos por causa da piedade, à mente venha, primeiro, a recordação de nossos
delitos, que de tais flagelos do Senhor são não dubitavelmente castigados. Daí
a humildade frear-nos-á a impaciência.[91]
Apesar de Calvino endossar uma teoria da
não-resistência ao Estado, ele deixa algumas portas abertas para à resistência
segundo Skinner:
Primeiro, faz duas concessões, comumente aceitas até mesmo
pelos mais ferrenhos expoentes da obediência passiva. Uma delas, como expressa
em seu parágrafo final, é que, ‘naquela obediência que demonstramos ser devida
à autoridade dos governantes, devemos sempre fazer a exceção, e na verdade
observá-la como primordial, de que tal obediência jamais nos deve afastar da
obediência Àquele a cuja vontade o desejo de todos os reis tem de submeter-se’
(p. 1520). A outra concessão, inserida em todas as edições das Institutas
posteriores a 1539, é que, se o povo ‘implorar a ajuda do Senhor’, Deus pode às
vezes responder fazendo emergir ‘vingadores visíveis em meio Seus servos’, armando-os ‘com Seu mandamento
para punir o governo ímpio e salvar Seu povo, oprimido injustamente, de
tenebrosa calamidade’ (p. 1517).[92]
Skinner, em sua obra As Fundações do
Pensamento Político Moderno[93],
diz que Calvino deixa outros legados para a resistência aos magistrados que
agem contra a vontade de Deus. Em uma das citações de sua obra a esse respeito
ele diz o seguinte:
se um rei, príncipe ou magistrado se conduz de modo a
diminuir a honra e o direito de Deus, converte-se em nada mais do que um homem
comum’ (non nisi homo est) (p.109) [...].
..., segundo Calvino, não significa apenas que ‘não mais
precisamos atribuir-lhes autoridade alguma’, mas também, acrescenta agora com
clareza, ‘quando eles se insurgem contra Deus’, ‘é necessário que sejam
derrubados’ (mis em bas) (p.415).
Em seu ponto de vista o governo esta acima do
Estado, acima da lei, primeiro porque sua autoridade se deriva de Deus e em
segundo lugar porque ele é a sua fonte (princeps legibus solutus). Para
ele o governador é a fonte da Lei Positiva, que obriga nos limites do seu
território. Nesse sentido, Calvino falou do governador como a lei personificada
(lex animata). O governador, porém, estava sujeito à Lei Positiva que
imperava nos limites de seu território. Dessa forma o poder do governador era
limitado. Contudo este governo só era legitimo quando estava sujeito à lei de
Deus, o que implica dizer, que o magistrado só era reconhecido em sua
autoridade por ele, quando este cuidava em cumprir a vontade de Deus.
Entretanto, para Calvino, os magistrados não
possuíam autoridade na esfera religiosa.
... Calvino nunca daria ao magistrado autoridade para
decidir questões de doutrina ou iniciar atos de jurisdição eclesiástica. Não
cabe ao magistrado usurpar a autoridade dos ministros ou impor-se à igreja
acerca de seus próprios assuntos internos.[94]
Embora o Estado não possuísse autoridade dentro
da esfera religiosa, a Igreja deveria manter vigilância sobre o Estado. Calvino
concebia a Igreja como vigia do Estado. A Igreja não era Estado, como o Estado
não era Igreja, no entanto, a Igreja deveria caso fosse necessária pressionar o
Estado para que este lutasse pela justiça, pelos oprimidos, pelas viúvas, de
forma geral por todos carentes e necessitados, cumprindo dessa forma o seu
papel. Calvino não pretendia que o Estado fosse expressamente “cristão”, mas que
fosse humano, providenciando dignidade para os seus súditos.[95]
É relevante lembrar que, em Genebra, o Conselho
e o Consistório da Igreja possuíam poder sobre os demais membros da Igreja;
poder até mesmo para excomungá-los, segundo Calvino, “brandir a espada do
Espírito”. Esses mesmos membros estavam sujeitos à autoridade do Consistório da
cidade.
Com isso, um membro que fazia parte do
magistrado civil tinha sua vida controlada pelo Consistório da Igreja e da
cidade; suas ações e decisões eram totalmente passíveis do julgamento desses
Consistórios.
Richard C. Gamble
nos dá uma descrição de acontecimentos ocorridos na época de Calvino:
Qualquer idéia de que Calvino ou a
Igreja de Genebra controlava o governo civil não é correta. Em setembro de
1548, o Conselho da cidade determinou que os pastores podiam apenas exortar o
povo, mas não excomunga-lo. Em dezembro, o Conselho prosseguiu em suas
tentativas de usurpar o poder dando a Guichard Roux a permissão de receber a
Ceia do Senhor, após ter sido proibido de faze-lo pelo Consistório. O próprio
Calvino foi admoestado pelo Conselho no dia 24 de setembro de 1548 por causa de
uma carta que tinha escrito, criticando os magistrados de Genebra.[96]
O que percebemos, em Genebra, é a influencia de
um governo sobre o outro, o que nos mostra que, embora separados havia uma
junção entre eles.
Concluímos, com isso, que Calvino compreendia
que Igreja e Estado possuíam governos separados, entretanto a Igreja deveria
vigiar o Estado. Um governo que não cuidasse em dar sustentação a um princípio
de vida regido pela Igreja, isto é, que não acatasse as leis de Deus não teria
legitimidade aos olhos da Igreja.
2.6 A disciplina e o poder pastoral
Pois, assim
como nenhuma cidade, ou nenhum povoado, pode manter-se sem magistrado e ordem
governamental, assim também a Igreja de Deus, [o] que já ensinei, mas agora sou
obrigado de novo a repetir, necessita de sua como que ordem de governo
espiritual, que, no entanto, é inteiramente distinta da [ordem] civil e
absolutamente nada a impede ou ameaça, senão que, antes, muito [a] ajude e
promova. Portanto este poder de jurisdição outra cousa não será, em suma, que a
ordem preparada para a conservação da forma de governo-espiritual.[97]
Ao falarmos de disciplina, devemos entender que Calvino acreditava ser
esta um mecanismo criado por Deus para manter a Igreja firme no seu papel
diante da sociedade. A disciplina é compreendida por ele como o remédio
indicado pelo próprio Cristo e segundo Calvino foi sempre usado entre os
devotos[98].
Em sua compreensão, só a pregação não seria suficiente para manter a Igreja em
ordem, e a disciplina era o complemento, o remédio que faltava para que a
Igreja pudesse viver de forma saudável. Ele diz o seguinte:
Pois, quê
haverá de ser, se a cada um seja permitido [o] que quer que [lhe] haja de ter
aprazido? Com efeito, isso acontecerá, a não ser que à pregação da doutrina se
aduzissem admoestações particulares, correções e outros adminículos[99]
dessa natureza, que sustêm a doutrina e não [a] deixam ser ociosa.[100]
Calvino buscava induzir uma mudança na sociedade de Genebra, através da
reforma proposta pela Igreja. Seu método de reformar a cidade era pelo uso da
disciplina eclesiástica. Seu desejo era que a Igreja fosse verdadeiramente o
povo de Deus, de forma que a disciplina não era um fim em si mesma. O objetivo
da disciplina era proteger o indivíduo e a Igreja, levando os transgressores ao
arrependimento.
A Igreja se
empenhava em manter a disciplina com uma tríplice finalidade: 1. para que a
glória e a honra de Deus pudessem ser reafirmadas; 2. para que o mal não
corrompesse o que é bom; 3. para que aqueles que houvessem caído em pecado
fossem reconduzidos à integridade.[101]
“A maneira de aplicar a disciplina consistia, primeiramente, em admoestar
particularmente o transgressor, procedimento seguido pela admoestação perante
testemunhas e, finalmente, caso a admoestação falhasse, aplicava-se a
excomunhão”.[102]
A punição, além de ter como objetivo o
arrependimento do faltoso, também pretendia reforçar os comportamentos
desejáveis da comunidade. Os pastores também podiam ser disciplinados para que
dessa forma a Igreja fosse protegida dos maus líderes.
O problema consistia em quem determinava o modelo de “mau” pastor? Sendo a disciplina “como um freio com
que sejam contidos e domados [aqueles] que se embravecem contra a doutrina de
Cristo, ou como um acicate[103] com
que sejam estugados os de pouca disposição”[104]; perguntamos: Como poderia alguém se defender
teologicamente de acusações contra a doutrina de Cristo?
Devemos nos lembrar que o poder estava nas mãos dos mesmos que faziam a
teologia e instituíam as leis morais, baseados em suas próprias interpretações.
Estes mesmo julgavam os que não acatavam tal teologia e não se debruçavam para
suas leis morais, e os mesmos executavam a sentença sobre os infratores. Esse
sistema permanece em nossos dias.
João Calvino afirmava que a disciplina eclesiástica deve ser aplicada
somente pelas autoridades da Igreja, por ela ser de natureza espiritual, jamais
deve recorrer à força ou à espada e precisa estar calcada na Palavra de Deus. O
exercício e administração da disciplina eclesiástica não podiam ser exercidos
apenas por um homem, mas por um colegiado de presbíteros.[105]
Percebemos novamente que tal atitude fazia com que o poder pastoral fosse
exercido pelo Concílio e não pelo povo. A responsabilidade da administração da
Igreja estava dessa forma, sendo centralizada nos presbíteros e aos leigos
cabia apenas a escolha de seus representantes no Conselho.
A disciplina confirmava o poder aristocrático exercido por Calvino e seus
presbíteros.
Em um sistema de governo democrático-comunicativo devemos ter a
disciplina (conjunto de leis normativas), como meio regulador, para que todos
possam usufruir da vida, mas é necessário que seja dado a todos o direito de
defesa na quebra de alguma norma. Os poderes legislativo, executivo e
judiciário, não podem de forma alguma estar sob o domínio de um mesmo grupo de
pessoas, caso isto ocorra não temos uma democracia, e, sim, uma aristocracia.
2.7 Reflexão critica sobre o poder pastoral em João Calvino
Iniciaremos nossa
reflexão pelo conceito do sacerdócio universal, pois, como afirmei
anteriormente, acredito que este conceito influenciou o sistema de governo
elaborado por Calvino. Na verdade o sacerdócio universal nunca foi realmente
vivido por Calvino e seus seguidores, uma vez que ao pastor sempre foi dado
lugar de destaque no ministério sacerdotal. Se a origem do sacerdócio da classe
clerical e do sacerdócio leigo deriva do sacerdócio único, santo e eterno de
Cristo, como nos afirma o Dr. Antonio José do Nascimento Filho[106],
de forma alguma pode haver então distinção qualitativa nesse serviço
sacerdotal. Entretanto vimos que Calvino fazia essa distinção. Para ele o
ministro ocupava um lugar sacramental no serviço sacerdotal, sendo o único
autorizado para ministrar os sacramentos.
É relevante frisar que
tal concepção a respeito do ministro (bispo), tornando-o maior diante dos
demais membros e presbíteros, contraria o principio bíblico que diz:
Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre
vós que não pense de si mesmo além do que convém, antes, pense com moderação
segundo a medida da fé que repartiu a cada um.
Porque, assim como num só corpo temos muitos membros, mas
nem todos os membros têm a mesma função (Rm 12:3-4).
Nenhum membro do corpo é considerado melhor que
o outro, segundo Paulo, apenas possui funções diferentes. O mesmo acontece no
Corpo de Cristo, sua Igreja.
Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais
fracos, são necessários, e os que nos parecem menos dignos no corpo, a estes
damos muito maior honra; também os que em nós são decorosos revestimos de
especial honra. Mas os nossos membros nobres não têm necessidade disso. Contudo
Deus coordenou o corpo concedendo muito mais honra àquilo que menos tinha, para
que não haja divisão no corpo, pelo contrário, cooperem os membros, com igual
cuidado, em favor uns dos outros (1 Co 12:-25).
Com tal citação bíblica
podemos demonstrar que no sistema de governo de Calvino, os membros mais fracos
são esquecidos (não participam do Conselho) e não possuem honra alguma. Sua voz
não é ouvida dentro da Igreja. Tal fato faz com que o principio bíblico,
da sujeição, seja quebrado ou apenas compreendido como uma única mão, onde o
membro deve sujeitar-se ao seu pastor e esquecendo-se que o mesmo também deve
se sujeitar aos demais membros como diz as escrituras: “sujeitando-vos uns aos
outros no temor de Cristo” (Ef 5:21).
A ênfase dada à figura do pastor leva-nos novamente ao modelo de poder
pastoral onde o mesmo é visto como imprescindível dentro da igreja, por
Calvino, e este possui um poder pastoral salvífico (que buscava levar ao céu
todos os seus membros/não respeitando sua liberdade de expressão), sacrificial (que
buscava pela pureza a qualquer preço/capaz de condenar aqueles que julgavam
hereges), individualizante/totalizante (participativo/o conhecimento era usado
como meio de intimidação) e co-extensiva (apontava o caminho para
salvação/todos deviam sujeição obrigatória a vontade do pastor).
O sistema hierárquico dominador se repete dentro da estrutura elaborada
por Calvino, apenas de forma diferente.
Calvino, em sua proposta, anda na contra-mão da Teocracia, uma vez que ele
centraliza o poder nas mãos dos presbíteros e faz com que estes homens
ordenados sejam especiais diante dos demais seres humanos. Sua concepção de
governo põe fim à igualdade entre os seres humanos. Por outro lado, Deus luta
pela igualdade dos indivíduos, buscando fazer com que todos participem do
poder, da construção do mundo da vida.
Os ofícios foram meios para que o controle da
Igreja e de Genebra permanecesse nas mãos dos cleros, pois dessa forma
acreditavam manter a Igreja unida e protegida das heresias.
Em terceiro lugar, nada era mais apropriado para fomentar
mútuo amor que deste vínculo serem entre si ligados os homens, enquanto um é
constituído pastor que, a um tempo, ensine aos demais, mas [os] que discípulos
se ordenam ser recebam a doutrina comum de uma [só] boca. Ora, se cada um a si
[mesmo] se bastasse, nem tivesse necessidade da ajuda de outrem, qual é a
soberba do humano engenho, cada um aos outros desprezaria e seria deles
desprezado.[107]
Embora os ofícios pudessem realmente ser usados
para o melhor controle da Igreja, por este dar ao oficial uma função
reconhecida por toda a igreja para a sua proteção, também corria-se o risco do
oficio deixar de ser uma função para ser tornar uma posição. Mesmo não sendo
essa a vontade de Calvino, a armadilha estava armada; e nada seria mais
propício para isso do que um lugar onde apenas os oficiais da Igreja pudessem
tomar decisões.
3. O presbiterianismo
O presbiterianismo nasce do movimento calvinista, isto é, surge
fundamentado na teologia e no sistema de governo elaborado por João Calvino.
“A palavra ‘presbiteriano’ começou a ser usada na primeira metade do
século XVII na Escócia, quando a forma de governo era uma questão critica, e,
desde então, tem sido a designação adotada pela maior parte das comunidades
reformadas de fala inglesa”.[108]
O presbiterianismo emigrou da Europa, para os Estados Unidos da América, e
deste emigrou para a América do Sul.
Na seção anterior descrevemos o poder em Calvino, agora analisaremos o
fruto do sistema elaborado por ele, o qual chamamos de sistema presbiteriano.
3.1 O poder no presbiterianismo
O presbiterianismo não é uma forma de modelo fixo,
por exemplo: a duração do mandato dos presbíteros varia de época em época, de
lugar para lugar. Questões como ordenação de mulheres e outras são vistas de
formas diferentes pelos grupos presbiterianos. Entretanto o sistema de governo
permanece o mesmo, isto é, o governo das igrejas é exercido pelos Concílios.
Na visão presbiteriana, a Igreja foi instituída por Deus na terra, com a
finalidade de preservar, manter e difundir a Sua verdade. Para os
presbiterianos, o governo da Igreja não é de competência humana, e, sim,
divina. Tendo ela natureza divina, seus aspectos gerais e sua natureza estão
claramente indicados na Palavra de Deus.
Sobre a Igreja e sua forma de governo, os presbiterianos dizem o
seguinte:
1. Todos os
atributos e prerrogativas da Igreja se originam da posse do Espírito e,
conseqüentemente, onde ele habita existem esses atributos e prerrogativas; 2.
Como o Espírito não reside apenas no clero, mas no povo de Deus, todo poder
está, ‘in senso primo’, no povo; 3. No exercício dessas prerrogativas, a Igreja
deve ser governada por princípios delineados na Palavra de Deus, que determina,
dentro de certos limites, seus oficiais e métodos de organização. Todavia, para
além desses limites prescritos e em fidelidade a eles, a Igreja tem uma ampla
liberdade de ação na escolha de métodos, órgãos e funções; 4. Os princípios
fundamentais do nosso sistema presbiteriano são, em primeiro lugar, a igualdade
do clero; em segundo lugar, o direito do povo a uma parte substancial no
governo da Igreja; e, em terceiro, a unidade da Igreja, no sentido de que uma
pequena parte está sujeita a uma maior e a maior ao todo (Charles Hodge).[109]
Acredito que Charles Hodge está
corretissímo em sua afirmação de que o governo está “in senso primo” no povo,
no entanto, no sistema presbiteriano o poder pastoral reside no clero
(presbíteros), ficando ao povo apenas uma pequena parte do poder e não uma
parte substancial como ele afirma. O historiador James Moffat afirma essa
verdade ao dizer que a Igreja é governada por presbíteros:
Presbiterianismo
é o nome dado à crença na Igreja Católica e Apostólica, governada por
presbíteros. Seus princípios constitutivos, como são operacionalizados agora,
podem ser descritos como segue: a) a igualdade dos presbíteros; b) o direito do
povo, através de seus representantes ou presbíteros leigos, de participar do
governo da Igreja; c) a unidade da Igreja, não simplesmente na fé e ordem, mas
em uma sucessão graduada de tribunais eclesiásticos que expressam e exercitam a
autoridade geral da Igreja como uma sociedade divina (James Moffat: historiador
do presbiterianismo no século XX).[110]
Muitos de nós, presbiterianos,
acreditamos possuir um governo democrático, pelo fato de que os leigos elegem
seus representantes (presbíteros regentes) para participarem do governo da
Igreja. Contudo, na prática, uma vez que estes são ordenados (por imposição de
mãos), tornam-se membros do clero e não mais representantes do povo. A
ordenação destitui o indivíduo de sua posição de leigo e o torna um novo membro
do clero.
W. H. Roberts define o sistema de governo presbiteriano da seguinte
forma:
a) Jesus Cristo
é o chefe da Igreja; b) todos os crentes devem estar unidos entre si e ligados
diretamente a Cristo, assim como os diversos membros de um corpo, que se
subordinam à direção da cabeça; c) Jesus Cristo mesmo determinou a natureza do
governo de sua Igreja; d) todos os crentes, como, membros do corpo de Cristo,
têm o direito de participar das atividades da Igreja; e) a Igreja tem
autoridade para exercer disciplina sobre os faltosos e para exercer o governo;
f) os cristãos têm o direito de livre associação em denominações que prescrevam
as condições de admissão em seu seio; g) as Igrejas podem preservar a união
espiritual e doutrinária dos cristãos sendo, ao mesmo tempo, independentes
administrativamente.[111]
O sistema presbiteriano possui como princípio fundamental a soberania de
Deus e é através desse princípio que são formadas suas doutrinas. A partir da
soberania de Deus e baseado nas características descritas acima; segundo
Roberts, temos as seguintes verdades:
a) Cristo é a
única cabeça da Igreja e, portanto, todos os cristãos que a ele estão unidos
são membros da Igreja ideal, invisível, que existe no céu e na terra, composta
de todos os eleitos; b) todas as pessoas que professam a verdadeira religião
são membros da Igreja visível e universal existente na terra; c) todo o poder
da Igreja é declarativo e ministerial. Ministerial quando a Igreja age em lugar
de Cristo. Declarativo quando interpreta os ensinos de Cristo contidos nas
Sagradas Escrituras; d) os termos de admissão de membros devem ser de acordo
com o que está estatuído na Palavra de Deus; e) somente devem ser nomeados na
Igreja oficiais permanentes nos casos que a Bíblia indicar; f) os ministros,
como representantes de Cristo, são irmãos e iguais uns aos outros em
autoridade; g) o povo de Deus tem o direito de participar do governo da Igreja;
h) a Igreja possui o poder de excluir os crentes faltosos e de regular a
conduta de seus membros; i) como a Igreja é composta, não de unidades
desconexas e independentes, mas de partes unidas umas às outras, como porções
de um todo, verdadeiros membros de um corpo, tem ela o direito de regular e de
inspecionar todas as suas partes componentes, sejam membros da comunidade
eclesiástica, sejam congregações particulares; j) a existência de denominações
não fere os preceitos bíblicos e não destrói a verdadeira unidade da Igreja,
desde que cada uma delas cumpra fielmente a missão que foi imposta por Deus; k)
e, finalmente, o Estado não tem poder algum sobre a Igreja.[112]
Esses princípios, aplicados no Sistema Presbiteriano, se transformam numa
organização eclesiástica cujos aspectos principais são os seguintes:
a) Jesus Cristo
é a única cabeça da Igreja; b) os ministros são iguais uns aos outros; c) a
autoridade é sempre outorgada positivamente não a indivíduos, tais como bispos,
mas a concílios representativos; d) as atividades e os negócios das
congregações locais são administrados conjuntamente pelos pastores e pelos
oficiais escolhidos pelo povo, chamados presbíteros regentes e diáconos; e) os
interesses gerais da Igreja são dirigidos por órgãos representativos:
presbitérios, sínodos e assembléias gerais; f) os ensinos de Cristo contidos
nas Escrituras constituem a lei da Igreja; g) os termos de admissão são iguais
aos termos de salvação; h) a disciplina é exercitada somente contra ofensas
feita à Palavra de Deus ou contra faltas claramente inferidas desta Palavra; i)
todas as denominações que sustentam as doutrinas essenciais da religião cristã
são reconhecidas como Igrejas de Cristo; j) a organização eclesiástica ideal é
aquela que realiza o sábio propósito de uma Igreja livre num Estado livre.[113]
Tomando como exemplo a Igreja Presbiteriana do Brasil[114]
temos o seguinte modelo de governo: cada igreja local elege presbíteros para um
conselho. O pastor da igreja é um dos presbíteros no conselho, sendo este
presbítero docente, com a mesma autoridade dos outros presbíteros, chamados de
presbíteros regentes. Esse conselho tem autoridade para dirigir a igreja local.
Entretanto, os membros do conselho (os presbíteros) são também membros de um
presbitério que tem autoridade sobre diversas igrejas locais em uma região.
Esse presbitério consiste de alguns presbíteros regentes e de todos (ou quase
todos) os presbíteros docentes das igrejas locais, sobre as quais ele tem
autoridade. Além disso, alguns dos membros do presbitério são eleitos para
serem membros do Sínodo que possui autoridade sobre os presbitérios de sua
região. Alguns membros do Sínodo são
eleitos para serem também membros da Assembléia Geral (ou Supremo Concílio),
que tem autoridade sobre todas as igrejas presbiterianas no país.
No sistema presbiteriano percebemos que embora cada Igreja local tenha
seu conselho, este não possui autonomia, isto é, não possui faculdade para
governar por si mesmo. Seus atos estão amarrados a decisões do Presbitério, que
por sua vez também possui uma autonomia limitada, sendo que este deve estar
submisso aos Sínodos e este ao Supremo Concílio.
Temos visto que na prática esse sistema, embora seja bom, resulta em
muita burocracia, muito litígio formal, o que faz com que determinados
assuntos, mesmo doutrinários levem muito tempo para serem resolvidos (cf.
provas documentadas no final deste trabalho[115]).
Quanto aos leigos, parece-nos que na verdade ficam muito longe do poder,
pois as resoluções se prendem aos níveis de Concílios e com a participação de
alguns eleitos, que nem sempre representam o pensamento da maioria. Berkhof
admite que, “quanto mais geral a Assembléia mais distante ela fica do povo”[116].
Em caso de decisões erradas que venham de cima, se torna muito mais difícil de
se reverter uma vez que os que estão nos Concílios inferiores ou os leigos não
tem acesso aos Concílios superiores.
Contudo, admito que este sistema é mais seguro para evitar erros
doutrinários, uma vez que os pastores e conselhos locais devem ser submissos ao
presbitério, este ao Sínodo e este, por sua vez, ao Supremo Concílio.
3.2 Os símbolos de fé da Igreja Presbiteriana
Em 1729, a Igreja Presbiteriana adotou os padrões de
Westminster e em 1788, toda a Constituição que até hoje conserva na essência.
Por isto, embora não exija dos membros das Igrejas a aprovação formal do
sistema presbiteriano, os padrões de Westminster são a lei regularmente adotada
pela Igreja Presbiteriana, tanto para os crentes como para os oficiais, e
funcionam como a regra comum em teologia, dever, culto e governo.[117]
Nossa Igreja adota, como exposição das doutrinas
bíblicas, A Confissão de Fé de Westminster, O Catecismo Maior e o Catecismo
Menor ou Breve Catecismo. Contudo deve ficar bem claro, que nossa igreja ainda
prega, que a única regra infalível de fé e prática é a Escritura Sagrada.
A Assembléia de Westminster que reuniu-se no período de Julho de 1643
a Fevereiro de 1649, em uma das salas da Abadia de Westminster, na cidade de
Londres, preparou uma nova base de doutrina, forma de culto e governo
eclesiástico, que deveria servir à igreja.
Esse trabalho foi realizado com a presença dos maiores teólogos da época.
Estavam presentes nesse concílio cento e vinte um (121) teólogos. A confissão
de Fé e os Catecismos foram discutidos ponto a ponto e seu resultado sem dúvida
nenhuma foi notável pela sua coerência.
A Confissão de
Westminster segue o plano adotado no tempo da Reforma, é mais elaborada e
apresenta um pequeno sistema de teologia. Esse sistema é conhecido pelo nome de
Calvinismo, por ser o que João Calvino ensinou, e foi aceito pelas Igrejas
Reformadas, que diferiram das Luteranas.[118]
Os trabalhos desses homens nos deixaram um sistema teológico que ainda
hoje deve ser lido, aprendido e valorizado por nós presbiterianos e por todos
os cristãos e, sobre a base da compreensão verdadeira do sistema teológico que
elaboraram, devemos continuar fazendo teologia para os nossos dias.
Diante da importância desses símbolos de Fé para nossa igreja é que
pretendemos avaliá-los, com temor, diante de Deus, pois sabemos que os que os
elaboraram, dedicaram-se, em oração e a um árduo trabalho de leitura e estudo
da Bíblia.
Nossas investigações evidenciam o objetivo de Calvino ao elaborar uma
teologia para sua época. Seus ensinamentos deveriam libertar o povo do julgo da
Igreja Católica. Calvino fez parte da história humana num determinado tempo e
local, portanto devemos considerar a influência desses fatores na elaboração de
sua teologia e no sistema de governo eclesiástico. Nenhum teólogo está isento
da influência de seus dias. O mesmo ocorreu com os teólogos, que participaram
da elaboração dos Símbolos de Fé, ao buscarem libertar-se do julgo da Igreja
Católica e responderem aos Arministas que atacavam as doutrinas de Calvino.
Nossas perguntas são: Nós, presbiterianos, não idolatramos esses Símbolos
de Fé? Eles não se tornaram mais importantes do que as Escrituras para nós?
Nosso Manual Presbiteriano, que foi baseado nesses Símbolos de Fé, não se
tornou a única regra de fé da igreja?
Com essas perguntas em mente, analisaremos o poder pastoral que está
implícito na teologia dos nossos Símbolos de Fé e, conseqüentemente, no Manual
Presbiteriano.
O sistema presbiteriano de governo é respaldado também pela Confissão de
Fé.
Para melhor
governo e maior edificação da Igreja, deverá haver as assembléias comumente
chamadas sínodos ou concílios. Em virtude do seu cargo e do poder que Cristo
lhes deu para edificação e não para destruição, pertence aos pastores e aos
outros presbíteros das igrejas particulares criar tais assembléias e reunir-se
nelas quantas vezes julgarem útil para o bem da Igreja (Cap. XXXI, I).[119]
Aos sínodos e concílios
compete decidir, ministerialmente, controvérsias quanto à fé e casos de
consciência; determinar regras e disposições para a melhor direção do culto
público de Deus e governo de sua Igreja; receber queixas em caso de má
administração e com autoridade decidi-las. Os seus decretos e decisões, sendo
consoantes com a Palavra de Deus, devem ser recebidos com reverência e
submissão, não só pelo seu acordo com a Palavra, mas também pela autoridade
pela qual são feitos, visto que essa autoridade é uma ordenação de Deus,
designada para isso em sua Palavra.[120]
A Confissão de Fé dá continuidade a um modelo de poder pastoral em que o
pastor se torna uma figura especial dentro da igreja.
Em nosso Manual Presbiteriano encontramos o seguinte no Art. 31, da Seção
2, do Capitulo IV:
São funções
privativas do ministro:
a)
administrar os sacramentos;
b)
invocar a bênção apostólica sobre o povo de Deus;
c)
celebrar o casamento religioso com efeito civil;
d)
orientar e supervisionar a liturgia na igreja que é
pastor.[121]
Segundo a Confissão de Fé de Westminster, somente o pastor pode ministrar
os sacramentos. Tal ato assegura ao pastor um poder e um status diante os
demais membros da comunidade.
Há apenas dois
sacramentos ordenados por Cristo, nosso Senhor, no Evangelho: O Batismo e a
Ceia do Senhor. Nenhum dos quais pode ser administrado senão por um ministro da
Palavra, legalmente ordenado (Sacramentos XXVII, IV).
O elemento
exterior, usado neste sacramento, é água, com a qual a pessoa é batizada em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, por um ministro do Evangelho,
legalmente ordenado (Batismo XXVIII, II). [122]
Os textos (Mt 28:19; 1 Co 11:20,23,24; Hb 5:4) citados na Confissão de
Fé, para assegurar tal procedimento são, entretanto, provas claras de que para
a realização de tais sacramentos, não é necessário que os ministros da Palavra
ou do Evangelho sejam legalmente ordenados.
Vejamos o que dizem esses textos:
Mt 28:19 – “ide, portanto, fazei discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” – o
texto fala claramente a todos os discípulos de Jesus. Os discípulos de Jesus
são somente os legalmente ordenados? Evidentemente que não. Todos aqueles que
seguem os passos de Jesus são seus discípulos.
As mesmas pessoas que receberam a ordem do “ide”, também receberam a
ordem do “batizar”. O texto não diz que os discípulos de Jesus deveriam fazer
discípulos e chamarem os pastores legalmente ordenados para fazerem o batismo.
Quem ministrava os batismos quando a igreja se espalhou por todas as regiões
devido a perseguição?[123]
As formas verbais “ide”, “fazei discípulos” e “batizando” aparecem no
original, no gerúndio, isto é, elas tem a conotação de que a medida que os
discípulos vão caminhando, eles devem ir fazendo discípulos e batizando-os num
ato continuo, sem interrupções.
Se pregamos para toda a comunidade o “ide”, onde nos apoiamos, nesse
texto para dizer que o batizar é exclusividade do pastor legalmente ordenado?
1 Co 11:17-34 – Em sua primeira carta aos Coríntios, o apóstolo
Paulo, instrui os irmãos da igreja com relação à Ceia do Senhor. Contudo em
momento algum o apóstolo fala que a Ceia deveria ser ministrada somente por um
ministro da Palavra, legalmente ordenado. Paulo escreve dando instruções para
corrigir alguns erros de conduta dos irmãos durante a celebração da Ceia. Não
sabemos quem ministrava a Ceia na igreja de Corinto, pois não há nenhuma menção
no texto. Só podemos afirmar que não era o apóstolo, uma vez que ele não estava
presente fisicamente na igreja. Possivelmente fossem os presbíteros, uma vez
que Paulo os instituía com o dever de cuidar do rebanho (At 14:23; 1 Pe 5:2-3).
Entendemos que a esse respeito cabe um questionamento: Por que os presbíteros
não podem ministrar à Ceia do Senhor? Pregamos o sacerdócio universal, entretanto
excluímos o povo do ministério sacerdotal.
Hb 5:4 – O autor do Livro de Hebreus escreve de forma sublime a
superioridade do sacerdócio de Cristo. Ele descreve os deveres do sumo
sacerdote do Antigo Testamento ou da Velha Aliança para mostrar como Cristo
cumpriu todas as etapas e todas as tarefas, para ser reconhecido como sumo
sacerdote. No verso quatro (4) deste capítulo cinco (5) diz o seguinte:
“Ninguém, pois, toma esta honra para si mesmo, senão quando chamado por Deus,
como aconteceu com Arão”. Precisamos ter ciência de que a partir da nova
aliança não existe mais sumo sacerdote, a não ser Jesus Cristo. O próprio autor
de Hebreus nos deixa isso claro quando diz “tendo, pois, a Jesus, o Filho de
Deus, como grande sumo sacerdote...”, “tu és sacerdote para sempre...” e “tendo
sido nomeado por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque” (Hb
4:14; 5:6; 5:10).
Talvez alguns interpretem o versículo quatro como uma referência ao
pastor, considerando este um sacerdote de Deus.
A palavra honra que aparece na frase refere-se ao ofício do sumo
sacerdote e não ao de um simples sacerdote. Portanto esse texto fala
exclusivamente da pessoa de Jesus, como aquele que teve a honra de se oferecer
como sacrifício pelos nossos pecados. Assim como Arão, Jesus foi chamado por
Deus, contudo seu sacerdócio é superior ao de Arão, pois é para sempre e
ninguém “toma esta honra para si mesmo”.
Portanto, nenhum dos textos citados dá apoio à afirmação de que somente
os ministros legalmente ordenados possam realizar tais sacramentos.
Com relação a esse assunto Wayne Grudem diz o seguinte:
Quem deve
ministrar a ceia do Senhor? As Escrituras não apresentam um ensinamento
explicito sobre a questão, de modo que compete a nós decidir quem é sábio e
adequado para assim beneficiar os cristãos na igreja. Para que não haja abusos
na ceia do Senhor, um líder responsável deve ser encarregado de ministra-la,
mas não parece que as Escrituras exigem que apenas os pastores ordenados ou
oficiais especiais se encarreguem disso. [...] Mas, além disso, não parece
haver razão por que somente oficiais ou líderes, ou apenas homens, devem
distribuir os elementos. Será que não comunicaríamos muito mais claramente a
nossa unidade e igualdade espiritual em Cristo, se homens e mulheres, por exemplo,
auxiliassem na distribuição da ceia do Senhor?[124]
Compreendo que a igreja precisa de organização; para isso é necessário
que sejam criadas e obedecidas normas de conduta, para todo o grupo, de forma
que todo o corpo trabalhe bem ajustado. Entretanto acreditamos que não devemos
criar estruturas rígidas, inflexíveis, que não permitem, em determinados
momentos, outros assumirem posições dos quais a Bíblia não delega exclusividade
a ninguém. Não devemos transformar em verdade absoluta o que a Palavra de Deus
não afirma.
Seríamos mais bíblicos se deixássemos como função do pastor administrar
os sacramentos, contudo, em sua ausência, os sacramentos pudessem ser
ministrados pelos presbíteros ou evangelistas da igreja. Uma congregação
afastada de sua sede não deve ficar sem participar da mesa do Senhor ou
discípulos ficarem sem o batismo, por causa da ausência de um pastor. Não são
todos sacerdotes? Que teologia de sacerdócio universal é esta que os sacerdotes
ordenados diretamente por Cristo não podem exercer seus direitos sacerdotais?
Para Calvino o sacerdócio universal significava que todos os crentes
deveriam ter a oportunidade de entender a fé, comunicá-la aos outros e ocupar
uma posição de responsabilidade na comunidade. Isso era uma grande mudança na
concepção de igreja do século XVI. Mas, para que isso pudesse acontecer, o
papel do ministro tinha de ser radicalmente redefinido como o de servo, ao
invés de ser alguém com autoridade sobre outros.
O que Calvino não percebeu nem os reformadores era que enquanto o pastor
tivesse lugar privilegiado na igreja e tivesse o controle dos sacramentos seria
tentando a manter sua posição e dominação. Tais privilégios fizeram com que
mesmos os maus pastores se tornassem necessários na igreja. Melhor suportar um
pastor fraco do que ficar sem os sacramentos.
O poder pastoral que temos imposto à igreja transformou-se num poder
dominador. A ênfase especial dada ao pastor o fez sentir-se superior aos demais
membros da igreja. Caímos na tentação da hierarquia.
Nossa teologia bíblica nos aponta um poder serviçal. Contudo nossos
teólogos da reforma estavam preocupados com a vida e com o mundo de sua época,
o que os levou a criarem o sistema de governo que temos em nossos dias. É tempo
de admitirmos que Calvino buscou apresentar um modelo de igreja adequado à nova
sociedade que estava surgindo em seus dias. Como calvinistas, devemos
apresentar para nossos dias uma teologia prática, uma teologia viva que aponte
soluções para todos os que se encontram injustiçados, oprimidos e de corações
quebrantados. Poderíamos começar revendo nosso sistema de governo, buscando
criar um sistema onde o povo possa ser mais atuante nos processos decisórios da
gestão de nossas igrejas.
CAPITULO
IV
A
LEGITIMAÇÃO DO PODER PASTORAL NO MINISTÉRIO PRESBITERIANO
Antes de entrarmos direto em
nosso tema, gostaria de ressaltar o que Habermas diz a respeito da
legitimidade: “Legitimidade significa que um ordenamento político é digno de
ser reconhecido”[125].
Ele atesta com essas palavras que um ordenamento político pode ser contestado.
Em nossos dias a uma crise na
legitimidade das instituições sociais e políticas, causada em grande parte pela
globalização. A globalização desencadeou uma crise de identidade e esta se
transformou em crise de legitimidade. Exemplos das crises de legitimidade
derivadas da globalização são, entre outros: as disputas étnicas em paises
reestruturados da antiga União Soviética ou sob o seu domínio; as lutas sociais
e as legislações relativas aos imigrantes do Terceiro Mundo nos países do
Primeiro.
A crise da legitimidade também
alcançou nossas Igrejas Reformadas, pois nesse novo mundo que está surgindo,
tudo é questionado pelas pessoas, todas buscam explicações racionais, respeito
e espaço nas instituições.
1. A
legitimidade da Igreja no Presbiterianismo
Uma vez que as Igrejas Presbiterianas institucionalmente configuram-se
como um ordenamento político constitucional, enfrentam hoje problemas de
unidade e identidade, e, o ethos presbiteriano possui um forte
componente ético-normativo, por essas razões, para analisa-las, podemos aplicar
a teoria de Habermas.
A legitimidade no Presbiterianismo é construída de forma híbrida, a
partir de fundamentos normativos de cunho teológico, moral e jurídico-constitucional.
Uma Igreja Presbiteriana deve ser considerada legitima por seus membros a
partir do momento em que:
a)
Mantenha sua práxis originaria;
b)
Permaneça fiel ao povo;
c)
As suas praticas sejam devidamente regulamentadas pela
lei.
A partir do momento em que a Igreja falhar em um desses pontos, seu poder
não estará mais legitimado, ou a partir do momento em que o pastor e/ou
concílio não estiverem mais na prática de um desses pontos citados acima, seu
poder não será digno de reconhecimento.
Analisaremos cada um destes pontos.
1.1 Mantenha
sua práxis originaria
Manter sua práxis originaria significa teologicamente: ser
fiel às Escrituras e a tradição reformada.
Ao falar de tradição reformada duas
frases nos vêm à mente: a) A Bíblia é a única regra de fé e prática; b) Ecclesia
reformata semper reformanda (Igreja reformada sempre reformando).
Essas duas frases ecoam ainda em nossos dias de forma veemente. No nosso
entendimento elas representam a verdadeira expressão do espírito reformador, os
fundamentos verdadeiros da tradição reformada. Não poderíamos falar hoje de
reforma se não houvesse primeiramente uma volta às Escrituras, a uma fé de que
somente elas eram ditadoras de um modelo de vida e de governo; e não estaríamos
aqui hoje se não houvesse a ousadia de reformar o que parecia intocável, essa ousadia
deve ser contínua na Igreja, pois esse é o verdadeiro espírito da reforma.
Precisamos entender que a essência do protestantismo não é uma doutrina,
mas uma maneira de ser igreja, que tem implicações revolucionárias.
... qualquer
igreja que é produto da Reforma merece esse nome somente se é capaz de vencer o
impulso inerente a todas as instituições humanas, para a auto-preservação, e
somente se ousar reformar-se de tempos em tempos, a fim de responder
criativamente aos desafios apresentados por novas situações históricas.[126]
Para muitos teólogos o ethos da tradição reformada se encontra em suas
doutrinas.
Por isso, no
começo do estudo da tradição reformada, é apropriado apresentar uma análise dos
motivos que têm gerado um estilo e modo peculiares em sua teologia, culto,
organização, cultura e vida. Apesar de os estilos de vida nunca serem puros nem
sujeitos a definição precisa, alguns temas podem ser especificados e
substancialmente estudados. Pelos menos nove deles têm dado forma, de maneira
significativa, ao estilo reformado de ser cristão. [127]
John H. Leith classifica nove temas como “ethos” da tradição reformada,
sendo eles: 1) A Majestade e a Glória de Deus; 2) A Polêmica Contra a
Idolatria; 3) A Realização dos Propósitos Divinos na História; 4) Ética uma
vida de Santidade; 5) A Mente a Serviço de Deus; 6) A Pregação; 7) A Igreja
Organizada e o Trabalho Pastoral; 8) Vida Disciplinada; 9) Simplicidade.
Quando John H. Leith diz que “apesar de os estilos de vida nunca serem
puros nem sujeitos a definição precisa”, ele, na verdade, está afirmando que
existem culturas diferentes que tratam de determinados assuntos à sua maneira.
A organização das igrejas e o seu modo de cultuar a Deus devem refletir sua
cultura, desde que sejam respeitados os princípios bíblicos. Desse modo, as
igrejas devem ter liberdade de expressar sua cultura.
Embora as Igrejas Reformadas possuam aspectos litúrgicos e doutrinários
que, em parte, as fazem semelhantes, a Tradição Reformada não está em seu
estilo de culto (liturgia), nem em suas doutrinas, mas em seu espírito
renovador e em sua determinação em nunca abandonar a Bíblia.
Nesse aspecto devemos cuidar para distinguir tradição e tradicionalismo.
Tradição é a transmissão autorizada do evangelho de crente para
crente, de comunidade para comunidade, de geração a geração. Acredito que seja
relevante afirmar: transmissão do evangelho puro. Isso significa que a tradição
nunca é definitiva, mas está sempre viva, aberta para seu próprio tempo e para
o futuro.
Tradicionalismo é a doença que mata as igrejas, que leva as
pessoas a crerem que o passado era tão bom a ponto de o futuro nada ter a
oferecer. Os tradicionalistas normalmente são os legalistas, pessoas que se
agarram às diversas tradições: religiosas (horário de culto, festas religiosas,
liturgia, etc.), jurídicas (constituição da igreja), doutrinárias
(predestinação, perseverança dos santos, ordenação só de homens, etc.) como se
elas fossem divinas, e por isso intocáveis.
H.
Arendt afirma que o poder existe para manter a práxis da qual se originou[128],
de forma que podemos concluir, que uma instituição deixa de ser legítima a
partir do momento em que perde sua práxis original. A Igreja Presbiteriana
deixa de ser lígitima ao fechar-se para o diálogo. A partir do momento em que
ela não aceita reformas, ela deixa sua práxis original. A Igreja Presbiteriana
nasceu da reforma, do movimento libertador, portanto sua práxis inicial é
libertadora e comunicativa.
O início da Igreja Presbiteriana foi marcado pela construção de uma
teologia libertacionista para sua época, que lutava para tirar o poder pastoral
dominador, tirano, da Igreja Católica Romana. Os reformadores afirmavam que
qualquer pessoa poderia ler a Bíblia e interpretá-la, e foi essa afirmação que
os levaram a publicarem-na em línguas compreendidas pelo povo.
Não podemos hoje alijar o povo de seu direito de interpretação da Palavra
de Deus, não podemos nos fechar para dialogar a respeito de quaisquer novas
doutrinas levantadas por cleros ou leigos, devemos, sim nos abrir ao diálogo e
de forma racional averiguar a verdade. Não devemos ter medo de descobrir que
talvez estivemos errados por tantos anos, pior ainda é continuarmos andando
errado. Fechar-nos ao diálogo é exercer o mesmo poder pastoral contra o qual os
reformadores lutaram.
Richard Schaull afirma que
essa resistência ao dialogo já ocorreu:
Eles, quase sempre, reduzem a mensagem
bíblica a um conjunto de doutrinas que não podem ser absolutamente
questionadas. Em seu zelo pela defesa da Bíblia como a Palavra de Deus,
acabaram por fazer dela um ídolo. A fé cristã é reduzida a afirmações racionais
formuladas no passado. Desse modo, perdeu-se muito o poder libertador da
Palavra transcendente. O crente não é mais livre para responder criativamente
ao Espírito Criador, na medida em que o mesmo se move no mundo de hoje.[129]
Somente dessa maneira podemos perceber
como nossas igrejas perderam a vitalidade espiritual que vem da participação na
luta de Jesus pelo Reino de Deus e como nos tornamos obcecados pela busca de
segurança, caindo no mesmo erro da igreja medieval que culminou com a Reforma.
Ao mesmo tempo, uma igreja espiritualmente
decadente tentou salvar-se sacralizando a instituição religiosa, fazendo dela
um ídolo e mantendo o povo cativo. Hoje, um protestantismo espiritualmente decadente
tenta salvar-se através da sacralização do texto da Bíblia, fazendo dela o seu
ídolo. E aqueles que são mais inseguros tendem a se levantar violentamente
contra qualquer um que tenha a coragem de denunciar essa traição de nossa
herança.[130]
Seremos fiéis às Escrituras quando dermos explicações da nossa fé a todos
aqueles que nos pedirem (1 Pe 3:15), quando tivermos ousadia de debater sobre
qualquer assunto, abertamente (dando a todos o direito de expor seus
pensamentos) com a participação de todos os pastores (teólogos da igreja), sem
usarmos de leis, ameaças ou outros recursos para intimidação. A igreja só terá um poder lígitimo se for
fiel às Escrituras, e, conseqüentemente à tradição reformada.
A reflexão
teológica como explicação da fé pela qual se vive é um trabalho humano e
está sujeito a todas as limitações da existência humana. Por esta razão, não
existe teologia perfeita. A finitude humana significa que nenhum teólogo
consegue esgotar o sentido da fé cristã. A limitação temporal quer dizer que
cada teologia é apropriada para um tempo e lugar particular, devendo ser
revisada à medida em que o tempo muda. O pecado, bem como a limitação de
qualquer perspectiva humana, significa que toda teologia é, em certa medida,
uma ideologia, ou seja, uma forma de justificar a própria situação e as
intenções do teólogo. [...] Portanto, nenhuma teologia é a teologia ou
afirmação final da fé cristã.[131]
Acreditar que a teologia ou o sistema de governo de Calvino, ou mesmo de
outros teólogos, não possam ser discutidos e contrariados, é absolutizar o que
homens pecadores e fragmentados, influenciados pela cultura de sua época
escreveram, ignorando que o fizeram num determinado momento de sua história.
Hoje, teólogos
responsáveis não somente representam da melhor maneira possível sua própria
tradição, mas também lêem, discutem e assimilam o trabalho teológico de outros
que pertencem a qualquer tradição cristã.[132]
A legitimidade da Igreja só será possível por meio de um discurso
racional e inteligente, pois o mundo globalizado, traz aos indivíduos, novos
conhecimentos impossíveis de serem controlados pela igreja.
Enquanto procurarmos simplesmente preservar o passado – expresso em
conceitos teológicos, formas de organização da Igreja, ou padrões de disciplina
– este facilmente será transformado num fardo, alienando-nos de nossas lutas
atuais e limitando nossas respostas.
Seremos mais fiéis à tradição reformada, não repetindo o que os
reformadores disseram, mas agindo como eles para responder de maneira criativa
e contextualizada aos grandes desafios que estão diante de nós.
Se a vida de
uma igreja reformada sendo sempre submetida à reforma está no coração da
Reforma do século dezesseis, então as igrejas protestantes, que estão mais
estreitamente ligadas historicamente a ela, deveriam se achar numa posição de
oportunidade excepcional hoje. Pois elas têm a sorte de estarem ligadas a uma
herança espiritual e teológica capaz de libertá-las da escravidão às
realizações do passado, de chamá-las a responder de maneira dinâmica aos novos
desafios e de provê-las com recursos de que elas necessitam pra empreenderem a
reforma de todos os aspectos de sua vida institucional.[133]
A legitimidade das Igrejas Presbiterianas só existirá se as mesmas se
mantiverem fiéis às Escrituras e no mesmo espírito dos reformadores. Isso
implica em serem igrejas regidas pelo poder comunicativo.
1.2 Permaneça fiel ao povo
O Presbítero
regente é o representante imediato do povo, por este eleito e ordenado pelo
Conselho, para, juntamente com o Pastor, exercer o governo e a disciplina e
zelar pelos interesses da igreja a que pertencer, bem como de toda a
comunidade, quando para isso eleito ou designado.[134]
A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, como também as demais
Igrejas Presbiterianas de forma geral, afirmam que o Presbítero regente é
eleito pelo povo para representá-los diante os concílios da igreja. Para que haja legitimidade nesse sistema é necessário que
os eleitos permaneçam fiéis ao povo que os elegeram. A Igreja deve permanecer
fiel ao povo que dá sustentação a sua existência.
Um dos grandes problemas no
sistema presbiteriano encontra-se na representatividade. Três problemas se
evidenciam na legitimidade do poder conferido aos presbíteros regentes[135]
e um outro problema surge diante o número de representantes nos concílios:
1 – Os eleitos para os cargos representativos nem sempre representam a
Igreja (teologicamente falando) e nem sempre representam o povo que os elegeu.
Nesse aspecto encontramos duas características marcantes em nossas igrejas.
A primeira diz respeito ao fato dos presbíteros regentes nem sempre
representarem a Igreja teologicamente. Isso ocorre devido à limitação de seu
conhecimento teológico.
Pensando
especificamente no pastorado, está em crise a legitimidade intelectual e
estrutural que caracterizam o poder pastoral das Igrejas Presbiterianas. O
exercício do pastorado presbiteriano clássico já não consegue atender às
demandas e necessidades religiosas dos membros das igrejas e, especialmente,
dos não-membros das igrejas. O ensino pastoral clássico tende a ser
doutrinário, tradicional (seja uma tradição fundamentalista, seja uma
conservadora, seja uma progressista, etc.), pouco adequado ao contexto social
mais amplo e às expectativas individuais dos membros da igreja.[136]
Contudo não podemos culpá-los, pois estes são apenas vítimas de um
sistema que sempre priorizou a doutrinação[137]
e não o ensino aberto e franco[138].
Com isso não temos defensores das Escrituras e da Tradição Reformada, e sim,
defensores de doutrinas e sistemas de governos regidos por uma teologia e
estatutos que não podem ser questionados. A Igreja criou uma estrutura rígida,
esquecendo-se de seu lema Ecclesia reformata semper reformanda.
Essa atitude restringe cada membro (que é um teólogo) da igreja de sua
liberdade de pensar e de expressar seus pensamentos. Muitas vezes, as
lideranças das igrejas omitem-se da responsabilidade de buscar respostas
bíblicas para aceitar ou rejeitar novas propostas de seus membros. Preferem
fazer uso da força e da repressão para silenciar aqueles que levantam duvidas
quanto determinadas posições assumidas pela igreja, sejam elas teológicas ou
jurídicas.
A segunda diz respeito ao fato de que nem sempre os eleitos
representam o povo que os elegeu. Essa é uma verdade muito corriqueira na
prática eclesiástica de nossa igreja. Muitos de nossos presbíteros tomam
decisões de acordo com sua própria orientação teológica, moral ou jurídica. É
comum membros de igrejas testemunharem situações em que presbíteros achavam-se
no direito de tomarem decisões isoladas, desprezando o pensamento da
comunidade. Além do mais, muitos há que toleram atos de desobediência e de
pecado por estarem ligados ao praticante por laços de amizade ou de parentesco.
Abaixo faremos a análise de um caso verídico, desse modo, nos absteremos de
citar nomes e lugares.
Foi proposta, por um pastor, ao Conselho de sua igreja, a mudança da
forma estrutural da Escola Bíblica. Os presbíteros regentes, que compunham a
mesa do Conselho, votaram unanimemente contra a mudança, dizendo que desde que
a Igreja fora fundada a Escola Bíblica era realizada daquela forma, por isso
não acataram a proposta. Um mês depois dessa decisão, o pastor realizou uma
pesquisa na igreja, informando aos membros a proposta que havia sido feita ao
Conselho, e todos os membros (incluindo-se os oficiais) em um documento
oficial, deram, sua opinião e também sugestões a respeito do assunto. Uma vez
recolhidos os documentos, verificou-se que todos os membros, sem exceções,
desejavam a mudança, e para surpresa de muitos, apenas um presbítero manteve
sua opinião ao entregar seu documento preenchido.
Esse caso exemplifica como os presbíteros decidem, por conta própria sem
levar em conta a vontade daqueles que os elegeram, e o pior, de como são
instáveis e inseguros em suas posições quando questionados.
Com a diversidade de concorrência e com a influência da mídia sobre os
nossos lares, com os cultos radiofônicos e televisivos, tem se tornado cada vez
mais difícil manter uma igreja, onde os representantes não sejam fiéis àqueles
que os elegeram.
“Os cultos, com sua forma litúrgica clássica, carecem de espaço para
participação ativa dos fiéis e de manifestações mais espontâneas e
contextualizadas (ritmos musicais, palmas, etc.)”.[139]
Devemos considerar esses fatos, visto que por meio da mídia cada membro passa a
julgar o que é correto ou não dentro dos cultos, não apenas através da ótica de
seus representantes, mas também através do discurso de outros pastores, que em
sua grande maioria pertencem a outras denominações.
As tensões dentro do sistema presbiteriano têm sido cada vez mais
acirradas. Diversas igrejas já se dividiram por causa dessas questões, e por
causa disso há muitos pastores em crises vocacionais-funcionais.
É por isso que precisamos cada vez mais de presbíteros que saibam
dialogar, que saibam o que pode ser negociado e o que não podem, que saibam
respeitar aqueles que lhes deram o poder. Caso isso não aconteça, seu poder
deixa de ser legitimo. Os presbíteros são eleitos para defender a igreja de
toda falsa doutrina, de toda imoralidade, usando quando necessário de seu poder
para admoestar, corrigir, ou mesmo punir; contudo nunca exercendo o poder de
forma dominadora (1 Pe 5:3). Somente aqueles que não conseguem exercer um
discurso racional, que não conseguem chegar a um consenso, usam da força.
2 – As restrições legais`a eleição para o presbiterato não se coadunam
com as conquistas políticas de grupos outrora excluídos do acesso ao poder
O surgimento de novos agentes sociais (sindicatos, movimentos de defesa
dos direitos humanos, dos homossexuais e das mulheres, ecologistas, associações
de defesa dos consumidores, etc.), concomitantemente, imprimiram uma nova força
em nossa sociedade. As igrejas que existem dentro da sociedade se tornaram
alvos desses movimentos. A legitimação do poder da igreja passou a ser
questionada.
Por muitos anos não se questionava se as mulheres poderiam ser ordenadas
ou não, todas as igrejas presbiterianas afirmavam que somente os homens podiam
ser pastores ou atuar como presbíteros. Porém, nos últimos anos, esse assunto
tem causado uma grande polêmica no meio presbiteriano. Recentemente a Igreja
Presbiteriana do Brasil Independente tomou a resolução de ordenar mulheres para
atuarem na função de pastoras e presbíteras da igreja.
Diante deste surto de movimentos sociais, da busca de espaço na sociedade
pelos diversos grupos sociais, a Igreja deve cuidar para não ser totalmente
liberal (aceitar qualquer mudança sem estudos profundos) e também não se tornar
conservadora radical (fechada aos diálogos).
As mudanças sociais podem levar-nos a uma teologia extremamente liberal.
Esse liberalismo deve-se ao fato de tentarmos buscar a legitimidade de nossas
atividades normativas. Uma vez que a legitimação só existe quando continuamos
representando o interesse do povo, buscamos responder aos anseios do povo que
nos fez depositário da soberania de sua vontade.
Temos o outro extremo: um conservadorismo radical, existente pelo medo de
se perder o elo com os fundadores do movimento presbiteriano, ou como dizem em
suas falas, “não podemos perder nossa identidade”.
O ideal seria que encontrássemos em nossas igrejas líderes “liberais” e
“conservadores” que possuíssem uma piedade bastante profunda e verdadeira,
preservando suas próprias consciências diante da Palavra de Deus.
Precisamos nos lembrar que o próprio Calvino nos ensinou que a Igreja é
divino-humana. Todo ser humano é um ser fragmentado, portanto toda teologia
elaborada por homens não possui a verdade em sua plenitude. No entanto a igreja
está fundamentada na verdade da Santa Escritura. Precisamos ser mais coerentes
com nossa teologia reformada e buscar colocar a Bíblia como única regra de fé e
prática. Precisamos analisa-la sem preconceitos, mas com sinceridade para
podermos responder a este novos movimento, e não nos transformamos em
contadores de fábulas, com suas mentes cauterizadas.
3 – A inexistência de mecanismos eficazes de avaliação da atuação dos
representantes eleitos, que se restringe quase que exclusivamente ao voto.
Não existe, no sistema presbiteriano, mecanismos para avaliar a atuação
dos representantes eleitos. Algumas poucas igrejas fazem exceção a essa
afirmação, embora os meios de se avaliarem seus representantes são
ineficientes. Existem igrejas em que os presbíteros regentes prestam conta de
suas atividades uma vez por ano, o que também é insuficiente e ineficaz, uma
vez que esse instrumento passa a ter apenas valor estatístico.
Precisamos urgentemente de um sistema que nos permita avaliar a
representatividade dos presbíteros diante a igreja. Não bastam estatísticas, mas é necessário
avaliá-los em suas propostas para a igreja (espiritual, arquitetônica, etc.) e
conhecer suas teologias. O conhecimento do pensamento teológico fará com que a
igreja possa compreender sua forma de exercer o poder pastoral.
O voto tem sido praticamente a única forma de avaliar os representantes
eleitos, podendo os membros por meio desse ato, manifestarem seu aval ao
representante. Pela falta de conhecimento mais preciso da atuação dos mesmos
como representantes, a igreja pode acabar fazendo uma falsa avaliação dos
candidatos no ato da eleição.
4 – O sistema privilegia os maiores em detrimentos dos menores:
problema de representatividade proporcional
Na análise do quarto problema, nossos estudos
indicam, que o atual sistema de ordem dos Concílios, principalmente dos
presbitérios, da maioria das igrejas presbiterianas privilegia as maiores
igrejas causando dano participativo às menores.
De acordo com a Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil temos o seguinte:
São
membros da Sociedade todos os ministros arrolados na Secretaria Executiva e as
Igrejas filiadas aos Presbitérios. As Igrejas são representadas no Presbitério
por um presbítero eleito anualmente” (Art. 2o do Modelo de Estatutos Para o Presbitério).
São
membros do Presbitério os seus ministros e os presbíteros cujas credenciais a
mesa considerar em ordem (Art 1o § 2o Capitulo 1 do
Modelo de Regimento Interno Para os Presbitérios).
O
Presbitério é o concilio constituído de todos os ministros e presbíteros
representantes de igrejas de uma região determinada pelo Sínodo (Art. 85, Seção
3a Capitulo V).[140]
Esses artigos confirmam
que as igrejas maiores possuem o privilégio de terem uma representação mais
significativa no Presbitério e em conseqüência, nos demais Concílios, uma vez
que possui mais pastores filiados ao presbitério. Existem igrejas que chegam a
ter cinco pastores e mais um presbítero representando-as no Presbitério.
Portanto temos um problema representativo proporcional. Quanto mais pastores
tiver uma igreja, maior será seu número de representantes no Presbitério e
maior será sua chance de enviar seus representantes para os Concílios
superiores.
Um sistema
representativo deve buscar ser democrático, para isso, é necessário que todas
as suas Igrejas possuam o mesmo número de votos nos Concílios. Uma Igreja que
possuir maior número de voto, terá em suas mãos maior poder.
O sistema só poderá ser
reconhecido como comunicativo, na medida em que todos puderem e tiverem
condições de dialogar dentro de um mesmo espaço de poder, isto significa, na
medida em que todas as igrejas, independentemente de seu tamanho e de sua
arrecadação tiverem o mesmo número de votos nos Concílios.
1.3 As
suas práticas sejam devidamente regulamentadas pela lei
As leis regulamentares devem ser
democraticamente formulada nos diversos níveis conciliares, especialmente no
Supremo Concílio ou Assembléia Geral.
Devido a fatores que já mencionamos em nosso estudo, mais especificamente
a globalização, a legitimidade das leis emanadas da fonte suprema de poder
jurídico institucional, tem sido também questionada, embora com menos
evidência.
Uma das
conseqüências da globalização é o fortalecimento das identidades locais, como
forma de luta simbólica contra a identidade globalizada difundida pelo mercado
e pelos meios de comunicação.[141]
A globalização, ao mesmo tempo que trabalha de forma a aproximar as
culturas e as religiões, por outro lado tem gerado um movimento de valorização
de cultura e também de religiões. Algumas culturas e religiões lutam de todas
as formas para preservarem suas identidades locais (aquilo que eles consideram
ser o “ethos” de sua história). Para tanto, criam normas jurídicas próprias,
que respondam aos conflitos próprios da comunidade, uma vez que as leis nacionais
e globais se distanciam cada vez mais de suas realidades, ao priorizarem
questões macro e não micro das comunidades.
Como não poderia deixar de ser, as igrejas presbiterianas que fazem parte
dessas sociedades são duramente influenciadas por tais movimentos, apresentando
crise de legitimidade jurídica.
No âmbito do
Presbiterianismo, em particular, a crise jurídica se percebe no crescimento e
fortalecimento de atitudes congregacionalistas por parte das igrejas locais:
cada uma fazendo seu próprio programa de trabalho sem levar em consideração as
demais igrejas do seu Presbitério; a adesão à tendências teológicas e pastorais
dentro da Igreja em oposição à adesão aos projetos denominacionais; a
diminuição cada vez maior da solidariedade econômica no sustento pastoral, as
igrejas com maior potencial financeiro se recusando cada vez mais a contribuir
com parcelas maiores para o sustento de igrejas deficitárias no Presbitério. De
modo especialmente revelador é a ocorrência de ações ministeriais não coerentes
com a confessionalidade da Igreja, e.g.: recusa ao batismo infantil, adoção de
modelos peculiares de estruturação da igreja local, recusa à obediência de
normas cúlticas ou teológicas emandas de decisão conciliar.[142]
Para tais atitudes são apresentadas justificativas, sendo que a maioria
delas são aceitáveis. Entre elas destacamos: a) as decisões e programas
nacionais não são compatíveis com a realidade e necessidades das igrejas locais
nas diversas regiões do país; b) as leis baixadas pelos Concílios superiores
não são “bíblicas”, isto é, não são teologicamente aceitas por um determinado
grupo, na denominação; c) muitos alegam não terem sido consultados, isto é, não
tiveram oportunidades para defenderem suas posições.
A rigidez das instituições reformadas, em parte determina a falta de
envolvimento de pastores e presbíteros. A burocracia, os tramites para fazer
uma proposta cheguar a um Concílio superior é extremamente desgastante. Mais
complexo ainda, se isto significar uma proposta na mudança da Constituição ou
uma proposta de revisão teológica; sem contar que os que a fazem correm o risco
de serem discriminados por seus colegas de Concílio e que até mesmo poderão
impedir ou, no mínimo, atrasar qualquer sugestão que poderia chegar aos
Concílios superiores.
... a rigidez
institucional das denominações reformadas, especialmente quando alimentada por
uma diretoria da Igreja que se confunde com a própria Igreja e acaba perdendo a
noção de autocrítica e projetando todos os problemas institucionais sobre
pessoas ou grupos dentro da denominação.[143]
Segundo a Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, os presbitérios
têm o poder de governo e disciplina:
Os Concílios
guardam entre si gradação de governo e disciplina; e, embora cada um exerça
jurisdição original e exclusiva sobre todas as matérias da sua competência os
inferiores estão sujeitos à autoridade, inspeção e disciplina dos superiores.[144]
Há que se reconhecer que, apesar das constituições
presbiterianas em geral reconhecerem o caráter legislativo de Presbitérios, na
prática eclesiástica a atuação legislativa presbiterial é muito pequena, quase
que apenas de cunho disciplinar.
2. O poder da assembléia
Não poderíamos deixar de abrir um espaço para falar
sobre o poder da assembléia geral da Igreja.[145]
No sistema Congregacional, a assembléia geral da Igreja possui um poder
maior que no sistema presbiteriano e muitas decisões são tomadas pela
congregação como um todo. Contudo não devemos ter medo de nos aproximarmos um
pouco mais do modelo congregacionalista, pois o medo impede-nos de
aperfeiçoarmos.
No sistema presbiteriano, de forma geral, à assembléia funciona da
seguinte forma:
Art. 9o
- A assembléia geral da Igreja constará de todos os membros em plena
comunhão e se reunirá ordinariamente, ao menos uma vez por ano, e,
extraordinariamente, convocada pelo Conselho, sempre que for necessário,
regendo-se pelos respectivos estatutos.
§ 1º –
Compete à assembléia:
a) eleger
pastores e oficias da Igreja;
b) pedir a
exoneração deles ou opinar a respeito, quando solicitada pelo conselho;
c) aprovar os
seus estatutos e deliberar quanto à sua constituição em pessoa jurídica;
d) ouvir, para
informação, os relatórios do movimento da Igreja no ano anterior, e tomar
conhecimento do orçamento para o ano em curso;
e) pronunciar-se
sobre questões orçamentárias a administrativas, quando isso lhe for solicitado
pelo Conselho;
f) adquirir,
permutar, alienar, gravar de ônus real, dar em pagamento imóvel de sua
propriedade e aceitar doações ou legados onerosos ou não, mediante parecer
prévio do Conselho e, se este julgar conveniente também do respectivo
Presbitério;
g) conferir a
dignidade de Pastor emérito, Presbítero emérito e Diácono emérito.[146]
Como se percebe o poder da assembléia que é o poder
do povo, da congregação, é praticamente nulo.
Apenas uma semana atrás antes de escrever estas linhas, eu estava
conversando com um senhor, que no momento é um presbítero em disponibilidade,
que me dizia: “Cornélio na minha igreja já faz muito anos que não somos
consultados a respeito de pastores. Nosso pastor coloca e tira quem ele quer e
nós não podemos fazer nada. Os presbíteros de nossa igreja não possuem força
alguma para fazer nada”. Por motivos éticos não citarei a que igreja o irmão
pertence, mas posso informar que é uma igreja de grande porte e que possui em
seu Conselho mais de dois pastores e segundo ele os presbíteros nada podem
fazer a não ser assistir as decisões tomadas pelos pastores.
Nesse sistema cabe o questionamento: Como uma assembléia pode se
manifestar se ela não for convocada pelo Conselho? Muitos Conselhos não têm
interesse em ouvir a opinião da igreja, pois isso acabaria com seu poder
tirânico. É evidente que neste sistema o poder se concentra totalmente nas mãos
do Conselho, cabendo ao povo tão somente orar e assistir à decisões tomadas por
parte de algumas lideranças. A estrutura organizacional não oferece aos leigos
meios legais para impedir a ação de governos autoritários.
Vivemos numa sociedade onde o povo luta cada vez mais para ser
participativo na vida social. Demonstração disso são os diversos sindicatos que
têm surgido, as ONGs e os diferentes movimentos em busca de direito
participativo na comunidade vigente. A democracia clama em alta voz nos últimos
dias convocando todos a participarem da construção de um mundo melhor, mais
justo, mais humano.
Temos a obrigação, nesse momento, de darmos mais espaço para assembléia
geral da Igreja para que ela possa opinar, deferir ou indeferir decisões
tomadas pelo Conselho? Os aspectos
positivos dessa iniciativa seriam:
a)
Os presbíteros regentes e docentes decidiriam com mais
prudência, uma vez que suas decisões seriam colocadas em julgamento pela
assembléia;
b)
Não precisa haver temor no sentido de que o Conselho se
torne um instrumento inútil, pois a assembléia só seria convocada em caso de
alguém o desejar, tendo no mínimo o apoio de 1/3 dos membros da igreja. Nesse
caso, o Conselho teria a oportunidade de justificar suas posições e
procedimentos. Se as suas decisões forem tomadas com consciência, coerência,
guardando os princípios cristãos, certamente elas serão acatadas pela
assembléia;
c)
O Conselho não poderá mais ser criticado pelas decisões
tomadas, uma vez que elas representam o resultado do consenso de todos;
d)
O poder pastoral estaria sendo melhor distribuído na
Igreja.
Para que isto seja aplicável, é necessário que todas as decisões do
Conselho sejam anunciadas para a Igreja, por meio de boletins, e que seja dado
um prazo razoável após o anúncio para que qualquer decisão seja contestada.
Mas seria isso bom para a Igreja? Seria bíblico diluir o poder pastoral
que Jesus deu a homens escolhidos para toda igreja? (Aqui falamos do poder de
liderar pastoralmente a igreja – de dar direção)
3. Reflexão critica com propostas[147]
Primeiramente precisamos superar o medo de reformar, o medo de não
possuirmos identidade, o medo de nos desuniformisarmos em nossa liturgia.
Precisamos trocar esses medos por um desejo cada vez maior de sermos mais
cristãos do que denominacionalistas; de buscarmos estar cada vez mais próximos
da verdade bíblica ainda que tenhamos que reconhecer que erramos no passado; de
abrirmos mãos de doutrinas que a Bíblia não absolutisa em favor de uma
aproximação com os nossos demais irmãos que se encontram em outras
denominações; e que não venhamos imitar a quem tanto condenamos, condenando
outros “galileus”.
É desnecessário provar que vivemos num país que possui diversas culturas
em um mesmo território. A variedade de nossa língua já é por si um marco da
diversidade dessa cultura. Enquanto em alguns lugares “fazer um rancho”
significa fazer compras no mercado, em outros lugares “fazer um rancho”, é o
mesmo que dizer, fazer uma casa pobre. A variedade se faz presente também nos
vestuários, no estilo de vida que se diferencia em cada estado.
Portanto, é totalmente repreensível que uma igreja seja uniforme dentro
de um país tão imenso, com características tão diversas. Não podemos ser
rígidos em nossa liturgia, ao ponto, de impedirmos que os cultos sejam feitos
de forma a manifestar a cultura de cada região.
Devemos estar abertos para dialogar a respeito de nossas diversas
doutrinas e, uma vez que essas sejam aceitas pela maioria dos pastores da
igreja, tendo todos eles da Igreja o direito de defender suas posições, por
meio de encontros e de publicações, dessas doutrinas, todas elas devem então
ser defendidas por todas as Igrejas Presbiterianas de nosso país. A identidade
está no fato de todas defenderem as mesmas doutrinas e não em possuírem
liturgias uniformes.
Dessa forma, preservaremos nossa fidelidade às Escrituras e à Tradição
Reformada, sendo abertos à renovação, ao diálogo cultural e também com as
diversas denominações. Somos reformados na medida em que nos mantivermos presos
às Escrituras e movidos pelo espírito reformador.
Acredito que precisamos antes de qualquer coisa separar o poder pastoral
(exercício da liderança) com o exercício dos atos pastorais (aconselhamento,
visitações, pregações). O exercício do poder como liderança pertence
primeiramente e exclusivamente a Jesus Cristo, o Senhor da Igreja. Uma vez claro
que Jesus é o Cabeça da Igreja, aceitarmos que ele deu a igreja pastores,
homens escolhidos pelo meio do qual ele irá exercer o governo sobre sua Igreja.
Este poder não pode ser distribuído a outros, pois não foi dado a todos.
Contudo todos devem em obediência a este a quem Jesus escolheu ajudar no
pastoreio a partir de seus dons.
O pastor ungido pelo próprio
Jesus só perde sua legitimidade se este não estiver vivendo de acordo com as
Escrituras Sagradas, se não estiver pregando a Palavra de Deus e sim fábulas de
homens.
3.1 Superando a crise de representatividade
Para superarmos a crise de representatividade deve-se:
1 – Criar mecanismos eficazes de avaliação do trabalho dos representantes
das comunidades reformadas. Por exemplo, tornar públicas as decisões do
Conselho;
2 – Submeter as decisões do Conselho ao escrutínio da comunidade, dando
ao(s) membro(s) interessado(s) o direito de recorrer da decisão e de fazer sua
defesa em reunião formal, tendo então à assembléia o direito de deferir ou
indeferir a decisão tomada pelo Conselho[148];
3 – Mudar o paradigma pedagógico e teológico predominante em nossas
instituições teológicas. Ao invés de continuarmos com um paradigma clássico,
disciplinar, iluminista e apologético, que se encontram representados na
disciplina de teologia sistemática ou dogmática, passarmos a trabalhar
com o paradigma da Teologia Prática;
4 – Repensar o lugar e o papel dos ministros ordenados na configuração do
poder eclesiástico. Este é um ponto difícil e dolorido de mudança, porém
necessário de ser revertido. É importante que o pastor saiba que sempre haverá
um lugar para ele no Corpo de Cristo, pois a ele foi dado um dom para a
edificação da Igreja. Entretanto é imprescindível que reconheça que seu
sacerdócio é igual ao dos demais membros;
5 – Oportunizar o debate das posições teológicas da Igreja, pelo menos
uma vez a cada quatro anos, com a participação de todos os pastores. Todos
teriam a oportunidade de defenderem suas posições por meio do Jornal Brasil
Presbiteriano e de seminários;
6 – Discutir a Constituição da Igreja, pelo menos uma vez a cada quatro
anos, com a participação de todos os teólogos, tendo todos a oportunidade de
defenderem suas posições através do Jornal Brasil Presbiteriano e de
seminários;
7 – Tendo um número expressivo de 1/3 de todos os teólogos da Igreja
manifestado o desejo de alterar determinadas posições teológicas e
constitucionais, seja aberto à votação de todos os teólogos da Igreja, os itens
questionados, e democraticamente seja aceito a posição da maioria;
8 – Estabelecer o mesmo número de votos de representantes das igrejas, no
presbitério, independentemente do número de membros que elas possuam neste
concílio, sendo um voto do presbítero regente e representante da Igreja e um
voto do pastor presidente.
3.2 Superando a crise da positividade jurídica
O Presbiterianismo apresenta, em parte, um princípio de pluralismo
jurídico, isso ocorre, pelo fato de que cada Concílio possui poderes
legislativos partilhados.
No caso do
Presbiterianismo, o princípio do pluralismo jurídico já e parcialmente
contemplado, na medida em que cada Concílio possui poderes legislativos
partilhados. Entretanto, a hierarquização fechada do poder legislativo dos
Concílios tende a impedir um funcionamento mais eficaz da pluralidade de fontes
normativo-jurídicas.[149]
Uma vez que o sistema presbiteriano é hierárquico, suas decisões são
tomadas sem levar em conta as dificuldades das igrejas espalhadas por todo o
país para cumprirem suas ordenanças. Essas dificuldades fazem com as igrejas
(os concílios inferiores) vivam uma emancipação, nos limites que lhes convêm,
dos Concílios superiores.
Cabe, então,
por exemplo redistribuir o poder legislativo, dando-se maior espaço e
autoridade aos Concílios ditos inferiores, de modo que a legislação – vinculada
a uma instância normativa superior – possa também atender às demandas locais
mais diversificadas.[150]
No sistema presbiteriano, os Concílios possuem os poderes legislativo,
executivo e judiciário em suas mãos. O acúmulo desses poderes leva estes concílios
a se tornarem ditadores, em sua maioria e possuidores de um caráter despótico
no trato dos conflitos eclesiásticos – a igreja pouco pode fazer apesar de sua
boa vontade.
Diante desta verdade apresentamos a proposta do Dr. Júlio P. T.
Zabatiero:
No âmbito das
igrejas locais e Presbitérios, três concílios poderiam funcionar
simultaneamente; um de caráter executivo – uma espécie de diretoria ou conselho
composto de líderes de ministérios nas igrejas locais; outro – ao qual
corresponderia nosso atual Conselho – de caráter legislativo-confessional; e um
terceiro, de caráter judiciário-disciplinar, composto por pessoas de
reconhecida idoneidade, sabedoria e compaixão cristãs. Os três compostos por
pessoas com mandatos finitos, e com uma estrutura mínima de ordem, ...[151]
Não pretendemos afirmar que essas propostas sejam, com certeza, as
soluções para os problemas que enfrentamos em nossas igrejas atuais. Contudo
estamos certos de que elas poderão, sem dúvida, ser um caminho aberto às
soluções de nossos problemas.
Concluímos essa reflexão, afirmando que devemos procurar superar essa
crise de legitimidade da igreja, que também é uma crise de legitimidade do
poder pastoral, respeitando a tradição reformada, visando às Escrituras como
única regra de fé e prática. É hora de sermos fiéis a nossa tradição
calvinista, sem deixarmos de nos ajustar ao mundo pluralista que nos envolve.
Devemos harmonizar a liberdade com a disciplina, sem cairmos em nenhum dos
extremos.
Nesse momento de crise devemos aplicar a teoria da ação comunicativa,
buscando consenso dentro da instituição. Vejo que sem dúvida é essa a grande
oportunidade que temos de colocar em prática o poder pastoral bíblico,
serviçal, o qual ouso chamar de comunicativo, fazendo referência a uma
linguagem habermasiana. Este é o momento de ouvirmos todas as posições, de
permitirmos que todos os pastores e representantes ordenados manifestem sua
forma de pensar, sem serem coagidos por qualquer tipo de força, mas respeitados
e tendo reconhecido, dessa forma, seu direito de expressão dentro da
instituição.
O medo não nos leva ao aperfeiçoamento do amor (1 Jo 4:18), pois onde há
verdadeiro amor há liberdade, onde está o Espírito de Deus há liberdade (2 Co
3:17). Dentro dessa verdadeira liberdade aprenderemos a nos submetermos uns aos
outros (Ef 5:21), a admoestarmos uns aos outros (Rm 15:14) se assim se fizer
necessário.
A aplicação do poder comunicativo, dentro da esfera do poder pastoral,
nos levará de volta às raízes do espírito reformado, Igreja reformada sempre
reformando, nos conduzirá a um reconhecimento da representatividade
daqueles que são eleitos pela igreja, para juntamente com os pastores e com uma
maior participação do povo, governarem seus membros.
4. Um ministério pastoral comunicativo
Para o exercício de um ministério pastoral comunicativo o pastor deverá
ter em mente que ele veio para servir e não ser servido, e, dessa forma assumir
o mesmo estilo de vida que Jesus (Mc 10:45). Um ministério pastoral
comunicativo exigirá do pastor uma postura serviçal para com todos os membros
da igreja. Como já vimos o pastor foi separado por Deus para a Igreja com vista
a aperfeiçoar os santos para o serviço (Ef 4:12).
Com esse pensamento em mente, gostaríamos de expor as implicações do
ministério pastoral comunicativo na igreja local e nos concílios.
4.1 Na Igreja Local
A prática do poder comunicativo levará o pastor a:
a)
Estruturar todas as suas ações em prol da libertação
do ser humano – O pastor agirá sempre e em todo lugar com a intenção de
cumprir sua missão que é orientar o homem para a libertação da escravidão do
pecado (espiritual/psicológica) e da escravidão imposta pelo sistema que
governa o mundo (social/demoníaca). Sua ação será feita através do exemplo e do
discurso, respeitando a liberdade de cada indivíduo de aceitar ou não sua
proposta. O pastor não aceitará nenhuma prática não-comunicativa de poder, isto
é, lutará sempre pela liberdade do ser humano em todas as dimensões, mas sempre
levando em conta os princípios de Deus de conduta e ética.
b)
Atuar pela construção de uma nova comunidade – Surgirá
uma nova comunidade, a partir da luta pela liberdade. Nessa nova comunidade
deverão reger os princípios da ação comunicativa, de forma que todos deverão
ser: (1) Tratados com igualdade: Em nossa sociedade só são bem tratados
aqueles que possuem uma boa condição econômica, que nasceram em berços nobres,
que possuem fama, que se qualificam dentro dos padrões sociais ditados pela
mídia. Os demais são marginalizados. O pastor é chamado para trazer um novo
padrão ético. Sendo ele modelo para o rebanho, também poderá conduzir toda a
igreja a tratar uns aos outros com igualdade. Todos merecem um sorriso, um
abraço, todos merecem o respeito e o amor do pastor. Muito mais do que isso que
o pastor pode dar, todos merecem educação, casa e saúde. Igualdade é consenso,
é comunhão. Tudo em comum, esse é o princípio da nova comunidade instaurada por
Jesus. Somos um só povo, um só corpo diz a Bíblia. Somente uma comunidade
unida, onde todos se olham como iguais, poderá suprir a necessidade daqueles
que padecem.
O pastor não poderá fazer acepção de pessoas, uma vez que Deus chama
todos os tipos de pessoas para fazerem parte de Sua Igreja: rico, pobre, negro,
branco, amarelo, vermelho, homem, mulher, universitário, analfabeto, empregado,
desempregado, fazendeiros, sem terra, etc. Devemos nos lembrar que já não
existe mais diferença entre judeu e grego, escravo e liberto, homem e mulher
(Rm 10:12; Gl 3:28). Todos devem ser ouvidos e respeitados, todos devem ser
abraçados e disciplinados quando necessário. “Nada façais por partidarismo, ou
vanglória,...” (Fp 2:3). (2) Considerados importantes na comunidade - A
igreja não poderá ser de uns poucos, mas de todos os membros. Todo membro
possuiu um dom. O reconhecimento desse fato poderá orientar o pastor a indicar
aos membros o lugar que devem ocupar na igreja, segundo os dons de cada um. A
igreja não será um lugar de domínio do pastor, mas um lugar onde todos poderão
participar da construção da mesma; não apenas no trabalho, mas também
participando dos discursos desta construção. As tarefas não serão dadas apenas
aos brancos, aos negros, aos alfabetizados, a uma determinada classe social,
mas a todos segundo o seu dom. Todos na igreja são iguais (inclusive o pastor),
o que as difere são os dons, e não as diferenças impostas pela sociedade.
Em seu relacionamento diário com a igreja, caberá ao pastor cumprir a
ordem do apóstolo Pedro: “tratai a todos com honra” (1 Pe 2:17). Esta atitude
do pastor além de ampliar o diálogo com seus membros será, também, uma
demonstração de respeito pela comunidade que lidera. Ora aquele que dá honra
aos outros, com certeza, terá humildade para ouvir o que os outros têm a dizer
a ele e à igreja. Ao ouvir seus membros o pastor estará dando a eles a
oportunidade de participarem do “corpo” chamado de igreja (1 Co 12:12-14).
c)
Levar todos os membros ao aperfeiçoamento e ao
serviço – Uma vez que seu discurso seja aceito o pastor buscará orientar,
ensinar, estimular todos a viverem de forma comunicativa. O aperfeiçoamento chama
os cristãos para um compromisso de santidade (viver os princípios do Reino de
Deus aqui e agora) e o serviço os chama para colocarem seus dons e
talentos a disposição daqueles que necessitam deles (o Reino de Deus a todos as
pessoas). O pastor deve liderar a igreja de tal modo que ela seja cada vez mais
santa e útil à sociedade e ao mundo. Assim o pastor deixará de ser o “centro”
da Igreja, dividindo com todos a responsabilidade do pastorado. A igreja,
exercendo seu trabalho, poderá ser uma agente influenciadora na sociedade,
poderá pastorear além das quatro paredes. O pastor deixará de ser apenas alguém
para pregar sermões, fazer boletins, visitar enfermos, e se tornará junto com
toda igreja “luz” e “sal” para o mundo, estendendo seu ministério para além dos
limites do templo.
d)
Não buscar nenhum tipo de privilégio – O pastor
não buscará privilégios no exercício de seu ministério, mas o desejo de Jesus
Cristo, manifestado na vontade de toda a igreja. Não buscará riquezas nem
sucesso (fama) para si mesmo. Sua realização se dará quando todos se tornarem
um com Cristo. O consenso (comunhão) da igreja dará a todos o privilégio de uma
vida melhor nesta era (aeon), inclusive ao próprio pastor, que não aceitará
desfrutar de uma boa vida, enquanto suas “ovelhas” passam necessidades.
Certamente a recíproca também será respeitada.
e)
Não ser ditador (dominador) – Ao povo será
concedida a oportunidade de se manifestar a respeito de qualquer assunto. Um
ministério comunicativo deve priorizar o diálogo. O pastor deve ser uma pessoa
aberta ao diálogo e de fácil acesso a todos os membros, bem como um
estruturador comunicativo da igreja.
f)
Ser fiel às Escrituras – A Palavra de Deus é o
“ethos”, o veículo, o meio, o alicerce para todo diálogo entre os cristãos. Só
existirá consenso na medida em que a Bíblia for a única regra de fé e prática
da igreja e do pastor. Este será um exegeta prático, ou seja, ensinará a Bíblia
ao povo de Deus, e ensinará o povo de Deus a ler comunicativamente a Bíblia.
As propostas contidas nos itens acima exigem do
pastor uma nova postura e uma nova ética de vida, isto é, uma libertação
pessoal de si mesmo, uma libertação dos padrões éticos e morais impostas pela
sociedade. Por exemplo:
Estruturar todas as ações em prol da libertação
do ser humano – É se tornar profeta diante deste mundo tenebroso. É se
colocar contra o “mundo” que “jaz no maligno”. É lutar para romper com o
sistema que governa este mundo sombrio. É lutar contra as forças espirituais
que operam sobre este mundo. É lutar contra a miséria que está sobre a
humanidade, contra a corrupção, contra a imoralidade que invade os lares de
todos os cidadãos. Lutar contra a morte, pois a ação comunicativa só pode
existir onde há vida, onde todos têm o mesmo direito e a mesma educação. Para
ser ouvido, é preciso saber falar, portanto, para que haja princípio
comunicativo é necessário que todos saibam discursar para que ninguém seja
favorecido pelas limitações de expressão do outro. Jesus veio para que todos
tenham vida e vida em abundância (no sentido mais pleno dessa palavra). O
pastor deve lutar pela liberdade, pela igualdade e pelo consenso. Consenso é
direito de vida a todos.
4.2 Nos Concílios
A prática do poder comunicativo levará o pastor a:
a)
Não ser autoritário – O pastor embora possa
presidir a mesa, não será autoritário. Não usará da força para realização de
suas aspirações e vontades. Não fará uso indevido da própria constituição ou
outros meios de poder para manter sua vontade contra a da maioria.
Na prática do poder comunicativo o pastor reconhecerá o direito de todos
falarem e participarem da construção da vida eclesiástica. O pastor estará
pronto para acatar a decisão da maioria dos membros do Concílio, ainda que esta
possa ser contrária a sua.
b)
Lutar pela participação maior dos membros no poder –
Considerando que o consenso é alvo da ação comunicativa, o pastor lutará
para que os membros possam ter suas opiniões ouvidas e atendidas na igreja,
desde que as mesmas não sejam contrárias a Palavra de Deus.
Sendo o nosso sistema representativo, o pastor atuará de forma a levá-lo
a criar mecanismo que possam fazer com que os membros tenham maior participação
no poder-serviço.
c)
Respeitar seus colegas de concílios – O pastor
tratará com honra seus colegas de concílios, mesmo que estes se oponham à sua
vontade ou à sua maneira de interpretar a Bíblia.
Os seres humanos são tendenciosos a olhar para aqueles que se opõem as
suas idéias com desprezo e ira. Precisamos reconhecer que muitos pastores
tratam mal aqueles que se colocam contrários às suas propostas, e alguns chegam
a guardar ressentimentos. No entanto, o poder estruturado comunicativamente
deve dar a todos o direito de expressar suas idéias, permitindo que elas sejam
apreciadas por todos os membros, democraticamente. A decisão democrática tira
do indivíduo a total responsabilidade sobre sua proposta, fazendo com que a
vontade da maioria prevaleça sobre a da minoria.
d)
Buscar defender suas posições usando dos meios
racionais para tal fim e não da violência – Defenderá suas posições sem
usar da violência, sem usar de seu cargo ou ofício dentro da instituição. Seus
argumentos terão como base a Bíblia em primeiro lugar.
O pastor que atua comunicativamente defenderá suas posições através do
exemplo e do discurso. A Bíblia será seu instrumento de regra e fé com o qual buscará
estabelecer consenso com os demais membros do Concílio.
e)
Buscar o aperfeiçoamento da legislação
eclesiástica – O pastor procurará fazer com que a legislação, ou seja, a
Constituição da igreja esteja a serviço do povo de Deus e da missão.
A legislação será vista pelo pastor como meio para que a práxis
comunicativa e a ordem sejam preservadas na igreja. O pastor procurará fazer
com que a legislação seja cada vez mais aperfeiçoada para o melhor desempenho
do serviço do povo de Deus, permitindo que estes tenham uma maior atuação no
poder pastoral e, dessa forma, fazendo com que a missão seja mais dinâmica na
vida de toda igreja.
CONCLUSÃO
O poder pastoral exercido no sistema
presbiteriano está longe de ser um modelo de poder bíblico. Nesse sistema
encontramos uma mistura de aristocracia e democracia, com maior predomínio do
governo aristocrático sobre ao democrático.
A manifestação democrática fica restrita ao direito dos membros de
elegerem aqueles que deverão representá-los nos Concílios e em sua participação
nas assembléias da Igreja, quando consultadas pelo Conselho.
Infelizmente, a igreja presbiteriana, da qual somos
descendentes, e que por sua vez é descendente da reforma, não tem estado muito
atenta aos princípios da renovação, mostrando-se opressora e autoritária. Hoje
não há liberdade para determinados diálogos. Exemplo disso está no modo como
vem sendo tratados assuntos como: ordenação de mulheres, exclusividade dos
sacerdotes ordenados na ministração dos sacramentos, participação das crianças
na ceia; na maioria das igrejas presbiterianas essas questões raramente são
abertas para discussão, e quando o são não existe participação de todos os
pastores da igreja e sim de alguns representantes que muitas vezes representam
apenas sua visão sobre os assuntos. Ai daqueles que ousam apresentar
determinadas questões em plenário! Igreja reformada sempre reformando? Esse
lema já não cabe para a realidade de nossas igrejas.
Existem na igreja aqueles que se julgam os únicos pastores, os únicos
homens levantados por Deus para decidirem o futuro da igreja e suas posições
teológicas[152].
Parece-nos que a estrutura que foi criada por Calvino, com boa intenção de
defender a Igreja de heresias e escândalos, era e continua sendo uma maquina
estratégica de manutenção do poder.
O poder pastoral que deveria trabalhar para a formação de uma vontade
comum é usado de forma indevida para oprimir aqueles que algumas vezes não
aceitam a forma de governo da mesma ou que acreditam que algumas de suas leis e
práticas religiosas deveriam ser colocadas em discussões novamente.
O poder existe para manter a práxis da qual se originou. O poder pastoral
presbiteriano deveria ser um mantenedor da práxis libertadora de Jesus Cristo e
da práxis libertadora reformada: um poder contra o pecado, e as estruturas
pecaminosas, mas não contra o indivíduo. As normas vigentes são para manter
ordem e paz e não para impedir novos discursos. Uma igreja que não está aberta
à reforma, não pode ser considerada herdeira da reforma.
Clodovis Boff afirma que o poder é realidade criacional e ontologicamente
bom[153].
Deus é a origem do poder, sendo que o poder é um dos seus atributos. Ao fazer o
homem à Sua imagem e semelhança o capacitou também com esta faculdade. Por isso
encontramos nos relatos de Gênesis as seguintes palavras: “Que ele reine...
Submetei a terra. Dominai...” (Gn 1:26, 28). O fato do homem dar nome aos
animais, também, expressa o poder destes sobre os mesmos (Gn 2:19-20).
De fato podemos declarar sem sombra de dúvida que o poder é bom. Esta
afirmação pode ser feita com base teológica, pois Deus é poder e controlador de
todo poder.
Foucault afirmou que o poder existe nas relações dos sujeitos, entretanto
sendo algo positivo e bom, mas muitos não se submetem a ele.
A explicação para essa reação contra o poder está na forma como o poder é
usado, e isto, implica dizer que o problema não está no poder, mas naqueles que
o usam. Acredito que, nessa mesma perspectiva poderíamos dizer também que o
problema não está na estrutura ou na instituição, mas em quem faz uso delas.
Por essa razão devemos fazer com que a estrutura institucional possua
mecanismos eficientes para melhor distribuir o poder e impedir que o mesmo seja
usado de forma dominadora, opressora, e ao mesmo tempo ser limitador para que a
Igreja não se torne um lugar sem governo.
O poder originário, isto é, o poder de Deus, estava e está permeado pelo
amor. Deus é amor, portanto o poder de Deus, é um poder voltado para o bem
daquele que está sujeito a esse poder. Por isso quando estudamos o poder
pastoral bíblico, descobrimos um poder-serviço, isto é, um poder que está
voltado para o bem daqueles que se sujeitam a ele, um poder voltado para a
salvação de todos que a ele se submeterem.
É intolerável que a Igreja possua em seu exercício um poder dominador,
tirânico, opressor, manipulador, pois da Igreja se espera a continuação do
ministério de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de um poder-serviço e
amoroso, que busca levar as pessoas à salvação e à libertação de toda opressão
causada pela estrutura pecaminosa que rege este mundo.
Importante é nos conscientizarmos de que o poder existe nas relações dos
sujeitos, mas que não é a questão primária dessa relação. O poder não deve ter
como finalidade interesses individuais, mas, sim a realização da comunidade. O
poder, neste sentido, deve ser o meio pelo qual toda a comunidade seja
beneficiada. O poder deve ser exercido para o bem da comunidade devendo ser
exercido para que haja justiça e paz. O poder deve ser libertador e não
instrumento de manipulação, devendo gerar vida e não morte.
Clodovis Boff diz: “que poder verdadeiro é só poder de vida e de amor.
Fora disso o poder é pervertido”.[154]
O poder tornou-se em nosso eon (inaugurado pelo pecado) sinônimo de
dominação. No entanto, o evangelho busca resgatar o poder da sujeição que o
homem fez a ele. O poder não é mau, contudo o homem o usa para o mau. O
evangelho, ao mudar o homem, muda também sua ética, sua forma de relacionar-se
com o próximo e faz com que o poder seja usado de forma diferente, isto é, o
poder-dominador se transforma em poder-serviço.
Jesus tornou-se para a humanidade o grande referencial do poder-serviço
(Mc 10:42-45). Governar para Jesus não é dominar, mas é servir. Quem serve o
interesse do povo é que merece o título de rei ou governador.
“O Filho do homem veio... para servir e dar a vida pela redenção de
muitos...” (Mc 10:45).
O Evangelho não é apenas algo espiritual que a Igreja deve anunciar, mas
é uma prática de vida que deve ser assumida pela Igreja. Uma Igreja que efetivamente
vive o Evangelho, não busca o poder dominador, sem portas abertas para dialogo,
onde o povo é excluído do governo, pelo contrário, manifesta um poder-serviço.
Podemos entender por poder-serviço aquele estruturado na missão: que respeita a
liberdade dos indivíduos; que inclui as pessoas na responsabilidade pastoral,
em todos os seus aspectos; que está a serviço do Reino de Deus, que não busca
glória, riquezas e que por reconhecer que Jesus é o Senhor do rebanho não é
dominador. É um poder democrático adotado pelas pessoas que se integram em
ações co-participativas.
As sugestões contidas nesse trabalho representam
uma humilde contribuição à Igreja na busca do caminho que a aproxime mais do
exercício do poder-serviço. Minha intenção é colaborar para que a Instituição
da qual sou servo possa trabalhar numa ordem ética, jurídica e institucional
que corresponda ao Evangelho que anunciamos.
Penso que é tempo de acreditar que práticas
erradas, mesmo que históricas, podem ter um basta e que seus defensores podem
rever seus pensamentos e metas de vida.
Estamos convictos de que algumas práticas
historicamente adotadas por nossa denominação devam ser revistas, por meio de
um processo participativo e integrado entre as lideranças de nossas igrejas e
seus membros, na busca dos meios adequados para o cumprimento de sua missão.
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[1] Poimẽn
– “boiadeiro”,” pastor”, é uma palavra
indo-européia (cf. Lituano, piemuõ) que frequentemente se emprega em
sentidos metafóricos: “líder”, “governante”, “comandante” (Homero – Platão).
Emprega-se também como alternativa para nomeus, “legislador”. Poimanõ
significa “ser pastor”, “pastorear” (COENEN, Lothar/BROWN,
Colin. Dicionário Internacional Teologia do Novo Testamento. São Paulo:
Edições Vida Nova, 2000, vol. II, p. 1587).
[2] “Jesus começa a cumprir a
função do Pastor messiânico ao reunir as ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt
9:36; 10:6; 15:24; cf. Lc 19:10 com Ez 34:15). Marca-se assim a aurora da era
da salvação, anunciada pelos profetas. Ele é o dominador de Israel, prometido
em Mq 5:3[4], que reúne o rebanho sem pastor (Mt 2:6; 9:36; Mc 6:34; cf. Ez
34:5). Não se quer dizer com isto, no entanto, que haverá qualquer abandono da
obra de reunir as nações, porque também é Pastor universal” (Ibid., p.
1590).
[3] Segundo TASKER, R. V. G., o
que Jesus quis fazer como “indica a palavra portanto., no v. 19, foi
enviar os seus discípulos, não como fizera no seu ministério anterior, ao
cumprimento de uma missão restrita, às “ovelhas perdidas da casa de Israel”
(10:6), mas a todas as nações. Destas diferentes nações haveria de
formar-se a sua igreja universal – uma agremiação de aprendizes a serem levados
a unir-se pelo batismo ao Pai o Criador, ao Filho o Redentor e ao Espírito
Santo o Santificador, e habilitados, na força desta comunhão divina, a viverem
obedientes aos preceitos que Jesus ensinara aos seus discípulos originais, para
que os transmitissem a outros” (TASKER, R. V. G. Mateus introdução e
comentário. São Paulo: Edições vida Nova, 1991, p. 217).
[4] Grifo meu.
[5] Grifo meu.
[6] Não me preocuparei aqui em
descrever as implicações da missão, uma vez que meu trabalho não se concentra
neste tema, contudo gostaria apenas de ressaltar que Jesus veio para salvar o
povo e implantar o Reino de Deus. Recomendo para àqueles que tiverem interesse
em saber mais sobre a missão, a lerem, o livro de PADILLA, C. René, Missão
Integral: ensaios sobre o Reino e a Igreja, São Paulo: FTL e Temática
Publicações, 1992.
[7]
R. V. G. TASKER, Mateus:
introdução e comentário, p. 128.
[8] Ibid., p. 154-155.
[9] Embora os apóstolos começaram a
pregar o Evangelho eles se restringiram inicialmente ao povo de Israel.
[10] Este evento está descrito no
Livro de Atos dos Apóstolos, capitulo 10. Marshall descreve da seguinte forma:
“O episódio começa com uma visão angelical que veio a Cornélio na hora nona
do dia (15 horas). [...] O anjo veio assegura-lo que Deus tomara nota das
suas orações e dos seus atos de caridade. [..] A implicação é que Deus
responderá à oração pronunciada por Cornélio. Nesta etapa, no entanto, ainda
não se revela a natureza da resposta. Pelo contrario, Cornélio deve enviar alguém
a Jope, para buscar um homem chamado Simão – que aqui recebe seu nome
judaico. Seguir estas instruções seria um ato de fé e obediência.
Cornélio obedeceu a ordem e mandou um grupo [...].
A cena agora muda para Jope, onde Pedro estava
hospedado, e ficamos sabendo o que este fazia enquanto os mensageiros estavam a
caminho. Subira ao eirado da casa para ficar a sós, e ali estava orando ao
meio-dia; os judeus levavam a sério o padrão de orarem três vezes ao dia (Sl
55:17; Dn 6:10), e talvez usassem este horário como um dos tempos fixos. Parece
que os pensamentos de Pedro se desviassem da oração por causa da fome. [...]
Enquanto estava sendo preparado algo para Pedro comer, sobreveio-lhe um êxtase
(11:5; 22:17), e teve uma visão. [...] a imagem de um grande lençol que
estava sendo baixado dos céus pelas quatro pontas.
O lençol continha criaturas vivas dos três tipos
reconhecidos no Antigo Testamento (Gn 6:20, cf. Rm 1:23). Depois, Pedro ouviu
uma voz que lhe mandou matar os animais e preparar uma refeição... O lençol
continha animais que seriam imundos e, portanto, impróprios para comer
segundo os termos da lei judaica que se achava em Levítico cap. 11. [...]
Pedro, portanto, protestou contra a ordem, dizendo que nunca fora seu hábito
comer coisa comum ou imunda. [...].
Enquanto Pedro retornava ao estado consciente,
perguntando a si mesmo qual era o significado do seu sonho inesperado, os
mensageiros de Cornélio chegaram `a porta daquilo que provavelmente era um lar
bem humilde, e perguntaram se Pedro estava ali. A chegada dos homens a esta
altura claramente deve ser entendida como sendo providencial. Enquanto ainda
estavam à porta, veio a Pedro orientação interior da parte do Espírito; esta
era uma forma de comunicação divina diferente da visão, [...].
Assim Pedro desceu e recebeu os mensageiros,
tornando-se conhecidos a eles. [...].
Emerge, a partir daquilo que Pedro diz, que
interpretava sua visão, que tratava de considerar certas comidas como “comuns
ou imundas”, como também um meio de ensina-lo a não considerar qualquer homem,
tampouco, como comum ou imundo. Chegou a reconhecer que os escrúpulos
judaicos já foram cancelados por Deus. Sugere-se, portanto, que Pedro estava
fazendo uma nova aplicação da visão” (MARSHALL, I. Howard, Atos introdução e
comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1991, p. 176 -180).
[11] Ibid., p. 101.
[12] FRIES, Heinrich. Dicionário
Teologia: não cristãos-reforma. São Paulo: Edições Loyola, 1987, vol. IV,
p. 150.
[13] A Igreja Presbiteriana do Brasil
compreende que todos são sacerdotes, entretanto sua prática demonstra que
somente o é aquele que é ordenado pela igreja. Trataremos deste assunto no
próximo capitulo.
[14] Ênio R. MUELLER, I Pedro
introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1991, p. 127-128.
[15]
Charles Van Engen busca fazer uma redefinição do papel da igreja local e ele
faz a seguinte afirmação: “Haverá
congregações missionárias quando os líderes prepararem todos os membros para
aplicarem seu mais elevado potencial para o crescimento, para a maturidade e
para o serviço, numa relação de ministério compartilhado e expansão cooperativa
de todo o evangelho, promovido por toda a Igreja, para todo o mundo” (ENGEN,
Van Charles, Povo Missionário, Povo de Deus: por uma redefinição do papel da
igreja local. São Paulo: Edições Vida Nova, 1996, p. 193).
[16] Ibid., p.202.
[17] “Presbíteros são chamados
‘pastores’ ou ‘bispos’ no Novo Testamento. A palavra menos usada (pelo menos na
forma substantiva) é pastor (gr. poimẽn). Pode surpreender-nos
descobrir que essa palavra, que se tornou tão comum, só ocorra, referindo-se a
um oficial da igreja, uma vez no Novo Testamento. Em Efésios 4:11, [...]
Embora o substantivo pastor( poimẽn) não seja
usado para referir-se ao oficiais da igreja no Novo Testamento, o verbo
relacionado que significa ‘agir como um pastor (de ovelhas)’ (gr. poimanõ)
é aplicado aos presbíteros no discurso de Paulo aos presbíteros de Éfeso. Ele
lhes diz que devem ‘pastorear a igreja de Deus’ (At 20:28 traduzindo
literalmente o verbo poimanõ) e se refere no mesmo versículo ao povo de
Deus como ‘todo o rebanho’... Assim, Paulo exorta diretamente esses presbíteros
efésios a agir como ‘pastores’.
O mesmo verbo é usado em 1 Pedro 5:2 onde Pedro diz
aos presbíteros que devem ‘pastorear (poimanõ) o rebanho de Deus”
(GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Edições Vida Nova,
2002, p. 765).
[18] Não concordo com a posição do
autor no sentido de existir uma hierarquia na estrutura da Igreja. Deus jamais
estabeleceu uma hierarquia (ninguém é mais sagrado), pelo contrário, a Bíblia
está repleta de textos que nos diz afirmam que somos todos iguais diante de
Deus (1 Co 12: 12-28; Ef 5:21), entretanto Deus nos deu dons diferentes e
funções diferentes dentro da Igreja, assim como o fez dentro da família.
[19]
FRIES, Heinrich, op. cit., p. 155.
[20] Veja o que Van Engel (ENGEL, Van
Charles, op. cit., p.194) diz a respeito da separação da igreja e das
missões, separação que se estende aos clérigos e aos membros da igreja: “Não há
fundamento bíblico para tal distinção na Igreja, e a prática não-bíblica só tem
servido para colocar os clérigos “profissionais” num pedestal, como se
estivessem “perto de Deus”, afastando a grande maioria da santidade e da
atuação do Espírito em suas vidas”.
[21] “Desenvolvendo as poucas
indicações dadas pelo próprio Senhor, a Igreja no período patristico se
entende a si mesma prevalentemente como mãe, isto é, mediadora da salvação; ela
se apresenta como guardiã da fé, dada por Deus em Jesus Cristo; mediante a ação
sacramental e pastoral, ela se mostra mediadora da vida, pois que opera em
vista das almas, a cujo serviço empenha hierarquia (à MINISTÉRIOS) e fiéis” (FRIES,
Heinrich, op. cit., p. 150-151).
[22] Francis
FOULKES. Efésios introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2001, p. 97.
[23] Não quero dizer com isso que a
Igreja Presbiteriana não crê na existência de apóstolos ou de profetas hoje. A
igreja não crê na existência no sentido restrito dessas palavras, entretanto
acredita que muitas pessoas ainda hoje são enviadas por Deus (apóstolos) como
também acredita que todo crente pode ser um profeta (falar em nome de Deus).
Vivemos hoje um período onde se tem tentado trazer de volta esses ministérios
(apóstolos e profetas). Não entrarei na discussão se esses ministérios estão ou
não extintos, uma vez que o objetivo desta pesquisa é apenas analisar o poder
pastoral na igreja presbiteriana.
[24] Francis FOULKES, op. cit., p. 97.
[25] Segundo William Hendriksen,
“neste ponto, o propósito dos dons de Cristo outorgados à igreja, é declarado: a
fim de equipar plenamente os santos para a obra do ministério, com
vistas à edificação do corpo de Cristo. A Edição Revista e Atualizada no
Brasil (cf. A.V.) divide este versículo em três fases distintas, como segue: “Com
vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a
edificação do corpo de Cristo.” Seguindo esta linha se acham também as versões
A.R.V. e R.S.V. Antes de tudo, deve-se frisar que o original não fala de “a
obra do ministério”, porém “a obra de ministério”, ou seja, a
prestação de serviços específicos de várias espécies. Porém, mesmo com essa
mudança a tradução ainda seria pobre, pois poderia facilmente deixar a
impressão de que os santos podem ser “aperfeiçoados” sem servir uns ao outros e
à igreja. Não deve haver vírgula entre a primeira e a segunda frase. Uma
solução mais adequada, segundo minha opinião, é aquela apoiada por muitos dos
comentaristas mais antigos, e mais recentemente por Salmond e por Lenski. Eles
eliminam ambas as virgulas. A idéia resultante é que Cristo deu alguns homens
na qualidade de apóstolos, outros na qualidade de profetas, etc., com o
propósito de “aperfeiçoar” (cf. 1 Ts 3:10; Hb 13:21; 1 Pe 5:10) ou prover o
equipamento necessário para todos os santos com vistas à obra de ministrar
uns aos outros bem como edificar o corpo de Cristo. Admito a possibilidade de
esta construção ser a correta. [...] Isto traz a lume com maior clareza que o
propósito imediato dos dons de Cristo é o ministério realizado por todo
o rebanho; seu propósito último é a edificação do corpo de Cristo, ou
seja, a igreja” (HENDRIKSEN, William. Comentário
do Novo Testamento Efésios. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1992, p. 245, 246).
[26] Não podemos nos esquecer que os
demais ministros listados por Paulo fazem parte deste projeto de
aperfeiçoamento e edificação do corpo de Cristo, embora nossa ênfase esteja no
pastor, não podemos ignorar os demais ministérios que são dados por Cristo.
[27] Grifo meu.
[28] Ênio R.
MULLER, op. cit., p. 256.
[29] “Todos os que se gloriam, devem
gloriar-se, esta é a exortação, no fato de conhecerem ao Senhor. Jesus ensinou
a mesma lição aos setenta, quando regressaram de sua missão regozijando-se
porque até os demônios se lhes sujeitavam (Lc 10:17-20).
O perigo está em que o gloriar-se no sucesso
facilmente degenera em auto-elogio. Paulo traz a memória de seus leitores (e à
sua própria memória) que não é aprovado quem a si mesmo se louva, e, sim
aquele a quem o Senhor louva. A palavra traduzida por aprovado (dokimos)
carrega a idéia de aprovação depois de um teste. [...].
Neste versículo, os olhos de Paulo repousam sobre a
avaliação última do ministério de uma pessoa. Pouco importa o que o indivíduo
mesmo diga à guisa de auto-elogio, e tampouco o julgamento feito pelos outros.
O que importa é o elogio que o Senhor mesmo proferir (cf. 1 Co 4:1-5)” (KRUSE, Colin. II Coríntios introdução e comentário. São Paulo:
Edições Vida Nova, 1994, p. 193-194).
[30] Segundo Tasker: Está preparado
traduz um indicativo passivo perfeito. Daí, “foi preparado” (VR) é tradução
melhor. Os lugares já foram determinados (TASKER, R. V. G, op. cit., p. 155).
[31]
TASKER, R. V. G, op. cit., p. 154.
[32] MORRIS, Leon L. Lucas introdução e comentário. São Paulo: Edições
Vida Nova, p. 288.
[33]
TASKER, R. V. G, op. cit., p. 154.
[34]
Ibid., 154.
[35] MORRIS, Leon L, op. cit., p. 289.
[36] Ibid., p. 289.
[37] “Jesus reafirma, na linguagem da
escravatura, a verdade de que o tesouro celeste e as possessões terrenas não
podem ser “acumuladas” ao mesmo tempo. Os homens não podem servir (isto
e, “ser escravos de”) a Deus e a mamom (Va; Knox, “dinheiro”; RA,
“riquezas”) a um só tempo, porquanto ter um só dono e prestar serviço de tempo
integral são da essência da escravidão. O acumulo de riquezas é uma ocupação
tão absorvente que mais cedo ou mais tarde, o dinheiro escraviza as suas
vitimas e as leva a desprezarem a Deus, a quem talvez tenham imaginado que
poderiam votar lealdade limitada” (TASKER, R. V. G, op. cit., p. 61).
[38] A moeda faz parte da dimensão
sistêmica (concreta) que estrutura as ações humanas.
[39]
Ênio R. MULLER, op. cit., p. 256.
[40] “Para beneficio da Igreja,
Cristo é o Cabeça, e Seu grande propósito para com a Igreja e a relação desta
com Ele é expressa no fato de considera-la Seu corpo. Esta é uma
expressão tipicamente paulina grandemente reveladora da Igreja. [...].
Significa, muito mais do que simplesmente dizer, que a Igreja é o ajuntamento
dos discípulos de Cristo, ou o Povo de Deus; exprime a união essencial de Seu
povo com Ele (tal como na parábola da videira e dos ramos em Jo 15) – a mesma
vida de Deus transborda por meio de todos; e fala do corpo como um todo que
funciona em obediência a Ele, desenvolvendo a Sua obra no mundo.
[...]. A sequência de pensamento aqui parece ser:
por sua ressurreição a ascensão Cristo é exaltado para ser Senhor de tudo; Ele
é o Cabeça de todas as coisas para a Igreja; a Igreja é o seu Corpo, e como
tal, deve expressa-lo no mundo; mais do que isso, a Igreja deve ser uma
expressão plena dEle, ao ser preenchida por Ele, cujo propósito é encher tudo o
que existe” (FOULKES, Francis, op. cit., p.
56-58).
[41] Colin diz que (KRUSE,C, op.
cit., p. 139): “a expressão na qualidade de cooperadores com ele
é tradução de uma palavra grega, synergountes (“cooperando com”). A ARA
provê corretamente com ele no texto, indicando que é com Deus que Paulo
coopera, e isto se torna mais explicito ainda na NIV (“como cooperadores de
Deus...”)”.
[42] Segundo Leon Morris (MORRIS,
Leon, op. cit., p. 53) “não é inteiramente certo que “somos
trabalhadores junto com Deus” (AV) seja a tradução certa de Theou gar esmen
sunergoi. Poderia significar “cooperadores uns com os outros no serviço de
Deus”, e isto se enquadraria muito bem no contexto”. Contudo lendo o contexto
percebemos que qualquer uma das interpretações dará o sentido de que cooperamos
na Edificação da Igreja de Cristo, o que nos faz cooperadores de Deus.
[43]
Colin KRUSE, op. cit., p. 84-85.
[44] Ditadura – Governo de exceção em
que os poderes do Estado se concentram nas mãos de um só homem.
[45] Charles Van ENGEL, op. cit., p. 198-199.
[46] Democrático – poder é a
expressão da vontade popular obtida em eleições e exercida pelos governantes
nos estritos termos previstos na lei. (LEMBO, Cláudio. Dilemas no Mundo
Político Contemporâneo. Um Olhar Sobre Ética & Cidadania. Coleção
Reflexão Acadêmica. Universidade Presbiteriana Mackenzie,2002, p.
62).
[47] Charles Van ENGEN, op. cit., p. 199.
[48] Ênio R. MUELLER, op. cit., p. 253-254.
[49] Bíblia Anotada (comentário
de 1 Tm 3:1) – O bispo também é chamado de presbítero no N.T. (veja Tt 1:5-7,
onde os termos são usados intercambiavelmente). O presbítero, o principal
oficial de uma igreja local, era chamado pelo Espírito Santo (At 20:28),
reconhecido por outros presbíteros (1 Tm 4:14), e qualificado segundo os
padrões estabelecidos nesta passagem. Seus deveres incluíam dirigir (5:17),
pastorear o rebanho (At 20:28; 1 Pe 5:2), proteger a verdadeira doutrina (Tt
1:9) e, de modo geral, cuidar do rebanho, o que incluía os recursos financeiros
da igreja (At 11:30).
[50] A narrativa de Lucas acerca do
debate a respeito do relacionamento entre gentios e a lei de Moisés forma a
parte central de Atos, tanto estrutural quanto teologicamente. Uma vez que a
missão cristã começara a evangelizar os gentios que não tinham sido
circuncidados antes, começou a surgir o problema das condições de sua filiação
à igreja. Parece que a norma da igreja de Antioquia, juntamente com os seus
missionários, era que não se exigia de tais gentios que observassem a lei
judaica; embora este aspecto não seja explicado diretamente nos caps. 11-14,
fica claro em 15:1-2 (cf. Gl 2:11-14). Esta norma, porém, era inaceitável para
alguns cristãos judeus, por duas razões.
Em primeiro lugar, acharam difícil acreditar que os
gentios pudessem ser salvos e tornar membros do povo de Deus sem aceitar as
obrigações da lei judaica. Pode-se simpatizar com o ponto de vista deles;
afinal das contas, qual evidência havia de que a lei, que representava a
vontade de Deus para o Seu povo da aliança, fora revogada? Foi este o
argumento que foi levantado com insistência por alguns visitantes judeus à
Antioquia, e levou a um debate forte no local, e a uma decisão pela igreja no
sentido de enviar representante a Jerusalém para discutirem o assunto ali.
[...](grifo meu).
Em segundo lugar, havia a questão de como os
cristãos judeus, que continuavam a viver segundo a lei judaica, poderiam ter
comunhão à mesa com os gentios que não observavam a lei e, portanto, eram
ritualmente impuros; não somente isto, mas também qualquer alimento que estes
oferecessem aos seus amigos judeus também seria impuro. (MARSHALL,
I. Howard, op. cit., p. 229-230).
[51] A Igreja está inserida no Reino
de Deus, mas a Igreja não é o Reino de Deus.
[52]
Richard SHAULL. A Reforma Protestante e a Teologia da Libertação. São
Paulo: Editora Pendão Real, 1993, p. 45.
[53]
João CALVINO, As Institutas ou Tratados da Religião Cristã.
São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, vol. IV, cap.
XIX, 28, p. 445.
[54]
Ibid., vol. IV, cap. XVIII, 17, p. 415.
[55]Ibid.,
vol IV, cap. IV, 2, p. 59.
[56]Ibid.,
vol. IV, cap. III, 6, p. 48 e 49.
[57]
Ibid., vol IV, cap. XV, 20, p. 301.
[58] A Igreja Presbiteriana do Brasil
tem como oficiais apenas os presbíteros (docentes e regentes) e diáconos,
contudo ela possui em seu regime evangelistas. Entretanto estes não possuem
poder algum dentro do governo da igreja e não são nem mesmo ordenados para esse
oficio.
[59] João CALVINO,
op. cit., vol. IV, cap. II, 4, p. 46.
[60]
Ibid, vol. IV, cap. III, 4, p. 47.
[61] Ibid, vol. IV, cap. III, 9, p. 51.
[62]
John H. LEITH, A Tradição Reformada: uma maneira de ser a comunidade cristã.
São Paulo: Editora Pendão Real, 1997, p. 253.
[63]
João Calvino, op. cit., vol. IV, cap. XIX, 31, p. 447.
[64]
Antonio José do Nascimento Filho é ministro presbiteriano, possui os
graus de mestre em teologia (Th.M.) e doutor em missiologia (D.Miss.) pelo
Reformed Theological Seminary, em Jackson, Mississipi, Estados Unidos. É
coordenador de Departamento de Teologia Pastoral do Centro Presbiteriano de
Pós-Graduação Andrew Jumper.
[65] FIDES REFORMATA. In: FILHO,
Antonio José do Nascimento. O Laicato na Teologia e Ensino dos Reformadores.
1999, p. 118.
[66] Wayne GRUDEM, op. cit., p. 769.
[67]
Richard C. GAMBLE. Suíça: Triunfo e Declínio. CALVINO E SUA INFLUÊNCIA NO MUNDO
OCIDENTAL. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana S/C, 1990, p. 65.
[68] John H. LEITH, op. cit., p. 254.
[69] Cláudio LEMBO. Dilemas
no Mundo Político Contemporâneo / Um Olhar Sobre Ética & Cidadania.
Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2002, p. 61.
[70] Segundo Calvino a Igreja Antiga
chamava de bispo o pastor eleito para presidir a assembléia de presbíteros.
Contudo no sistema calvinista este bispo passou a ser chamado de “presidente”.
Na Igreja Presbiteriana do Brasil este pode ser um presbítero docente ou
regente, com exceção da Igreja Local que pode apenas ter um presbítero docente
como presidente.
[71]João
CALVINO, op. cit., vol. IV, cap. IV, 2, p. 59.
[72]
Ibid., vol. IV, cap. V, 2, p. 73.
[73] Aristocracia – forma de governo
monopolizada pela classe da nobreza.
[74]
Ibid., vol. IV, cap. XII, 1, p. 211.
[75]
Ibid., vol. IV, cap. VII, 25, p. 127.
[76] Turbas – multidão em desordem;
muitas pessoas reunidas.
[77]
Ibid., vol. IV, cap. IV,
12, p. 68.
[78] Grifo meu.
[79]
Ibid., vol. IV, cap. XX,
8, p. 460
[80] Pentecostais – termo usado,
muitas vezes, de forma pejorativa dentro do meio presbiteriano.
[81]
João CALVINO, op. cit., vol. IV, cap. XX, 1, 2, 4, p. 453, 454, 457.
[82]
Ibid., vol. IV, cap. XX, 5, p. 457.
[83]
Robert D. KNUDSEN. O Calvinismo Como Uma Força Cultural.
CALVINO E SUA INFLUÊNCIA NO MUNDO OCIDENTAL, op. cit., p.23.
[84] João CALVINO, op. cit., vol. IV,
cap. XX, 7, p. 459.
[85]
Ibid., vol. IV, cap. XX, 23, p. 476.
[86]
Quentin SKINNER, As Fundações do Pensamento Político Moderno. São Paulo:
Editora Schwarez Ltda, 2000, p. 469.
[87] Insulso – insípido.
[88] Rapace – que rouba.
[89] Esbulhado – roubado, despojado.
[90]
Ignavo – indolente, fraco,
covarde.
[91] João CALVINO, op. cit., vol. IV,
cap. XX, 25, 29, p. 478, 481-482.
[92]
Quentin SKINNER, op. cit., 468.
[93] Para melhor aprofundamento
consultar a obra de Skinner, capitulo 16, p. 494-495.
[94] FIDES REFORMATA. In: FILHO,
Antonio José do Nascimento. O Laicato na Teologia e Ensino dos Reformadores,
123.
[95]Eberhard
BUSCH. Igreja e Política na Tradição Reformada, in: MCKIM, Donald
D. Grandes Temas da Tradição Reformada São Paulo: Associação Evangélica
Literária Pendão Real, 1998, p. 167.
[96] Richard C. GAMBLE, op. cit., p. 67.
[97]
João Calvino, op. cit., vol. IV, cap. XI, 1, p. 194.
[98]
Ibid., vol. IV, cap. XII, 1, p. 212.
[99] Adminículo - auxilio.
[100] Ibid., vol. IV, cap. XII, 1, p.
211.
[101]
Ibid., vol. IV, cap.
XII, 5, p. 214-215.
[102]
Richard C. GAMBLE, op. cit., p. 65.
[103] Acicate – é o mesmo que espora.
[104]
João CALVINO, op. cit., vol. IV, cap. XII, 1, p. 211.
[105]
Ibid., vol. IV, cap. XI, 6, p. 200.
[106] Conforme nota de nº 102.
[107] Ibid, vol. IV, cap. III, 1, p. 44.
[108]
John H. LEITH, op. cit., p. 256.
[109]Ibid.,
p. 257.
[110]Ibid.,
p. 259.
[111] W.
H. ROBERTS, O Sistema Presbiteriano. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 33-34.
[112]Ibid., p. 34-35.
[113]Ibid., p. 35-36.
[114] Cito a Igreja Presbiteriana do
Brasil (IPB) por fazer parte dela, o que me faz sentir mais à vontade para
qualquer comentário.
[115] Os documentos citados pertencem
a Igreja Presbiteriana do Brasil, na cidade de Toledo, Paraná. Estes documentos
se referem ao pedido de transferência imobiliárias solicitado pelo Rev.
Nicodemos Emerick, no ano de 1998, quando este ainda era o pastor da igreja. A
liberação só ocorreu no ano 2000, após reunião da CE-SC/IPB, na cidade de
Curitiba, segundo documento de nº CLXXVIII. Em contato com o atual pastor da
Igreja Presbiteriana do Brasil de Toledo, Rev. Paulo Roberto Rocha nenhum
documento foi recebido até a data atual (11/08/2003) da JPEF (Junta
Patrimonial, Econômica e Financeira) e nem da JMN (Junta de Missões Nacional)
delegando, a Igreja Presbiteriana do Brasil de Toledo, todo o poder para a
transferência.
[116] Wayne GRUDEM, op.
cit., p. 778.
[117] W. H. ROBERTS, op. cit., p. 39.
[118] A
CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 10.
[119] Ibid., p. 227.
[120] Ibid., p. 228, 229.
[121] IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Manual
Presbiteriano. Editora Cultura Cristã, 1998, p. 17.
[122] A CONFISSÃO DE FÉ DE
WESTMINSTER, p. 209 e 211.
[123] Devemos considerar aqui o que já
foi dito a respeito desse assunto na p. 57.
[124]
Wayne GRUDEM, op. Cit., p. 844.
[125] Jürgen HABERMAS, Para a
Reconstrução do Materialismo Histórico, op. cit., p.219.
[126]
Richard SHAULL, op. cit., p. 87.
[127]
John H. LEITH, op. cit., p. 109.
[128]
Conforme citado nesta obra, p. 20.
[129]
Richard SCHAULL, op. cit., p. 72.
[130]
Ibid., p. 83.
[131]
John H. Leith, op. cit., p. 142.
[132]
Ibid., p. 143.
[133] Richard Schaull, op. cit., p. 97.
[134] Manual Presbiteriano
(Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil) – Capitulo IV; Seçào 3ª; Art.
50.
[135] Estes três problemas de
representatividade são apresentados pelo Prof. Dr. Júlio Paulo Tavares
ZABATIERO, em seu estudo O Desafio da Legitimidade, p. 2-4.
[136] Em
sua obra, o Prof. e Dr. Júlio, descreve essas características como crise da
qualificação. Contudo descrevemos essa crise de qualificação inserida na
crise de representatividade, por considera-la um agravante para a crise de
representatividade (Júlio P. T. ZABATIERO, op. cit., p. 3).
[137] A doutrinação é uma herança que
trazemos de Calvino: “Acredite-me, Monsenhor, a igreja de Deus não se
preservará sem um catecismo (doutrinação – grifo meu), que é como a
semente que impede o bom grão de morrer e que se multiplica de tempo em tempo.
Portanto, se vós desejais construir um edifício que permaneça, e que não caia
logo, providencie para que as crianças sejam instruídas com um bom catecismo,
que lhes mostre sucintamente, numa linguagem adequada à sua tenra idade, no que
consiste o verdadeiro cristianismo. [...]. Deveras eu diria que seria bom, e
até mesmo necessário, fazer com que os pastores e os curas ficassem presos a
certas formas escritas, para suplementar a ignorância e as deficiências de
alguns, [...]. E, em terceiro lugar, para eliminar toda pretensão de introdução
de alguma excentricidade ou nova doutrina por parte daqueles que procuram
somente entregar-se a tolas fantasias...” (LEITH, John H. A Tradição
Reformada, p. 124).
[138] Devemos incluir aqui também os
pastores da denominação que por muitas vezes são apenas adestrados nos
seminários, e, não ensinados a pensar e ler a Bíblia de forma pura. Os
seminários normalmente não ensinam a fazer teologia e sim querem ensinar a
defender uma teologia, no caso a reformada, calvinista. Esse é um problema que
afeta praticamente todos os seminários denominacionais.
[139] Júlio P. T. ZABATIERO, op. cit., 3.
[140] MANUAL PRESBITERIANO.
[141] Júlio P. T. ZABATIERO, op. cit., p. 4.
[142] Ibid., p. 4.
[143] Ibid., p. 4-5.
[144] Manual Presbiteriano, cap. V,
seção 1ª, art. 61, p. 25.
[145] Nesta seção tratarei da
assembléia como reunião da congregação local e não reunião do Supremo Concílio.
[146] MANUAL PRESBITERIANO, cap. II,
p. 9.
[147] Apresento neste trabalho algumas
propostas de possíveis caminhos de superação da crise de representatividade e
da crise da positividade jurídica do Prof. Dr. Júlio P. Tavares Zabatiero (cf.
obra já citada neste capitulo, p. 5-7), fazendo alguns pequenos acréscimos ou
alterações que julgo ser conveniente e junto com estas apresento propostas
pessoais.
[148] Com essa proposta viso também
minimizar o problema da participação relativa dos membros no poder da igreja.
Este é um possível caminho para que o poder pastoral seja dividido com os
membros da igreja e para que estes sejam mais participativos nas soluções dos
problemas enfrentados pela igreja. Tal procedimento também poderá contribuir
para que os presbíteros sejam observados em suas decisões, tendo a oportunidade
de fazerem suas defesas diante toda a igreja.
[149] Júlio P. T. ZABATIERO, op. cit., p. 7.
[150] Ibid., p. 7.
[151] Ibid., p. 8.
[152]
Tal afirmação pode ser confirmada pela seguinte tese de doutorado: JUNIOR,
Valdir Gonzáles Paixão. A Era do Trovão: Poder e Repressão na Igreja
Presbiteriana do Brasil no Período da Ditadura Militar (1966-1978). Universidade
Metodista de São Paulo, 2000.
[153] Clodovis BOFF, Teologia do
Poder (Teses), in: ARROCHELES, M. H. (org). A Igreja e o Exercício do Poder.
Rio de Janeiro: ISER, 1992, p. 42-69.
[154] Ibid., p. 44.
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